O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 15

N.º 40.

SESSÃO NOCTURNA DE 18 DE MARÇO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta, foram, sob proposta do Sr. Alberto Navarro, aggregados dois Srs. Deputados á commissão de legislação civil. - Apresenta um parecer das commissões reunidas de guerra e fazenda o Sr. Alberto Botelho.

Na ordem da noite discute-se o mappa de despesa n.º 2, Ministerio da Guerra, do projecto da lei n.° 12, Orçamento Geral do Estado. Usam da palavra os Srs. Eduardo Villaça, Ministro da Guerra e Oliveira Mattos. - O Sr. Conde de Paçô Vieira apresenta um parecer da commissão de fazenda.

Abertura da sessão - Ás 8 horas e 3 quartos da noite.

Presentes - 69 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Abel Pereira de Andrade, Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto Botelho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alipio Albano Camello, Alvaro de Sousa Rego, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Dias, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Belchior José Machado, Carlos Malheiro Dias, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Paçô Vieira, Conde de Penha Garcia, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico Alexandrino Gacia Ramirez, Frederico dos Santos Martins, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Hypacio Frederico de Brion, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Augusto Pereira, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Faustino de Poças Leitão, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Caetano Rebello, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Mathias Nunes, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Marianno José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro e Matheus Teixeira de Azevedo.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto José da Cunha, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Conde de Castro e Solla, Fernando Mattozo Santos, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco José de Medeiros, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, Ignacio José Franco, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Caetano de Sousa Lacerda, José Dias Ferreira, José Maria de Alpoim e Cerqueira Borges Cabral, José de Mattos Sobral Cid, José Nicolau Raposo Botelho, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel de Sousa Avides, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodolpho Augusto de Sequeira e Rodrigo Affonso Pequito.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Boavida, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Fuschini, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Custodio Miguel de Borja, Eduardo Burnay, Francisco José Patricio, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Pereira Jardim, José Adolpho de Mello e Sousa, José da Cunha Lima, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Pereira de Lima, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Homem de Mello da Camara, Manuel Joaquim Fratel, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Visconde de Mangualde, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

Acta - Approvada.

O Sr. Alberto Navarro: - Por parte da commissão de legislação civil mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho a V. Exa. se digne consultar a Camara se permitte sejam aggregados á commissão de legislação ci-

Página 16

2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

vil os Srs. Deputados Alipio Camello e Julio Andrade e Sousa. = Alberto Navarro.

Foi approvada.

O Sr. Alberto Botelho: - Mando para a mesa o pareceres das commissões reunidas de guerra e de fazenda, acêrca do projecto n.° 76, de 1901, tornando extensivas aos officiaes do exercito professores dos lyceu centraes, quando fora do quadro das suas armas, as dia posições da carta de lei de 31 de março de 1884, publicada na Ordem do Exercito n.° 6, de 2 de abril do mesmo anno.

Foi a imprimir.

ORDEM DA NOITE

Discussão do mappa de despesa n.º 2 Ministerio da Guerra do projecto de lei n.º 12, Orçamento Geral do Estado

O sr. Eduardo Villaça: - Ao iniciar a discussão de um dos capitulos mais importantes do Orçamento Geral do Estado, acodem ao seu espirito as palavras proferi das por um dos homens mais eminentes da França moderna, Ribot, que ao discutir o Orçamento exclamou: - um maioria de finanças, conheço apenas o equilibrio aquelle que faz proporcionar exacta e rigorosamente á despesas indispensaveis recursos reaes.

Elle, orador, folheando o grosso volume do Orçamento pergunta se são verdadeiramente indispensaveis todas a despesas nelle inscriptas, se são reaes todas as receita que nelle se escripturaram, e deixa á consciencia da Camara a resposta.

Na sua peregrinação através de todas as provincias da publica administração, foi acompanhado de dois guias - o orçamento apresentado pelo titular da pasta da guerra e o elaborado pela commissão respectiva; mas deve confessar que se achou mais só com os dois do que se tivesse sido acompanhado apenas por um.

A proposta de lei ministerial tinha a nota preliminar que costuma acompanhar todos os Orçamentos; mas o projecto da commissão vinha tão desacompanhado de explicações, que nem sequer essa nota trazia, o que torna ainda mais difficil o já de si difficil encargo de estudar o orçamento.

O orçamento do Ministerio da Guerra, e elaborado pela commissão, que é o que a Camara tem de discutir, propõe para 1902-1903 uma despesa total de 6:565 contos, sendo 6:429 contos para as despesas ordinarias e 136 contos para a extraordinaria.

Confrontando porem esse orçamento com o do anno immediatemente anterior, vê-se que elle apresenta um accrescimo de despesa de 301 contos, sendo 297 nas despesas ordinarias e 4 nas extraordinarias. E se o confrontarmos ainda com o de 1900-1901, vemos que o accrescimo de despesa é de 544 contos, sendo 480 na despesa extraordinaria e 64 na ordinaria.

Por este confronto se vê que as despesas do Ministerio da Guerra accusadas neste orçamento teem augmentado de anno para anno; mas não é só este o augmento, ha ainda a contar com o que resulta dos creditos extraordinarios.

Passando ao estudo individual dos quatorze capitulos do orçamento, vê que apenas em tres d'elles houve diminuição de despesa, e que nos outros houve augmento, resultante em parte das condições normaes dos serviços, de terem sido melhor dotadas as verbas do material, e das despesas que resultam da nova organização militar.

D'esses augmentos alguns não podem merecer a sua approvação.

No capitulo 7.°, que trata dos serviços de saude, administração e diversos estabelecimentos, houve um augmento de 148 contos. Para este augmento concorreu especialmente a maior dotação dada ao Arsenal do Exercito, que orça por 136 contos, e uma outra que se destina ao tratamento dos officiaes e praças de pret nos hospitaes.

Contra estes augmentos não se insurge elle, orador, porque eram realmente insufficientes as verbas até aqui inscriptas no orçamento, e porque acha preferivel dizer-se a verdade a ter-se depois de recorrer a outros expedientes.

No capitulo 10.°, que se refere aos officiaes do quadro da reserva e pessoal inactivo, ha um augmento de 17 contos. A este respeito deve dizer que, constituindo as classes inactivas um pesado encargo para o Orçamento, ao Governo cumpre olhar para esse assumpto com toda a attenção.

No capitulo 11.°, relativo a despesas de administração, ha um augmento de 17:676$705 réis, resultante do augmento de 10 réis em cada ração de forragem. É evidente que desde que o preço das forragens augmentou necessario se tornava augmentar a respectiva verba.

No capitulo 13.°, que diz respeito ás despesas do pessoal e material, o Sr. Ministro propunha um augmento de 8:300$000 réis, mas a commissão achando pouco elevou-o a 23:300$000 réis, sem dizer a razão por que o fez.

No capitulo 12.º, referente a meios de transporte, ha o augmento de 5 contos, que elle, orador, considera insufficiente, embora entenda que se deve, quanto possivel, evitar esse recurso.

Nos capitulos 3.°, 4.° e 5.°, referentes aos serviços do estado maior e commandos militares, commandos de guarnição e das differentes armas, ha um accrescimo de despesa de 93 contos resultante em grande parte dos decretos ultimamente publicados.

E não se occupa agora d'esses decretos, que já constituem lei, depois de terem sido devidamente discutidos e apreciados no Parlamento.

Do que deixa exposto, conclue-se que no orçamento do Ministerio da Guerra proposto para 1902-1903 ha nas despesas ordinarias um augmento de 297 contos, e nas extraordinarias de 400 contos, e que as despesas d'este Ministerio seguem uma progressão igual á dos outros Ministerios.

Deve ainda dizer que do estudo que fez do orçamento do Ministerio da Guerra lhe ficou a convicção do que elle não é um espelho da verdade.

Mais deve ainda accrescentar que, não obstante o augmento da despesa accusado, ainda ha serviços no Ministerio da Guerra para os quaes as verbas inseridas no orçamento não serão sufficientes, e que ha de ser necessario recorrer a creditos especiaes ou aproveitar qualquer dos outros recursos em que é fertilissima a nossa contabilidade publica.

Assim, julga insufficiente a verba inscripta para promoções.

Tambem não lhe parece que o orçamento, tal qual está elaborado, possa occorrer ás despesas resultantes dos decretos ultimamente publicados, alguns dos quaes ainda não estão em execução e outros só em parte, como o de 24 de setembro, que determina que as novas unidades creadas só comecem a partir de 1902.

E neste ponto pergunta ao Sr. Ministro da Guerra se está disposto a cumprir o que nesse decreto se preceitua, ou adiar a sua execução para mais tarde.

Não discute, como já disse, os decretos ultimamente publicados, mas sobre o effectivo do exercito não se pode eximir a dizer que sem o effectivo necessario não se pode ministrar convenientemente a instrucção.

A esse proposito cita, o orador, o que tem feito a Alemanha, que na paz tem preparado o seu exercito, para num momento dado entrar em campanha.

Tendo nós, accrescenta o orador, excellente materia rima, quer em soldados, quer em officiaes, devemos, com criterio, por uma boa organização militar, aproveitá-los,

Página 17

SESSÃO NOCTURNA N.° 40 DE 18 DE MARÇO DE 1902 17

para que tenhamos um exercito á altura da missão que é destinado a desempenhar.

Para isso porem é preciso haver uma certa estabilidade nas instituições militares, e se lhe fosse licito fazer um appello pediria que todos, pondo de parte differenças de partidos, collaborassem no mesmo pensamento - o melhoramento das instituições militares, subordinado a um plano que se reputasse o melhor, salvo, é claro, as modificações que a experiencia mostrasse necessario introduzir-lhe.

Uma declaração deve ainda fazer. Em muitas pessoas está arreigada a convicção de que são distrahidas do orçamento do Ministerio da Guerra verbas para outras applicações. Não é elle, orador, d'essa opinião.

Está convencido de que as verbas inscriptas no orçamento do Ministerio da Guerra se applicam ao fim para que são destinadas, e que se alguma cousa ha a considerar é que não chegam para o fim para que foram inscriptas. Reconhece porem ao mesmo tempo que as circumstancias em que nos achamos são de sua natureza tão apertadas que convem haver muito cuidado na sua applicação.

Sob este ponto de vista, pergunta se, com o que se dispende com o exercito, não se poderia tirar melhor resultado do que effectivamente se tira; se não poderiam algumas d'essas verbas ser applicadas de modo mais conveniente.

Se o tempo lhe sobrasse, elle, orador, faria o confronto entre as verbas inscriptas no nosso Orçamento, e as de outros paises mais ou menos nas condições do nosso em extensão territorial e instituições militares, porque com esse confronto talvez se evidenciasse que nós, com a verba que inscrevemos no Orçamento, poderiamos obter melhor resultado.

A seu ver, no Orçamento actual ha uma questão que sobreleva a todas as outras, e que sem a resolvermos não poderemos dar solução satisfatoria a nenhuma das outras. É a questão financeira. Sem a regularizarmos, não é possivel dotar melhor nenhum serviço.

As receitas publicas teem crescido bastante, mas as despesas ainda crescem mais; de modo que, em meio seculo de regime constitucional, só tres ou quatro gerencias fecharam sem deficit.

Precisamos aproveitar o crescimento das receitas; mas, ao mesmo tempo procurar reduzir as despesas, o que não quer dizer que paremos, mas que nos limitemos ao indispensavel.

Se de 1890 para cá o orçamento das despesas não se tivesse avolumado, dado o crescimento das receitas, nós poderiamos hoje fechar a gerencia com um saldo importante.

É preciso pois que nos afastemos do caminho seguido até aqui, se não quisermos chegar a resultado desastroso, para evitar o qual só teriamos um de dois recursos: ou o aggravamento dos impostos, ou um novo emprestimo, mas qualquer d'estes meios é, no seu entender, condemnavel; o primeiro porque a elasticidade do imposto não é tão grande que d'elle se possa tirar o que se quiser, tanto mais que elles já estão bastante aggravados; e o segundo porque não representa senão o adiamento das difficuldades de momento, com a criação de novos encargos para o futuro.

Pouco mais lhe resta dizer.

Crê que não faltou ao programma que se impôs: fazer o estudo do Orçamento, livre de qualquer preoccupação partidaria.

Não encobriu quanto a situação das nossas finanças lhe inspira serios cuidados, não encobriu tambem a magua que sente por não poder dar o seu applauso á acção administrativa do Governo.

Deve ainda confessar que dois factos se teem dado nos ultimos tempos, e da conjugação dos quaes resultaram duas crises: a crise politica e a crise da finança. Referiu-se já á ultima; quanto á primeira deve dizer que lhe causa profunda tristeza ver o esquecimento a que por vezes tem sido lançado o Parlamento.

Bem sabe que o simples decreto, com ou sem a rubrica da dictadura, é processo facil e expedito; não conhece porem nada que possa substituir-se á acção do Parlamento, comquanto seja certo que ella por vezes tem inconvenientes. Convinha até que elle não desse occasião a que o executivo invadisse a esphera da sua acção.

A situação é difficil; mas o país tem recursos para se levantar e nos proprios predicados da raça encontra forças para occupar o logar que lhe compete e para ser mais feliz do que é actualmente.

