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SESSÃO NOCTURNA N.º 40 DE 18 DE MARÇO DE 1902 9

é indispensavel, com o intuito não de desmerecer no exercito, nem de lhe tirar tudo quanto o país lhe possa dar, mas de lhe dar só o que possa, e não mais, que se S. Exa. depois voltar a occupá-la, fará nova dictadura, para tornar a fazer o mesmo que fez agora, e depois vir declarar á Camara que naturalmente está de acordo em que as reorganizações militares devem ter estabilidade. Ainda verei isso, se por infortunio do país o Sr. Pimentel Pinto tornar a ser ministro da Guerra, o que duvido.

Bem o préga Frei Thomás... Bem se vê que S. Exa. é da mesma escola do Sr. Presidente do Conselho e dos seus collegas. Em boas palavras e promessas, tudo quanto quiserem. Mas depois as obras é que contradizem as palavras. Sempre assim tem sido o actual Governo, e em especial o seu illustre chefe.

Mas continuemos a analysar as verbas orçamentaes.

Nós temos a accrescentar ás verbas do presente orçamento um augmento de 86:742$600 réis, a que não ha que fugir, isto fazendo-se apenas a mesma despesa a mais fora do orçamento que se fez o anno passado, com a sustentação das praças como o Sr. Ministro descreve nas contas do seu credito especial de liquidação; mas, infelizmente para o país, elle terá de recorrer a um credito muito maior e augmentar aquella verba, como já disse e não é de mais repetir; pois está exuberantemente provado que, augmentando o effectivo das tropas, como não pode deixar de ser, tem de augmentar a verba da despesa. E assim provado fica tambem que, se a administração do Sr. Ministro da Guerra augmentou no primeiro anno mais de réis 400:000$000, e neste segundo de certo não menos, podemos calcular com precisão e affirmar serem as despesas ordinarias de 7.296:980$119 réis é as despesas extraordinarias, que teem alem das do anno passado o augmento dos 4:000$000 réis para pagar as prestações da estatua do Duque de Saldanha, de 136:038$019 réis, ou seja um total para este anno de 7.432:000$000 réis, fora a verba das remissões, já calculada em mais de 400:000$000 réis.

Mas, pergunto eu, será esta ainda assim, e apesar de tão rigorosos calculos, e da sua enorme importancia, realmente a verba exacta a gastar?

Talvez não seja, talvez tenha de se augmentar ainda. E aqui direi eu, como o meu illustre amigo Sr. Villaça, que me parece e é com certeza insufficiente o calculo do orçamento. Se o Sr. Ministro está resolvido a levar por deante a sua nefasta reforma, a completar as unidades com que augmentou o effectivo do exercito, a tornar em realidade toda a sua organização, não é realmente com os 570:000$000 réis de um credito especial como o do anno passado que o pode fazer; tem de recorrer a um credito muito mais importante. Ou renuncia por agora a completar essas unidades, e põe de parte a execução da sua reforma, no que andaria muito sensatamente, ou tem de recorrer a um credito especial enormissimo, monstruoso, porque o augmento da despesa ha de ser consideravel e muitissimo superior a todas as previsões orçamentaes. S. Exa. não pode contestar esta minha asserção! Este calculo é certo, é verdadeiro, é irrespondivel! Deixo aqui os meus apontamentos nas paginas dos proprios Orçamentos de onde os tirei, para quem os quiser verificar.

Estão, como já disse, ás ordens da illustre commissão, do Sr. Relator, de algum estimado collega, ou de quem quiser certificar-se da verdade sem grande trabalho.

Provada como fica a grande differença de processos de administração que ha, entre o ultimo Ministro da Guerra da situação progressista, que não augmentou as despesas, e o actual, continuarei a analysar detalhadamente algumas verbas que me mereceram especiaes reparos.

