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Discursos do sr. deputado Neves Carneiro, que deviam ler-se a pag. 562, col. 1.ª e 2.ª d'este Diario

O sr. Neves Carneiro: — Sr. presidente, como relator do parecer que está na tela da discussão, não podia deixar de pedir a palavra para responder ao sr. Mariano de Carvalho, que acaba de o impugnar.

V. ex.ª e a camara reconhecem por certo que é bastante embaraçosa a minha situação n'este momento, não só porque é a primeira vez que tenho a honra de fallar n'esta casa com mais alguma largueza, mas tambem porque tenho a lutar com um adversario, que é um dos talentos mais vigorosos do paiz e um dos argumentadores mais agudos que tenho conhecido. No entanto, confiado na justiça da causa que defendo, espero responder cabalmente a todas as difficuldades que o illustre orador, que me precedeu, levantou contra o parecer que se discute.

O sr. Mariano de Carvalho começou por acoimar de illegal a portaria do governador geral de Angola, que man-

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dou proceder á eleição o aos trabalhos preparatorios para ella,

Para provar a illegalidade da portaria, citou s. ex.ª as disposições da lei de 1859, sobre o modo de proceder ao recenseamento e á eleição. Mas o illustre deputado devia saber que para as provincias ultramarinas ha disposições especiaes no decreto de 30 de setembro do 1852.

Este decreto tem um titulo especial, o XV, que se inscreve — Disposições especiaes para as ilhas adjacentes e provincias ultramarinas. — As disposições especiaes que regulam as eleições do ultramar, na parte que se discute, são os artigos 111.0 e 112.°, §§ 1.°, 2.° e 3.° (Leu.)

Vê-se claramente:

1.° Que o artigo só manda applicar ás ilhas o ao ultramar a parte do decreto eleitoral que lhes disser respeito;

2.° Que manda que os governadores geraes, depois de receberem o decreto do governo, que manda proceder á eleição, designem os logares e os prasos para as eleições e para o recenseamento (para o recenseamento, note V. ex.ª);

3.° Que deixa ao arbitrio do governador a designação dos prasos e dos logares para a eleição, conforme as distancias.

Ora, eu pergunto ao illustre deputado se é isto o que se faz no continente? Depois, no artigo 112.º diz que o se escolherão os quarenta maiores contribuintes e que se procederá ao recenseamento dos eleitores e elegiveis, tomando para base do recenseamento as contribuições existentes, de qualquer natureza que sejam.

Actualmente não póde considerar-se o dizimo para indicação da renda, porque esta contribuição foi abolida em 1872.

Sendo assim, como é que o sr. Mariano de Carvalho vem citar, para mostrar a illegalidade da portaria, a legislação geral de 1859, quando esta não revogou nem podia revogar as disposições especiaes do decreto de 1852? Onde estão na lei de 1859 disposições especiaes para as ilhas adjacentes, que rovoguem as anteriores? Pois a legislação geral sobre um assumpto revoga a legislação especial sobre o mesmo assumpto? (Apoiados.)

O sr. Mariano de Carvalho: — Essas disposições são da lei de 1859 ou da lei de 1852?

O Orador: — São de 1852: já o disse. Mas estas disposições é que são applicaveis ás eleições do ultramar, e estas é que o illustre deputado devia citar. Não o fez, talvez porque não faziam conta á sua argumentação.

Disse mais o sr. Mariano de Carvalho, que era nulla a eleição de Angola, porque o sr. Alberto Garrido, na sua qualidade de administrador dos concelhos de Loanda o de Cazengo, era inelegivel por estes concelhos. Eu respondo, que o sr. Alberto Garrido não era administrador de Loanda, nas condições que aponta a lei para o tornar inelegivel, e que nunca foi administrador proprietario ou substituto de Cazengo.

O sr. Alberto Garrido era administrador de Loanda nas circumstancias que o tornariam ineligivel segundo a lei? Não era. O sr. Mariano de Carvalho considera inexacto o primeiro considerando do parecer da commissão, em que affirma que o sr. Alberto Garrido não era administrador ha mais de seis mezes antes da sua eleição, quando a certidão, passada pela secretaria do governo geral de Angola, diz claramente que foi demittido em 22 de outubro, verificando-se a eleição em 14 de novembro.

Mas peço licença ao illustre deputado para lhe dizer, que s. ex.ª labora n'um equivoco. O considerando não diz que o sr. Alberto Garrido não era administrador de Loanda ha mais de seis mezes antes da eleição: diz simplesmente que não exercia as funcções do seu cargo durante todo aquelle espaço. Quer dizer: o sr. Alberto Garrido era administrador de direito, porque não tinha sido demittido, mas não era administrador de facto, porque não estava em exercicio.