Compete aos homens publicos do nosso país contribuir com todos os seus esforços para esse fim; mas emquanto o não fizerem tem de repetir as palavras do illustre homem de estado francês a quem citou no principio das suas considerações.

Essas palavras são as seguintes: «Eu olho para o dia de amanhã e vejo o futuro da minha patria ensombrado de ameaças».

Concluindo com estas palavras, que formam com as que proferiu no principio do seu discurso como que um parenthese dentro do qual envolveu as suas considerações, deve ainda dizer que é absolutamente necessario que os nossos homens publicos tenham olhos para ver, coração para sentir e vontade para querer.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Guerra.(Pimentel Pinto): - Quando soube que era o Sr. Villaça quem, por parte da opposição progressista, abria o debate sobre o orçamento da guerra e que tinha de defrontar-se com S. Exa., adversario perigoso pelo brilho do seu talento, pela fluencia da sua palavra, pela elegancia da sua phrase, pelo vigor da sua argumentação e até pela justa e merecida sympathia que toda a Camara lhe consagra, esteve quasi tentado a não intervir na discussão; conteve-o porem a certeza de que tinha por seu lado a verdade, contra a qual nada pode prevalecer.

Fez bem em proceder assim, porque tem de agradecer não só o discurso de S. Exa., mas a fineza que lhe deve, de ter dito á Camara e ao país, em phrase melhor do que a d'elle, orador, exactamente o que pensa; isto aparte algumas considerações de ordem politica com que o illustre Deputado rematou o seu discurso.

Precisa comtudo affirmar á Camara que o orçamento do Ministerio da Guerra este anno é um documento serio, que deve merecer a approvação do Parlamento.

Este facto não foi mesmo contestado por S. Exa., porque os pequenos reparos que fez não podem ser motivo para que o orçamento em discussão seja considerado de modo differente d'aquelle que acaba de dizer.

Entrando na defesa do projecto deve dizer que é certo ter havido dois orçamentos, um do Governo e outro da commissão, mas a existencia d'esta duplicação comprehende-se bem desde que se saiba que posteriormente a 31 de outubro, data em que o orçamento, segundo a lei, deve ficar elaborado, se realizaram reformas que o alteraram.

Isto é que S. Exa. não devia desconhecer.

Não é costume que na discussão do orçamento o Ministro seja accusado de parcimonioso. Razão de sobra teve todavia S. Exa. nas suas considerações, porque ellas correspondem perfeitamente á verdade.

Disse porem S. Exa. que a questão de fazenda a todas sobreleva e que é preciso que os augmentos de despesa que se façam não tenham uma proporção mais forte do que o crescimento das receitas.

Assim é evidentemente, mas a regra que S. Exa. estabeleceu não foi desacatada, não sendo necessario para fazer essa demonstração tomar um periodo tão largo como o que S. Exa. tomou. Basta ver o que succedeu nos ulti-

Página 18

4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mos tres annos, para se comprehender que a progressão das despesas sobre as receitas tem diminuido e não augmentado, seja qual for o modo de comparação que queira seguir-se: ou tomando a totalidade das receitas, ou tomando a totalidade das despesas.

O orador entra em seguida na explanação de varios dados estatisticos para corroborar este seu asserto.

A differença que para mais se encontra, de 860:000$000 réis, justifica-se, consultando ainda os mesmos dados, pelo augmento no preço da alimentação e forragens, e pelo augmento de despesa proveniente do Arsenal do Exercito e serviços de saude, verbas estas cuja avolumação é independente da vontade do Ministro.

Estas quatro verbas produzem uma somma de réis 735:000$000; o que falta para 860:000$000 réis justifica-se pelo augmento proveniente da Escola do Exercito, Collegio Militar, escolas praticas das differentes armas, carreiras de tiro, e ainda pelas leis de equiparação, de iniciativa de seu illustre antecessor e de sua propria iniciativa.

Não é portanto subsistente a duvida que S. Exa. manifestou, porque o augmento de despesa é exacto, e a sua proporcionalidade mantem-se perfeitamente dentro do accrescimo das receitas.

Se se comparar ainda o que o país gasta com o exercito em relação a outros paises, vê-se tambem que é elle o que conserva a menor proporção não só em relação á totalidade das despesas, mas até á media por habitante.

Assim ainda neste ponto ficam destruidas por completo as duvidas de S. Exa.

Deseja o illustre deputado que nas questões militares se conserve sempre um espirito de sequencia.

Se S. Exa. appella para elle, orador, pode contar com o seu auxilio, porque entende tambem que na legislação de um país, principalmente a militar, nada ha mais prejudicial do que a instabilidade.

Esperando accusações que felizmente não vieram, muniu-se de documentos com que pudesse defender-se; não precisou porem empregá-los e crê todavia que respondeu aos pontos mais importantes a que o Sr. Villaça se referiu.

Isto quanto á generalidade; e quanto á especialidade succede o mesmo, visto que S. Exa., na maior parte das verbas de que fez a sua critica, declarou que não se insurgia contra ellas.

Quer ainda dizer, a respeito de quarteis, que é incontestavel a exiguidade da verba destinada á sua reparação; e se já em 1889 essa exiguidade era reconhecida, muito mais o deve ser hoje.

Falou S. Exa. no exercito allemão.

Bom é certamente que o nosso se approxime d'elle quanto possivel; deve porem reconhecer-se que esse exercito não nasceu assim, nem se transformou de um momento para outro; e isto deve ser incentivo para que caminhemos e nos aperfeiçoemos quanto possivel.

Sem rhetorica, lealmente, e com a verdade que consta de documentos que põe á disposição da Camara, respondeu ao discurso do Sr. Villaça, e crê que demonstrou que o orçamento em discussão merece a approvação da Camara.

(O discurso será publicado na integra e em appendice quando S. Exa. o restituir).

O Sr. Oliveira Mattos: - Sr. Presidente: V. Exa. e a Camara comprehenderão muito bem que eu me devo sentir embaraçado ao usar da palavra, na discussão do Orçamento, nesta altura, depois dos magnificos discursos tão brilhantemente proferidos pelos illustres oradores d'este lado da Camara, e ainda mais do ultimo pronunciado pelo meu prezadissimo amigo e distincto parlamentar o Sr. Eduardo Villaça, pelo que mais uma vez lhe dou as minhas sinceras felicitações, como lh'as deu toda a Camara, e tambem do discurso do Sr. Ministro da Guerra em resposta a esse, que correspondeu muito cavalheirosamente, como é do seu feitio, á palavra eloquente e brilhante do meu illustre amigo; e se o nobre Ministro da Guerra não conseguiu desfazer o effeito do discurso do illustre Deputado da opposição Sr. Villaça, pelo menos correspondeu á gentileza com que elle sabe sempre terçar armas nesta casa do Parlamento.

O Sr. Villaça, meu querido amigo, como velho parlamentar, paladino experimentado, e como militar brioso que é, tratando-se do Ministerio da Guerra, vestiu a sua melhor armadura dos dias solemnes, cingiu a sua espada mais fina de combate, pôs o seu capacete de alvas plumas, e fazendo as cortezias do estylo ao nobre Ministro da Guerra, como seu superior hierarchico, que é, á tout seigneur tout honneur, não deixou comtudo de notar, e muito bem, alguns defeitos e erros que encontrou ao examinar o Orçamento, embora o fizesse com a brandura e serenidade que nós vimos, tão peculiar á sua maneira parlamentar.

Sr. Presidente: ha modos differentes de ver e de apreciar as cousas, na politica, na oratoria, no ataque ou na defesa de qualquer ideia ou projecto, como em tudo; cada um tem o seu feitio particular, o seu temperamento, e encara muitas vezes de modo diverso dos outros as responsabilidades do seu cargo, o cumprimento do seu dever, embora no essencial possam estar de acordo, como succede commigo e com o meu prezado collega Sr. Villaça, nalguns pontos d'esta discussão.

O talentoso orador, alem de ser o que é, muito considerado e estimado por todos, é um distincto militar, e como tal deve ver e apreciar as questões militares debaixo de um ponto de vista differente d'aquelle por que eu as posso ver e apreciar, o que a ninguem deve admirar.

Falta-me a competencia, e muito especialmente a competencia technica e profissional. Não tenho nem o estudo especial das questões, nem a pratica das armas nem da vida militar, nem tão pouco a sciencia profissional, e portanto não admira que eu não possa enveredar pelo mesmo caminho por onde S. Exa. foi na apreciação d'este documento, discordando em alguns pontos, principalmente nos economicos, na necessidade que sustento intransigentemente, de se reduzirem as despesas.

Embora concorde, como não podia deixar de concordar, com muitas das ideias que S. Exa. apresentou, e que podia apresentar na sua posição de militar, eu como paisano terei de discordar nalguns pontos, respeitando as suas opiniões; porque realmente comprehendo que seria de um mau gosto, até censuravel para muitos, que, apesar do seu campo politico ser d'este lado da Camara e ao meu lado na opposição, dissesse quaesquer palavras que pudessem, não digo já offender, mas melindrar sequer, os seus camaradas d'aquelle lado da maioria, que elle tanto preza, e o Sr. Ministro da Guerra, seu chefe hierarchico, que tambem muito considera, e a quem não deseja desagradar, como vimos durante todo o seu bello discurso.

Portanto, quando me propus a falar sobre o orçamento do Ministerio da Guerra, em cuja discussão por outras occasiões já tenho entrado nesta casa do Parlamento, e a atacá-lo, de certo calculei as difficuldades que teria de vencer e o desagrado que causariam as minhas palavras. Apesar d'isso não recuei. Debaixo do meu ponto de vista, e sem offender ninguem, hei de cumprir o meu dever de opposição intransigente, tanto quanto possivel, e, para chegar ao fim que me propus, combatendo todos os augmentos de despesas injustificaveis, não receio a má vontade ou as censuras do Sr. Ministro da Guerra, nem as da maioria, apesar de convencido de que lhe não podem merecer sympathia os meus reparos, postos em confronto com os do ilustre collega que me precedeu.

Não receie porem o nobre Ministro nem a maioria que eu nesta discussão me apresente de forma a desgostá-los, com violencias irritantes de palavra impulsionada por faciosismos exagerados, pois me limitarei a dizer verdades a analysar factos, com aquella independencia e energia

Página 19

SESSÃO NOCTURNA N.º 40 DE 18 DE MARÇO DE 1902 5

com que costumo tratar assumptos d'esta importancia, sem faltar a nenhuma cortezia, nem ao que devo a este logar e a mim proprio; e digo isto, porque o nobre Ministro da Guerra, falando e muito bem, como sempre, sentiu-se satisfeito e orgulhoso com as palavras que lhe dirigiu o Sr. Villaça em determinados pontos da sua apreciação sobre o Orçamento, e até disse que estimara muito não ter feito uso dos estudos especiaes que fizera sobre os Orçamentos para responder a accusações e censuras que não lhe tinham ainda sido feitas, mas que a virem, e decerto viriam, o achariam preparado!

Seria a consciencia a manifestar-se?!

O illustre Ministro tinha-se de antemão preparado para responder a accusações que não lhe tinham sido feitas, mas que já esperava!

Esse papel ingrato das accusações e recriminações antevistas está-me reservado, parece que terá de ser o meu, visto ser o unico orador inscripto, por parte da opposição, para responder a S. Exa., e lá vae diminuir, se não desapparecer de todo, a sympathia e consideração de S. Exa. por mim, se é que ainda alguma lhe resta da que por vezes manifestou com aprazimento meu.

Descanse porém S. Exa. o remoque preventivo não me fará afastar uma linha do plano que tracei, de ser mais sereno e justo do que aggressivo e apaixonado, em demasias de phrase. E se, com certeza, lhe não posso ser tão agradavel como o meu amigo e collega Sr. Villaça, nada direi que aqui se não possa dizer, nem farei affirmação alguma que não tenha como verdadeira, fugindo a insinuações desagradaveis como as que andam na imprensa politica e de que me não quero fazer echo.

Com toda a verdade, sinceridade e honestidade, apreciarei o Orçamento em discussão, e embora discorde da opinião de S. Exa., como em muitos pontos de administração discordo, não terei uma phrase que o possa maguar, não citarei um documentos, não apresentarei um calculo, ou um argumento, que não sejam de boa lei. Nem é necessario, para cada um expor livremente neste logar a sua opinião com a independencia que deve a si e ao logar que occupa, descer a processos de combate violentos, provocantes, condemnaveis por arruaceiros e sediços, já fora de moda e que fizeram o seu tempo. (Apoiados).

Eu sou do tempo d'esses processos, das opposições com grandes arruaças. Por elles alguns homens publicos, deputados de valor, e depois pares do reino, subiram ás cadeiras do poder e fizeram a sua carreira politica, rapida e triumphantemente.

Está-se alem a rir disfarçadamente o meu velho amigo, o illustre leader da maioria. Não admira.

É que o meu prezado amigo Sr. Arroyo está-se a recordar... dos saudosos tempos passados, já tão longe.

