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APPENDICE Á SESSÃO DE 16 DE JUNHO DE 1890 672-A

O sr. José Julio Rodrigues: - Pedi a palavra, sr. presidente, para explicar um facto, que se deu em uma das ultimas sessões d'esta camara, para que d'elle se não deduzam interpretações menos conformes com a verdade das cousas.
Quando se discutiram ultimamente n'esta casa os tristes acontecimentos de Moçambique, coube-me, antes da ordem do dia, a palavra reclamada para assumpto muito diverso, palavra que, por dois ou tres dias consecutivos eu pedira, sem lograr obtel-a pela abundancia de oradores inscriptos antes de mim, e pelo pouco tempo destinado ás explanações respectivas.
Era tenção minha pedir varias informações ao nobre ministro da instrucção publica sobre assumptos do seu ministerio, informações motivadas pelas circumstancias especiaes, que se dão n'este momento, estando a encerrar-se o presente anno lectivo e ser conveniente que algumas disposições se estabeleçam para o anno proximo a tempo de serem devidamente consideradas pelos respectivos conselhos escolares.
Entre estas disposições referir-me-ia muito particularmente ás que devem relacionar-se com o ensino pratico nas escolas secundarias e superiores, ensino que existe já em algumas, em parte ou no todo, como excepção ou como regra geral, obrigatorio ou facultativo, e que muito conviria regular, methodisando-se com urgencia o que fosse susceptivel de organisação legal e effectiva e preparando-se o caminho para uma generalisação de estudos praticos, que não póde nem deve demorar-se muito.
Esta questão de ensino pratico, de uma gravidade e importancia excepcional e que, no campo, a que me reporto, se póde dizer é quasi materia desconhecida no nosso paiz, parece dever ser uma das primeiras preoccupações do novo ministerio que, a este respeito, não carece de estudar, mas simplesmente de estabelecer, resolvendo o problema por parte, mas não sacrificando o que já existe feito ao que mais tarde, sabe Deus quando, se pretenda fazer no encalço de um plano mais ou menos synthetico e glorioso...
Como já disse, alludo tão sómente ao ensino nas escolas superiores e secundarias do paiz sem caracter restricto, não me referindo portanto ao ensino industrial e commercial nos seus differentes ramos e sub divisões.
Tinha, pois, sr. presidente, pedido a palavra antes da ordem do dia, para tratar d'esses e de outros assumptos correlativos; estava porém e por tal fórma impressionado pelo incidente africano, que aqui se tratava de discutir, que, não desejando que outro qualquer o preterisse, alto e bom som declarei que, deixando para mais tarde as minhas considerações sobre o ensino pratico, desistindo por então da palavra, pedia a v. exa. me inscrevesse para o debate, que se annunciava para quando estivessem presentes os srs. ministros, a quem esse debate particularmente interessaria.
E tão claro fallei, que os jornaes deram conta do facto, que até foi cummunicado para a provincia em correspondencias e telegrammas, noticiando os varios successos parlamentares.
Apesar de tudo isto, porém, nem fui inscripto pela mesa, nem, depois de ter novamente pedido a palavra, ao saber do esquecimento de que fora objecto, logrei fallar, apesar de como representante da nação, ter o pleno direito de manifestar no parlamento a minha opinião sobre assumptos, que tanto interessam o decoro nacional.
Sei perfeitamente que nenhuma culpa houve, por parte da digna presidencia d'esta casa, no esquecimento ou desconhecimento do facto, a que me reporto, de mais a mais perfeitamente explicavel attendendo-se ás pessimas condições acusticas d'esta sala. Como todavia é possivel que alguem tenha deprehendido do meu silencio forçado interpretações menos agradaveis para mim, trato de varrer a minha testada para os effeitos devidos.
Nem o direito da palavra póde ser coarctado, sem uma resolução da camara, a qualquer dos srs. deputados, que hajam de inscrever-se sobre qualquer materia, nem tão pouco me parece que, para o exercer, hajamos mister de empenhar na pretensão amigos e influentes... Se assim fosse, proferiria calar-me de vez... a encommodar terceiros.
E nada mais direi sobre este assumpto.
O sr. Presidente: - O illustre deputado permitte-me que o interrompa?
V. exa. quando pediu a palavra disse que tinha pedido para ficar com ella reservada; eu disse-lhe que não tinha ouvido e só o inscrevi quando v. exa. veiu á mesa fazer essa declaração.
Á sessão seguinte não assisti; mas vejo pela inscripção que a discussão foi encerrada antes de caber a palavra a exa.