Mas, dirá o sr. Mariano de Carvalho; que importa que não estivesse em exercicio, se era administrador, emquanto não fosse demittido, e a lei torna inelegiveis os administradores de concelho, sem distinguir entre administradores de direito e administradores de facto? A resposta é simples. Nem o sr. Alberto Garrido perdia o seu direito de elegivel pelo facto de ser administrador de concelho, porque a lei exige mais alguma cousa, nem a commissão adduziu o considerando do exercicio para o fim que suppõe o sr. Mariano de Carvalho.

Na applicação e interpretação das leis deve attender-se ao pensamento que teve em vista o legislador, ao fim da lei, á sua rasão justificativa. Ora, qual foi o fim do legislador, prohibindo em certos casos a eleição dos funccionarios administrativos pela area que administram? Foi evidentemente obstar a que elles se servissem da auctoridade que exercem para fazerem pressão na consciencia dos eleitores. Assim, provado que o sr. Alberto Garrido não exercia ha mais de seis mezes as funcções do seu cargo de administrador de Loanda, ha mais de seis mezes antes da sua de: missão, fica demonstrado que ella não podia aproveitar-se do seu cargo para influenciar o animo dos seus subordinados, e está por conseguinte salvaguardado o pensamento da lei, que tornou inelegíveis os administradores de concelho pela area da sua administração.

Este argumento é de pura rasão, deduzido do scopo do legislador. Mas a commissão tem outros argumentos positivos, deduzidos da letra da lei e dos documentos juntos ao processo eleitoral. N'outros termos: o sr. Alberto Garrido não exercia, ha mais de seis mezes antes da eleição, o seu cargo de administrador de Loanda, porque estava ausente em Cazengo; mas, ainda que fosse administrador effectivo e em exercicio até á vespera da eleição, não podia, segundo a letra expressa da lei, ficar por esse facto privado do direito de elegivel. E vou prova-lo.

A lei eleitoral da 23 de novembro de 1859, artigo 4.* diz. (Leu).

O sr. Mariano de Carvalho: — Eu não dei peso a esse argumento. Quiz apenas mostrar a minha opinião sobre a clausula do pedido da demissão, de que falla o artigo 4.°

O Orador: — Mas é certo que o illustre deputado sempre foi tocando no argumento, S. ex.ª não nega que a letra expressa do artigo exige que a demissão do administrador seja dada a requerimento seu, para que o funccionario parca o direito de ser elegivel dentro dos seis mezes consecutivos á sua demissão.

Ora, s. ex.ª póde entender que a lei não é boa e que o artigo deve ser reformado; mas, ainda que a disposição da lei não fosse justa, nem por isso deixava de ser lei clara, expressa e terminante. Nós não estamos agora a fazer lei; estamos a applicar a lei existente, e esta não admitte duvidas.

Eu não trato agora de justificar a disposição da lei, porque não é esse o meu fim. Podia concordar com o sr. Mariano de Carvalho, que nem por isso a discussão avançava um passo.

Mas eu entendo que se comprehende perfeitamente o pensamento que teve em vista o legislador, quando declarou que só perdia o direito de ser elegivel o funccionario que pedisse a sua demissão dentro dos seis mezes consecutivos á sua eleição. A lei quiz offerecer uma garantia aos funccionarios que fossem victimas de uma prepotencia do governo. Poda acontecer que o governo demitta uma auctoridade administrativa não por motivos de justiça, de legalidade ou de conveniencia publica, mas simplesmente para contemporisar com exigencias eleitoraes. Por isso o legislador quiz dar aos cidadãos da area do funccionario demittido a faculdade de o elegerem seu representante em côrtes, inutilisando d'este modo o fim do governo, quando quiz sacrificar a conveniencias eleitoraes uma auctoridade digna da estima dos seus administrados.

E o facto tem-se verificado algumas vezes. Têem sido de-

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mittidos por meras conveniencias politicas governadores civis e administradores de concelho, e os seus antigos administrados tem-lhes dado uma prova de consideração, elegendo os seus representantes em côrtes. E, todavia, foram approvadas estas eleições, cuja validade era incontestavel em frente da letra expressa da lei. Portanto não é absurda a disposição da lei. Mas, ainda que fosse menos rasoavel, nem por isso deixava de ser lei, que tinha de ser respeitada emquanto não fosse reformada ou revogada. A lei exige que o funccionario peça a sua demissão.

