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SESSÃO DE 16 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

Antonio Teixeira de Sousa
Julio Antonio Lima de Moura

SUMMARIO

Lêem-se na mesa os seguintes officios: da camara dos dignos pares, participando que Sua Magestade recebera a grande deputação das côrtes geraes; da mesma camara, acompanhando copia do auto lavrado para reconhecimento de Sua Alteza Real o Principe herdeiro; do ministerio do reino, fazendo remessa de um processo eleitoral; do ministerio da fazenda, acompanhando documentos pedidos pelos srs. Francisco José Machado, Emygilio Navarro e José Julio Rodrigues; do ministerio da guerra, acompanhando documentos pedidos pelo sr. Adriano Monteiro; da sociedade de geographia, acompanhando exemplares de diversas publicações. - O sr. Francisco José Machado manda para a mesa uma representação contra as novas medidas tributarias. - Fazem declarações de voto os srs. Alves Passos, Costa Moraes e José de Azevedo. - Justificam faltas ás sessões os srs. Sergio de Castro, Almeida e Brito, Figueiredo de Faria, Alves Passos e Adriano Monteiro. - O ar. Custodio de Almeida participa o fallecimento do pae do sr. deputado Luciano Monteiro. - O sr. ministro da fazenda apresenta a proposta de lei que fixa a dotação da familia real. - O sr. José Julio Rodrigues troca algumas explicações com o sr. presidente sobre o facto de lhe não ter sido dada a palavra em uma das anteriores sessões, e discursa ácerca da necessidade immediata da reforma da instrucção superior e organisação do estudo technico e profissional. - Responde-lhe o sr. ministro da instrucção publica. - O sr. barão de Paçô Vieira apresenta o parecer sobre a eleição de S. Thomé, parecer que e logo approvado, sendo proclamado deputado o sr. Alfredo Mendes da Silva. - O sr. Costa Moraes propõe, e a camara concede, que sejam aggregados á commissão de instrucção primaria e secundaria os srs. Greenfield de Mello e Sergio de Castro. - O sr. Adolpho Pimentel manda para a mesa uma representação, que sustenta com algumas considerações, para que seja cedido o convento do Salvador de Braga á associação de beneficencia da mesma cidade. - O sr. Roberto Alves pede providencias contra irregularidades no serviço das contribuições. - Responde-lhe o ar. ministro da fazenda, garantindo que tomará as necessarias providencins contra qualquer abuso. - O sr. Almeida e Brito falla sobre a necessidade da conclusão das obras da alfandega de Ponta Delgada. - Responde-lhe sobre o assumpto o sr. ministro da fazenda. - Apresenta um projecto de lei, que acompanha de algumas considerações, o sr. Pinto Moreira. - O sr. Francisco Machado, discursando ácerca das novas medidas tributarias, censura o lançamento do addicional, e justifica a representação que apresentou contra as mesmas medidas. - O sr. Marcellino Mesquita chama a attenção do sr. ministro da instrucção publica para a falta de cumprimento do contrato da empreza do theatro de D. Maria e para a deficiencia da fiscalisação do mesmo theatro. - Responde-lhe o sr. ministro da instrucção publica que, depois de informado, tomará as convenientes providencias. - O sr. Lobo d'AVila pede a presença do sr. ministro da marinha para lhe dirigir umas perguntas de importancia. Na ordem do dia continua a discussão na especialidade do projecto de lei n.° 109 (bill de indemnidade). - Discursa contra o projecto, comparando diversas dictaduras e censurando a attitude do governo para com aã manifestações do espirito publico, o sr. Eduardo Abreu.- O sr. Manuel d'Assumpção apresenta o parecer sobre a proposta do governo, relativa á dotação da familia real. - O sr. Elmano da Cunha discursa em favor do projecto em discussão, ficando com a palavra reservada.

Abertura da sessão - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 75 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adolpho da Cunlia Pimentel, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Fialho Machado, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Sergio da Silva e Castro. Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto José Pereira Leite, Augusto Ribeiro, Barão de Paçô Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo de Jesus Teixeira, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Francisco do Almeida e Brito. Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, João de Barros Mimoso, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Marcellino Arroyo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Pinto Moreira, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Bento Ferreira de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Elias Garcia, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Julio Rodrigues, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Greenfield de Mello, José Maria de Oliveira Peixoto, José Monteiro Soares de Albergaria Julio Antonio Luna de Moura, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Cordeiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Manuel Constantino Thpophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pinheiro Chagas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Marcelliuo Antonio da Silva Mesquita, Pedro Augusto de Carvalho e Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Entraram durante a srssão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo. Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Baptista de Sous-a, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Jalles, Antonio Costa, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Artlmr Hintze Ribeiro, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Carlos Lobo d'Avila, Christovao Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Villa Real, Emygdio Julio Navarro, Fernando Mattozo Santos, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Severino de Avellar, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiauo, João Cesario de Lacerda, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, José de Azevedo Castello Branco, José Domingos Ruivo Godinbo, José Estevão de Moraes Sarmento, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Mana dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, Julio Cesar Cau da Costa, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel de Oliveira Aralla e Costa. Manuel Vieira de Andrade, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Vittor da Costa Sequeira e Visconde de Tondella.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Emilio
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660 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de Sousa Cavalheiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa do Barros e Sá, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Carlos de Sousa. Lobo Poppe, Augusto Maria Fuschini, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Roma du Bocage, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Conde do Covo, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, João Pinto Rodrigues dos Santos, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio do Almeida, José Dias Ferreira, José Frederico Laranjo, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim de Sonsa Cavalheiro, José Paulo Monteiro Cancella, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Antonio Moraes e Sonsa, Manuel Affonso Espregueira, Manuel de Arriaga, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Sebastião de Sonsa Dantas Baracho e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Camara dos dignos pares do reino. - Presidencia. - Illmo. e exmo. sr. - Tenho a honra de participar a v. exa. que a grande deputação das côrtes geraes foi hoje recebida por Sua Magestade El Rei.
Sua Magestade, recebendo a deputação com a sua habitual benevolencia, dignou-se responder á allocução que lhe foi teita, em termos muito lisonjeiros.
Sua Magestade a Rainha, a Senhora D. Amelia, e Sua Alteza Real o Principe D. Luiz Filippe, dignaram-se tambem receber a deputação, á qual Sua Magestade a Rainha houve por bem dirigir phrases muito affectuosas.
A deputação teve depois a honra do ser recebida por Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria Pia, que se dignou de a acolher com palavras de muita benevolencia e consideração. - Deus guarde a v. exa. - Palacio das côrtes, em 16 de junho de 1890. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados. = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.
Para a secretaria.

Da mesma camara, acompanhando uma copia do auto lavrado em sessão das côrtes geraes, a 14 do corrente, para reconhecimento de Sua Alteza Real o Principe herdeiro.
Para o archivo.

Outro do ministerio do reino, remettendo o processo relativo á eleição do deputado pelo circulo do S. Thomé.
Para a commissão de verificação de poderes.

Outro do ministerio da fazenda, romettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Eduardo Abreu, nota da receita creada por lei de 4 de julho de 1889, com applicação aos hospitaes de alienados, desde o principio do actual anno economico.
Para a secretaria.

Outro do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Francisco José Machado, a informação prestada pelo cominando geral da guarda fiscal ácerca da correspondencia trocada entre o referido commando e o commandante da canhoneira Açor, relativamente a contrabando nos Açores.
Para a secretaria.

Outro do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação no requerimento do sr. deputado Emygdio Navarro, copia do processo relativo á inscripção no orçamento rectificado da verba de 40:000$000 réis, para complemento do pagamento de resgate de roupas empenhadas por occasião da epidemia de influenza em Lisboa. Para a secretaria.

Outro do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado José Julio Rodrigues, nota das despezas feitas com levadas de irrigação na ilha da Madeira, por conta dos creditos orçamentaes votados para despezas com obras hydraulicas.
Para a sentaria.

Outro do ministerio da guerra, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado Adriano Monteiro, em sessão de 28 de maio ultimo.
Para a secretaria.

Outro da sociedade de geographia de Lisboa, acompanhando 170 exemplares de cada uma das seguintes publicações: indices e catalogos, A Previdencia, Sur la projection zenithale, A bibliotheca, As publicações, Associações de soccorros.
Para a secretaria.

REPRESENTAÇÃO

Da camara municipal do concelho de Peniche, contra as novas medidas tributarias.
Apresentada pelo sr. deputado Francisco José Machado e mandada publicar no Diario do governo.

DECLARAÇÕES DE VOTO

Declaro que, se tivesse estado presente á sessão de 7 do corrente teria votado a favor da moção de confiança no governo o da generalidade do bill de indemnidade. = O deputado, Alves Passos.
Para a acta.

Declaro que se tivesse estado presente á sessão das côrtes geraes de 14 do corrente, teria reconhecido como Principe Real da corôa portuguesa o Senhor D. Luiz, filho mais velho de Sua Magestade El-Rei D. Carlos e de Sua Magestade a Rainha D. Amelia. = O deputado, Costa Moraes.
Para a acta.

Declaro que, se estivesse presente á sessão solemne de 14 do corrente, teria votado o reconhecimento do Serenissimo Principe Real o Senhor D. Luiz Filippe, como sucessor d'este reino. - O deputado, Bernardino Pacheco Alves Passos.
Para a acta.

Declaro que se estivesse presente á sessão de 14 de junho, teria reconhecido como herdeiro do throno de Portugal, Sua Alteza o Senhor D. Luiz Filippe. = O deputado, José de Azeredo Castello Branco.
Para a acta.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

articipo que o sr. deputado Dantas Baracho, por motivo de doença, tem faltado a algumas sessões e que pelo mesmo motivo continuará a faltar.
Sala das sessões, em 16 de junho do 1890. = Sergio de Castro.

Declaro que o sr. deputado João Pinto Rodrigues dos Santos, não tem comparecido ás sessões e ainda faltará a mais algumas, por motivo justificado. = Almeida e Brito.

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Declaro a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, deixei de comparecer ás sessões ordinarias dos dias 9 a 13, deixando por igual motivo de assistir á sessão solenme do reconhecimento do Serenissimo Principe Real o Senhor D. Luiz Filippe. - O deputado, Francisco Figueiredo de Faria.

Declaro a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, deixei de comparecer ás sessões ordinarias desde o dia 4 do corrente, e que por igual motivo faltei á sessão solemne do reconhecimento do Serenissimo Principe Real o Senhor D. Luiz Filippe. = O deputado, Bernardino Pacheco Moraes Passos.

Participo a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, deixei de comparecer a algumas sessões d'esta camara. = O deputado, Adriano Monteiro.
Para a secretaria.