O Orador: - Faço inteira justiça á mesa. Acredito que não houve da parte de v. exa. senão uma simples inadvertencia ou falta de audição, que teve, é verdade, certos inconvenientes, que eu desejei remediar com a explanação que acabo de fazer.
É certo no emtauto que, antes da ordem do dia, tão expressamente pedi a palavra para entrar na discussão do incidente, a que me reporto, que assim o relataram differentes jornaes, taes como o Commercio do Porto, o Correio da noite, as Novidades, a Patria, e outros.
Por isso me admirei bastante de que o que, tantos ouviram e escreveram, passasse desapercebido para a mesa.
O sr. Presidente: - Cumpre-me declarar ao illustre deputado que, se s. exa. não foi inscripto logo de principio, foi por não ter sido ouvido.
O Orador: - Agradeço a v. exa. a sua declaração.
O que eu desejava e desejo, e creio tel-o conseguido, era desfazer qualquer interpretação menos agradavel que o meu silencio, por força maior, podesse ter causado no publico.
Terminando, pois, este incidente, só me cumpre agradecer mais uma vez a v. exa. as suas attenciosas e benevolas explicações.
E já que estou com a palavra, passarei agora a outros assumptos, felizmente, de muito maior importancia ou melindre do que aquelle sobre que acabo de fallar.
Refiro-me a assumptos relativos ao ministerio da fazenda e a outros ramos não menos importantes do nosso serviço publico.
Como, porém, tenho a honra de ser funccionario d'aquelle ministerio, os melindres da minha situação official aconselham-me a deixar para outro logar ou momento as considerações, que desejava fazer ao nobre ministro da fazenda, sobre a economia e agricultura nacional, referindo-me tambem ao mercado central de productos agricolas e a certos pontos da nossa administração financeira, a que urge dar attenção com todo o cuidado preciso para que se mantenha, na resolução de muitas questões pendentes, a imparcialidade e o acerto, que tão necessarias lhe são.
Como, porém, é de suppor que eu seja consultado por s. exa., pelo menos nos ramos de serviço, em que estou oficialmente envolvido, nada direi por agora sobre o assumpto, deixando as minhas explanações para occasião e logar, em que me sejam requeridas ou ordenadas por s. exa.
Direi agora algumas palavras sobre instrucção publica, referindo-me a um ponto que, por ser bastante restricto, não é por isso de menos importancia e transcendencia.
Já, por mais de uma vez, declarei n'esta casa que, em questões de instrucção publica, não faço politica.
Collaborarei portanto com o governo sempre que, n'esta parte, ella prestar bons serviços ao nosso paiz.
O que é, porém, necessario, é que se não invertam as condições da sua applicação ou que, pelo menos, se não confundam entre si alguns factores que, apesar da sua solidariedade, têem valores distinctos quanto á sua indole caracteristica,
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672-B DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Disse ha dias, n'esta camara, o sr. Dias Ferreira, um dos nossos mais illustres deputados, uma das glorias do parlamento portuguez, que a proficuidade da instrucção se não podia nem devia medir pelo dinheiro que ella custasse. Que, embora importasse despeza inevitavel, se os elementos scientiticos ou profissionaes não estivessem á altura da missão social, que lhes é incumbida, de nada serviria o gastar-se muito, pois que a iustrucção havia de ser necessariamente imperfeita.
Pesa-me não ver hoje s. exa. n'esta casa; creio, porém, ser esta a summula do que s. exa. affirmou.
E, estando em grande parte de accordo com s. exa., o que não desejo é que das palavras auctorisadas de tão illustre mestre se infiram consequencias, que vão mais longe do que s. exa. por certo deseja.
O ensino - que dá a instrucção e a educação - não póde nunca, e hoje sobretudo, deixar de ser para o estado e para o paiz inteiro um pesado, embora generoso encargo. E a este respeito, devo até notar que vivem em condições desfavoraveis os paizes pequenos, que são mais onerados do que os grandes paizes, tanto nos seus orçamentos de instrucção secundaria como, e ainda mais, nos de instrucção superior e, até, especial.
Se as despezas com a instrucção primaria são, até certo ponto, proporcionaes á população, não succede o mesmo com as despesas de instruccão superior, que, por mais pequeno que seja o paiz, onde se façam, não podem nunca reduzir-se a uma verba, que possa dizer-se minima.