Ora o sr. Garrido não requereu a sua exoneração. A certidão da secretaria do governo geral de Angola diz claramente que o sr. Garrido foi demittido por ter mudado de residencia. Onde está o requerimento do sr. Garrido? Onde está o documento que o prova? O sr. Garrido tinha pedido licença para estar ausente do seu logar. Deixou terminar esta licença, e continuou a residir em Cazengo. Que fez então o governador geral? Demittiu então o sr. Garrido.

E vem a proposito levantar uma accusação que o sr. Mariano de Carvalho dirigiu ao sr. governador geral de Angola. Disse o illustre deputado que o sr. Alberto Garrido não podia mudar da domicilio, porque os funccionarios publicos têem domicilio forçado no logar do seu emprego, e que o sr. Garrido tinha-se retirado para Cazengo para tratar da sua eleição.

Em primeiro logar o domicilio politico dos empregados publicos é no logar em que na epocha do recenseamento exercem as suas funcções. Ora sr. Garrido não exercia as suas funcções em Loanda, porque estava ausente ha maia de seis meses, e nem mesmo era administrador de direito, porque foi demittido em 22 de outubro, o as operações do recenseamento começaram no dia 3 de outubro.

Em segundo logar nós não tratámos de saber se elle devia ser ou não mettido em processo por ter abandonado o seu logar; isso é com o poder judicial. Tratámos de saber simplesmente se elle foi demittido por pedido seu ou por outro motivo. Mas, diz o illustre deputado, o sr. Garrido ausentou-se para Cazengo, a fim de trabalhar na sua eleição,.

E necessario que o illustre deputado e a camara saibam que o sr. Alberto Garrido é um rico proprietario no concelho de Cazengo, e que a administração de sua casa o obrigou a não saír d'estte concelho. O seu crime é preferir os interesses da sua casa aos interesses politicos que poderia auferir da administração do concelho de Loanda.

Diz o sr. Mariano de Carvalho, e affirmam 03 protestos, que o sr. Alberto Garrido era tambem administrador de Cazengo. Sr. presidente, ha asserções que por si mesmas se refutam. Pois o sr. Alberto Garrido podia na mesma epocha ser administrador de dois concelhos tão distantes um do outro? Não me parece serio este argumento. E, todavia, é a principal alavanca dos protestos e do discurso do sr. Mariano de Carvalho.

A verdade é que o sr. Garrido não foi administrador de Cazengo. Os administradores proprietarios e substitutos são nomeados pelo governador geral, e uma certidão da secretaria do governo de Angola diz que não consta na secretaria, que o sr. Alberto Garrido fosse nunca nomeado administrador effectivo ou substituto do concelho de Cazengo.

Contra o testemunho d'este documento authentico e official não póde argumentar-se em boa fé.

O documento a que se referem os protestos, e que invoca o sr. Mariano de Carvalho, sómente prova que o sr. Alberto Garrido exerceu as funcções de chefe interino, delegado pelo administrador proprietario para exercer funcções administrativas, durante o tempo do impedimento do administrador proprietario, que durou apenas cerca de dois mezes, e que terminou antes do começo dos trabalhos do recenseamento. Ora, ser delegado do administrador não é ser administrador. A lei só inhibe de serem eleitos, e ainda

assim no caso exclusivo de pedirem a demissão, os administradores de concelho, e não falla dos delegados do administrador, que exercera funcções provisorias apenas. Por occasião das eleições tambem no continente os administradores de concelho costumam, como é de lei, delegar as suas funcções em pessoas de sua confiança, para os representarem nas assembléas eleitoraes onde não podem ir, e nunca ninguem chamou administradores a estes delegados, nem a lei os inhibe de serem eleitos deputados. (Apoiados.)

Vou agora responder ao grande argumento das irregularidades e vicios do recenseamento, que tanto impressiona o animo dos illustres deputados.

Sr. presidente, eu podia dispensar-me de examinar as irregularidades do recenseamento, porque a camara dos deputados não é tribunal, a que a lei confira tal attribuição, mas hei de acompanhar o illustre deputado no terreno para o qual arrastou a questão, mostrando que d'essas irregularidades, umas não existem, outras não estão sufficientemente provadas, e outras são de tal modo insignificantes, que não podiam influir no resultado da eleição.