Percorrendo os escaninhos escuros, reconditos, propositadamente emmaranhados, deste bonito espelho de verdade, ahi vejo uma das verbas mais extraordinarias e mais dignas de admiração que se pode encontrar no Orçamento. É a verba das luzes. Que edificante, que assombroso, este capitulo das luzes!

O nobre Ministro é inimigo, e com razão, das trevas, e quer luz, muita luz, como pedia o grande Victor Hugo; mas não é tão apaixonado por ella que não continue a deixar nas trevas os seus soldados, porque, apesar das enormes verbas que gasta com illuminações, não consta que se tenha occupado muito da sua instrucção, nem do aperfeiçoamento e multiplicação das escolas regimentaes, de que tanto proveito se podia tirar.

E já que me referi a escolas regimentaes, vem a proposito dizer que a escola de Viseu tem obtido resultados maravilhosos no ensino por companhias ali ensaiado. Ha pouco tempo ainda, tive occasião de apreciar os progressos notaveis que teem feito os soldados do regimento 14, devido aos cuidados, e bom methodo de ensino do illustre capitão que a dirige, sendo elle o principal professor, o Sr. Homem Christo, a quem presto neste momento a minha homenagem pelos seus relevantes serviços prestados á causa da instrucção militar.

Se o nobre Ministro da Guerra fizesse adoptar em todos os corpos o systema seguido por este benemerito capitão, em breve tempo teria diminuido o analphabetismo no nosso exercito, o que é uma vergonha.

Quando ha pouco o Sr. Ministro esteve comparando pela estatistica a percentagem da nação portuguesa, para as despesas com o exercito, com as das outras nações, lembrei-me da grande falta de instrucção que ha no país. Seremos os que pagamos menos para o exercito, por pessoa, e não temos realmente meios para pagar mais; mas em comparação com essas nações, talvez, com certeza, gastamos muitissimo menos com a instrucção, e o nosso atraso na instrucção popular é muito maior do que o de nenhuma, como as estatisticas demonstram. Basta dizer que ha mais de 3 milhões de analphabetos, num país de pouco mais 5 milhões de habitantes! Que triste verdade!

Para nós, que temos um grande amor pelas instituições militares, não ha nada mais urgente e mais necessario do que diffundir a instrucção pelas aldeias e pelas casernas, fazendo desapparecer a vergonhosa ignorancia do nosso povo, e do nosso soldado que d'elle tem de vir.

Com respeito a instrucção estamos realmente muito atrasados. E nós, que copiamos tudo do figurino que se faz lá fora, não temos infelizmente copiado os exemplos que nos teem dado as nações mais adeantadas com respeito á instrucção do soldado e á do povo em geral.

Portugal está numa situação vergonhosa com respeito á sua instrucção popular, pois figura, na estatistica da sua população com cêrca de dois terços de analphabetos, o que é imperdoavel.

É triste, é lamentavel isto, mas é bom que se saiba, que se repita, para ver se se remedeia o mal, e se os nossos estadistas se envergonham e pensam a serio nesta calamidade nacional, a maior de todas.

Em quanto o povo português não souber ler, pode o Sr. Ministro da Guerra fazer as reformas e leis de recrutamento que quiser, como ha pouco fez, que não obterá o resultado que deseja, porque esse povo nunca estará á altura de comprehender os seus deveres e os seus direitos, o continuará a ter a mesma repugnancia, e até odio, que até hoje tem manifestado sempre, pelo serviço militar.

Era tempo pois de se fazer uma lei de recrutamento razoavel, equitativa, o mais perfeita possivel, diminuindo o tempo desserviço activo, e harmonizando as suas exigencias com as da vida e occupações do meio aonde se vão buscar os recrutas.

A lei mais perfeita será aquella que, diminuindo o tempo do serviço e adoçando as suas agruras, consiga instruir e habilitar mais rapidamente o soldado no manejo da arma, fazendo desapparecer ou diminuir a invencivel antipathia que todo o cidadão tem pelo serviço militar. (Apoiados).