SESSÃO NOCTURNA N.° 40 DE 18 DE MARÇO DE 1902 17
para que tenhamos um exercito á altura da missão que é destinado a desempenhar.
Para isso porem é preciso haver uma certa estabilidade nas instituições militares, e se lhe fosse licito fazer um appello pediria que todos, pondo de parte differenças de partidos, collaborassem no mesmo pensamento - o melhoramento das instituições militares, subordinado a um plano que se reputasse o melhor, salvo, é claro, as modificações que a experiencia mostrasse necessario introduzir-lhe.
Uma declaração deve ainda fazer. Em muitas pessoas está arreigada a convicção de que são distrahidas do orçamento do Ministerio da Guerra verbas para outras applicações. Não é elle, orador, d'essa opinião.
Está convencido de que as verbas inscriptas no orçamento do Ministerio da Guerra se applicam ao fim para que são destinadas, e que se alguma cousa ha a considerar é que não chegam para o fim para que foram inscriptas. Reconhece porem ao mesmo tempo que as circumstancias em que nos achamos são de sua natureza tão apertadas que convem haver muito cuidado na sua applicação.
Sob este ponto de vista, pergunta se, com o que se dispende com o exercito, não se poderia tirar melhor resultado do que effectivamente se tira; se não poderiam algumas d'essas verbas ser applicadas de modo mais conveniente.
Se o tempo lhe sobrasse, elle, orador, faria o confronto entre as verbas inscriptas no nosso Orçamento, e as de outros paises mais ou menos nas condições do nosso em extensão territorial e instituições militares, porque com esse confronto talvez se evidenciasse que nós, com a verba que inscrevemos no Orçamento, poderiamos obter melhor resultado.
A seu ver, no Orçamento actual ha uma questão que sobreleva a todas as outras, e que sem a resolvermos não poderemos dar solução satisfatoria a nenhuma das outras. É a questão financeira. Sem a regularizarmos, não é possivel dotar melhor nenhum serviço.
As receitas publicas teem crescido bastante, mas as despesas ainda crescem mais; de modo que, em meio seculo de regime constitucional, só tres ou quatro gerencias fecharam sem deficit.
Precisamos aproveitar o crescimento das receitas; mas, ao mesmo tempo procurar reduzir as despesas, o que não quer dizer que paremos, mas que nos limitemos ao indispensavel.
Se de 1890 para cá o orçamento das despesas não se tivesse avolumado, dado o crescimento das receitas, nós poderiamos hoje fechar a gerencia com um saldo importante.
É preciso pois que nos afastemos do caminho seguido até aqui, se não quisermos chegar a resultado desastroso, para evitar o qual só teriamos um de dois recursos: ou o aggravamento dos impostos, ou um novo emprestimo, mas qualquer d'estes meios é, no seu entender, condemnavel; o primeiro porque a elasticidade do imposto não é tão grande que d'elle se possa tirar o que se quiser, tanto mais que elles já estão bastante aggravados; e o segundo porque não representa senão o adiamento das difficuldades de momento, com a criação de novos encargos para o futuro.
Pouco mais lhe resta dizer.
Crê que não faltou ao programma que se impôs: fazer o estudo do Orçamento, livre de qualquer preoccupação partidaria.
Não encobriu quanto a situação das nossas finanças lhe inspira serios cuidados, não encobriu tambem a magua que sente por não poder dar o seu applauso á acção administrativa do Governo.
Deve ainda confessar que dois factos se teem dado nos ultimos tempos, e da conjugação dos quaes resultaram duas crises: a crise politica e a crise da finança. Referiu-se já á ultima; quanto á primeira deve dizer que lhe causa profunda tristeza ver o esquecimento a que por vezes tem sido lançado o Parlamento.
Bem sabe que o simples decreto, com ou sem a rubrica da dictadura, é processo facil e expedito; não conhece porem nada que possa substituir-se á acção do Parlamento, comquanto seja certo que ella por vezes tem inconvenientes. Convinha até que elle não desse occasião a que o executivo invadisse a esphera da sua acção.
A situação é difficil; mas o país tem recursos para se levantar e nos proprios predicados da raça encontra forças para occupar o logar que lhe compete e para ser mais feliz do que é actualmente.
Compete aos homens publicos do nosso país contribuir com todos os seus esforços para esse fim; mas emquanto o não fizerem tem de repetir as palavras do illustre homem de estado francês a quem citou no principio das suas considerações.
Essas palavras são as seguintes: «Eu olho para o dia de amanhã e vejo o futuro da minha patria ensombrado de ameaças».
Concluindo com estas palavras, que formam com as que proferiu no principio do seu discurso como que um parenthese dentro do qual envolveu as suas considerações, deve ainda dizer que é absolutamente necessario que os nossos homens publicos tenham olhos para ver, coração para sentir e vontade para querer.
(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).
O Sr. Ministro da Guerra.(Pimentel Pinto): - Quando soube que era o Sr. Villaça quem, por parte da opposição progressista, abria o debate sobre o orçamento da guerra e que tinha de defrontar-se com S. Exa., adversario perigoso pelo brilho do seu talento, pela fluencia da sua palavra, pela elegancia da sua phrase, pelo vigor da sua argumentação e até pela justa e merecida sympathia que toda a Camara lhe consagra, esteve quasi tentado a não intervir na discussão; conteve-o porem a certeza de que tinha por seu lado a verdade, contra a qual nada pode prevalecer.
Fez bem em proceder assim, porque tem de agradecer não só o discurso de S. Exa., mas a fineza que lhe deve, de ter dito á Camara e ao país, em phrase melhor do que a d'elle, orador, exactamente o que pensa; isto aparte algumas considerações de ordem politica com que o illustre Deputado rematou o seu discurso.
Precisa comtudo affirmar á Camara que o orçamento do Ministerio da Guerra este anno é um documento serio, que deve merecer a approvação do Parlamento.
Este facto não foi mesmo contestado por S. Exa., porque os pequenos reparos que fez não podem ser motivo para que o orçamento em discussão seja considerado de modo differente d'aquelle que acaba de dizer.
Entrando na defesa do projecto deve dizer que é certo ter havido dois orçamentos, um do Governo e outro da commissão, mas a existencia d'esta duplicação comprehende-se bem desde que se saiba que posteriormente a 31 de outubro, data em que o orçamento, segundo a lei, deve ficar elaborado, se realizaram reformas que o alteraram.
Isto é que S. Exa. não devia desconhecer.
Não é costume que na discussão do orçamento o Ministro seja accusado de parcimonioso. Razão de sobra teve todavia S. Exa. nas suas considerações, porque ellas correspondem perfeitamente á verdade.
Disse porem S. Exa. que a questão de fazenda a todas sobreleva e que é preciso que os augmentos de despesa que se façam não tenham uma proporção mais forte do que o crescimento das receitas.
Assim é evidentemente, mas a regra que S. Exa. estabeleceu não foi desacatada, não sendo necessario para fazer essa demonstração tomar um periodo tão largo como o que S. Exa. tomou. Basta ver o que succedeu nos ulti-