E é necessario insistir n'esta idéa, sr. presidente. Não basta apontar irregularidades n'uma eleição. É necessario mostrar que taes irregularidades viciam a essencia do acto eleitoral e influem no resultado da votação. E doutrina corrente em materia eleitoral. Se fossem nullas todas as eleições em que não deixa de cumprir-se uma só prescripção das leis eleitoraes, talvez podesse dizer-se que poucos deputados estariam legitimamente n'esta casa, porque poucas são as eleições, em que são escrupulosamente cumpridas todas as disposições legaes. E se isto acontece no continente, como não ha de acontecer nas provincias ultramarinas, e principalmente nos concelhos do interior, onde ha tanta falta de pessoal habilitado? Dizia-me ha poucas horas n'esta casa um nosso collega, deputado pelo ultramar, que só estranha irregularidades nas eleições das provincias ultramarinas quem ignora ou finge ignorar as circumstancias eleitoraes do ultramar. (Apoiados.)

Eu não quero roubar muito tempo á camara para discutir um ponto, que é completamente estranho ao assumpto que se debate. Eu, quando discuto uma questão, costumo arredar do campo do debate tudo quanto seja estranho a elle. O sr. Mariano de Carvalho possue um espirito bastante logico para seguir o mesmo processo. S. ex.ª conhece perfeitamente os factos e os argumentos que servem para a questão que se quer resolver. Mas ao illustre deputado fazia-lhe conta demorar-se n'um terreno que tem apparencias de firmeza, e ninguem lhe póde levar a mal este procedimento.

Diz o sr. Mariano de Carvalho, que o sr. Alberto Garrido nomeou as commissões de recenseamento, porque em Cazengo não ha camara municipal, e 03 trabalhas do recenseamento são feitos por uma commissão nomeada pelo administrador. Mas em primeiro logar consta de um documento official que o sr. Alberto Garrido foi delegado do administrador até ao dia 3 de outubro, e não consta que elle interviesse na nomeação da commissão do recenseamento. Em segundo logar podia ter nomeado as commissões, e serem ellas compostas de eleitores no caso de serem nomeadas, e que não praticassem abuso algum digno do • censura.

Diz mais o sr. Mariano de Carvalho, que foram nomeados para a commissão dois cidadãos que «negaram, a Loanda em agosto, e que por isso não podiam figurai' no recenseamento começado em janeiro e concluido em fevereiro.

Este reparo procederia se o recenseamento do ultramar tivesse os mesmos prasos que tem no continente; mas eu já demonstrei que a legislação applicavel é o titulo do decreto de 1852, que encerra disposições especiaes para as ilhas e ultramar. Ora, como o recenseamento começou em. 3 de outubro, podia ser feito per quem chegou a Loanda em agosto.

Diz mais o sr. Mariano da Carvalho, que o recensea-

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mento tem demaziado numero de eleitores, comparado com o dos annos antecedentes. Mas resta provar qual o numero de eleitores que deram os recenseamentos antecedentes, e uma certidão da secretaria do governo de Angola diz que não existem na secretaria archivados os recenseamentos dos annos antecedentes. Só em 1869 appareceu cerca de 1:000 eleitores em Cazengo, mas resta provar se esse recenseamento incluiu todos os cidadãos elegiveis.

Na eleição de 1870 houve 661 votantes, mas resta provar que o numero de eleitores era igual ao numero de votantes. Quantas vezes nas eleições que não são disputadas concorre á eleição apenas uma diminuta parte dos eleitores?

Diz mais o sr. Mariano de Carvalho, que não foi remettida ao governador geral da provincia uma copia do recenseamento. E verdade. Eu confesso esta irregularidade, que consta da certidão passada pela secretaria do governo de Angola, mas consta da mesma certidão que nos annos anteriores não foi tambem remettida ao governador similhante copia. Tenho pena de não examinar se no anno em que foi eleito o sr. Bastos, deputado reformista, foi manada para a secretaria do governo geral de Angola copia do recenseamento de Cazengo. Era uma curiosidade que desejava satisfazer.

O sr. Mariano de Carvalho: — Não sei se foi ou não mandada.

O Orador: — Pois é pena não poder saber-se agora.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Então adie-se a questão até isso se provar.

O Orador: — Não é preciso. Basta notar que a secretaria do governo diz que não ha documentos dos eleitores dos annos antecedentes. Portanto, bem se vê que esta falta é habitual n'aquelle concelho, e que não deve attribuir-se a intenção fraudulenta da commissão, a fim de se escapar á responsabilidade legal.

Eu lamento esta falta, mas entendo que não constitue nullidade insanavel. Pouco importa que não fosse remettida copia do recenseamento para a secretaria do governo de Angola, uma vez que o recenseamento estivesse bem feito, e deve suppor-se bem feito emquanto se não prova o contrario. Elle está sobre a mesa do sr. presidente, e póde ser examinado pelos illustres deputados. E um documento feito com toda a regularidade.