Participação

Participo á exma. mesa que falleceu o sabio lente da universidade, dr. Abilio Monteiro, pae do nosso talentoso collega n'esta camara, dr. Luciano Monteiro, que reside n'esta cidade. = O deputado, Custodio de Almeida.
Para a secretaria.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta de lei:

Proposta de lei n.° 128-B

Senhores. - Em conformidade com as prescripções dos artigos 80.° e 81.° da carta constitucional da monarchia, o governo tem a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° A dotação de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Carlos I é fixada, como nos reinados constitucionaes anteriores, na quantia de 1:000$000 réis diarios, e será abonada desde o dia 19 de outubro de 1889 inclusive.
Art. 2.° A dotação de Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria Amelia, augusta esposa de El-Rei o Senhor D. Carlos I, é fixada na quantia de 60:000$000 réis annuaes e será igualmente abonada desde o dia 19 de outubro de 1889 inclusive.
Art. 3.° A dotação de Sua Alteza Real o Serenissimo Senhor D. Luiz Filippe, Principe Real, é fixada na quantia de 20:000$000 réis annuaes e será do mesmo modo abonada desde o dia 19 de outubro de 1889 inclusive.
Art. 4.° A dotação de Sua Alteza o Serenissimo Senhor Infante D. Manuel é fixada na quantia de 10:000$000 réis annuaes, a contar de 15 de novembro de 1889, dia do aupicioso nascimento do mesmo Serenissimo Senhor.
Art. 5.° São declaradas em vigor, no presente reinado do Senhor D. Carlos I, as disposições da lei de 16 de julho de 1855, das leis de 23 de maio de 1859, artigos 3.°, 4.°, 5.° e 6.°, na parte applicavel, de 30 de junho de 1860, de 2 de maio de 1885 e de 25 de junho de 1889.
Art. 6.° Nenhuma outra quantia, alem das mencionadas nos artigos antecedentes, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, será abonada para as despezas da casa real.
Art. 7.º Fica revogada a legislação contraria a esta.
Ministerio dos negocios da fazenda, aos 16 de junho de 1890. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.
Foi enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

O sr. Manuel da Assumpção: - Peço a v. exa. consulte a camara sobre se consente que a commissão de fazenda se reuna na sala das commissões durante a sessão.
Consultada a camara deliberou affirmativamente.
O sr. José Julio Rodrigues: - (O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.
O sr. Presidente - Convido os srs. Adolpho Pimentel e Luciano Cordeiro a introduzirem na sala o sr. Christovão Ayres, a fim de prestar juramento.
Prestou juramento e tomou assento o sr. Christovão Ayres.
O sr. Alfredo Brandão: - Pedia a v. exa. o favor de me dizer se estou inscripto.
O sr. Presidente: - Não está.
O sr. Alfredo Brandão: - N'esse caso peço a v. exa. o favor de me inscrever.
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Mando para a mesa a seguinte proposta:
(Leu.)
Ouvi com toda a attenção as considerações que apresentou á camara o illustre deputado o sr. José Julio Rodrigues, e confesso a v. exa. que muitas vezes me alegrou e penhorou a declaração feita por s. exa. de que nenhuma duvida teria em collaborar com o governo e com o parlamento em assumptos que respeitam á instrucção publica e muito particularmente á instrucção superior, para que o ilustre deputado, com a sua reconhecida competencia e com os seus elevados dotes de espirito, muito póde contribuir.
Não necessitava o sr. José Julio Rodrigues de fazer essa declaração, porque conhecendo eu as qualidades que tanto distinguem s. exa., estava certo que podia contar com o seu apoio n'uma questão tão momentosa como esta, e ao mesmo tempo tão estranha ás luctas partidarias e aos facciosismos das seitas. Mas o sr. José Julio Rodrigues não fez só esta declaração, chamou tambem a minha attenção para um assumpto, na realidade importante, isto é, a direcção que, na opinião de s. exa., convém imprimir, quanto possivel, á nossa instrucção superior.
Cumpre-me declarar a v. exa. e á camara, que eu penso exactamente como s. exa., pois entendo que o criterio experimental e o desenvolvimento do estudo technologico deve constituir um criterio especial em harmonia, não só com o ensino especial das nossas faculdades e sciencias naturaes, como com o das sciencias medicas, e d'aquellas que hoje, em linguagem vulgar no nosso mundo academico, se chamara sciencias positivas.
Plenamente de accordo com a opinião de s. exa. discordo, porém, com o illustre professor sobre a fórma como s. exa. entende que deve ser levada á execução a remodelação d'esse serviço.
S. exa. deseja desde já medidas e decisões do parlamento, ácerca d'este assumpto, que provejam de remedio as imperfeições do estado actual.
Eu penso que a reforma é de tanta importancia, é tal o alcance das medidas a tomar, que os que estejam á frente dessa secretaria d'estado, e os representantes do paiz, devem proceder com todo o estudo e madureza em um assumpto como este, ácerca do qual se tem fallado muito, mas tambem ácerca do qual as idéas praticas e vulgarisadas em Portugal têem sido até hoje, imperfeitas e muito deficientes.
Pela orientação do meu espirito, pela minha educação scientifica, por esta atmosphera em que eu tenho vivido, e emfim, pelo criterio que tem presidido á minha carreira academica, não tenho a mais pequena duvida em me collocar ao lado de s. exa., concordando em que, na realidade, esse é o criterio que deve presidir á orientação dos nossos estudos superiores, mas dando-se a circumstancia de ter eu tomado conta de uma secretaria de estado que se creou ha pouco, e ainda não está organisada, não julgo conveniente entrar n'um caminho de reformas serias e solidas senão depois de estudos largos, e de ter ouvido to-

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dos aquelles que estão nas condições de me auxiliarem, e entre os quaes muito se distingue o sr. Jose Julio Rodrigues, com o seu espirito esclarecido.
O caminho logico a seguir é este. É organisar o ministerio, dividir os serviços, descentralisar varios ramos de instrucção, montar o apparelho para o serviço dependente do ministerio; e depois, quando as circumstancias do thesouro consultar mo permittam as illustrações do paiz, pedindo-lhes o seu auxilio para dar aos nossos trabalhos uma base segura.
Congratulo-mo por ver exposto pelo illustre deputado um programma tão serio e tão proficuo de reforma do ensino superior, e concluo declarando a s. exa. e á camara que não me esquecerei do assumpto, e que, logo que se trato da organisação d'aquella secretaria d'estado, dedicar-me-hci a esse serviço com todo o empenho o boa vontade.
Leu-se a seguinte:

Proposta

Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede permissão á camara dos senhores deputados da nação para que possam accumullar, querendo, as funcções de director e professor da escola normal de Lisboa, o sr. deputado Manuel Constantino Theophillo Augusto Ferreira.
Secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica e bellas artes, em 16 de junho de 1890. = João Marcelino Arroyo.
Foi approvada.
O sr. Barão de Paço Vieira (Alfredo): - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes, ácerca da eleição de S. Thomé e Principe.
Como não ha duvidas sobre esta eleição, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que, dispensado o regimento, entre já em discussão.
Leu-se o seguinte:

Parecer n.° 129

Senhores. - A vossa primeira commissão de verificação de poderes foi presente o processo relativo á eleição pelo circulo de 8. Thomé e Principe, a qual teve logar em 18 de maio proximo passado.
Verifica-se d'elle que o numero total dos votantes em todo o circulo foi de 929, tendo obtido:

Alfredo Mendes da Silva.... 505 votos
Matheus Augusto Ribeiro de Campos.... 424 votos

E não tendo havido protesto nem reclamação alguma, e de parecer a vossa commissão que deve ser proclamado deputado o cidadão Alfredo Mendes da Silva, que apresentou o seu diploma em fórma legal.
Sala das sessões, em 13 de junho de 1890. = Luciano Monteiro = Marcellino Mesquita = L. Bandeira Coelho = Barão de Paçô Vieira(Alfredo), relator.
Dispensado o regimento, entrou em discussão e foi approvado e proclamado deputado o sr. Alfredo Mendes da Silva.
O sr. Sergio de Castro: - Mando para a mesa uma justificação de faltas do sr. deputado Baracho.
O sr. Costa Moraes: - Mando para a mesa uma proposta pedindo que sejam aggregados á commissão de instrucção primaria e secundaria os srs. Sergio de Castro e Greenfield de Mello.
Peço licença para mandar tambem para a mesa a declaração do que se estivesse presente á sessão real teria reconhecido o Principe Real.
Leu-se a seguinte:

Proposta

Proponho que sejam aggregados á commissão de instrucção primaria e secundaria, os srs. deputados Sergio de castro e greenfiel de Mello. = O deputado, Costa Moraes.
Foi approvada.

O sr. Adolpho Pimentel: - Pedi a palavra para mandar para a meza um projecto de lei, assignado por todos os meus collegas deputados pelo districto de Braga, que tem por fim auctorisar o governo a conceder definitivamente á associação de beneficencia do districto de Braga o convento do Salvador.
Já na sessão de 14 de julho de 1888 o sr. ministro da fazenda da situação progressista, na proposta de lei n.° 79 B, pediu auctorisação para fazer esta concessão.
Este asylo e administrado por uma associação e foi creado em 1888 pelo sr. governador civil de então.
Desculpe-me a camara de eu não fazer menção dos serviços que este asylo tem prestado e continuará a prestar, porque esse estabelecimento e da iniciativa de uma aucto-ridade á qual me ligam relações de parentesco. O que é verdade e que este asylo sustenta dezenas de desgraçados que estão em risco de serem mandados para a rua por não terem casa que os albergue.
Peço a v. exa. que dê a esta proposta o destino conveniente.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Roberto Alves: - Sr. presidente, pedi a palavra para denunciar ao sr. ministro da fazenda, que felizmente vejo presente, um facto que está succedendo no circulo, que represento, e que representa uma violação flagrante da lei e dos direitos dos contribuintes.
Refiro-me, sr. presidente, á ultima irregularidade praticada depois de outras muitas, no lançamento da contribuição industrial do anno corrente.
Por annuncios, que a custo se conseguiu fossem publicados, como o regulamento de 28 de agosto de 1872 ordena, nos jornaes da localidade e por editaes, e ainda por meio das notas distribuidas aos contribuintes fez-se saber que as reclamações seriam recebidas ate 4 do corrente e decididas ate 14 d'este mez, começando a correr deste dia ate 19 o praso para a exposição das decisões e para a interposição dos recursos.
Tenho aqui e estou prompto a fornecer ao illustre ministro da fazenda uma d'essas notas.
Pois acontece, sr. presidente, que tambem o administrador do concelho da Feira se constituiu em dictadura. O exemplo aproveitou-lhe; quando parte de cima produz sempre esse resultado.
O administrador, portanto, querendo vedar aos contribuintes a justiça que pretendem só lhes faça, a reparação, que esperam das tropelias, das violentas tropelias feitas no lançamento, o administrador, que como presidente da junta dos repartidores devia convocal-a para decidir até ao dia 14 as reclamações apresentadas, calcou a lei, illudiu os proprios termos dos editaes e annuncios que publicara, e deixou intencionadamente de convocar a junta.
Hoje são 16, terminou ha dois dias o proso annunciado e a junta não foi convocada.
Abstenho-me, sr. presidente, de dizer por ora á camara a rasão que a opinião publica aponta para um procedimento tão audazmente illegal.
Limito-mo a denunciar o facto, e a pedir ao sr. ministro providencias immediataii e energicas para que se salvaguardem os direitos legitimos dos contribuintes.
O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Vou tomar as informações necessárias sobre o facto, e desde já posso affirmar que em caso algum serão prejudicados os contribuintes, por falta de cumprimento da lei por parte das auctoridades.
He os factos são verdadeiros, e se acabar o praso sem que tenham podido apresentar-se os recursos, eu o mandarei prorogar.
O sr. Almeida e Brito: - Pedi a palavra para cha-