Não julgo tambem que se possa fazer hoje reforma alguma, seria e ampla, no campo da instrucção publica portugueza, que exija e determine a creação de um ministerio ad hoc, reforma quer no campo do ensino manual, profissional ou technico, quer, e sobre tudo, no campo do ensino pratico, tão indispensavel no ensino secundario e superior, sem notavel augmento de despeza, que eu tenho, para estes serviços, por absolutamente indispensavel.
Bem sei que a questão financeira, n'este momento, está na ordem do dia e, conforme dizem, com aspecto bastante desagradavel; mas de duas uma, ou nós estamos em penuria tamanha que tenhamos de cercear despezas, ainda as mais reproductivas, ou vivemos, como creio, muito longe d'esse estado mais que lamentável, e o que nos cumpre então é crear valores e, portanto, nada mais util para isso do que o semear e generalizar pelo paiz a instruccão o educação, paiz que tanto d'ellas carece e necessita.
Estando, por isso, creado o ministerio da instruccão publica, se este ministerio não for dotado com verbas que o habilitem, desde já, a melhorar a instrucção, pelo menos, no campo onde ella é mais deficiente, não sei então para que se creou um tal ministerio. (Apoiados.)
E o ensino pratico é uma d'essas deficiencias.
Quasi que não existe em Portugal, e isto mesmo já o disse aqui o sr. Arroyo; parece-me, pois, inadiavel a sua intervenção no ensino geral secundario e superior e senão em todas as escolas pelo menos n'aquellas que, por sua indole e applicção, mais o reclamarem.
Na sexta cadeira da escola polytechnica de Lisboa, chimica mineral, de que tenho a honra de ser professor, está por exemplo estabelecido o ensino pratico regular, mas facultativa, vae já para dois annos.
Que o nobre ministro da instruccão publica cuide, portanto, e desde já, d'esta especio de ensinamento. Prestará com isso um grande serviço á nação, que saberá por certo agradecer-lhe'. O nada se fazer por agora, será um anno perdido para todo o paiz. Não é depois das matriculas, e apoz a publicação dos horarios respectivos, que se hão de organisur cursos novos, faceis n'este momento de estabelecer em certas escolas e em certas cadeiras d'essas mesmas escolas.
Quando se não generalisem, dê-se ao menos baptismo official aos cursos já existentes, tornando-os obrigatorios.
Alludiu tambem n'esta camara o sr. José Dias Ferreira á necessidade, para s. exa. mais urgente do que nenhuma outra, de haverem bons professores, cuja intervenção no ensino é para s. exa. mais importante ainda do que o capital -dinheiro.
Tem s. exa. rasão, mas tão sómente n'uma parte mui restricta do problema geral que nos preoccupa. Evidentemente, com maus professores, o ensino não póde ser cousa apetecivel, mas é certo tambem que o melhor professor do mundo, sem o preciso material de estudo, nada poderá fazer digno de registo. Refiro-me, é claro, ao ensino das sciencias experimentaes e de observação.
Se os discursos são muito bons para os parlamentos, e ás vezes até são optimos aquelles, que pouca substancia encerram, no estudo das sciencias phybicas ou historico-naturaes, o discurso que pouco instruo é, ás vezes, um elemento de desmoralisação cerebral.
Puzessom Pasteur, desde a sua primeira investigação scientifica, sem material technico, sem dotações especiaes, sem escolas amplamente dotadas, a discutir o microbio, e veriam até onde elle, Pasteur, teria logrado subir. Em Portugal seria hoje talvez um pobre amanuense de secretaria, sem condições para accesso ou, então, um modesto professor de segunda ordem, havido porventura por incapaz de regee uma cadeira, nas condições de economia é claro, que vejo escorarem o novo ministerio...
Concluindo, peço portanto ao sr. ministro da instrucção publica para que não descure o ensino pratico nas nossas escolas, sobretudo n'aquellas onde se professam cursos de sciencias experimentaes.
Sem esse ensino, essas escolas nunca habilitarão alumnos nos termos em que o paiz os pretende e requer. Insisto por este ensino e não duvidarei por isso enfadar a camara e o ministro respectivo, para alcançar este desideratum.
Os factos, n'esta campanha, hão de justificar-me completamente, como me têem já defendido e justificado.
São estes os assumptos para que eu hoje desejava chamar a attenção do digno ministro da instrucção publica o sr. Arroyo! Não amplio as minhas considerações para não cansar mais os meus illustres collegas.
Aproveito a occasião, sr. presidente, para mandar para a mesa o diploma do sr. deputado eleito por S. Thomé, e meu amigo, o sr. Alfredo Mendes da Silva.

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