Nós somos nesta casa do tempo das celebres arruaças, em que as opposições ganhavam as cadeiras do poder com argumentos fortes, energicos, de voz grossa e pulso rijo, e tão decisivos que, nalgumas lutas a que assisti, ficavam completamente derrotadas bancadas inteiras de pouco resistentes carteiras! (Riso).

Isso é que eram opposições temiveis e de recear! Não eram como as de agora, ás vezes tão pacificas e boas que se combatem a golpes ferozes de elogios e amabilidades.

Sr. Presidente: de envolta com esses destroços das aguerridas batalhas, em que ás vezes nem só as carteiras ficavam esmigalhadas, houve energias gloriosas e valentias bom premiadas, para aquelles vencedores que herdavam os apetecidos despojos dos adversarios.

As pastas conquistavam-se a golpes de audacia, com talento, mas tambem com fortes pulmões e com não me nos fortes pulsos, e com diatribes e verrinas de ensurdecer.

Ás vezes, no ardor da refrega, proferia-se uma phrase mais azeda, mais provocante, que levava briosamente os contendores para outro campo mais serio e perigoso; mas as pugnas eram mais energicas do que agora, mais brilhantes, diga-se a verdade, sem offensa para ninguem; porque realmente, nos debates e lutas parlamentares de então, louve uma extraordinaria e sympathica nota de enthusiasmo, de brilho e de energia, houve uma coragem e uma attitude impressionaveis, no meio de todos esses desvarios alevantados e honrosos, e os homens que os praticavam, no outro dia, pouco depois, eram chamados ás cadeiras do poder e revelavam-se dignos d'isso. Os tempos mudaram, agora podemos mais pacificamente empregar estes novos recessos de discussão, em que ás vezes parece não haver divergencia nem opposição, dizendo cada um o que pensa, que sente e o que deseja, sem verrinas nem azedumes, tendo todos o mesmo respeito e consideração que uns os outros devemos. Melhor será assim. Este processo moderno é pelo menos mais commodo.

Sr. Presidente: discordo por completo dos processos administrativos e orçamentoloicos do Sr. Ministro da Guerra, vou dizer as razões justificativas da minha discordancia, em preoccupações de partidarismo que me não dominam, justiticá-las-hei com documentos officiaes, que o são todos aquelles de que me vou servir na discussão.

Vou francamente e serenamente, tanto quanto puder, discutir o orçamento do Ministerio da Guerra e dizer o que se me offerece acêrca d'esse documento, que não acho tão exactamente nem tão escrupulosamente confeccionado como se afigura ao Sr. Ministro da Guerra e como elle os quer convencer que está.

Nas considerações que o Sr. Ministro da Guerra fez para mostrar a sua orientação sobre as cousas do exercito, tentando attenuar o mau effeito do grande augmento e despesas, e para demonstrar o seu estudo, foi buscar para comparação um periodo bem longe da nossa administração actual, que mal serve ao intento.

E nesta divagação o nobre Ministro da Guerra, para mostrar decerto a sua muita erudição, que eu respeito, e o seu estudo d'aquella epoca, pouco a proposito foi buscar o periodo da nossa administração militar de 1891-1892, de tão triste recordação para todos nós; o anno terrivel, a epoca do inicio dos nossos maiores desastres, o começo da grande derrocada em que a nação portuguesa se viu obrigada a acceitar, em nome da salvação que lhe promettiam, o pesadissimo imposto de sangue, da fome, que ainda hoje figura na cruel reducção dos ordenados do seu funccionalismo, com umas percentagens tão grandes que mal se pode tolerar um encargo tal, encargo que aliás deve ser diminuido, se as circumstancias financeiras teem melhorado, como se diz.

Os annos de 1891-1892, que S. Exa. foi buscar tão longe, e que para nada aproveitavel podiam vir ao debate, não me vão servir a mim de base para contestar os argumentos apresentados pelo illustre Ministro; mas nos meus apontamentos, para condemnar os seus actos de esbanjadora administração, recentes, ha datas e factos muito mais elucidativos e modernos, que estão na memoria de todos, porque são de menos tempo, são de hontem e de hoje.

Eu vou mostrar á Camara e ao país, com irrefutaveis documentos, que o Sr. Ministro da Guerra tem augmentado, muito mais do que seria para desejar, as despesas do seu Ministerio; e sem querer, dar uma nota politica irritante a este debate, porei em confronto o orçamento da pasta da Guerra do seu antecessor, relativamente ao anno de 1900-1901, com o presente. S. Exa. verá pelas notas verdadeiras que terei de apreciar qual é a differença que existe entre um e outro, e se o seu orçamento é realmente um espelho da verdade, como S. Exa. ousou affirmar.

Será espelho, mas imperfeito, manchado, reproduzindo as figuras que lhe puserem deante, com verdade, mas com todas as manchas e defeitos que o vidro tem e não pode occultar. E eu o provarei a S. Exa. e á Camara, quando fizer a analyse e confronto dos dois orçamentos, o ultimo

Página 20

6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

do Ministro e Governo progressista, e o actual do Ministro e Governo regenerador. Então demonstrarei as bellezas do mirifico espelho de verdade do Sr. Pimentel Pinto. E a proposito do grande, do censuravel e monstruoso augmento de despesas, não me occuparei agora da famosa reforma por equiparação dos officiaes do exercito; de não menos celebro plano da sua nova reorganização; da incongruente reforma do serviço do recrutamento militar; da auctorização para adquirir armamento para a defesa dos portos de Lisboa e Porto; e á applicação de dinheiro do fundo das remissões a melhoramentos do material de guerra; assumptos importantes dos seus illegallissimos decretos dictatoriaes de 19 de outubro ultimo, que tanto indignaram o país, pelas centenas de contos de réis com que augmentaram os encargos anarchizando os serviços, porque isso me seria impossivel no tempo de que disponho, e me desviaria do fim principal que me propus ao entrar no debate, que é outro mui diverso.

Ainda assim, o muito de passagem, lavrarei bem alto o meu solemne protesto contra a obra iniqua, esbanjadora, inopportuna, anarchica, e até criminosa, no ataque á Constituição, com que o Sr. Ministro da Guerra, sem nenhuma razão de alto interesse publico que o devesse obrigar, decretou medidas e adoptou providencias que as circumstancias precarias do Thesouro, e o critico momento historico que atravessamos, nas vesperas da realização de um convenio com os credores externos, condemnam como inacceitaveis, como anti-patrioticas até, pelo que representam de perigoso para as nossas finanças, e para o nosso credito, pelo consideravel augmento de despesas que provém da sua nefasta execução. (Apoiados). Não me deterei mais tempo neste ponto continuando na minha ordem de ideias.

Sr. Presidente: o illustre Deputado e meu prezado amigo o Sr. Mendes Leal, a cujos meritos eu não posso deixar de fazer justiça, militar muito brioso e professor muito distincto, ha pouco disse d'aquelle lado da Camara com uma coragem que nos assombrou, que fossem quaes fossem os calculos e argumentos apresentados pelos oradores da opposição, os deficits do Ministerio da Guerra quando estava no poder o partido progressista eram sempre maiores de que quando estava o partido regenerador, e que agora succedia como das outras vezes, tendo sido maior o do ultimo ministro progressista.

Ora isto não é exacto, e custa a ouvir sem alguma indignação, pelo que contem de menos verdadeiro e de injusto.

Eu vou, sem grande difficuldade, provar a S. Exa., e á maioria que o apoiou, que labora num erro, e estou convencido que quando ouvir citar estes numeros que aqui tenho, estas verbas que apurei dos elementos officiaes, que não são da minha invenção, mas que foram extrahidas do Orçamento e do outros documentos compulsados, S. Exa. ha de concordar, porque é um homem de bem que a paixão politica não poderá obcecar, que foi muito injusto, como muitas vezes o são os seus illustres collegas da maioria, com o partido progressista e com os seus dignos ministros; porque o Governo d'esse partido, em logar de ter augmentado as despesas, quando ultimamente esteve no poder, o especialmente as do Ministerio da Guerra, as deixou bem mais diminuidas do que as encontrara, e muitissimo mais reduzidas do que actualmente as apresenta o illustre Ministro da Guerra do seu partido, como ainda ou mais insuspeitos reconhecem e confessam! (Apoiados).

É facil, facilima, a demonstração! E eu vou já fazê-la para S. Exa., para a Camara e para o país, para que elle a todos aprecie e julgue com verdadeiro conhecimento dos factos.

Passemos a examinar o orçamento do Ministerio da Guerra de 1900-1901, que é o da ultima gerencia progressista, do Ministro, Sr. Sebastião Telles.

Eis o que elle nos mostra:

Que a despesa ordinaria, proposta para este anno, foi de...5.973:128$515
E a despesa extraordinaria, de......... 80:000$000
Que o credito especial com que liquidou a gerencia, em 31 de dezembro, foi de.. 374:200$000
O que tudo perfaz a somma total de.....6.427:328$515

Se o illustre Ministro, o Sr. Relator, algum illustrado collega da maioria, ou quem se seguir no uso da palavra, entender que devem contestar estes algarismos, queiram interromper-me que eu estou prompto a verificar a exactidão d'elles.
Isto é que é o espelho da verdade.

(O orador continua a ler).

Devo dizer que neste anno as rações para a tropa foram computadas a 37 réis, e a despesa total da ultima gerencia progressista foi, como acabo de demonstrar, de 6.427:328$515 réis.

Vejamos agora o Orçamento de 1901-1902, primeiro Orçamento da gerencia regeneradora do actual Ministro da Guerra, Sr. Pimentel Pinto:

A despesa ordinaria proposta e gasta neste anno foi do.......6.132:174$067
E a despesa extraordinaria, do......... .................... 132:038$019
E o credito especial com que se liquidou a gerencia, em 31 de dezembro, de.... 569:200$000
O que tudo prefaz a somma total de.......................... 6.833:412$086

Ou seja a enorme despesa a mais, do que no anno anterior, de 406:083$571 réis.

Este importantissimo augmento de despesa, que ninguem me poderá contestar, em confronto com o Orçamento anterior, é assim especificado:

Para mais, na verba da despesa ordinaria 159:045$552
Para mais, na verba da despesa extraordinaria........ 52:038$019

ara mais, no credito especial com que se liquidou a gerencia no fim do anno.... 195:000$000
Ou sejam, como já demonstrei.......... 406:083$571

Havendo a notar que as rações neste anno foram calculadas a 33 réis cada uma, isto é, a menos 4 réis do que no orçamento anterior, o que dá uma differença importante.

Em vista pois da demonstração tão clara, evidente e irrefutavel que acabo de fazer, fica bem provado, em face do estudo dos dois orçamentos, comparados, que num anno, o Governo regenerador, representado no Ministerio da Guerra pelo Sr. Pimentel Pinto, augmentou as despesas, só por aquelle Ministerio, em mais de 400:000$000 réis! E se juntarmos á despesa effectuada a que me tenho referido a verba das remissões dos recrutas, que não figura no orçamento, o que por lei especial é tambem applicada a despesas do Ministerio da Guerra, que se não pode calcular em menos de 400:000$000 a 450:000$000 réis, podemos affirmar, sem receio de contestação, que neste primeiro anno da gerencia do Sr. Pimentel Pinto a despesa total do Ministerio da Guerra se elevou a mais de 7.280:000$000 réis, como se prova dos documentos officiaes publicados que analysei e a que me tenho referido.

Isto é pelo que diz respeito ao orçamento d'este primeiro anno, porque quando eu analysar o segundo, o que está em discussão, a Camara verá que é ainda maior a despesa, e que foi crescendo consideravelmente o au-

Página 21

SESSÃO NOCTURNA N.° 40 DE MARÇO DE 1092 7

gmento dos gastos a fazer, em virtude das bellezas economicas da ultima reforma do exercito.

Quanto ao recurso aos creditos especiaes, devo dizer que o Sr. Sebastião Telles tambem d'elles precisou usar na sua gerencia, para liquidar o excesso de despesa no fim do anno, como precisou igualmente o seu successor, o Sr. Pimentel Pinto. Ha só uma differença e muito grande: o credito especial de que necessitou o Sr. Sebastião Telles, para liquidar as despesas da sua gerencia em 31 de dezembro, foi de 374:200$000 réis, emquanto que o credito especial do actual Sr. Ministro da Guerra, para liquidar o seu excesso de despesa, foi de 569:200$000 réis. Veja V. Exa., Sr. Presidente, e veja a Camara, a differença entre estas duas verbas!...

Supponho que o nobre Ministro, para quem appello, me não julgará capaz de fazer uma affirmação que não seja verdadeira; mas eu prometto comprovar, sendo preciso, todas as minhas affirmações com documentos officiaes, de forma a não deixar duvida nenhuma no espirito de alguem, seja quem for, ainda mesmo no dos mais habilidosos fabricantes de orçamentos.

Parece realmente incrivel que se fizesse um orçamento com uma tão errada previsão, que fosse necessario equilibrá-lo por um credito especial de 569:200$000 réis; isto prova o pouco escrupulo que houve na confecção d'aquelle documento, ou o nenhum em esbanjar os dinheiros do Thesouro, augmentando as despesas de uma maneira tão extraordinaria! (Apoiados).

