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SESSÃO N.° 40 DE 3 DE AGOSTO DE 1909 5

sempre, não forçando o valor das palavras, um acto de ditadura.

Mas ao menos o acto ditatorial do Sr. Ministro da Justiça tem a desculpá-lo um alto serviço á liberdade de consciencia, uma vantagem decidida quanto ao respeito e guarda dos direitos do individuo? Não tem nada disto. O juiz não tem que perguntar ao jurado se elle é catholico: tem apenas que deferir-lhe o juramento que a lei preceitua.

Se o jurado se recusa jurar, seja pelo que for, o juiz apenas constata que elle lhe desobedeceu, não jurando, e processa-o pelo crime de desobediencia. Assim o determina a lei, que ao juiz cumpre interpretar, não apenas á luz da sua consciencia moral, mas tambem e principalmente á luz da sua consciencia juridica.

Ora a portaria do Sr. Ministro da Justiça inhibe o juiz de processar o jurado que se escuse, por motivos religiosos, o que ainda é fazer ditadura, restringindo a competencia que dá a lei aos magistrados que julgam em processo crime.

Diz-se então, defendendo a obra de S. Ex.a, que ella livra da cadeia os livres pensadores que em processos penaes tiverem de funccionar como membros do jury. É certo; mas tambem os priva, permanentemente, de exercerem a funcção de julgadores, e deixa-os entregues a uma espécie de espionagem que era torno da sua consciencia tem de exercer o Ministerio Publico.

Tal individuo que um dia, no tribunal, declarou não ser catholico, e foi por isso dispensado de julgar, mais tarde praticou actos religiosos que permittem ao Ministerio Publico haver como falsa a sua declaração, logo esse convertido ao catholicismo se verá processado por motivo de falsas declarações;

Ainda se comprehendia de algum modo a portaria do Sr. Ministro da Justiça se antes de a publicar ou no mesmo dia em que a publicou o Sr. Ministro da Justiça levasse ao Parlamento uma proposta de lei derogando a legislação em vigor sobre materia de juramento em processo criminal. Mas não; S. Exa. preferiu um expediente facil a uma providencia seria, procedendo empiricamente e procurandoremediar um mal pela forma por que os cáusticos tiram uma dor, provocando uma dor. Nem sequer pensou o Sr. Ministro da Justiça que obrigar um individuo feito catholico pelo baptismo a dizer publicamente que o não é equivale a obrigá-lo a apostatar, e esse crime está previsto no Codigo Penal, em artigos que S. Exa. não deroga com a sua portaria.

Dir-se-ha que ao livre pensador, sorteado para julgar em processo crime, é a lei e não a portaria que o priva de um direito, com a differença, toda em favor da portaria, de a lei o metter na cadeia de cada vez que elle se recusar ao juramento. Assim é; mas este argumento prova apenas a necessidade de cortar o mal pela raiz, impedindo que alguém perca o direito, que é ao mesmo tempo um dever, de julgar por motivos religiosos.

Faço justiça ás boas intenções do Sr. Ministro: mas sou obrigado a reconhecer que a sua portaria não realiza o fim que S. Exa. teve em vista, e torna possivel o perigo de vir a constituir-se, para o julgamento de certos crimes, um jury catholico e de sacristia.

O que é preciso é acabar com a iniquidade da lei, derogando-a pela forma unica por que isso pode e deve fazer-se com uma outra lei votada no. Parlamento. Direi já agora, incidentalmente, que tem o Sr. Ministro da Justiça uma certa tendencia a antecipar se ao Parlamento, como tem feito com a nomeação de juizes de paz, de que talvez me occupe ainda. Ficará, isso para occasião mais opportuna.

Redigi um projecto de lei que vou mandar para a mesa e tenho a certeza de que o Sr. Ministro da Justiça me dará o seu apoio. Trata-se de adoptar nos processos criminaes, em relação a juramento, o que se acha disposto em materia commercial e civil. Nos considerandos da sua portaria, chama S. Exa. a essa disposição - liberal é justa, pois bem, que essa mesma justa e liberal disposição se adopte em processos criminaes, e ter-se-ha feito obra equitativa.

A primeira vez que falei na Camara foi para apresentar um projecto de lei abolindo o juramento em todas as instancias.

Esse projecto dorme ainda, nos archivos da respectiva commissão, o somno das cousas inopportunas.

A palavra juramento implica uma noção religiosa ou metaphysica que não ha o direito de impor á consciencia de ninguem.

Jurar é admittir fora do mundo das realidades tangiveis uma entidade theologica ou metaphysica, que pode chamar-se Deus ou pode chamar-se o Diabo, mas que é em iodo o caso uma criação do espirito humano nos seus delirios extra-scientificos. Acho que deve ser abolido o juramento, conforme o meu projecto da sessão legislativa finda, mas não renuncio a apresentar o que me suscitou a portaria do Sr. Ministro da Justiça, pois que, tendo eu indispensavelmente o apoio de S. Exa., a Camara ha de toma-lo na consideração devida ao Ministro. E, porque seja urgente acabar com a anomalia da lei, que a portaria do Sr. Ministro da Justiça em balde procurou eliminar, requererei a discussão immediata do meu projecto, com dispensa do regimento.

É a primeira vez que peço tal dispensa, mas julgo que o faço com bem fundadas razões.

A lei não obriga a juramento religioso os jurados commerciaes e civeis, como não obriga os jurados militares, como não obriga já hoje as testemunhas.

Porque ha de conservar-se a excepção iniqua, sem nenhum fundamento serio, para com os jurados em processo criminal?

Espero que a Camara adopte o meu projecto, que mais não seja para ser agradavel ao Sr. Ministro da Justiça, que lhe dá todo o seu apoio.

Julgo ter dito o bastante para justificar o meu projecto, que apenas visa a prover de remédio uma anomalia da lei que a portaria não remediou.

Antes de terminar, quero dizer duas palavras sobre os successos do dia anterior.

A minoria republicana não tem a minima responsabilidade nos tumultos que ali se produziram, na sala das sessões, fazendo com que os trabalhos não proseguissem regularmente.

Foi a maioria da Camara, não consentindo que se generalizasse o debate sobre o perigo congreganista, que desencadeou a tempestade.

A minoria republicana acceitou a situação que lhe criaram, não hesitando no cumprimento do seu dever.

Foi violenta?

Sem duvida; mas precisava de o ser, não fosse alguem julgá-la cumplice na affronta feita ao povo liberal de Lisboa.

O partido republicano não organizou a manifestação grandiosa, imponentissima, do dia de hontem; essa honra pertence á Junta Liberal, que não é uma agremiação republicana.

Houve mesmo o cuidado, por banda do partido republicano, de não praticar qualquer acto de que pudesse inferir-se ser elle, com o pseudonymo de Junta Liberal, que mobilizou 100:000 homens para irem, em romagem, ao chamado templo das leis formular os seus protestos e as suas revindicações.

Era de republicanos a grande maioria, a quasi totalidade dos manifestantes?
Sem duvida que era; mas isso prova apenas que já não é possivel, na capital do reino, fazer uma grande affirmação de liberdade, não sendo feita por nós.

Que os monarchicos organizem um cortejo assim mime-