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mar a attenção do sr. ministro da fazenda para o estado em que se encontra o edificio da alfandega de Ponta Delgada.
Recebi um officio da associação commercial d'aquella cidade, pedindo que intervenha junto do sr. ministro da fazenda para que se satisfaça a requisição de um orçamento para a conclusão das obras d'aquella alfandega.
Eu sei que principiaram a fazer-se as obras, e como o orçamento que era de 3:000$000 réis não chegou, veiu depois um supplementar de 5:000$000 réis.
Creio que este orçamento já foi presente ao sr. ministro da fazenda, mas parece que não ha verba para elle ser satisfeito.
Pergunto, portanto, ao sr. ministro da fazenda se está disposto a admittir uma proposta, que mandarei para a mesa, por occasião da discussão do orçamento rectificado, a fim de se proceder á conclusão das obras, sem o que o commercio será muito prejudicado.
O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Tenho conhecimento do facto e depende elle da maneira como se fazem os orçamentos quando se querem conseguir as obras.
Fez-se effectivamente um orçamento de 3:000$000 réis, o qual não chegou, não só porque era diminuto, mas por que, intencionalmente, se destruiu tudo quanto havia feito para dar logar a uma constituição mais larga do que realmente seria necessario para o serviço.
Agora já me foi presente um officio representando sobre a necessidade de ser auctorisado o pagamento de réis 5:000$000 para essas obras; mas para não acontecer o que já succedeu uma vez, não darei solução a esse pudido, emquanto não se realisarem as obras, e apenas auctorisarei as obras mais urgentes para beneficio das mercadorias.
O sr. Almeida e Brito: - Pedi a palavra simples mente para dizer ao sr. ministro da fazenda que, se s. exa. está disposto a mandar para a mesa e concluir as obras que reputo indispensaveis, eu não apresentarei a emenda, confiando em que s. exa. dará andamento a este negocio, logo que tenho os esclarecimentos que pediu.
Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma justificação de falta por parte do sr. João Pinto Rodrigues dos Santos.
O sr. João Pinto Moreira: - Mando para a mesa um projecto de lei, que tem por fim permittir aos foreiros a remissão do dominio directo passados vinte annos depois da sua constituição, e permittindo tambem a divisibilidade material dos prazos.
Não leio o relatorio nem o projecto para não fatigar a attenção da camara; mas alimento a esperança de que a illustre commissão de legislação civil se digne tornar em consideração este projecto, que me parece ter alguma importancia.
Esta idéa não é completamente nova.
Já em 1886 foi apresentada, por parte do governo, uma proposta de lei n'este sentido. Parece, porém, que essa proposta não attendia inteiramente ás reclamações dos povos.
Devo dizer a v. exa. e á camara que eu não venho apresentar este projecto pelo simples prurido de usar da minha iniciativa de deputado. Faço o, porque dou assim satisfação ás exigencias dos povos, e especialmente dos meus eleitores.
São elles que reclamam a instante approvação d'esta medida. Alem d'isso, no momento actual mais do que nunca, ou entendo que devem ser tomadas na maior consideração todas as idéas que se apresentem, tendentes a augmentar a riqueza territorial, de que dimana o augmento da riqueza publica.
Ora, desde que se facilite a transmissão da terra, desde que se deixe a terra livre de peias e onus, consegue-se , com isto a maxima transmissibilidade e portanto a maxima producção e o maximo augmento de riqueza teritorial.
não sei se estas idéas poderão calar no animo da illustre commissão, a ponto de ligar a este projecto a consideração que eu entendo que elle merece. Em todo o caso, mando o projecto para a mesa e peço a v. exa. que lhe do o devido destino.
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. Francisco Machado: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Peniche contra o imposto addicionial de 6 por cento.
Devo dizer a v. exa. e á camara que esta representação veiu mesmo a talho de fouce, porque hoje mesmo foi distribuido o projecto da commissão approvando este imposto.
Parece incrivel que os talentos do sr. ministro da fazenda dessem apenas para isso. Realmente, havia direito a esperar mais de s. exa. Parecia que s. exa. se mostrava com pretensões de imitar o seu antigo chefe, o sr. Fontes Pereira de Mello; mas a differença entre s. exa. e o finado estadista e enorme, porque o sr. João Franco começa por onde o sr. Fontes acabou.
O sr. Fontes, que foi um financeiro muito distincto, que prestou muitos serviços ao paiz; na ultima vez que foi ministro da fazenda, seguiu o processo que agora adoptou o sr. Franco. Precisando augmentar as receitas publicas para salvar as finanças do paiz, augmentou 6 por cento em todos os impostos.
Pois o sr. ministro da fazenda faz agora a mesma cousa, começa, portanto, por onde o seu chefe acabou.
E para lastimar que s. exa. desse de si um diploma tão desgraçado para os seus creditos de homem publico e para as suas prosapias de estadista.
O que fez o sr. Franco, fazia qualquer dono ou caixeiro de quitanda, que, vendo correr mal o negocio, e precisando augmentar a receita, passava a vender por 25 réis o carrinho de linha que até ahi vendia por 20 réis, e a duzia de agulhas que vendia por 15 réis passava pela mesma ordem de rasõos a vender por 20 réis.
Simples e commoda maneira de augmentar as receitas, e tem, alem d'isso, a vantagem de não necessitar grandes lucubrações.
Qualquer merceeiro que vendia um kilogramma de toucinho por 200 réis, vende o por 210 ou por 220 réis, quando as suas finanças só atrapalharem. (Riso.)
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Foi por v. exas. empenharem a quitanda.
O Orador: - Se nos empenhámos a quitanda foi para pagar o que v. exas. nos legaram. (Apoiados.)
O partido regenerador deixou dividas e o partido progressista, quando assumiu o poder, teve de contrahir emprestimos para pagar os encargos que v. exas. nos deixaram. (Apoiados.)
Vozes da direita: - Oh! oh! (Riso.)
O Orador: - Quando se discutir esse parecer, eu e os meus collegas havemos de dizer para que foram os emprestimos contrahidos pelo partido progressista.
O cavalheiro que pela primeira vez e ministro da fazenda, e cuja palavra tinha echo no paiz, que apresenta uma proposta de lei desta natureza, porque as suas lucubrações não lhe suggeriram outras de maior alcance, o que tem de fazer e largar a pasta. Isto só está á altura dos creditos de qualquer caixeiro de tenda (Sensação), e não de um ministro que se apresenta com ares de censor e com pertensões de restaurar as finanças do paiz.
(Ápartes.)
Posso dizer ao sr. ministro da fazenda que o paiz está abysmado, está espantado, porque esperava que s. exa. desse muitissimo mais do que tem dado.
Se os seus eleitores de Guimarães, que lhe deram os suffragios umas poucas do vezes e com grande enthusiasmo, vissem que o illustre deputado, em que se fundavam tão grandes esperanças, havia de proceder da forma como procede, não o teriam trazido á camara.

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Se os eleitores de Guimarães que elegeram s. exa. com tão grande enthusiasmo, soubessem que quando o illustre deputado fallava na camara quando era opposição e faltava com um extraordinario aplomb, que parecia ser mestre de nós todos, havia quando fosse ministro, de produzir uma obra d'esta natureza, augmentando os impostos com mais 6 por cento, sem querer saber se a agricultura podia pagar mais, não o teria de certo cá trazido, e se tivessem procedido livravam o paiz agora d'esta calamidade.
O sr. Presidente: - Peço ao illustre deputado que restrinja as suas considerações porque esse parecer não está ainda dado para discussão. (Apoiados.)
O Orador: - Vou restringir-me. Mas o caso é tão grave que ha occasião em que vou mandar para mesa uma representação contra os impostos, parece me que são bem cabidas as considerações que estava fazendo.
Tudo que se disser é pouco, porque o paiz não póde pagar mais; querem fazer lhe uma extorsão (Aputados) som se importarem com as lagrimas que vae custar.
Tenho pena de que sr. Dias Ferreira não faça parte da commissão de fazenda, para ver s. exa. assignado n'este parecer com declarações. Infelizmente não vejo nenhum dos cavalheiros que compõem a commissão assignado com declarações, o que mostra que todos estão accordes em que se tire mais sangue ao contribuinte, que já tem o organismo muito depauperado.
Mas é possivel, que o paiz tambem acorde um dia e não esteja resolvido a pagar nem este addicional de 6 por cento nem outros que já tinham sido lançados. Vou ler a representação:
«Senhores deputados da nação portugueza. - A camara municipal do concelho de Peniche, como representante dos habitantes do mesmo concelho, vem perante os mui dignos delegados de toda a nação representar contra a medida fazendaria que o respectivo exmo. ministro acaba de apresentar na camara electiva, de 6 por cento addicionaes ás contribuições do estado.
«Não ignoram de certo v. exas. a crise agricola por que está passando toda a nação, e este concelho resente-se muitissimo.
«Os vinhos não têem consumo senão por um preço insignificantissimo, o mesmo acontece a todos os cereaes.»
(Interrompendo a leitura.)
Peco á camara que attenda ao modo como está redigido o final da representação. Se quem a escreveu fosse encarregado de gerir a pasta da fazenda, faria melhor do que o sr. Franco Castello Branco. (Riso.)
(Continua a ler):
«Esta camara (a de Peniche), confiando na vossa illustração, espera que não approveis o augmento projectado, e que, attendendo ao desequilibrio que ha no estado entre a receita e a despeza, se procure, pelas reducções de despeza e melhor fiscalisação da receita, minorar o precario estado da fazenda publica.»
Peço a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Desejava dirigir ao sr. ministro das obras publicas, que poucas vezes tenho o prazer de ver nesta casa, algumas perguntas relativamente ao meu circulo, mas como s. ex. não está presente, e eu desejo ser muito laconico, reservo-me para fazer essas perguntas quando s. exa. comparecer nesta casa, e mesmo porque desejo ouvir a resposta de s. exa.
Desejo tambem referir-me a assumptos da administração do sr. ministro das obras publicas, mas não o quero fazer na sua ausencia.
Peço, portanto, a v. exa. a fineza de avisar o sr. Frederico Arouca de que necessito a sua presença n'esta casa, para me referir a assumptos da sua administração e para os quaes exijo resposta immediata.
Ha já muitos dias, que este ministro não vem á camara, portanto digue-se v. exa. avisal-o de que a sua presença aqui se torna muito necessaria.
Tenho dito.
O sr. Marcellino Mesquita: - Pedi a palavra para fazer umas leves considerações a s. exa. o sr. ministro da instrucção publica em rasão de uma noticia que li em jornal da manhã a respeito do theatro de D. Maria II.
A noticia é esta:
«O theatro de D. Maria fechou as suas portas. A ultima recita foi na quinta feira passada com a Belle Maman. E agora até setembro.»
A noticia é, como v. exa. vê sr. presidente, o que ha de mais simples, de mais laconico; assim ella fosse natural como é laconica e simples.
Mas não é, e não é porque segundo a lei do contrato, o theatro não podia fechar senão nove mezes depois de funccionar aberto, e o theatro abriu este anno nos primeiros dias do mez de outubro, o que quer dizer que só podia fechar em principios de julho.
É isto que se vê consultando o contrato que diz que a empreza do theatro de D. Maria é obrigada a dar espectaculos pelo menos nove mezes durante o anno; e, acrescenta-se que a falta de cumprimento de qualquer das clausulas do programma ou de qualquer proposta feita pelo concorrente importará a annullação completa do contrato de adjudicação.
Eu não digo isto para que o governo faça annullar o contrato, mas para que ponha cobro a estas infracções que redundam em prejuizo da arte e não correspondem ao subsidio valioso que o theatro disfructa do governo.
Sr. presidente, o theatro de D. Maria deve ser considerado como uma escola de arte. Uma escola de arte nacional. (Apoiados.)
Eu já tive occasião de fallar n'este assumpto particularmente com o sr. ministro da instrucção publica; e isto é apenas o annuncio de trabalhos a que hei de entregar-me durante o intervallo d'esta sessão parlamentar para ter a honra de apresentar ao parlamento.
Eu entendo que o theatro moderno não é nem deve ser apenas um logar de simples distracção; hoje é uma escola onde se digladiam theorias, onde se expõem theses, e que tendo resalvado o velho conceito do ridendo castigat mores, ousa apresentar a analyse dos affectos humanos, dos caracteres, e entrar ousadamente pela sciencia moderna da biologia e da sociologia. É portanto, o palco moderno, ou deve sel-o, mais do que um simples logar de exibições comicas, é uma cathedra, é uma escola. (Apoiados.)
Fazendo estas rapidas considerações, lembra-me da existecia de uma entidade que se chama fiscal do governo.
O que faz ali um celebre fiscal?
O que faz se não fiscalisa as recitas, marcadas no programma, o genero de peças improprias que ali se exibem, contra a letra expressa do contrato.
O sr. Agostinho Lucio: - Até somnambolismo em sessões se tem permittido.
O Orador: - Até somnambolismo, diz s. exa. muito bem. E não é importantissimo esse ramo da arte dramatica?
A gente não o comprehende, mas comprehende-o o fiscal do governo.
Eu não entrarei, sr. presidente, na analyse da maneira como se tem cumprido diversas condições do contrato, em relação, por exemplo, á admissão de novos artistas, á protecção á litteratura dramatica, aos auctores, etc.
Reservo essas considerações para occasião proxima em que hei de como prometti, occupar-me largamente do assumpto.
O illustre ministro terá, pois, a bondade de attender as minhas considerações, acreditando que presta um serviço relevante ao paiz em materia de instrucção e de gosto.
Provará assina que se interessa pela importantissima