A Camara mostra-se admirada, pois creia que digo a verdade, hão invento nem phantasio, para poder formular accusações. Nunca se viu cousa assim, differença tal! Mas é verdadeira a cifra que cito, 569:200$000 réis!

Tal foi, Sr. Presidente, a quantia a que necessitou recorrer por um credito especial o por decreto de 24 de dezembro de 1901, publicado no Diario do Governo de 30, que aqui tenho, o nobre Ministro da Guerra. Eu não sei se isto desagrada aos meus illustres collegas da maioria; isto é a verdade, e o Sr. Ministro quer toda a verdade, e d'ella se não teme, como arrogantemente costuma dizer.

Eu, que me venho queixando, em todas as sessões, sempre que me é dado usar da palavra, de todos os injustificados augmentos de despesa, tenho de me queixar principalmente d'este do Ministerio da Guerra, que é importantissimo. Hei de demonstrar, não com palavras vãs, mas com factos, com algarismos, com documentos officiaes, como realmente é differente o systema de administração do partido a que me honro de pertencer e o d'aquelle a que pertence o meu illustre amigo o Sr. Leal, que tão injustamente nos quis accusar, tentando desculpar os erros de administração, os esbanjamentos condemnaveis, do Sr. Pimentel Pinto, o mais pernicioso Ministro da Guerra que tem gerido aquella pasta. (Apoiados).

Mas deixemos agora a gerencia do 1.º anno do nobre Ministro da Guerra, julgada, documentada, citada no seu espelho de verdades, e que mostra manifestamente um augmento de despesa sobre o orçamento do anno anterior do seu antecessor, o Sr. Sebastião Telles, de 406:083$571 réis, e vamos ao 2.°, que é muito peor

Eu não quero estar a referir-me com mais commentarios a estes algarismos, porque elles falam bem alto, de uma maneira bem mais eloquente e convincente do que eu o poderia fazer.

Ahi deixo ficar as cifras á consideração da Camara, mais nada accrescentarei. É a bagatela de 406:083$571 réis. E para mostrar a V. Exa. e á Camara quanto foi escrupuloso o meu trabalho eu direi que ficam á disposição de quem os quiser ver os documentos em que me baseei para chegar ás conclusões apresentadas.

E agora passo a analysar o orçamento em discussão, o segundo da gerencia do Sr. Pimentel Pinto, que não menos edificante do que o primeiro, e aonde já se começam a sentir os economicos effeitos da sua celebre e tão discutida reforma.

Apesar das cautelas e habilidades com que foi elaborado, sempre nos mostra o seguinte:

Que a despesa proposta pelo Sr. Ministro é de..........6.403:756$643
A que a generosa commissão augmentou.................. 26:824$450

Perfazendo o total de réis............................. 6.429:581$093

Apresenta-nos já este documento um bello augmento, confessado pela commissão, de despesa, a mais do que no orçamento do anno anterior, de 297:407$026 réis,
que ainda assim é mal calculado, e que eu reputo insufficiente para fazer face ás despesas a realizar com o augmento das unidades em todas as armas, como a nova reforma determina. Teremos pois um novo recurso aos reditos especiaes, por quantia superior á do anno anterior, expediente que merece ser condemnado, porque é a completa illusão, um grosseiro sophisma aos calculos do orçamento, e revela a inadiavel necessidade de se reformar o nosso vergonhoso systema da contabilidade publica, que permitte que os Srs. Ministros possam gastar quanto queiram, a mais, fora das verbas e prescripções orçamentaes.

Por isso me insurjo contra os calculos, propositadamente falseados, d'este orçamento, que longe de ser um espelho de verdade, como disse o Sr. Ministro, é um verdadeiro espelho de inexactidões, de erros de falsidades, que se desfazem ao mais breve exame, que não resistem á mais superficial analyse! (Apoiados).

Basta calcular por alto o custo da sustentação do augmento dos effectivos que será preciso ter em armas, para occorrer ás necessidades da instrucção e outras, da nova organização, ao augmento com a criação de novas divisões, ás mobilizações ou transferencia de corpos e unidades, á preparação de novos quarteis, mobilias, utensilios de casernas e secretarias, e mais despesas inherentes á execução da reforma, para se ver que não pode chegar, de forma alguma, a verba de 297:000$000 réis a mais na despesa, do que a do anno passado, em que ainda não estava em vigor a esbanjadora reforma. (Apoiados).

Desafio, quem quer que seja, a que me contradiga e prove o contrario. Approvado que seja o presente orçamento, estamos já ameaçados, e é isto que me revolta, de que a gerencia do anno economico ha de ser liquidada por um credito especial não inferior a 600 ou, 650:000$000 réis, visto que não chegarão 569:200$000 réis, como o do anno passado.

Na melhor hypothese dos calculos que apresento, em contraposição aos do orçamento, baseados em documentos officiaes e em argumentos irrespondiveis, não podemos deixar de ter um augmento de despesa inferior a 450:000$000 réis, como se demonstra do resumo seguinte:

Despesa ordinaria, justificada......................... 6.726:988$119
Despesa extraordinaria................................. 136:038$019
Credito especial, pelo menos igual ao do anno anterior.. 569:200$000
7.432:226$738

A que se accrescentarmos a importancia das remissões de recrutas, calculada em 450:000$000

Dá-nos a somma total de........7.882:226$138

Teremos pois que a despesa total a fazer com o Ministerio da Guerra será pelo menos, no anno economico corrente, calculada pelo orçamento em discussão, e mais documentos de officiaes, 7.882:226$138 réis, o que, pelas contas apuradas e calculos feitos, é de cêrca de 704:000$000

Página 22

8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

réis a mais, nos dois annos, em confronto com o ultimo orçamento da gerencia progressista do Sr. Sebastião Telles.

E ahi fica demonstrado, com verdade e irrefutavelmente, à Camara e ao país, quem é que sabe e pode administrar com mais economia; e se valia a pena ter feito uma tão cruel e violenta guerra á reforma e á tão discutida base 17.ª, do Sr. Sebastião Telles, em que se não augmentava a despesa, para a substituir por esta bella obra que ahi se está vendo, não falando nas glorias de Trajouce, na desorganização dos serviços militares, incompletos em toda a parte, e neste extraordinario augmento de despesa, com que o país não pode, e que neste momento e nas circumstancias em que nos encontramos, se torna mais censuravel ainda do que em qualquer outra occasião. (Apoiados).

Agora talvez alguem menos justo pense que eu me interesso pouco pelo exercito, por combater o augmento de despesas do Ministerio da Guerra e a desastrada orientação economica do Sr. Ministro; mas isso é um erro e uma grave injustiça que se me faz. Eu não regateio, porque não posso, nem quero, nem devo, ao brioso e valente exercito do meu país, aquillo que elle necessite para a sua digna e honrosa representação. Reconheço o seu importante papel preponderante na gloriosa defesa da patria, na sustentação das Instituições, na manutenção da ordem publica; tenho, como todo o bom cidadão, o mais alto respeito e consideração pelos seus meritos e nobres exemplos e valentia e civismo, elogiaveis, como ainda ultimamente tem provado na nossa Africa; mas, Sr. Presidente, por esses factos, que todos reconhecemos, ha de sacrificar-se toda a economia do país ao desenvolvimento das instituições militares, e sobretudo á má administração de um ministro perdulario e esbanjador como nenhum outro? E as outras classes e instituições sociaes, o commercio, a industria, a agricultura, a navegação, a instrucção publica, o funccionalismo civil, não hão de merecer tambem alguma consideração e attenção?

Parece-me que sim. E é necessario attender ás necessidades e ao prestigio de umas, sem sacrificios e ruina para outras.

É por desejar que a todas se attenda, e que se administrem os dinheiros publicos com rigorosa economia, para chegarem para todas as despesas, para haver equidade na distribuição de beneficios, que me insurjo contra os esbanjamentos do Sr. Pimentel Pinto, como contra todos, e tantos são, do actual Governo!

O Sr. Ministro da Guerra é um mãos largas! Seria talvez um bom ministro para um país rico, para a França, para a Allemanha, para a Russia, ou para Inglaterra, onde pudesse gastar á vontade, sem conta, peso nem medida, como é seu costume.

Para um país pequeno, pobre e arruinado, como o nosso, é um pessimo Ministro, e a sua permanencia no Governo representa uma das maiores calamidades que podem pesar sobre a economia nacional.

Mais de 700:000$000 réis de augmento de despesa, como accusam os dois ultimos orçamentos que analysei, como se deprehende dos seus algarismos e dos calculos a que elles se prestam, é muito, é demais, e o país não pode com tanto!

Veja V. Exa., Sr. Presidente, e veja a Camara, o que revela uma differença nos dois annos, para mais, d'esta enorme importancia! Não quero tirar d'aqui argumentos para accusar violentamente o Sr. Ministro da Guerra não creio mesmo que S. Exa. applicasse mal, desviasse ou pretenda desviar dos seus fins estas verbas; o que lamento é que fossem inopportunamente gastas, o que me custa, o que não posso deixar de condemnar, é que neste momento angustioso para nós todos S. Exa. assim corte tanto á larga, sem se preoccupar com a ideia de onde ha de vir o dinheiro. (Apoiados)

Se o país, se o Thesouro, estivessem a nadar em riquezas, se tivessemos as finanças em melhores condições, se o contribuinte não estivesse sobrecarregado até mais não poder, se os credores externos não estivessem a ameaçar-nos com mais pesadas exigencias, que o convenio ha de trazer, então não me importaria tanto que o illustre Ministro tivesse d'estas larguezas; mas o que me revolta neste momento é a inopportunidade.

Combato todas as despesas que não sejam de reconhecida urgencia e proveito para a nação, porque as acho inopportunas neste momento, seja em que ramo de administração for. Reputo um crime augmentar as despesas publicas, e muito mais por esta forma, no Ministerio da Guerra, fazendo reformas que ninguem pedia, que eram escusadas, e que podiam muito bem, sem perigo da patria, ter sido adiadas para occasião mais opportuna.

Mas realmente será só de 6:000 e tantos contos de réis a verba que se gasta pelo Ministerio da Guerra a pretexto do exercito, como se quer fazer acreditar pelos calculos do orçamento?

Devo agora dizer ao nobre Ministro da Guerra que está erradissimo este calculo de quem fez o seu orçamento e da illustre commissão que o approvou; porque se nós calcularmos que alem de 3:000 e tantos contos de réis temos a augmentar ás despesas ordinarias as despesas extraordinarias, e um credito pelo menos de 570:000$000 réis, numeros redondos, como o do anno passado, veremos que a despesa é muito maior, o que ha de ser ainda maior o credito especial que o Sr. Ministro da Guerra ha de pedir ao Thesouro; porque se já o anno passado, em que as reformas ainda não estavam em execução, teve de recorrer a esse credito, porque os 20:000 homens não chegavam para o serviço, como ha de chegar agora, que a nova reforma exige muito maior numero de praças? Muito maior ha de ser esse credito, repito, no fim do actual anno, se o Sr. Ministro teimosamente levar essas reformas á execução, como parece que ha de acontecer, porque, para se não cumprirem, para os corpos ficarem nas crias, como ironicamente lhe chamam, então era melhor não as fazer, e esperar melhor monção para reformar com opportunidade e acerto.

Tambem devo dizer ao Sr. Ministro da Guerra que está em manifesta contradicção com o que disse ha pouco em resposta ao Sr. Villaça, de que era de opinião que não fazia bem ás instituições militares a instabilidade, que as mudanças eram quasi sempre prejudiciaes. Mas o que tem S. Exa. feito senão mudar tudo, desfazer por completo o que os outros fizeram, tudo revolvendo e anarchizando?

S. Exa. e os seus amigos foram, como eu já disse, adversarios violentos e intransigentes da sensata reforma do seu digno antecessor, modesta e economica, e da celebre e decantada base 17.ª, com que aqui nos atormentou a opposição por tanto tempo e por todos os modos.

E o que fez S. Exa. apenas chegou ao poder?

Fez apenas uma censuravel dictadura, sem necessidade que a justificasse, unicamente para não ficar atrás aos seus collegas dictadores, e dar satisfação á sua vaidade e dos seus amigos e companheiros de combate. Porque era realmente urgente, inadiavel, impunha-o a salvação publica, que S. Exa. fizesse a toda a pressa os quatro decretos que fez e publicou; dependia d'elles o prestigio e engrandecimento militar, o melhoramento do exercito e a elevação do seu nivel moral. Sem aquella grande obra dictatorial perigavam as instituições militares!

O que nós vemos, o que resalta ao primeiro exame, é que esses decretos não foram feitos e publicados senão para destruir a obra que estava feita, substituindo-a levianamente por outra, sem vantagem alguma.

E então mais uma vez o nobre Ministro é, apanhado em contradicção; diz uma cousa e faz outra. É contra a mobilização, mas mobiliza tudo! Quer estabilidade, mas só para o que fizer, para a sua grande obra!

Eu espero, quando S. Exa. deixar essa cadeira e um outro ministro o substitua, substituindo a sua obra, como

Página 23

SESSÃO NOCTURNA N.º 40 DE 18 DE MARÇO DE 1902 9

é indispensavel, com o intuito não de desmerecer no exercito, nem de lhe tirar tudo quanto o país lhe possa dar, mas de lhe dar só o que possa, e não mais, que se S. Exa. depois voltar a occupá-la, fará nova dictadura, para tornar a fazer o mesmo que fez agora, e depois vir declarar á Camara que naturalmente está de acordo em que as reorganizações militares devem ter estabilidade. Ainda verei isso, se por infortunio do país o Sr. Pimentel Pinto tornar a ser ministro da Guerra, o que duvido.

Bem o préga Frei Thomás... Bem se vê que S. Exa. é da mesma escola do Sr. Presidente do Conselho e dos seus collegas. Em boas palavras e promessas, tudo quanto quiserem. Mas depois as obras é que contradizem as palavras. Sempre assim tem sido o actual Governo, e em especial o seu illustre chefe.

Mas continuemos a analysar as verbas orçamentaes.

Nós temos a accrescentar ás verbas do presente orçamento um augmento de 86:742$600 réis, a que não ha que fugir, isto fazendo-se apenas a mesma despesa a mais fora do orçamento que se fez o anno passado, com a sustentação das praças como o Sr. Ministro descreve nas contas do seu credito especial de liquidação; mas, infelizmente para o país, elle terá de recorrer a um credito muito maior e augmentar aquella verba, como já disse e não é de mais repetir; pois está exuberantemente provado que, augmentando o effectivo das tropas, como não pode deixar de ser, tem de augmentar a verba da despesa. E assim provado fica tambem que, se a administração do Sr. Ministro da Guerra augmentou no primeiro anno mais de réis 400:000$000, e neste segundo de certo não menos, podemos calcular com precisão e affirmar serem as despesas ordinarias de 7.296:980$119 réis é as despesas extraordinarias, que teem alem das do anno passado o augmento dos 4:000$000 réis para pagar as prestações da estatua do Duque de Saldanha, de 136:038$019 réis, ou seja um total para este anno de 7.432:000$000 réis, fora a verba das remissões, já calculada em mais de 400:000$000 réis.

Mas, pergunto eu, será esta ainda assim, e apesar de tão rigorosos calculos, e da sua enorme importancia, realmente a verba exacta a gastar?

Talvez não seja, talvez tenha de se augmentar ainda. E aqui direi eu, como o meu illustre amigo Sr. Villaça, que me parece e é com certeza insufficiente o calculo do orçamento. Se o Sr. Ministro está resolvido a levar por deante a sua nefasta reforma, a completar as unidades com que augmentou o effectivo do exercito, a tornar em realidade toda a sua organização, não é realmente com os 570:000$000 réis de um credito especial como o do anno passado que o pode fazer; tem de recorrer a um credito muito mais importante. Ou renuncia por agora a completar essas unidades, e põe de parte a execução da sua reforma, no que andaria muito sensatamente, ou tem de recorrer a um credito especial enormissimo, monstruoso, porque o augmento da despesa ha de ser consideravel e muitissimo superior a todas as previsões orçamentaes. S. Exa. não pode contestar esta minha asserção! Este calculo é certo, é verdadeiro, é irrespondivel! Deixo aqui os meus apontamentos nas paginas dos proprios Orçamentos de onde os tirei, para quem os quiser verificar.

Estão, como já disse, ás ordens da illustre commissão, do Sr. Relator, de algum estimado collega, ou de quem quiser certificar-se da verdade sem grande trabalho.

Provada como fica a grande differença de processos de administração que ha, entre o ultimo Ministro da Guerra da situação progressista, que não augmentou as despesas, e o actual, continuarei a analysar detalhadamente algumas verbas que me mereceram especiaes reparos.

Percorrendo os escaninhos escuros, reconditos, propositadamente emmaranhados, deste bonito espelho de verdade, ahi vejo uma das verbas mais extraordinarias e mais dignas de admiração que se pode encontrar no Orçamento. É a verba das luzes. Que edificante, que assombroso, este capitulo das luzes!

O nobre Ministro é inimigo, e com razão, das trevas, e quer luz, muita luz, como pedia o grande Victor Hugo; mas não é tão apaixonado por ella que não continue a deixar nas trevas os seus soldados, porque, apesar das enormes verbas que gasta com illuminações, não consta que se tenha occupado muito da sua instrucção, nem do aperfeiçoamento e multiplicação das escolas regimentaes, de que tanto proveito se podia tirar.

E já que me referi a escolas regimentaes, vem a proposito dizer que a escola de Viseu tem obtido resultados maravilhosos no ensino por companhias ali ensaiado. Ha pouco tempo ainda, tive occasião de apreciar os progressos notaveis que teem feito os soldados do regimento 14, devido aos cuidados, e bom methodo de ensino do illustre capitão que a dirige, sendo elle o principal professor, o Sr. Homem Christo, a quem presto neste momento a minha homenagem pelos seus relevantes serviços prestados á causa da instrucção militar.

Se o nobre Ministro da Guerra fizesse adoptar em todos os corpos o systema seguido por este benemerito capitão, em breve tempo teria diminuido o analphabetismo no nosso exercito, o que é uma vergonha.

Quando ha pouco o Sr. Ministro esteve comparando pela estatistica a percentagem da nação portuguesa, para as despesas com o exercito, com as das outras nações, lembrei-me da grande falta de instrucção que ha no país. Seremos os que pagamos menos para o exercito, por pessoa, e não temos realmente meios para pagar mais; mas em comparação com essas nações, talvez, com certeza, gastamos muitissimo menos com a instrucção, e o nosso atraso na instrucção popular é muito maior do que o de nenhuma, como as estatisticas demonstram. Basta dizer que ha mais de 3 milhões de analphabetos, num país de pouco mais 5 milhões de habitantes! Que triste verdade!

Para nós, que temos um grande amor pelas instituições militares, não ha nada mais urgente e mais necessario do que diffundir a instrucção pelas aldeias e pelas casernas, fazendo desapparecer a vergonhosa ignorancia do nosso povo, e do nosso soldado que d'elle tem de vir.

Com respeito a instrucção estamos realmente muito atrasados. E nós, que copiamos tudo do figurino que se faz lá fora, não temos infelizmente copiado os exemplos que nos teem dado as nações mais adeantadas com respeito á instrucção do soldado e á do povo em geral.

Portugal está numa situação vergonhosa com respeito á sua instrucção popular, pois figura, na estatistica da sua população com cêrca de dois terços de analphabetos, o que é imperdoavel.

É triste, é lamentavel isto, mas é bom que se saiba, que se repita, para ver se se remedeia o mal, e se os nossos estadistas se envergonham e pensam a serio nesta calamidade nacional, a maior de todas.

Em quanto o povo português não souber ler, pode o Sr. Ministro da Guerra fazer as reformas e leis de recrutamento que quiser, como ha pouco fez, que não obterá o resultado que deseja, porque esse povo nunca estará á altura de comprehender os seus deveres e os seus direitos, o continuará a ter a mesma repugnancia, e até odio, que até hoje tem manifestado sempre, pelo serviço militar.

Era tempo pois de se fazer uma lei de recrutamento razoavel, equitativa, o mais perfeita possivel, diminuindo o tempo desserviço activo, e harmonizando as suas exigencias com as da vida e occupações do meio aonde se vão buscar os recrutas.

A lei mais perfeita será aquella que, diminuindo o tempo do serviço e adoçando as suas agruras, consiga instruir e habilitar mais rapidamente o soldado no manejo da arma, fazendo desapparecer ou diminuir a invencivel antipathia que todo o cidadão tem pelo serviço militar. (Apoiados).

Página 24

10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Em França, aonde o systema de recrutamento é outro, e aonde não ha pelo serviço militar a odiosa repugancia que entre nós se dá, agora mesmo acabam de diminuir o periodo da instrução, ou exercicios annuaes de classes dispensadas, passando o que era de 28 dias a 21, e o de 13 a 8, e isto depois de terem reduzido, de 3 a 2 annos, a duração do primeiro periodo activo do serviço militar. E por tal signal que se deu, na discussão d'este projecto e emenda, fim caso curioso, que foi o do Ministro da Guerra, o general André, combater a emenda que reduzia o periodo do exercicio, e apesar d'isso a Camara approvou-a por 375 votos contra 147, sem que o Ministro por isso se désse por offendido, ou se considerasse em chegue, pois acatou a deliberação da Camara e continuou no Governo.

Repito pois era já tempo de ver se, dissipando a ignorancia do nosso povo, especialmente e das povoações ruraes, de onde tem de sair o soldado, nós destruiamos a má vontade, a forte repugnancia que elle tem em pagar o honroso tributo de sangue, em vir aperfeiçoar-se, instruir-se e habilitar-se a saber pegar numa arma para defender a sua patria, o seu lar e a sua familia, que elle tanto ama, mas que não sabe e nem pode defender efficazmente, continuando no estado de ignorancia em que se encontra. (Apoiados).

Estas considerações foram-me suggeridas, Sr. Presidente, pelas palavras do Sr. Ministro da Guerra, quando ha pouco se referiu á applicação de impostos, lá fora, para o exercito. E, a este proposito, lembro-me tambem do que S. Exa. fez relativamente ás escolas militares, pelo que o louvo; mas sem lisonja e tambem sem politica digo francamente que foi realmente pouco, ainda muito pouco, o que S. Exa. fez, para o muitissimo que é preciso fazer.

Permitta-me que imparcialmente lh'o diga. Neste ramo de serviço das escolas militares, como no importantissimo da instituição utilissima do tiro civil, digna de toda a protecção, ha muito, muitissimo, que fazer e que é urgente se faça pelo Ministerio da Guerra, a bem da tão descurada instrucção nacional.

Quem, como eu, tem percorrido as aldeias do país, e não se tem limitado a ir triumphalmente de Santa Apolonia até á Ajuda, ou ás Necessidades, com passagem pelo Terreiro do Paço, sabe bem as difficuldades com que ahi lutam as familias pobres, as dos trabalhadores ruraes e dos pequenos proprietarios, para poderem educar, ou sequer mandar aprender a ler os seus filhos. Os paes, com poucos meios e a quem tudo faz falta, muitas vezes não os querem mandar á escola, para não gastarem alguns vintens, poucos que seja, em livros, papel, pennas e tinta; como não teem quem lhes forneça estes petrechos necessarios, indispensaveis, preferem utilizar os seus filhos noutro mister em que nada gastam, e antes lhes aproveitam o tempo da escola, visto que elles já podem prestar-lhes algum serviço, na lavoura e nos arranjos domesticos da casa e familia.

Justificam-se os paes d'este seu lamentavel proceder dizendo que não podem gastar nada, que tudo lhes faz falta e que tambem elles não sabem ler nem escrever, e que assim foram criados e teem vivido, como seus paes e avós.

Por isso, eu desejaria que mais economias se fizessem noutros ramos de serviço publico, para mais se poder gastar com a instrucção popular, fazendo diminuir a ignorancia e a miseria, a fim de se poder mais efficazmente educar estas pobres crianças, filhas dos pobres, que muitas nem pão teem para comer, quanto mais recursos para comprar o que é indispensavel para frequentar a escola Se V. Exa. visse, Sr. Presidente, como eu vi algumas vezes, pelas nossas aldeias, as pobres crianças mal vestidas, rotas, descalças, percorrendo aridos caminhos, ás vezes de 3 e mais kilometros longe da escola, levando a tira colo o seu pequeno e arremendado burnal, aonde juntamente com os livros vae o sustento para todo o dia, um pedaço de broa, pão de milho, seu unico alimento, teria pena de tanta pobreza.

V. Exa. condoia-se, assim como o Sr. Presidente do Conselho que, estou certo, teria dó; pelo que no seu coração de homem bom e na sua intelligencia de estadista, devia, o mais breve possivel, promulgar uma lei para attender a estas necessidades, começando por mandar fazer casas de escolas, porque não as ha, e as que existem são uma vergonha, e por decretar dotações, pequenas que fossem, para acudir ás necessidades escolares das crianças reconhecidamente pobres.

Trata-se muito de hygiene nos grandes centros, de construir sanatorios para tuberculosos, mas não tratamos das escolas ruraes, que na maior parte das aldeias não teem condições nenhumas de hygiene e salubridade, sendo um perigoso foco de infecção.

É ali que as crianças começam a adoecer; é ali que se desenvolve o terrivel microbio da tuberculose, principalmente em algumas escolas installadas em casas velhas, sujas, desabrigadas, onde pelo tecto e pelas fendas entra o frio, o vento e a chuva, no inverno; é d'ali que saem os numerosos candidatos á tuberculose.

Sr. Presidente do Conselho: dê V. Exa. mais largos horizontes á sua ultima reforma da instrucção primaria; faça mais alguma cousa; tenha dó da ignorancia em que vive a maioria dos portugueses; e se precisar de cercear outras verbas do Orçamento, para dotar mais largamente a da instrucção primaria, faça-o! Decrete uma nova reforma em bases humanitarias, modernas, dos melhores principios sociaes, de protecção ás crianças pobres, e terá vinculado o seu nome a uma grande obra, á mais util e gloriosa de toda a sua longa carreira politica!