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pasta que gere e em que eu sei que s. exa. está trabalhando valentemente, a despeito, de ella merecer, os sorrisos ironicos da opposição. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Declaro ao illustre deputado que vou tomar as informações devidas sobre o facto a que s. exa. se referiu, o que envidarei os maiores esforços para que o contrato seja cumprido á risca.
No que se refere á fiscalisação, posso affirmar que darei as ordens convenientes para que ella seja feita como convem pelo empregado do governo junto áquella casa de espectaculo.
O sr. Presidente: - Como a hora está muito adiantada vae passar-se á ordem do dia.
O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Pedi a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da marinha, pois desejava dirigir a s. exa. uma pergunta sobre assumpto que julgo muito importante.
Se v. exa. assim o entendesse pedia-lhe que prevenisse o sr. ministro d'este meu desejo.
Seria talvez possivel que s. exa. comparecesse antes de encerrada a sessão, e nos podesse dar uma resposta que tranquillisasse o paiz.
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - O illustre deputado, e creio que outros collegas de s. exa. pediram a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da marinha.
N'esse momento não expliquei a ausencia de s. exa. porque não sabia que o fim para que o sr. Lobo d'Avila desejava conversar com o meu collega era para tratar de assumptos de importancia, mas perante as suas instancias tenho a declarar a s. exa. que o sr. Julio do Vilhena não comparece hoje á sessão porque foi á sua secretaria, aonde desde quarta feira, em consequencia da discussão parlamentar, não tinha podido ir.
Como a opposição parlamentar sabe perfeitamente, aquella pasta e de muitissimo trabalho, e a administração do ultramar não pode estar durante dias e dias privada da presença do respectivo ministro. E esta a rasão por que s. exa. não comparece hoje, tendo-me encarregado de o participar á camara, caso se desse ensejo para isso.
O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Creio que teremos hoje sessão nocturna e talvez o sr. ministro da marinha podesse comparecer a ella sem inconveniente.
O sr. Alfredo Brandão: - V. exa. permitte que eu faça uma pequena reflexão.
O sr. Presidente: - A hora está adiantada.
O sr. Alfredo Brandão: - É por isso mesmo, e depois de ter ouvido as explicações dadas pelo sr. ministro da instrucção publica peço a v. exa. que me reserve a palavra para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Presidente: - Nós temos hoje sessão nocturna, devendo por isso terminar a sessão diurna ás seis horas da tarde.
Antes de se encerrar a sessão darei a palavra ao sr. deputado.

ORDEM no DIA

Continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 109 (bill de indemnidade)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Eduardo Abreu.

O sr. Eduardo Abreu (sobre o ordem): - Leu a seguinte moção:
«A camara, reconhecendo que a nação portugueza recebeu com invencivel indignação a noticia do ultimatum de 11 de janeiro de 1890, louva-se em tão patriotico movimento pela integridade da patria, sauda o povo, a mocidade academica, o exercito e a marinha de guerra, e passa á ordem do dia. = Eduardo Abreu.»
Era com a mesma tristeza, com a mesma dor e desalento com que costuma entrar n'um cemiterio, que tomava a palavra n'este momento, porque no projecto onde procurara elementos de vida para a patria, só encontrara leis mortas, leis que não se podem cumprir.
Fora grande o seu espanto ao ouvir faltar na dictadura de Mousinho da Silveira, para se defender a actual dictadura.
Pedia que não se fallasse em Mousinho da Silveira para este fim.
Mousinho da Silveira tinha-se feito dictudor nas terras do exilio, vendo correr as lagrimas de velhos soldados, que já se tinham batido e que anceiavam por tornarem a bater-se.
Os srs. ministros actuaes tinham sido dictadores no conforto das secretarias ou de suas casas, e fóra do recinto onde estavam assassinando a liberdade de pensamento, não tinham nem soldados nem marinheiros para os acompanharem e defenderem.
Em seu entender, estava-se escrevendo a pagina mais negra da historia de Portugal.
N'uma das sessões, a que tivera a honra de assistir, ouvira taxar de arruaceiros os que tomaram parte no movimento nacional de 11, 12 e 13 de janeiro.
Esta idéa parecia que tinha sido perfilhada pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, pelo sr. ministro da instrucção publica, e pelo sr. presidente do conselho.
Tinha o direito de em seu nome e em nome dos que tomaram parte n'aquelle movimento, arredar para bem longe quaesquer insinuações que se façam a respeito d'elle.
Aquelle movimento fôra sempre nobre e bom.
Descreveu o orador as manifestações que tiveram logar nas noites de 11, 12 e 13 de janeiro, e fez differentes considerações para mostrar que em taes manifestações tinham tomado parte homens de todas as classes e de todos os partidos, levados apenas pelo impulso patriotico.
No exercito e na armada notára-se o mesmo sentimento.
Os srs. ministros não podiam levantar-se das suas cadeiras para chamarem arruaceiros aos homens verdadeiramente patriotas que tinham feito o movimento de 11, 12 e 13 de janeiro.
Na sua vida publica o unico desgosto que tinha tido era ver taxar de arruaceiros aquelles homens.
Respeitassem todos aquelle movimento, porque fôra somente patriotico.
Notava que quando se dizia que não tinhamos exercito nem marinha devidamente organisados, tomassem conta das respectivas pastas o sr. Arroyo e o sr. Antonio de Serpa n'uma occasião tão angustiosa, em que era necessario tanta experiencia e tanta energia.
Não negava a s. exas. o talento e os grandes meritos, mas entendia que não eram s. exas. que estavam indicados para as funcções que assumiram.
Referindo-se ao decreto que creou o ministerio da instrucção publica e bellas artes, declarou que já tinha advogado em tempo a creação de um ministerio da instruirão publica; o que fizera fora pôr a restricção que põe ainda hoje.
Na sua opinião, este ministerio só devia ser creado quando as circumstancias do thesouro o permittissem.
Quanto ao ministerio de bellas artes, preferia que elle fosse substituido por um ministerio de beneficencia publica.
Entendia que o primeiro golpe que levaram as instituições monarchico representativas do paiz não lhes fôra vibrado pelo partido republicano ou pelo partido progressista.
Quem lhes vibrara esse golpe fôra o sr. Pinheiro Chagas, apresentando a sua moção de confiança, e o sr. Serpa Pimentel, não querendo acceitar uma moção da opposição que podia ser votada por todos.
O futuro havia, de explicar bem qual era a responsabi-

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dade extraordinaria que a camara havia assumido votando a moção do sr. Pinheiro Chagas.
(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção

A camara, reconhecendo que a nação portugueza recebeu com invencevel indignarão a noticia do ultimatum de 11 de janeiro de 1890, louva-se em tão patriotico movimento pela integridade da patria, sauda o povo, a mocidade academica, o exercito e a marinha de guerra, e passa á ordem do dia. = Eduardo Abreu.
O sr. Manuel d'Assumpção: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a proposta do governo, relativo á dotação da familia real.
Foi a imprimir.
O sr. Elmano da Cunha: - Em obediencia ao artigo 93.º do regimento d'esta casa, começo por ler a minha moção de ordem:
(Leu.)
Sr. presidente: - Escutei com a maior attenção o discurso do illustre deputado que me precedeu, e porque o achei inteiramente novo no genero vulcanico, peço venia a v. exa. e peço licença á camara para dirigir daqui, e a respeitosa distancia, ao illustre deputado, as minhas mais cordiaes felicitações.
E um moço de talento, muito talento na verdade, e é pena! mas e licito esperar que a idade, a experiencia e os desenganos, os revezes da fortuna, e ainda alguma grande ingratidão, moderem e refresquem os ardores verdadeiramente caniculares de um grande cerebro em chammas; e então poderão as claras luzes de um sereno entendimento illucidar e esclarecer muitas questões interessantes ao illustre deputado e ao paiz, onde não sobejam os homens verdadeiramente uteis.
No emtanto, como a transformação ou methamorphose podem ainda levar tempo, peço a v. exa. mande acrescentar ao enorme consumo de agua que já se faz n'esta casa, mais duas bôcas de incendio, para que não tenhamos de lamentar algum caso de combustão espontanea na pessoa de um bello moço, a todos os respeitos digno. (Riso.)
Juro, porém, a v. exa. e á camara, por tudo o que ha de mais sagrado para mim n'este momento, uma grande dor sem data e a consciencia de um grande dever a cumprir, que não está nas minhas intenções offender o illustre deputado nem ainda ligeiramente.
Tanto mais que o illustre deputado acaba de prestar-me um relevante serviço, offerecendo-me no seu originalessimo discurso mais uma prova ou contraprova á solução de um problema, que eu impuz ao meu dever e ao meu desejo, resolver n'este debate.
Tem elle intima connexão com a questão da dictadura e dictaduras.
N'esta materia, que considero a mais grave e interessante, que ainda pode merecer as attenções de um parlamento illustrado e livre, de um povo que ainda o é, (Apoiados.) apesar das dictaduras, e mercê talvez de alguma dictadura, (Apoiados.) quero que fique bem claramente accentuado o meu pensamento.
Devo dizer a v. exa. e á camara, como observação preventiva, e para que não fique duvida sobre as minhas intenções, que chego do paiz legal, do paiz onde se vive da lei e pelo respeito á lei, às cousas; às pessoas e á propriedade; d'aquelle paiz nimiamente susceptevel, onde a phrase insultuosa até se manda riscar para que d'ella não fique nem um vestigio sequer; d'aquelle paiz, emfim, em que, sob o influxo benefico, e pela elevada comprehensão d'estes principios elementares, se aprecia e disfructa uma liberdade agradavel. (Vozes: - Muito bem.)
Por ultimo previno v. exa. e a camara de que farei, em vea de um, dois discursos parallelos, n'um dos quaes irei respondendo á especialidade do debate, e no outro irei pondo as premissas do uma conclusão não destituida de importancia.
Isto posto, sr. presidente, de quanto n'esta casa se disse muito eruditamente ácerca de dictaduras, conclui que ellas podem classificar-se em tres especies: dictadura partidaria, dictadura nacional e dictadura mixta. A primeira e racional o legalmente inadmissevel; (Apoiados.) a segunda constitue não só um direito, mas; ainda uma obrigação, dados os factores legaes previstos na constituição poletica; (Apoiados.) a terceira será mais ou menos justificavel segundo o seu elemento predominante for a dictadura partidaria ou a dictadura nacional. (Vozes: - Muito bem.)
Mas, sr. presidente, conclui mais: que uma serie de dictaduras ainda da melhor especie, a terceira com elemento nacional predominante, constituo uma situação anormal, um verdadeiro estado morbido, a que e preciso acudir com tempo.
Qual devora ser, logo, sr. presidente, a questão prejudicial, verdadeiramente generosa, verdadeiramente patriotica? Investigar a origem do mal e investigar o remedio.
Foi isto o que se fez? Não. Insinuou-se apenas, o que quer que seja de tão vago e indistincto como a franqueza que se dissimula ou a lealdade, que se retrahe. (Apoiados.)
E d'aqui, sr. presidente, tão triste como o illustre parlamentar o sr. Emygdio Navarro, e tão melancolico como o illustre parlamentar o sr. Francisco Beirão, fiz de mim para mim esta triste e melancolica reflexão:
Que o rentimonto patriotico ainda n'esta casa obedece a umas condições pautadas, que, se não são a negação do mesmo patriotismo, são cousa muito parecida. (Apoiados.)
Ora veja v. exa., sr. presidente, e veja a camara. Disse o illustre parlamentar o sr. Navarro: «A dictadura representa um vicio profundo no nosso regimen, poletico, uma desorganisação do systema representativo. É difficil fazer comprehender aos estrangeiros como entre nos se governa normalmente com absorpção de todos os poderes pelo poder executivo». Disse o illustre parlamentar o sr. Beirão: «É tempo de pôr um ponto final n'esta fórma de governar. É preciso uma reforma profunda nos nossos costumes politicos. Compenetremos-nos todos de que importa mudar de systema e tomemos o compromisso solemne de respeitar as leis e de tornar imposseveis quaesquer ulteriores dictaduras».
Disseram isto, s. exas., sr. presidente; são bellas palavras em verdade, mas a qual grande, generoso, patriotico e sobretudo pratico pensamento correspondem ellas?
Seria difficil adivinhal-o; talvez seja perigoso dizel-o.
Direi eu, sr. presidente, mas preciso antes justificar a minha estranha ousadia.
No decurso de vinte e quatro annos, que me levaram a mocidade, as illusões e todas as alegrias, mas não levaram o amor do meu paiz, porque sempre o amei, e porque deixo n'elle filhos, um d'elles talento de elite e já um orador notável, que aquelles senhores, os republicanos, sequestraram ás minhas convicções, recusei por tres vezes o ingresso nesta casa, que me fôra liberal e incondicionalmente offerecido pelo meu parente e amigo, o sr. Francisco Costa.
Terei com isso provado a meu frio indifferentismo ou o meu descaroavel desamor pelas cousas do meu paiz? Não, sr. presidente. Observava o observei sempre as nossas scenas politicas, ora com satisfação, ora com magua, segundo ellas me pareciam a lucta dos degladiadores jazentos na poeira do circo, ou o sacrifecio incruento nas aras da patria, do interesse e bem-estar individual dos nossos homens politicos.
Era só na primeira conjunctura, a das miserias, que eu sentia o impulso irresistevel do offerecer ao meu paiz um pouco de trabalho util e muita sinceridade e desinteresse, que são a minha unica fortuna; (Vozes: - Muito bem.) mas, sr. presidente, debil de organisação physica, e desconfiando como as formigas de Bernardes, que fosse a

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carga em desproporção com as forças, contentava-me com observar e, para me punir do meu peccado de humildade ou de inconsciencia, qual v. exa. e a camara quizerem, dizia: ao menos não terei compromettido os interesses do meu paiz por demasiado amor pelos meus, ou pela minha vaidade.
Eu, teria, pois, direito a dizer aqui verdades duras, mas não venho invocal-o; todos os titules são bons e devem até ser magnificos para justificar um dever e dever imperioso.
Só uma consideração me opprime n'este momento: que não tenham de arrepender-se do seu affecto temerario e impensado os melhores dos meus amigos.
E digo isto, sr. presidente, porque, comquanto me julgue incapaz de offender personalidades, digo as cousas rudemente, como quem foi educado nas asperezas da montanha, e não tem uma unica ambição que subordinar ás fórmas. (Apoiados.)
De resto, a minha adhesão e confiança aos homens do meu partido é a unica que poderia convir lhes e a unica que poderia offerecer-lhes, a espontanea e liberrima - aquella que se não compra e aquella que se não vende. (Vozes: - Muito bem.)
Dito isto; é realmente consoladora a reflexão do illustre parlamentar e publicista, o sr. Emygdio Navarro: É difficil fazer comprehender aos estrangeiros, etc.
Pois eu, sr. presidente, que estou para o sr. Navarro como um simples zero esta para um grande algarismo, creio que posso fazer comprehender aos estrangeiros e a camara um phenomeno singularissimo.
A verdade é que, apesar do regimen das dictaduras e de outros erros graves, temos realisado prodigios nos ultimos trinta e seis annos. (Apoiados.)
O paiz esta materialmente transformado; se fôra possivel comparar o paiz de hoje com o paiz de ha trinta e seis annos, veriamos por tal modo obliteradas as feições de um e outro que nos pareceriam dois paizos bom diversos. A agricultura, o commercio e a industria eram então em perfeito estado rudimentar, e a verdade é que hoje offerecem um progresso accentuado e até surprehendente para quem começou sem nada. (Apoiados.)
Permitta-me o illustre deputado e distinctissimo professor o sr. José Julio Rodrigues que não seja n'este ponto inteiramente da sua opinião. Não ha progresso igual, não ha progresso como s. exa. o deseja, mas ha progresso enormissimo em relação ao tempo e em relação aos meios, que, em um paiz pequeno como o nosso, só muito lenta e gradualmente se podem crear e desenvolver.
Tenho ainda de memoria um notavel discurso, sobre este particular, do eminente estadista o sr. Martens Ferrão. A economia de uma nação não obedece ás mesmas regras da economia domestica.
No tocante á instrucção publica, se ella não satisfaz aos desejos de todos, é porque não póde ser. A instrucção é um dos ramos de administração, que não depende inteiramente da acção governamental, e offerece em diversos paizes e no mesmo, resultados disparatados com igualdade de meios. A rotina e os habitos são temiveis obstaculos que só com geito e muito lentamente se vencem n'um paiz essencialmente rural como o nosso. (Apoiados.) Depois é preciso não esquecer que estivemos largos annos isolados da convivencia e commercio europeu, quer dizer de uma civilisação já muito adiantada, que quasi desconheciamos. (Muitos apoiados.)
Os direitos civis exercem-se larga e regularmente, graças aos melhoramentos introduzidos na nossa legislação civil, e a mais pobre e honesta magistratura da Europa, que é a nossa. (Apoiados.) Sei que ha ainda muito a fazer, mas creio bem que se fará. A definitiva organisação do registo civil será um passo agigantado, que acabara por assegurar muitos direitos por agora contingentissimos. (Apoiados.)
A propriedade está largamente garantida; a vida menos, mas, emfim, já póde contar-se no paiz com uma media rasoavel.
A honra e o bom nome do cidadão, em que consiste a sua dignidade moral, garantidos civilmente pelo artigo 359.° e seguintes do codigo civil, penso que agora o ficarão sufficientemente pelo decreto dictatorial sobre imprensa, que tantos clamores, sem nenhuma rasão, tem levantado do lado da opposição. A verdade é que temos tido até hoje uma liberdade de imprensa apenas descommunal.
Tratarei de espaço esse assumpto.
Direitos politicos temos apenas de mais, porque o seu alargamento tem-nos sómente servido para incommodar ou desmoralisar o povo.
Quer dizer que o privemos dos seus direitos politicos? Não: mas a liberdade politica é um alimento muito forte, precisa ser ministrado em pequenas doses, ou progressivas, para não produzir a indigestão.
A verdade é que entre nos quem exerce largamente os direitos politicos não são os cidadãos a quem a lei os concedeu, mas o influente politico ou a facção.
Pobres direitos! E ainda se não custassem nenhum sacrificio, mas custam; muita injustiça relativa, muita estrada inutil, muito emprego escusado ou menos merecido, e muita dotação a custa do magro thesouro. Só uma vantagem vejo em tamanhas e exorbitantes liberdades; lucrara com ellas as industrias cerealifera, vinicola e pecuaria. E sobre esta trindade, vinho, carne e pão, que gira pesadamente a machina eleitoral.
Pouco importa o que aqui nos disseram em palavras olympicas os illustres deputados, srs. Elias Garcia e Fernando Palha, a respeito dos 2:000 eleitores que nunca foram a urna, e foram na ultima eleição.
A rasão é apenas contraproducente.
Isso mostra-me sómente a consciencia que 2:000 editores tinham do seu sagrado direito até a data da eleição. Ora, a consciencia e exercicio de um direito, e tão importante e sagrado, não é como a agua extrahida da rocha pela vara de Moysés.
Esse despertar do direito em uma unica conjunctura, explica-se com rasões menos patriarchaes e menos biblicas. Eu explico-o por um grande esforço de dois lados. Que lhes preste.
Os direitos de reunião e associação, ou as grandes reuniões e associações populares precisam dos grandes plainos, dos grandes centros agrarios, commerciaes e industriaes, que não temos. O exercicio d'esses direitos é provocado pelas grandes necessidades e pelas grandes crises, que nascem da lucta eterna entre trabalho e capital. O largo exercicio d'esses direitos nem sempre exprime a alta comprehensão d'elles, mas muito mal-estar, grandes necessidades e poucos meios de as satisfazer. (Apoiados.)
Quer o illustre deputado o sr. Dias Ferreira que se eduque o povo para essas reuniões? Deixe s. exa. estar tranquillo quem esta; é porque não sente a necessidade do comicio. E, ainda assim, se o povo fosse convocado para se lhe ensinarem os grandes problemas do trabalho! Qual historia!
Reunem-n'o para não entender a philosophia transcendental do illustre deputado o sr. Arriaga, ou reunem-no para cousa muito peior, para o precipitarem no caminho da facção. Ha muitos annos o sr. marquez de Niza, e, se bem me recordo, tambem o illustre deputado o sr. José Dias Ferreira, convidaram-me para ir fallar em um grande comicio na praça hoje extincta do campo de Sant'Anna. Em touros? -perguntei eu, - não gosto. «Não, contra o governo», redarguiram elles, os cavalheiros a que me refiro. Mas, acrescentei eu, o governo nenhum mal me fez. «Não importa, falle sempre», concluiram. (Riso.) O facto é que não fallei.
Não admira, pois, que o povo se não reuna, nem admira que algum governo se lembrasse de regular esse direito,