Peço-lh'o, em nome d'essa triste ignorancia que nos envergonha, em nome d'esses milhões de homens portugueses, que nem podem ser bons soldados, nem bons patriotas, emquanto não souberem ler, e para que seus filhos não fiquem condemnados á mesma cegueira!

(Pausa).

Peço a V. Exa., Sr. Presidente, e á Camara, que me desculpem o ter interrompido a sequencia das minhas considerações sobre o orçamento, com estas divagações; mas a causa que advogo vem bem a proposito d'esta discussão, porque ainda é tempo, e sempre é tempo, de se fazer alguma cousa de bom e de util.

Alem d'isso, a Camara sabe muito bem que eu não costumo fazer discursos methodicos, estudados, decorados, mas que vou falando, correntemente, sem pretenção, como sei e posso, á maneira que as ideias e os assumptos me vão occorrendo e veem vindo a proposito á discussão, e por isso me desculpará mais uma vez.

Como ia dizendo, relativamente ao capitulo 13.°, artigo 35.° e outros, nem o Sr. Ministro da Guerra, nem a commissão, nem a Camara, podem calcular o que é este capitulo - das luzes.

A Camara vae ouvir, e chamo a attenção do Sr. Ministro da Guerra para os factos que vou citar:

No capitulo 11.°, artigo 38.°, do orçamento da ultima gerencia do Sr. Sebastião Telles, está descripta a verba seguinte: Despesas para luzes nos corpos de guardas e destacamentos, nas casernas das companhias dos reformados, 11:543$420 réis. Pois no orçamento em discussão, da gerencia do Sr. Ministro da Guerra, Pimentel Pinto, que parece tanto gostar de illuminações, nós vemos no capitulo 13.°, artigo 35.°, elevar-se esta mesma verba á quantia de 13:200$000 réis!

Augmento de despesa a mais nesta verba, de um orçamento para o outro, 1:656$580 réis. Tome nota d'isto a illustre commissão e o Sr. Relator, porque teem muito que sommar nos importantes augmentos que encontrei, ao estudar este curioso documento, que prova a economia e seriedade que presidiu á sua organização. Adeante.

No capitulo 3.°, artigo 12.°, do orçamento da ultima ge-

Página 25

SESSÃO NOCTURNA N.º 40 DE 18 DE MARÇO DE 1902 11

rencia do Ministro progressista, sob a denominação - Illuminação de quarteis, descreve-se:

Quartel de engenharia..................... 200$000
Quarteis de artilharia.................... 1:900$000
Quarteis de cavallaria.................... 2:700$000
Quarteis de infantaria.................... 8:000$000

Somma.................................... 12:800$000

Pois estas mesmas verbas no orçamento actual do Sr. Pimentel Pinto, no capitulo 5.°, artigo 12.º, figuram da forma seguinte:

Quartel de engenharia.................. 250$000
Quarteis de artilharia................. 2:500$000
Quarteis de cavallaria................. 3:150$000
Quarteis de infantaria................. 9:000$000

Verba nova - Luzes para os districtos de recrutamento e regimento de infantaria de reserva......................... 720$000

Somma............................... 15:620$000

Despesa para mais nesta verba da illuminação dos quarteis, 2:820$000 réis; com mais 1:656$580 réis nas luzes das casernas, temos só aqui, 4:476$580 réis de augmento por anno, só na illuminação dos quarteis.

Pergunto: na gerencia do antecessor de S. Exa. estavam ás escuras ou a meia luz estes quarteis?

Mas que tyranno, que cruel inimigo da luz que era o Sr. Sebastião Telles, para ter assim ás escuras os illustres officiaes e os pobres soldados, e ser necessario que viesse o Sr. Ministro da Guerra actual fazer este augmento de despesa, a fim de que elles pudessem ver mais alguma cousa.

A differença para mais, de 4:476$580 réis, deve dar para grandes jorros de luz, talvez tanta que os contribuintes acharão de mais e que lhes queima as algibeiras!

Mas pensa a Camara que é só isto que se paga para illuminação, pelo Ministerio da Guerra?

Está muito enganada.

Até o nobre Presidente do Conselho vae ficar admirado.

Continuemos.

Para a illuminação da Escola do Exercito, o Sr. Sebastião Telles, no seu orçamento, capitulo 6.°, artigo 25.°, tinha estabelecido 2:000$000 réis; e o Sr. Ministro da Guerra actual augmentou mais 1:000$000 réis, ficando em 3:000$000 réis, como do seu orçamento, capitulo 8.°, artigo 21.° O que é 1:000$000 réis a mais em 2:000$000? Uma bagatela!

Agora temos a despesa de illuminação nas Escolta Praticas, que no orçamento do Sr. Sebastião Telles, secção 3.ª, está assim especificada: «Fundo para despesas diversas e dotação das escolas de engenharia, artilharia, cavallaria e infantaria, ao todo, 38:150$000 réis».

No presente orçamento do Sr. Pimentel Pinto, na mesma secção 3.ª, conserva-se esta verba com a mesma designação, e accrescenta-se-lhe mais a de 1:800$000 réis para o fornecimento de rações de manobras a officiaes e sargentos, e mais se descrevem e dotam as seguintes verbas, que figuram pela primeira vez com a designação de serem tambem para illuminação:

Escola de Engenharia .................... 230$000
Escola de Artilharia .................... 1:140$000
Escola de Cavallaria. ................... 670$000
Escola de Infantaria .................... 1:620$000

O que perfez o total de .................. 3:660$000

Que é quanto custa a mais está verba, alem de 1:800$000 réis já mencionados, ou seja, só nestas duas verbas, ainda de luzes, um augmento de 5:460$000 réis!

Veja V. Exa., Sr. Presidente, as verbas novas que aqui estão só para illuminação d'estas escolas, e por que preço ficam!

Parece que as illuminações são feitas com azeite purificado, carissimo, e que haverá corujas que o bebem, e que precisavam ser espantadas, porque o contribuinte não pode pagar tanto para luzes.

Vamos agora a outras verbas, aonde ha augmentos de outras despesas conjuntamente com os de luzes numa embrulhada difficil de esclarecer.

No capitulo 7.°, artigo 28.°, secção 3.ª, do orçamento do Sr. Sebastião Telles, estabelecimentos penaes, casas de reclusão, descreve-se a verba - fundos para despesas diversas e luzes das casernas, 375$000 réis.

No capitulo 9.°, artigo 24.°, secção 3.ª, do orçamento do Sr. Pimentel Pinto, descreve-se a mesma verba, mas elevada á quantia de 560$000 réis; isto é, tem um augmento nas luzes de 185$000 réis!

Mas ainda ha mais.

No capitulo 7.°, artigo 18.°, secção 4.ª do orçamento do Sr. Sebastião Telles, a illuminação do Hospital de Invalidos Militares custava 359:750 reis; pelo orçamento actual, no mesmo capitulo e artigo, secção 1.ª, passa a custar 385$000 réis, a mais 25$250 réis.

Quer V. Exa. e a Camara saber qual é a somma completa que se gasta com luzes nos quarteis e edificios que eu citei, segundo as verbas descriptas no orçamento do Ministro da Guerra? É de 26:285$000 réis por anno, na melhor das hypotheses, se confiarmos nos calculos, sempre favorecidos, d'este documento official.

Mas quer agora saber a Camara em quanto augmentou a despesa, só em luzes, nestes dois annos, o Sr. Pimentel Pinto?

Na importante cifra de 11:146$830 réis!

Isto é, quasi o dobro do que gastava o seu antecessor!

Como prova de administração economica, estes algarismos são superiores a toda a eloquencia que eu pudesse ter, por mais commentarios que fizesse!

Só em luzes, um augmento de despesa de 11:146$830 réis, é de agradecer, merece elogios!

Mas não é só isto. Ha mais luzes. Ha ainda um caso de luzes que é extraordinario, assombroso!

Neste ponto, não quero continuar a dirigir-mo ao Sr. Ministro da Guerra, porque já está muito illuminado, mas vou dirigir-me ao nobre Ministro do Reino, porque corre pelo seu Ministerio o assumpto a que me vou referir. Nas fundas escavações que fiz neste assustador calhamaço descobri cousas admiraveis, que fariam arripiar o contribuinte se as soubesse todas.

Digne-se a camara ouvir:

A verba descripta no orçamento do Ministerio do Reino, no capitulo 4.°, artigo 12.°, para a illuminação só do quartel da Guarda Municipal de Lisboa, é de 5:553$000 réis!

Isto é extraordinario! Para luzes só para o quartel da Guarda Municipal, 5:55$000 réis! Entendeu o Sr. Ministro do Reino que este quartel estava bem illuminado, e não augmentou este anno a verba como fez á da Guarda Municipal do Porto, que tem uma dotação especial de réis 900$000, que S. Exa. achou pouco, comparada com a de Lisboa. E por isso pensou economicamente:

Então a Guarda Municipal de Lisboa tem só para luzes 5:553$000 réis, e a do Porto ha de ter apenas 900$000 réis?

Não pode ser!

Deu portanto este anno mais 100$000 réis para luzes á do Porto, ficando aquella verba em 1:000$000 réis.

Temos pois que só as luzes dos dois quarteis da Guarda

Página 26

12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Municipal, ficam custando ao país 6:553$000 réis por anno! É realmente assombroso!

E eu que neste momento vejo o meu illustre collega da maioria o Sr. Margarido encarar-me com espanto, admirado, como quem duvida do que está ouvindo, que lhe parece incrivel, dirijo-me a S. Exa. com todo o respeito que me inspiram as suas compridas e venerandas barbas brancas do propheta, e digo-lhe se em sua consciencia, tão immaculada e alva como as suas barbas, se em seu entender de homem de bem, não pervertido ainda pelo contagio mefitico da politica, visto que é a primeira vez que entra nesta casa, e já quasi no fim da sua longa vida, isto pode e deve continuar assim?

Se valeria realmente a pena, para apoiar e dar o seu voto honrado a um governo que assim administra e procede, fazer o arduo sacrificio de deixar a sua terra, tão longe, o ar puro das suas serras de Trás-os-Montes, a tranquilidade do seu lar, o conforto e o carinho dos seus, para vir assistir ao triste espectaculo que tem presenceado nesta sessão parlamentar, para ouvir o que nunca ouvira e saber o que ignorava pudesse existir, neste como que desmanchar de feira, nesta vergonhosa decadencia da politica portuguesa e dos costumes, em que tudo parece encaminhar-se acceleradamente para um desastre irremediavel, se não para um fim proximo!

Pode crer que tudo quanto tenho dito é a pura verdade e consta dos documentos officiaes que citei e tenho presente!

Não duvide! Pode certificar-se!

E quando agora voltar lá para as suas bellas terras do norte, conte e explique aos seus vizinhos, a esses honrados trabalhadores que labutam e suam, dia e noite, para arrancar á terra o pão dos filhos e o producto com que hão de pagar os pesados tributos que lhes exigem, o que por cá viu e ouviu, e a maneira facil e descuidosa como se malbarata e gasta o dinheiro do Estado, o patrimonio de todos, accumulado á custa de tantos sacrificios.

Diga a essa pobre gente que calcule, se é possivel, quanto labor e amargura de trabalho e cuidados será preciso para ajuntar a enorme somma, que elles talvez nem saibam avaliar, de 6:555$000 réis, que tão descuidosamente se destina no orçamento e se gasta por anno, só com os luzes da Guarda Municipal!

E pode tambem accrescentar que, contra estes o outros desperdicios ainda bem mais ruinosos e condemnaveis, ouviu um homem a pregar, mas inutilmente, neste grande deserto do Parlamento português, que não gosta de economias, e aonde todos os membros da maioria, talvez incluindo V. Exa., votam despreoccupadamente não só esta enormissima verba para luzes, mas todas e tudo quanto o Governo quiser e entender convenha á sua politica e aos seus amigos, com a certeza de que o povo, o contribuinte espoliado, tudo acceitará resignado na triste e lamentavel indifferença em que está entorpecido!

O Sr. Presidente: - Deu a hora. V. Exa. tem mais um quarto para acabar...

O Orador: - Parece-me que ainda faltam 25 minutos para acabar todo o tempo, mas eu vou continuar, e diligenciarei aproveitar o tempo que me resta.

A illustre commissão do orçamento achou que era ainda pequena a despesa a mais, alem de 1:800$000 réis a que já me referi, da verba para luz nos regimentos, e sabem o que fez?

Augmentou as verbas em mais 720$000 réis, no artigo 5.°, capitulo 12.° do orçamento, da seguinte forma:

Para o regimento de artilharia, mais para luzes.......... 400$000
Para o de cavallaria, mais para luzes.................... 250$000
Para o de engenharia, mais para luzes..................... 70$000

Somma total......................................... 720$000

Augmentou portanto a verba para luzes em mais 720$000 réis, que, sommada com os 11:146$830 réis dos augmentos já citados, perfaz, 11:866$830 réis, que se gastam a mais por anno, pelo orçamento do Sr. Pimentel Pinto; e sommando esta quantia com o custo das luzes, tambem já citado, de 26:285$000 réis, temos que só a illuminação a que me venho referindo custa pelo Ministerio da Guerra 27:005$000 réis e pelo do Reino 6:553$000 réis, ou sejam no total, para luzes pelos dois Ministerios, 33:558$000 réis! É para meditar, e é realmente edificante.