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pela fórma por que o foi d'esta vez. Era uma necessidade. Se os comicios, os nossos comicios, hão de servir só para derrubar governos, é melhor que os não haja. Usem os partidos politicos de outros meios e deixem o povo estranho ás traficancias politicas. Mas ou não me admiro de que o illustre deputado se insurja contra o decreto em questão. É natural que amemos os nossos filhos. O illustre deputado tinha um muito libertino, o seu decreto de reunião. E vae o governo fulmina-o; a dor é natural. Verdade seja que em a gente tendo um D. Quichote e um Sancho Pansa, bem gordo, bem nutridos e bem armados, poderemos dormir socegadamente com portas e janellas abertas. Liberdade plena a todos os metingueiros. O illustre deputado contou umas historias. Eu tambem contarei uma. Eu, sr. presidente, conheci um padre, que, em vinte e cinco annos de predica, nunca pregou mais que um sermão, com pequenas variantes de occasião. Também era collado. O thema era a mais absoluta liberdade em tudo e por tudo. O padre, disse-lhe eu certo dia, você compromette-se com a curia romana. «Qual historia, respondeu, eu prego a liberdade absoluta para que me deixem fazer o que me convem».
N'outro dia, pregando de Santa Joanna princeza (Santa Joanna pertence ao circulo plurinominal de Aveiro) fartou-se de designar a santa por todos os substantivos masculinos. Oh! padre, exclamei eu! «Não faça caso, o sermão foi feito para homem, respondeu elle». (Riso.)
Ora, sr. presidente, estas historias explicam muitas coherencias e incoherencias. Pelo que respeita ao Peixoto, não é bem o que s. exa. disse. José Estevão amava ardentemente a musica; o que elle não levava a paciencia era um grande ridiculo. Ora o Peixoto era menos e mais que Peixoto; era conego e já maduro, e comprazia-se, como qualquer moço trovador da idade media, em exibir as suas prendas de garganta perante as meninas castellãs do seu tempo, acompanhando-se a viola franceza. Era isto o que José Estevão não podia levar a paciencia, o conego, a madureza e a viola.
Liberdade religiosa tem cada qual a que deseja. (Apoiados.)
A nossa tolerancia politica é tal que até toleramos entre nos uma republica extravagante e excentrica, no melhor sentido, como quem diz lei extravagante e cousa que trabalha fora da orbita legal, (Apoiados.) pouco comedida de linguagem, apesar da sua tenra idade, (Apoiados.) filha de pees incognitos, e dizem até que adulterina, apesar da adopção de uns homens grandes pelo talento, pela limpidez de consciencia, e pela summa prudencia, que é força respeitar como tudo o que é digno, ainda quando ao serviço de uma causa desesperada, ou, quando menos, intempestiva na serie de largos annos, se todos tivermos juizo. (Vozes: -Muito bem).
Finalmente, temos tal e tanta liberdade parlamentar que logramos inventar um regimen politico sobreposto ao pensamento original da nossa constituição politica.
Ora, sr. presidente, como é que todas estas liberdades, e todos estes bens, têem podido existir e coexistir com uma serie de dictaduras de todas as especies, menos a segunda?
Os estrangeiros não comprehendem, porque as nossas necessidades não são as d'elles, o seu temperamento não é o nosso; as aspirações não coincidem: os nossos odios são apenas de palavra, e lá fóra apertam-se a mão; não são os rancores politicos dos estrangeiros, indomaveis intransigentes e ás vezes eternos.
Comprehenderemos nós se, em uma hora de boa convivencia, não travada de perfidia, reconhecermos os seguintes factos incontroversos:
Através das dictaduras os nossos homens politicos têem tido o bom senso de nunca ultrapassarem uma certa linha de conducta, de abandonarem o poder em face de manifestações até ridiculas, de resalvarem sempre o ambito dos fóros e regalias populares, de obtemperarem com nenhuma ou moderada resistencia aos flexuosos movimentos do sentimento publico, do affirmarem a independencia e honra da patria, de fomentarem, finalmente, apesar das angustias do thesouro, toda a casta de melhoramentos de ordem material, iutellectual e moral.
Estas verdades exprimem-se, podem exprimir-se pelas duas seguintes formulas:
A dictadura politica, entre nos, irresponsavel em si mesma, como facto necessario e derivado de uma causa manifesta, em que ninguam quer fallar, tem sido, emquanto serie, o unico correctivo a tentavão dos desatinos que provocam e precipitam os clamores e os assaltos da revolução.
Deduzida da somma total das dictaduras, a parcella de erros administrativos e financeiros, communs a todos os governos, de difficil rateio hoje, ainda temos um reliquat, um quociente enormissimo, rapresentado em bens de toda a especie e males remediaveis.
Isto é o que os estrangeiros não comprehendem, mas é preciso que saibam; isto o que podemos comprehender e é preciso não esquecer.
Todavia, esta resultante explicavel pelo bom senso e bom juizo de uma familia, ou duas de dictadores mais ou menos benemeritos, tem enormissimos riscos denunciados, finalmente, pelas circumstancias presentes, e que podem conduzir a um naufragio em não remoto porvir.
Certo, certo o dia de hoje; precario sempre o dia de amanhã. Temos um inimigo no seio, não o dissimulemos; uma seita de sonhadores e outra de facciosos. E sobretudo a geração que ahi chega, é triste, bisonha, nervosa e sobretudo ambiciosa.
Os que adquirimos o triste privilegio da velhice, que é o acervo de todos os deveres multiplicado pelo acervo de todas as obrigações, temos a de prevenir o futuro por todos os meios possiveis.
Portanto insisto: Onde o mal? Qual o remedio?
O illustre sr. Navarro o que quer? O illustre sr. Beirão o que deseja?
Um compromisso, um contrato, uma escriptura publica, um termo forense, um titulo particular?
E quaes os contratantes?
Attenda s. exa. a que serão mais numerosos do que pensa. Considere que os republicanos não outorgam o contrato, e que não é obrigada a cumpril-o a geração que chega.
O illustre deputado não ignora a disposição do artigo 709.º do codigo civil.
O illustre deputado não pode ser um sonhador, nem deixar de ser um jurisconsulto, na idade que tem, e na situação a que chegou.

Assim de tres cousas uma: ou s. exa. dissimulou o seu verdadeiro pensamento, deixando a outrem a gloria e tambem o odioso pouco invejavel da denuncia, ou phantasiou, ou não teve nenhum pensamento, o que não quero nem posso admittir.

Se o partido progressista, portanto, nem nos revela a origem das dictaduras, nem o remédio para ellas, vamos ver se algum outro partido poderá esclarecer-nos.
Sr. presidente, do discurso do illustre deputado e meu velho amigo o sr. Arriaga, ainda misturado com o do illustre deputado o sr. Fernando Palha, nada pude colher que elucidasse o meu espirito na resolução do problema dictatorial.
Considerações nauticas ou astronomicas, não creio que possam esclarecer factos essencialmente humanos.
Mas, sr. presidente, é de prever qual o mal, e é de prever qual o remedio que o illustre deputado republicano indicaria.
O mal é o velho chaveco da monarchia, que não vale a pena os concertos, e o remedio será a mesma republica.
Eu, sr. presidente, ainda não tinha lido o facundo e sub-