O illustre relator, o sr. capitão Ornellas, que me está ouvindo, o que lhe agradeço, pode servir-se crestes meus apontamentos para verificar se são exactos, como assevero, os algarismos de que me sirvo. Estão ás suas ordens.

Custaram-me muito a desencantar e a destrinçar, para os confrontos, estes nebulosos capitulos das luzes, para descobrir e provar á grande augmento de despesa que elles conteem; mas, como a illustre commissão, o nobre Ministro, e a Camara, que os vão approvar, estão todos de acordo, e pouco se importam com o augmento que accuso e combato, está bem!... Cumpre-me acatar a sua deliberação. Mas em todo o caso, eu chamo a attenção do nobre Ministro do Reino o Presidente do Conselho para este augmento extraordinario da despesa das luzes! Porque se é bom que se gaste quanto possa ser e que paguemos quanto se deva ao nobilissimo, digno e brioso exercito, pelo Ministerio da Guerra, tambem é bom que o exercito não seja pretexto para esbanjamentos, e carregue com responsabilidades e culpas de má administração, que não são, suas, e lhe possam diminuir as sympathias publicas.

É justo que se distribuam equitativamente as grandes sommas que nos custa o exercito, de maneira que todos os militares recebam o que merecem, sejam por igual contemplados e estejam todos contentes, e que não succeda como com o caso das illuminações dos quarteis, que emquanto uns podem estar rica e brilhantemente illuminados a gás, a giorno, a, luz electrica, e até a vistosos balões venezianos, não estejam outros completamente ás escuras! Isto é que é necessário que não succeda... Creio que me faço comprehender...

Bem sei que S. Exa. o nobre Ministro da Guerra me pode responder «que isso não é de hoje, nem mesmo de hontem, que é de muito longe, que já vem de trás»! De acordo. Mas deve ter um fim; deve emendar-se, corrigir-se, como se torna cada vez mais preciso e urgente, e não devemos ficar eternamente a querer desculpar os erros de uns com os de outros, os do presente com os do passado. É preciso acabar com a desalmada theoria dos maus precedentes, invocada a toda a hora a proposito de tudo, para desculpar tudo.

Porque se continuamos assim, se não ha emenda possivel, não sei nem ninguem sabe, nem se pode calcular, aonde isto irá parar! Acuda-se-lhe emquanto é tempo, se ainda o é... Continuemos.

Vamos agora aos serviços de saude, que analysarei numa outra viagem bem pouco recreativa, ao capitulo 5.°, artigo 21.° do orçamento do Sr. Sebastião Telles, em confronto com o capitulo 7.°, artigo 18.°, secção 1.ª do orçamento do Sr. Pimentel Pinto.

No primeiro, a verba destinada aos serviços de saude do exercito é de 68:000$000 réis; no segundo, aquella verba é de 83:870$000 réis! Ha aqui um importante augmento de 15:870$000 réis, que mal se pode justificar; pois não é crivel que a dotação anterior fosse insufficiente, que se deixassem os serviços de saude sem a verba de que careciam, e de decerto os medicamentos e mais aprestos precisos não encareceram tanto num anno que exija o augmento de mais 15:870$000 réis. Não é crivel.

Ha aqui umas novas verbas, e uma especialmente de 1:500$000 réis, para que chamo a attenção dos Srs. Ministros da Guerra e do Reino, porque assim verá a Camara

Página 27

SESSÃO NOCTURNA N.° 40 DE 18 DE MARÇO DE 1902 13

que não foi só sobre este orçamento que recaiu o meu exame; tambem apreciei o do Reino, no estudo que fiz, como todos os annos costumo, do Orçamento Geral, merecendo-me especial attenção, em todos, as verbas em que se augmentaram as despesas e as que encontrei de novo e que não existiam no orçamento apresentado pelo Governo progressista.

O Sr. Sebastião Telles tinha no seu orçamento só 68:000$000 réis para despesas de saude, reunindo em uma só todas as verbas; o Sr. Ministro da Guerra augmentou 15:870$000 réis nas mesmas despesas de saude, incluindo nesse augmento 4:500$000 réis a mais na verba para medicamentos, e criando uma verba nova de despesa, de 1:500$000 réis, para vaccina, que é esta a que deve merecer maior attenção aos dois illustres Ministros, a quem peço licença para especiaes referencias.

Acho excessiva a quantia de 1:500$000 réis para vaccina, e entendo que esta verba, que appareceu de novo neste orçamento, se podia diminuir ou até eliminar.

Pergunto ao Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, porque é que o Instituto Bacteriologico, que é um estabelecimento do Estado, muito bem montado, que tanto dinheiro custa, e que S. Exa. acaba agora de reformar augmentando consideravelmente a sua despesa, como vou demonstrar, dotando-o com mais pessoal medico, com preparador, com mais 8 serventes, 4 enfermeiras, 4 enfermeiros, criados, etc., etc., porque é, pergunto eu, que esse estabelecimento não pode produzir e fornecer a vaccina precisa para o exercito, ficando ella assim mais barata ou de graça?

Pois então um estabelecimento, tão bem montado, installado em bases perfeitamente a par de todas as exigencias da sciencia moderna, montado em condições iguaes ás que são seguidas nos institutos similares do estrangeiro, e em cuja reforma o nobre Ministro do Reino acaba de gastar mais 6:684$000 réis por anno, visto que, de 11:316$000 réis que custava, passou a custar pelo actual orçamento do Ministerio do Reino 18:000$000 réis, não poderia fornecer vaccina para o exercito e para a armada, em boas condições, de modo a ser o seu preço muito diminuto, quasi gratuito, ou mesmo nenhum?

Ou ha de continuar a dizer-se, parecendo verdade, que a reforma do Instituto, como todas as do actual Governo, obedeceu unicamente ao pensamento de collocar amigos, de anichar afilhados, de alargar o quadro do pessoal, sem nenhum proveito para o Estado? (Apoiados).

Contra isto é que eu protesto! Se gastar de mais é um grande erro economico, gastar mal é muito peor.

Talvez S. Exa. me diga que o Instituto já fornece muita vaccina para as camaras municipaes, de graça; mas isso não é bem assim.

Não produz a sufficiente, e está por emquanto longe de dar o muito que d'elle ha direito a esperar, principalmente agora que tão caro nos custa.

Muito estimaria pois que esta verba de 1:500$000 réis fosse eliminada, desapparecesse do orçamento, aonde figura pela primeira vez, e que esse Instituto, assim tão bem reformado, fornecesse desde já toda a vaccina precisa para o exercito, o que não será muito difficil.

Temos agora a verba para o Instituto Naval Militar, que o meu prezado amigo e collega Sr. Villaça achou pequena ou insufficiente, para acudir ás necessidades d'aquelle estabelecimento.

Será assim, mas deve merecer-nos confiança a que o Sr. Sebastião Telles estabeleceu no seu orçamento, que era de 9:000$000 réis, e não consta que ninguem deixasse de ali ter sustento, luz, cama e todos os soccorros precisos.

Mas o nobre Ministro, neste seu antigo e inveterado costume de augmentar todas as despesas, elevou essa verba a 11:150$000 réis; isto é, mais 1:650$000 réis do que a que encontrou á sua entrada para o Ministerio.

Aqui tem pois o meu illustre amigo Sr. Villaça como, quando é para augmentar as despesas, o Sr. Ministro da Guerra vae sempre na frente, não precisa que lh'o peçam.

S. Exa. nesse ponto, não ha que duvidar, supplanta o Sr. Sebastião Telles; tambem é o unico ponto em que o pode supplantar, diga-se a verdade. O Sr. Sebastião Telles fica na sombra, muito a perder de vista, quando se tratar de augmentos de despesa, de generosidades á custa do Thesouro, de esbanjamentos e manifestações aparatosas, de festas e de grandezas, com que se não compadece o estado precario das finanças do país.

O Sr. Sebastião Telles pensa, e muito bem, como todos os seus ex-collegas do Ministerio transacto, presidido pelo honrado estadista e meu illustre chefe o Sr. José Luciano de Castro, que num Orçamento modesto, como forçosamente tem de ser o nosso, todas as economias são precisas, indispensaveis, principalmente neste afflictivo momento historico; pensam e muito bem, que não podemos nem devemos ter a louca pretenção, que ás vezes pareço dominar o Sr. Ministro da Guerra, de hombrear, ou de querer imitar, o que fazem, porque o podem fazer, as grandes nações guerreiras e poderosas, como a Allemanha, a Inglaterra, a França e a Russia, cujos Orçamentos são de muitos milhares de contos de réis, com recursos economicos para todas as despesas, e grandes dotações para os seus ministerios da guerra.

Infelizmente os ministros de Portugal, e especialmente os da Guerra, teem de se convencer d'isto e de se accomodar ás circumstancias do país, sem velleidades de reformas caras, espaventosas, de imitações e de grandezas, que não podem ter. E isto parece esquecer, muita vez, o illustre Ministro da Guerra, como provam todos os seus projectos, reformas e medidas de administração publica.

D'isto me convencem os extraordinarios augmentos de despesa que encontro em quasi todas as verbas do seu orçamento, e que com os da sua nova organização militar montam a centenas de contos de réis!

Aqui está a dar-me razão, depois, do que já tenho referido, o capitulo 7.°, artigo 13.°, secção 4.ª - Hospital de Invalidos Militares, que no orçamento anterior do Sr. Telles, capitulo 5.°, artigo 21.°, figurava com a dotação de 9:500$000 réis, e neste do Sr. Pimentel Pinto figura com a de 11:150$000 réis, ou seja um augmento de despesa a mais de 1:650$000 réis! Nesta verba até se augmentou a despesa com a cultura da horta em mais 12$000 réis, passando a ser de 600$000 réis. O Sr. Pimentel Pinto gosta de hortaliças mais caras! E os guisamentos e despesas para igreja, que eram de 150$000 réis, passaram a ser de réis 230$000, isto é, augmentaram em 80$000 réis, um terço a mais! Caros guisamentos Sr. Ministro. Isto é um nunca acabar de augmentos de despesa, nas grandes como nas pequenas verbas, louvado seja Deus!

Vamos ao quadro auxiliar, e pessoal inactivo.

Aqui estou de acordo com o meu amigo Sr. Villaça, como tambem o quero estar, ao menos uma vez, com o Sr. Ministro da Guerra, porque ambos lamentaram o extraordinarissimo augmento d'esta verba, que cresceu de uma maneira assustadora. No orçamento do Sr. Sebastião Telles, capitulo 8.°, reformados, pensões, etc., custava no total, 843:000$000 réis; neste, que estamos discutindo, custa 921:000$000 réis. Differença para mais, no orçamento do Sr. Pimentel Pinto, 78:000$000 réis!

É importantissimo e digno de todas as attenções este espantoso augmento! O contribuinte deve sentir calafrios!

Tem-se reformado muita gente, talvez sem grande precisão. Tem-se abusado muito d'este meio, talvez, para arranjar vagas, para contentar descontentes, para servir exigencias, com pouco escrupulo, sem se attender ao enorme sacrificio que isso custa ao Thesouro. É preciso parar neste errado e perigoso caminho!

Eu não quero fazer accusações violentas, irritantes, que

Página 28

14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

possam parecer accintosas ou movidas por facciosismo politico, que me não domina neste momento, ao illustre Ministro da Guerra, a quem não lanço todas as responsabilidades, mas peço-lhe, como o Sr. Villaça recommendou e pediu, e eu junto aos seus os meus rogos, que não se abuse mais das reformas, como se abusou e está abusando das aposentações. Isto faz-me lembrar o que o Sr. Ministro da Fazenda tambem fez na sua notavel reforma dos serviços da Guarda Fiscal, em que já a verba para as praças julgadas incapazes, que não figura ainda no orçamento, está orçada em cêrca de 30:000$000 réis. Só nos meses de janeiro e fevereiro foram 200 e tantas as praças reformadas, para poderem dar logar a novas nomeações!

É inacreditavel, revoltante, do mais censuravel cinismo, o que neste genero de aposentações, reformas e nomeações, se tem feito pelo Ministerio da Fazenda! Mas continuemos com o da Guerra.

Estamos a ver como o Sr. Ministro da Guerra augmentou 78:000$000 réis na despesa com os reformados pelo seu Ministerio, e o Sr. Ministro da Fazenda, que não lhe quis ficar atrás na reforma do seu exercito, sempre em rivalidade com o da Guerra, augmentou logo de uma assentada 30:000$000 réis á despesa das reformas, e arranjou logar para mais de 200 afilhados! Isto é o que se chama andar com sorte, de uma cajadada matar dois coelhos, como se costuma dizer. Mas quem fica, se não morto, pelo menos bem ferido, é o coelho do contribuinte, coitado, que tudo tem de pagar.

A proposito vou contar a V. Exa. um facto publico, official, do meu conhecimento pessoal, que posso relatar e que mostra como é que se avoluma extraordinariamente, de anno para anno, a verba das classes inactivas por todos os Ministerios e como se reforma o pessoal, que parece que se impossibilita para o serviço, mas que não se impossibilita para ganhar ordenados, para accumular logares, para vir sobrecarregar injustamente o Orçamento Geral do Estado.