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stancioso Macarel, e já tinha feito esta descoberta talvez unica da minha vida: que nenhuma das fórmas de governo conhecidas é incompativel com a prosperidade de um povo.
Mas, sr. presidente, a par d'esta consoladora descoberta, aprendi da historia esta reflexão afflictiva: se alguma vez a decadencia das sociedades politicas pode explicar-se pelos defeitos da sua constituição organica, muitas outras se explica pelos relaxamentos d'essa mesma constituição; e, no maior numero de casos, os males sociaes, filiando se em causas complexas estranhas a fórma de governo, o recurso extremo a uma nova fórma é uma perfeita illusão, quando não é o naufragio pavoroso n'um oceano de sangue, (Apoiados.) inutilmente derramado, o sangue que nenhuma therapeutica e nenhuns preparados de ferro regeneram - o precioso sangue de irmãos!
Ora eu, sr. presidente, persuado-me que a republica seria para nos esse naufragio. (Apoiados.)
Que a fórma fosse a franceza ou fosse a brazileira, cujas bases conhecemos pelo telegrapho e jornaes, ou fosse outra qualquer, só a nossa pequenez e recursos financeiros não mudariam.
Na questão de homens pouco ou nada melhorariamos.
Eu bem os vejo d'aquelle lado, sr. presidente; uns aprendi a admiral-os nos seus excellentes escriptos, outros a aprecial-os na sua adoravel convivencia: de quasi todos podia dizer o que escreveu o sr. Luiz de Souza na Vida do Arcebispo: «De muitos santos lêmos que o foram ainda no berço». Mas, sr. presidente, todos não chegam ainda para compor um gabinete. Sei, eu sei, o que me diriam: Temos muita gente lá fora, e recrutariamos os que faltam no partido progressista e no partido regenerador. La fora não os conheço que inspirem confiança: pelos homens d'este lado creio poder responder; os homens d'aquelle lado já responderam por si, e nomeadamente o illustre deputado, o sr. Fernando Palha, até o fez com hombridade um pouco dura. Demais, sr. presidente, nem os homens d'este lado, nem os homens do outro lado serviriam a republica: porque tem o pecado original da dictadura ingenita, e a dictadura em republica é, primeiro a anarchia, logo depois o golpe d'estado, e por ultimo o despotismo, necessaria e fatalmente. (Apoiados.)
A quem, pois, pedir conselho? Ao partido constituinte? Limitou-se a contar historias: e tambem eu contarei uma. Não sei em que peça theatral um actor, vestido de general romano, dizia aos espectadores um face de uma cortina: - «Alem vêdes meus exercitos»; e a cortina caía, e apparecia um guerreiro unico, perfilado e bem armado, mas fatigado de cem batalhas e pretendendo a reforma e ao repouso em quarteis de inverno. Entre nos quarteis de inverno quer dizer camara dos pares. (Riso.)
A esquerda dynastica nada póde dizer-nos n'este momento. Esta in partibus infidelium. (Riso.) E o povo? Eu conheço duas especies de povo. O povo que frequenta os tribunaes criminosos da Boa Hora desde o 1.° de janeiro até 31 de dezembro de cada anno e sempre com a mesma cara. Este conhece-o tambem a republica. (Apoiados.) O outro conheço-o sómente eu; é o que trabalha, é o que tem muito a perder e nada a ganhar: é o povo sebastianista, miguelista e monarchista; é o povo que apenas deseja que o deixem trabalhar em liberdade e socego, e gosar d'ella a seu modo nas suas romarias e cyrios, nos seus mercados e nas suas feiras. Não tem outras aspirações mais do que a inviolabilidade do seu lar, dos seus casais, das suas terras e officinas. Vive com pouco e julga-se feliz; quando o não é, ou pensa que não é, emigra.
Ha um partido numeroso, o das Graças, mas esse dorme ou se aborrece, quando lhe fallam em politica; se aqui manda raros representantes é por mera curiosidade, ou porque faz vento na avenida, não ha theatro ou não ha regata no Tejo. (Riso.)
Em circumftancias taes, só o partido regenerador poderia aconselhar-nos, mas esse esta na berlinda por causa da dictadura; é grandemente suspeito.
Demais, não estou auctorisado pelos chefes, e aqui ha alguma disciplina, (Apoiadoss.)
No emtanto, se eu fallar, será para offerecer com a minha indiscrição mais uma prova do mal de todas as dictaduras.
Tenha v. exa. e tenha a camara paciencia, irei buscar o principio do meu fim as mesmas origens da actual dictadura.
Sr. presidente, em 11 de janeiro de 1890 existiam serviços desorganisados em quasi todos os ramos da publica administração, nomeadamente no da justiça, por effeito do medidas soltas, desconnexas, publicadas aos bocadinhos, durante uma larga dictadura promulgada em plena paz octaviana, em circumstancias perfeitamente normaes, e contra todas as indicações constitucionaes, uma dictadura unica, de nova e quarta especie, a eleitoral, (Apoiados.) que a si mesma se definiu o que era no relatorio que precedeu a reforma administrativa de 1886, relatorio que ficaria perfeitamente substituido pela phrase de graciosa memoria: Nos quoque gens sumus... (Riso.)
O resto não se diz porque não é parlamentar nem inteiramente latim.
Eu nunca tive pretensões a gracioso, e, se recordo a phrase, e porque muitas vezes uma só phrase define uma situação inteira.
Em 11 de janeiro de 1890 um grande harpoador de baleias e de continentes, harpoava-nos com a maior singeleza alguns territorios africanos.
O paiz ferido em pleno peito por uma affronta, indigna de uma grande nação, e indigna do seculo, soltava um brado de angustia e um brado de indignação! (Apoiados.) Um governo prudente, fosse coragem, fosse medo, abandonava o poder para não ser responsavel pelo que podesse succeder.
Outro governo, mais por dever do que cobiça, (Apoiados.) adia duas heranças, a do passado e a do presente, qual d'ellas a mais gravada de dividas e de legados.
E mal cuidava elle que adia ainda uma terceira e uma quarta em fermentos de desordem. (Apoiados.)
Com effeito: uma facção pouco numerosa, mas muito atrevida, nada e creada com sangue que não derramou, e abusando de uma liberdade que não implantou, mas cujos fructos saboreia e até pretende estragar, no intuito de insinuar se, impor-se, accelerar o seu movimento, explorava, em puro beneficio de facção, o fremito, a dor conglobada de um povo inteiro, para precipital-o no mesmo movimento. (Apoiados.)
Com diverso intuito o fim diverso (justiça a todos) a presidencia do primeiro municipio do paiz, fosse instincto de conservação, fosse exageração de meritos, aliás incontestaveis, iniciava um pronunciamento parallelo ou pouco divergente, em todo o caso ameaçador e logo intoleravel, do supremo govorno da nação, em conjunctura, em que outro não estava indicado e não seria possivel. (Apoiados.) Á vista das nossas aguas de costa, aqui e nas paragens de alem mar, pairava o desgrenhado vampiro dos mares e dos continentes, levando-nos na garra adunca, para escarneo das nações, e em desafio a Deus, um pedaço do coração. (Vozes: - Muito bem.)
Tinhamos o peito indefeso, porque a pobreza e imprevidencia, não quero saber de quem, nos entrara ha muito as portas do domicilio inoffensivo.
Nem nos restava sequer a auctoridade moral, porque outro heroe que Deus punira do maior dos infortunios, o que se estende ainda a esposa exemplarissima e ao filho estremecido, nos arrancara do porto o velho navio negro, de dcspresivel valor e podre escravidão. (Vozes: - Muito bem.)
E n'esta altura occorre-me uma pergunta:

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Quem estava no poder á data do ultimatum? Quem estava no poder á data Charles et Georges?
Cautela com outra data. Ha dictados que são lições. Da terceira vez será de vez. (Vozes: - Muito bem.)
Tinhamos ahi ao desbarato, esparsas no vasto Atlantico, sem um canhão e sem um entrincheiramento, as nossas formosas ilhas, de ha muito appetecidas, como pontos estrategicos de primeira ordem, para uma guerra implacavel, cuja approximação póde prever-se, da grande nação opulenta, miserrima de pauperismo, a braços com o colosso do norte, e todo o oriente e occidente colligados, quando chegar o momento em que não haja nem na terra nem nos mares espaço sufficiente para a Europa viver.
E essa nobre fidalga que tem no brazão por timbre não restituir jamais o que uma vez tomou, aguardava apenas o pretexto, nem sequer dissimulado pela imprensa escoceza e irlandeza, para tirar a desforra de umas iniquas arbitragens, que ainda hoje discuto. (Apoiados.)
Esta era a situação clara, irrecusavel, medonhamente evidente, ao pôr do sol de janeiro, sol de inverno e no poente, e o mais triste crepusculo que ainda precedeu as sombras de uma negra noite dolorosa. (Vozes: - Muito bem.)
E n'esta situação, sr. presidente, que se explora e estimula o patriotismo de um povo! Depois da affronta o ridiculo!
Para que? E para que? Ah! senhores, que não sei como vos mostre a minha indignação, sem vos offender, não o querendo!
O que cumpria fazer? O alvitre posthumo e sempre facil. (Vozes: - Muito bem.)
Sopear a dor legitima e ainda desvairada, só pela força das armas, seria punir a dor pela violencia que exacerba e irrita, por fim iniqua.
Aguardar qualquer auxilio da camara progressista, seria desconhecer o que e a nossa politica.
Esperar o advento da camara regeneradora, seria auctorisar pelo silencio reservado, e pela espectativa sempre impaciente, as calumnias desaforadas contra Rei, governo e instituições, sobrepondo a esse mal ainda as perturbações de uma lucta eleitoral, aliás justificavel, em similhante conjunctura, até a titulo de diversão.
Portanto, a dictadura impunha-se como medida necessaria, como facto inevitavel. (Apoiados.)
Não estava precisamente na letra da constituição? Estava no seu espirito. Factos como o ultimatum não creio que os previna a constituição de nenhum povo. Tenho lido cem volumes de direito publico e das gentes e não encontro a novidade.
Os vinte e um decretos do governo acudindo ao passado, respondendo ao presente, e preparando o futuro, não podiam nascer de um jacto; e, quando menos, como prova de que o governo não estava inteiramente inactivo, e como promessas mais ou menos realisaveis, teriam sido um bom calculo, e grandemente sedativo de ruidosas, quanto mais de desvairadas manifestações de um patriotismo cego.
Houve precipitação, não saíram bem sazonadas nem na fórma, nem no fundo, as medidas promulgadas?
Quem teve d'isso a culpa? E a grandeza do plano, e a estreiteza do tempo, e o constante sobresalto?
Mas o partido progressista faria muito melhor em circumstancias identicas? Não o creio; porque se o partido progressista, era plena paz e socego, fez alguma cousa util, o que não nego, fez tambem alguma cousa má, e muita pessima a todos os respeitos. (Apoiados.)
Submetter o plano do governo á camara progressista, seria uma temeridade, a outra uma puerilidade.
Pois não e prova provada d'esta affirmação o que ha dois mezes estamos vendo n'esta casa?
Dois mezes, dois mezes preciosos a discutir o bill do indemnidade!
São simples auctorisações? Nem tudo o é. As auctorisações são para organisar serviços, e sempre se concederam em dictadura e fóra d'ella. Concederam-se para ganhar tempo e para corrigirem-se precisamente os defeitos do regimen politico que o parlamento inventou, que o nosso systema e habitos de discussão tem sustentado.
Os decretos sobre direitos de reunião, associação e imprensa ainda agora estamos vendo o que são.
As leis fazendarias ahi estão em plena camara, para serem discutidas.
Dois mezes assim consumidos a discutir um facto consumado!
Pois não sabia o partido progressista o seu numero e o nosso; não o contou e avaliou chegaudo á camara?
Mas havia de passar similhante dictadura sem protesto? E porque não protestou o partido progressista por um acto unico, e collectivo, e ainda perante o paiz por um manifesto?
É mania dos peccadores denunciar peccados alheios, e são ate os grandes peccadores os mais proprios para denunciarem as faltas dos vizinhos. Recordo-me de um camponez que no tribunal da penitencia denunciava a frei Ambrosio os crimes da communidade, para não fallar dos seus.
Mas este e precisamente o mal. O mal reside aqui e ali, em nós e vós. Em nós pelos nossos discursos interminaveis, em vós pelos vossos interminaveis discursos; em nos pelo nosso obstrucionismo systematieo, em vos pelo vosso systematico obstrucionismo; em nos pela nossa permanente desconfiança, em vós pelas vossas invenciveis suspeições; em vós pelas vossas veleidades; em nós pelas nossas leviandades, o peior quinhão para nós; em vos pela vossa indomavel indisciplina, em nos pela nossa mal contida insurreição.
Porque não procedeu o partido progressista a respeito da generalidade do bill como procedeu a respeito do discurso da corôa?
Teriamos empregado dois meses preciosos a corrigir, lapidar, excluir, ampliar, esclarecer, e emendar, os decretos da dictadura.
Por que não ajudastes o governo neste utilissimo trabalho, com as vossas luzes espevitadas do vosso patriotismo?
Mas, sr. presidente, seria um grangeio em commum, um patrimonio em partes iguaes!
De feito, quem ha de succeder amanhã aos homens do governo, gastos, velhos, vexados, e mortos pela idade, pela fadiga e ainda pelos affrontamentos immerecidos?
A republica? Queira Deus que assim o não queiramos todos.
Em vez d'isso que era patriotico, generoso, e exemplo de generosidade, quasi um pacto solemne, o que se fez?
Ainda aqui se explorou por fórma nova e com diverso fim o sentimento patriotico.
Pois realmente valia a pena vir em defeza dos naturaes inimigos, só porque o nobre sentimento podia ser explorado com talento ainda n'esta casa para indispor a opinião publica contra o alliado natural em patriotismo, inimigo de convenção, emquanto frua o poder? Estranho processo, e nada patriotico! Demais, calumniaes o povo, o verdadeiro povo, o que eu conheço, e vós não conheceis, na sua coragem indomita que nunca pede perdão. Melhor fôra aproveitar-lhe os instinctos naturaes de independencia, e educal-o para defendel-a algum dia! Mas qual! Se até vós insurgis contra o decreto dictatorial que resume este grande e generosissimo pensamento!
Em vez d'isso: gastaes o tempo em demonstrar que o governo pretendera corromper o exercito e a armada. Nada se tentou para desnorteal-o e desnorteal-a?
Eu ouvi dizer muita cousa, mas não quiz acredital-a. Quero antes crer que todas as manifestações foram devidas a impulso proprio e natural. Mas se assim foi, não havia necessidade de animação nem de estimulo. Contae com o