Eu conheço um funccionario, e não cito o nome, porque não costumo citar nomes, nem são para aqui chamados, que se aposentou de um logar publico que exercia, por incapacidade, e que, poucos dias depois da sua aposentação, foi nomeado recebedor de um concelho, que é logar de concurso e vitalicio. Está de perfeita saude, são como um pero, para ser recebedor, com nomeação vitalicia, mas estava doente, incapaz de exercer as suas funcções no logar que desempenhava; isto é, está a receber abusivamente aquillo que pertence e se devia dar só áquelles que estivessem verdadeiramente inutilizados.

Não quero fazer denuncias, mas se o Sr. Ministro da Fazenda duvidar do que affirmo, ou ignorar o caso, nenhuma duvida tenho em o esclarecer por completo.

A verba das classe inativas devia ser sagrada, reservando-se unicamente para o fim a que é destinada com a mais escrupulosa fiscalização, e nunca consentindo-se abusos d'esta e de outra ordem, que se praticam todos os dias, deixando-se aposentar funccionarios validos, como meio de arranjar logares a pretendentes importunos que as exigencias do partidarismo politico impõem cruelmente.

Este facto que acabo de citar não é unico infelizmente, segundo tenho ouvido.

V. Exas., Srs. Ministros, sabem muito bem quantas vezes os amigos exigem um determinado logar, que não se pode obter por outra forma senão aposentando a pessoa que o exerce...

O Sr. Presidente: - Deu a hora.

O Orador: - Eu acabarei em mais alguns minutos.

Não quero ficar com a palavra reservada; prometto não abusar da paciencia da Camara, se ella me permittir que conclua.

Tão cedo não torna a haver orçamento do Ministerio da Guerra para discutir, e eu desejava acabar as considerações que ainda tenho a fazer e citar alguns factos de importancia ao meu proposito, por isso peço ao Sr. Presidente se digne consultar a Camara.

O Sr. Presidente: - A sessão não pode ir alem da meia noite.

Os Srs. Deputados que consentem que o Sr. Oliveira Mattos continue as suas observações teem a bondade de se levantar.

Assim se resolveu.

O Orador: - Eu agradeço á Camara, que já devia estar enfadada, mais esta sua amabilidade e prometto ser breve, não abusar.

Eu só quero recommendar á attenção da Camara e do nobre Ministro da Guerra mais algumas verbas, extraordinarias e de confronto muito instructivo para se fazer justiça a todos, que descobri em outras curiosas investigações ao orçamento.

Desculpe-me a Camara se lhe tomo tanto tempo, mas tenha paciencia.

Eu tambem estive e muito trabalho, para me habilitar a fazer esta exposição; porque este orçamento não está confeccionado como os outros, foi todo alterado e mudada a descripção das verbas, capitulos, e artigos, de maneira a difficultar muito o seu estudo e confronto com o anterior, e quem quiser fazer o que eu fiz para o entender e apreciar tem de ter muito trabalho e dispor de bastante tempo.

Eu não tenho vaidades a satisfazer, nem orgulho a manifestar do pouco que fiz, mas já que trabalhei e consegui apurar estes dados que apresento para a Camara e o país se esclarecerem conscienciosamente, não quero deixar de os offerecer á sua justa apreciação.

Aqui temos outra verba a considerar, nas rendas de edificios occupados pelo Ministerio da Guerra.

No orçamento do Sr. Sebastião Telles, capitulo 11.°, artigo 42.°, secção 4.ª, custavam 5:600$000 réis; pelo do Sr. Pimentel Pinto, capitulo 13.°, artigo 40.°, secção 3.ª, passam a custar 6:750$000 réis! Despesa a mais 1:150$000 réis!

Tudo encarece sob a sabia e economica gerencia do actual Sr. Ministro!

Subiram as rendas, ou arrendaram-se novos edificios? Parece que sim, a julgar por um tão notavel augmento, de mais de uma quinta parte, nesta verba das rendas!

Vamos agora ao capitulo 11.°, artigo 42.°, secção 4.ª: Ha aqui uma verba tão augmentada que até o Sr. Presidente do Conselho vae ficar admirado.

Talvez nem o Sr. Ministro da Guerra saiba d'esta importante despesa a mais no seu orçamento, com telefones e linhas telegraficas.

No do Sr. Sebastião Telles, custavam 2:700$000 réis; e pelo do Sr. Ministro, capitulo 13.°, artigo 40.°, secção 2.ª, custam 3:700$000 réis.

Hão de confessar que mais 1:000$000 réis, por anno, para linhas telefonicas e telegraficas, é realmente muito!

Passemos ao capitulo 11.°, artigo 42.°, secção 6.ª, do orçamento do Sr. Sebastião Telles, despesas eventuaes; custavam por este orçamento 19:000$000 réis; pelo do Sr. Pimentel Pinto, capitulo 13.°, artigo 40.°, secção 4.ª, passam a custar 21:000$000 réis.

O augmento de despesa é, como se vê, de 2:000$000 réis por anno. Uma bagatela!

Esta secção de despesa a que agora me vou referir, a penultima que citarei, para não abusar da attenção e amabilidade da Camara, deve causar a inveja do Sr. Sebastião Telles, e a gloria e satisfação do Sr. Ministro da Guerra e dos seus enthusiasticos panegiristas. É a das despesas de alimentação.

No orçamento do Sr. Sebastião Telles, capitulo 9.°, figurava pela somma de 1.241:190$954 réis; no presente, do Sr. Pimentel Pinto, capitulo 11.°, passou esta verba a

Página 29

SESSÃO NOCTURNA N.° 40 DE 18 DE MARÇO DE 1902 15

ser de 1.257:092$065 réis, ou sejam a mais 15:901$111 réis!

É realmente consideravel este extraordinario augmento, que com os tantos já citados, e outros que não cito por falta de tempo, deixando ainda um para o fim, offereço á consideração do Sr. Ministro, dos seus admiradores, da Camara e especialmente do meu illustre collega e amigo Sr. Mendes Leal, o que aqui ousou affirmar, dirigindo-se-me, que os progressistas gastavam muito mais pelo Ministerio da Guerra, quando estavam no poder, do que os regeneradores.

Ahi fica a resposta, documentada, clara, nitida, e irrespondivel!

E com ella, nas largas considerações que tenho feito, e no estudo e analyse que fiz do orçamento do Ministerio da Guerra, creio ter justificado cabalmente uma affirmação que aqui fiz e que tanto melindrou o illustre Ministro da Guerra, por quem sempre tenho manifestado consideração e com quem tenho mantido as melhores relações.

O Sr. Ministro da Guerra, quando eu ha tempos aqui occupei a proposito já não sei de que esbanjamento do Governo, que eu condemnava, porque essa é a minha missão nesta casa, e disse que era de mais de 350 ou 400 contos de réis, só o augmento das despesas feitas pelo seu Ministerio, porque eu não queria partilhar o que os jornaes diziam affirmando serem de 600 contos de réis, porque elles ás vezes levados pela paixão politica exageram; S. Exa. levantou-se um pouco irritado, nervoso, e até irado, e disse: «Não. Não é exacto. Não são 400 contos de réis».

Eu então respondi, com uma grande pachorra e serenidade, que algumas vezes me falta, quando conheço que tenho razão: «o Sr. Ministro faça favor de me dizer qual é a verba, em que calcula o augmento das despesas feitas pelo seu Ministerio, que eu acceito o seu calculo». S. Exa. não me respondeu nada que esclarecesse o assumpto ou destruisse a minha affirmativa. Assentou-se e, como desculpa mal cabida, limitou-se a dizer que não responderia emquanto eu o interrogasse por aquella forma! Devo dizer que eu interrogara S. Exa. muito correctamente A sua resposta, evidentemente uma evasiva, é que me mereceu então alguns reparos feitos com mais energia, como ella merecia, e accrescentei: «que quando se discutisse o orçamento da Guerra eu teria a honra de provar, com o Orçamento na mão e com documentos officiaes, que a sua despesa, feita, calculada e prevista a fazer, incluindo a da nova organização do exercito, excedia a mais de 350 ou 400 de contos de réis». Infelizmente para o país, para o contribuinte, para o Thesouro, e até para S. Exa., porque eu creio que isto lhe não seja agradavel, está provado e justificado quanto eu disse sobre os monstruosos augmentos de despesa do seu Ministerio.

E digo-o com magua. Antes me queria ter enganado! Antes os meus calculos tivessem sido exagerados! Antes se não provasse de uma maneira tão evidente e irrefutavel que o augmento das despesas num periodo de 2 annos, com o Orçamento de 1902 a 1903, só pelo Ministerio da Guerra, ascende á enorme cifra de mais de 700 contos de réis!

Esta triste verdade, no momento em que a divida fluctuante é de mais de 58.000:000$000 réis, e o desequilibrio orçamental entre as receitas e as despesas apresenta um deficit de mais de 8.000:000$000 réis, como tambem está provado pelos documentos officiaes, não pode ser agradavel a nenhum dos membros do Governo, faço-lhes essa justiça, embora descuidosamente concorram, pela sua leviandade, pela má administração, pela sua fraqueza e transigencia com as clientelas partidarias, com a sua falta de resolução e de energia para resistir ás exigencias, para cortar por abusos, para se aggravar o lamentavel estado em que se encontram as arruinadas finanças do país! ... (Apoiados).

E agora, para findar, quero chamar a attenção da Camara para um caso especial, a que todos, até o Sr. Presidente do Conselho, que dizem não gosta de rir, hão de achar graça.

É engraçado, apesar de sair caro, bastante caro, ao país!

É uma verba muito especial, e que tambem soffreu augmento, a que vem inscripta no orçamento, com applicação aos pombaes!

É extraordinaria!

Talvez, nem a commissão, nem o proprio Sr. Ministro da Guerra, creio, tivessem conhecimento d'ella, o que não admira.

No orçamento do anno economico passado, já do Sr. Pimentel Pinto, no capitulo 12.°, artigo 40.°, secção 2.ª, vem descripta a verba, nova, seguinte:

«Despesa, com o sustento dos pombos correios, 850$000 réis».

Já era puxadinho este sustento. São aves de muito mantimento!

Mas vê-se que a verba não chegou. Foi preciso augmentá-la. Os pombos tornaram-se devoristas, comiam muito!

No presente orçamento, capitulo 13.°, artigo 40.°, secção 2.ª, vem a verba assim descripta:

«Despesa com o sustento e trenamento dos pombos correios, 1:000$000 réis».

Este augmento, do anno passado para cá, de 150$000 réis, é talvez por causa do trenamento, que não vinha no outro orçamento.

Na trenagem comem mais 150$000 réis de milho os famintos pombos!

Sabiam? Conhecia alguem aqui dentro esta verba de despesa?

Não sabiam, com certeza!

Pois fique-se sabendo que os pombos do Ministerio da Guerra comem por anno 1:000$000 réis de milho!

Não será realmente muito, comparado com o que comem outros pombos de papo grande, do pombal regenerador, que se andam a trenar regaladamente por Paris, por Londres e pela China...

Sr. Ministro da Guerra, peço a attenção de V. Exa. para este extraordinario caso dos pombaes do seu Ministerio! Isto não são pombos, são com certeza animaes de outra especie disfarçados em pombos.

A serem aves, talvez sejam melros dos de bico amarello, que abundam nos pombaes de todo o Orçamento Geral, não é só no do Ministerio da Guerra.

E preciso dar-lhes caça, mas não creio que o Sr. Ministro tenha força, energia, e vontade para isso!

Parece-me que fiz uma surpresa á Camara com esta descoberta dos pombos, por isso devo merecer a sua benevolencia pelo tempo que lhe tomei, e até a sympathia e agradecimento do Sr. Ministro da Guerra, por lhe ter descoberto tão boa caça e tanto ao alcance da sua arma, se elle quiser atirar com boa pontaria... (Riso).

E para acabar, rematarei como comecei: Se na exposição sincera, franca, leal, desapaixonada, verdadeira, e corajosamente feita que eu acabo de fazer, S. Exa. o Sr. Ministro, ou alguem, viu nas minhas palavras qualquer phrase, referencia, allusão, insinuação, ou cousa, que possa ter melindrado S. Exas., peço aos meus illustres collegas que me desculpem, porque não foi nem nunca podia ser intenção minha o desgostá-los, quanto mais offendê-los.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado).

O Sr. Conde de Paçô Vieira: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, approvando as con-

Página 30

16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tas da commissão administrativa da Camara dos Senhores Deputados, relativas ao periodo decorrido de 10 de janeiro a 27 de maio de 1901.

Foi a imprimir com urgencia.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão é na quinta feira, 20 do corrente, sendo a primeira chamada ás 10 e meia horas da manhã e a segunda ás 11 horas. A ordem
do dia é a mesma que estava dada e mais os projectos de lei n.ºs 11, sobre garantia da propriedade industrial, e 20 (reforma do ensino do pharmacia).

Está encerrada a sessão.

Era meia noite.

O redactor - Albano da Cunha.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×