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exercito e armada, quando os tivermos capazes de uma defeza plausivel, no dies ille, dies irae.
Em vez d'isso; gastaes o tempo em affirniar que se tentou corromper o poder judicial. Singular meio de corrupção o que vos entrega ámanhã, esse poder, mais independente do que nunca, sob o ponto de vista eleitoral. Outra cousa são os processos n'este sentido excogitados pelo illustre ex-ministro o sr. Beirão. Com effeito, considerando elementos eleitoraes do nenhum valor os juizes de direito na sua existencia e missão sedentarias, imaginou que podia explorar eleitoralmente os julgados avidos do autonomia, e creou por consequencia os juizes municipaes; esqueceu-se porém, de que as comarcas amantes dos seus julgados, e os juizes de direito feridos nos seus interesses, se lhe converteriam em figadaes inimigos. Isto explica em parte os resultados da ultima campanha eleitoral, após quatro annos de governo e da montagem em dictadura da machina eleitoral! (Apoiados.)
Em vez d'isso:
Vem-nos dizer era discursos sybilinos que a dictadura actual foi a dictadura do medo.
Foi por valentia e coragem que o gabinete progressista abandonou o poder? (Apoiados.)
Qual governo insensato não sentira medo na terrivel conjunctura?
Foi de medo ou foi de colera que o sr. Fernando Palha, ao começar o seu notavel discurso, perdeu a cor natural, e ao tornou mais pallido do que a pallida rosa que então trazia ao peito, como se uma flôr precisasse de outra flôr?!
Eu penso que é o medo que produz essa pallidez; medo de se perder n'uma hora, o que em muitos annos se conquistou; medo de não conquistar o que deveras se merece, ou ao menos julga merecer-se.
Só o selvagem, o inconsciente e o nescio não têem medo, e esses mesmos não serão isentos de instinctiva inquietação em certas occasiões.
Os governadores dos povos livres, esses devem ter um medo particular, o medo por obrigação, o medo por devoção civica, o medo por patriotismo, o medo das tremendas responsabilidades que contráhem. (Vozes: - Muito bem.)
Quer o illustre deputado saber os que não têem medo?
Das montanhas rochosas da Curdilheira americana abalam annualmente, na direcção do sul, myriados de pequenos animaes interessantissimos. Não ha obstaculo que os detenha, rio, floresta ou montanha. Apertam-nos e devoram-nos por milhares os animaes selvagens. Lá vão sempre na sua vertiginosa carreira, até que se precipitam e affogam nos oceanos austraes.
Esses os que não têem medo, esses os povos á cata de uma felicidade impossivel, a, quem os ambiciosos, quando os não devoram, pagam com solemne ingratidão os favores que lhes pediram para conquistarem o poder.
Esse seria o destino do bravo quanto pacifico povo portuguez, affogando-se na bacia do Tejo, e ainda apupado pela gargalhada alvar de um Bacho omnipotente, se não tivesse havido medo, dictadura, decretos dictatoriaes, passeios hygienicos e boa cama e boa mesa a bordo dos nossos numerosos couraçados. (Apoiados.)
D'este ultimo insulto, que seria o ultimo, nos livrou o governo regenerador. Perdoe-se-lhe a dictadura; e se não sabemos ser justos, sejamos ao menos gratos. (Apoiados.)
Uma pergunta innocente: porque não se escalou a dictadura e explorou o povo á data Charles et Georges?
Foi menor o patriotismo, menor a dor, menor a comoção n'essa data?
Não foi: mas houve então uma voz magestosa que nos consolou e conteve nos rascaveis limites de uma justa ingnação - o verbo divino de José Estevão.
É que não existia a republica, ou apenas incubava! (Apoiados.)
Ahi tem uma resposta, que considero irrespondivel.
Em vez d'isso a minoria substituo a uma lei de imprensa rasoavel e necessaria, um projecto verdadeiramente liberticida.
A minoria condemna os casuismos do sr. Lopo Vaz, como se as leis não foram feitas para os casos Decorrentes; e a minoria acha grandes deficiencias e casos não previstos nos decretos dictatoriaes.
A minoria quer em questões de imprensa toda a liberdade com toda a responsabilidade, e a minoria quer toda a liberdade e alguma responsabilidade.
A minoria acha que foi intempestiva a dissolução da camara progressista, e a minoria não condemna em absoluto essa mesma dissolução.
A minoria porque o governo não conserva, ou melhor limita a acção de uma instituição desacreditada - o jury, chama-nos conservadores: e porque o governo conserva a mais odiosa e inconveniente das instituições - os municipaes, chama-nos ainda conservadores.
A minoria na outra casa do parlamento diz em tom de lytania recitada ao som plangente do orgão - In illo tempore, a que responde n'esta casa o echo - illo tempore, em que existia partido regenerador; e a minoria descreve o partido progressista como o povo hebreu errante e vagabundo por toda a face da terra, ou como o lendario Hernani - solingo, errante e misero. (Riso.)
Como se fôra licito a alguem retrahir-se até ás beiras de uma campa illustre, e erigir ahi a estatua de um semideus, para amesquinhar os seus herdeiros legitimos, e calumniar os vivos em proveito dos mortos e vice-versa!
A minoria, finalmente, para acabar, indica em principio de discursos brilhantissimos um profundo e generoso pensamento, e a minoria pára a meio caminho, e retalia e retalia sem clemencia, nem generosidade de especie alguma, por processos parlamentares e juridicos ainda novos e novissimos. (Apoiados.)
E eis-aqui em que se consome a nossa actividade parlamentar; em alimentar vaidades; em affirmações demeritos incontestaveis; em lisonjas a classes; em louvaminhas a chefes; em debates pela maior parte estereis; em diluir o fel em excipientes de mel, de nectar e ambrozia, que a ninguem podem enganar.
Qual governo é possivel em circumstancia extraordinarias com este systema parlamentar?
Em um dado momento, qualquer governo precisa de formular um vasto plano do organisação obedecendo a um pensamento inicial e uniforme.
Os governos já sabem a sorte que espera esse plano a começar pela sua maioria em lucta mal-ferida com os deputados da minoria. No fim da sessão têem passado dois projectos, e adeus unidade, acção e effeito.
Os governos que conhecem este estado de cousas, recorrera á dictadura. Aqui de El-Rei contra a dictadura! E a generalidade da dictadura discute-se durante dois mezes! Discute-se o passado, o presente, o futuro, os mortos e os vivos, e indirectamente a pessoa dos amigos e inimigos, e até a dos parentes.
O governo cáe.
A media de duração dos governos, entre nós, não chega a dois annos e meio.
A dictadura o espera! Por varios motivos, e ainda por um facciosismo singular, o da paternidade. Manter como ministro uma lei que se combateu como deputado, ou uma lei que não é a sua, quando a fez como ministro, é lá possivel?
Mais claro:
Cuidâmos trabalhar fallando muito, e a verdade é que se trabalha muito mais e muito melhor trabalhando.
Derrubar governos é a nossa constante preoccupação. Os chefes nem sempre indicam trabalho n'este sentido... mas faz-se.
A nossa desconfiança é obrigatoria a respeito de qualquer projecto, venha elle d'onde vier.

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Nas commissões temos apenas a confiança necessaria para não parecermos com ellas descortezes.
Todos temos immenso que fazer. Portanto não ha tempo para madurezas. Discutimos o que é facil, porque o é, e deixâmos muitas vezes sem discussão os orçamentos do estado.
Os ministros pouco tempo têem para trabalhar. Ha parlamentos onde elles nunca vão. Queremos que aqui estejam, não para os amar, mas para os martyrisar.
Eu não acreditava em martyres, mas hoje creio; e para me penitenciar da minha pouca fé, prometto levar um ou dois á gloria. Quero que me devam a salvação eterna. (Riso.)
Pensa alguem em abafar uma discussão em que tudo está dito? Desgraçado! Não ha nome feio que lhe não chamem!
O governo e a maioria permittem todos os desabafos? Não escapa á censura. É um governo inepto, servido por uma presidencia de camara muito debil.
Chegam, finalmente, a fadiga e o calor!
Então manifesta-se a peior das dictaduras, a dictadura por atacado, a dictadura de afogadilho, a dictadura da ultima hora, a dictadura parlamentar em pleno parlamento!
O deficit augmenta. Como fazer? Recorre-se ao emprestimo. Aqui de El-Rei; vamos caminho da bancarota! Então recorre-se ao imposto. Não podo pagar-se mais, e são os deputados da minoria, que não querem crear difficuldades ao governo, os portadores das representações contra os impostos! N'esse caso a que recorrer? Recorra-se ao terceiro meio. Não se descobriu ainda. Então recorram a outro.
Encerrou-se, finalmente, a sessão. Ahi fica o governo a braços com a questão financeira.
Se não recorre á dictadura, morre. Se recorre, dictadura o espera.
E é este o circulo visiono, onde nos conduziram desvios de liberdade, e anda se quer e pede mais!
Desculpe me a camara esta franqueza, mas eu penso e penso de ha muito, que só nós e todos nós somos os unicos culpados das dictaduras, e que só nós temos em nós o remedio.
É uma questão de reforma de regimento por um accordo commum. Sessões largas; palavra limitada ao assumpto, que o mesmo e dizer limitada a tempo. Cada orador será então forçado a condensar as suas idéas, e a dizer somente o util. Estudar-se-ha mais e melhor. Os governos encontrarão facilidade na adopção das providencias que trouxerem á camara; e perderão a mania das dictaduras. Quando esta reforma não pareça sufficiente, lembraria outro meio: - a creação de um tribunal consultivo composto de cincoenta decanos dos nossos tribunaes, que, nos iriterregnos parlamentares, fosse o avaliador da opportunidade das dictaduras, e assumisse a responsabilidade moral pela consulta, ou a deixasse inteira aos governos. Não queiramos mais liberdade do que tem as nações que podem dar-nos lições de liberdade.
Se a opposição acha muito grande a rolha não a queime em dictadura, e arrolhe-nos com ella a bôca palreira quando formos opposição.
Nada de generalidades nem reticencias. A hora é propicia.
Não querem?
Vamos faltando e cantando caminho do calvario, arrastando a liberdade pelas das da amargura, até cairmos de inanição abraçados com o cadaver da patria, dos filhos e da liberdade.
Querem?
Ainda me convencerei que com os homens d'este lado apesar da seus decretos, e com os homens d'aquelle lado, apesar dos seus defeitos, poderemos legar patria, lingua, exemplos e gloria a um milhão de gerações, em cujas arterias bata sangue vivo e generoso, o que herdámos do selvagem mais patriota, que conheço na historia - o fundador da monarchia.
Sr. presidente, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão immediata. Ainda não disse tudo.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)
O sr. Presidente: - A ordem da noite é a mesma que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

O redactor = Sá Nogueira.

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