Disse mais o sr. Mariano de Carvalho, que o sr. Alberto Garrido tambem era juiz ordinario. Mas s. ex.ª sabe perfeitamente que em Cazengo o cargo de juiz ordinario anda annexo ao de administrador do concelho. Portanto, a resposta é a mesma, era juiz provisorio por delegação.

O sr. Mariano de Carvalho: — Não fallei em tal.

O Orador: — Pois V. ex.ª não leu um documento, no qual o sr. Garrido figurava como juiz ordinario, folgando muito de encontrar tal documento para mostrar a inelegibilidade do deputado eleito, porque a qualidade de juiz tambem é incompativel, segundo a lei, com a de deputado? Portanto, os vicios apontados pelo sr. Mariano de Carvalho, ou não existem ou não influem pela sua ligeireza no resultado da eleição.

Mas supponhamos que existiram todas as irregularidades indicadas pelo sr. Mariano de Carvalho. Eu respondo que a camara é incompetente para julga-las.

O decreto de 30 de setembro de 1852, artigo 104.°, § unico, diz. (Leu.) Vê-se que a lei, tratando das attribuições da camara dos deputados e da junta preparatoria, quiz limitar essas attribuições em materia de recenseamento. A lei diz que a camara julgará sempre as questões de recenseamento conformemente ás decisões da commissão de recenseamento e dos tribunaes judiciaes. O poder legislativo não é omnipotente, não é o unico poder do estado. A sua esphera é limitada pela esphera dos outros poderes, que tem as suas attribuições marcadas nas leis. Se a lei eleitoral confere ás commissões de recenseamento o direito de attender ou desattender as reclamações que lhe forem feitas, e aos tribunaes superiores o direito de confirmar ou revogar | as decisões da commissão, a camara dos deputados commette uma verdadeira usurpação ingerindo-se em questões que pertencem a outros poderes. (Apoiados.)

Se houve faltas, os interessados que reclamassem na fórma e no tempo legal perante os poderes competentes. Se a commissão de recenseamento, ou as auctoridades administrativas e judiciaes calcassem aos pés os deveres que lhes prescreve a legislação eleitoral, a mesma legislação dá remedio para esse mal, punindo com penas severas os infractores das suas disposições.

Mas não consta que se reclamasse perante a commissão de recenseamento ou que se recorresse para os tribunaes judiciaes das decisões da commissão. Não houve reclamação nem recurso, apesar do praso que foi marcado pela portaria do governador. Se os eleitores, que julgam lesados os seus direitos e offendida a lei eleitoral, deixaram correr a sua causa á revelia, queixem-se do seu desleixo, e não venham inopportunamente trazer á camara dos deputados queixas tardias, que não podem ser attendidas por nós, porque a lei confere esse direito a outros poderes. A camara póde chamar a si esta attribuição, mas é necessario primeiro fazer nova lei. Emquanto existir a actual é necessario respeita-la. (Apoiados.)

Esta é tambem a praxe do parlamento, com assentimento do proprio sr. Mariano de Carvalho, porque eu já aqui fui relator de um parecer, que estabelecia a mesma doutrina, e o illustre deputado não se levantou para hostilisa-lo.

Sr. presidente, eu creio piamente que a opposição parlamentar, combatendo a eleição de Angola, obedece aos dictames de sua consciencia, e não deixa influenciar o seu espirito por nenhuma consideração de interesse partidario.

Eu costumo fazer aos outros a justiça que desejo que me façam a mim. Lamento simplesmente que a opposição parlamentar não tivesse desde o principio da sessão até hoje soltado uma palavra contra a validade de nenhuma eleição, apesar de terem vindo aqui pareceres, que eram susceptiveis de larga impugnação; e que venha hoje combater a eleição de Angola, que, a meu ver, não póde ser combatida por fundamentos plausiveis.

Vozes: — Não ha opposição, ha camara.

O Orador: — Então o sr. Mariano de Carvalho, um dos mais valentes campeões da opposição, não combateu a eleição?

(Susurro.)

Vozes: — Ordem, ordem.

O Orador: — Eu já disse que fazia justiça á pureza de motivos que leva a opposição a combater esta eleição. Dizia apenas que o paiz ha de estranhar que a opposição tenha sido tão benevola até hoje nas questões da verificação de poderes, e que agora se mostre tão implacavelmente rigorosa n'um processo eleitoral, cuja approvação importa a saída d'esta casa de um deputado reformista.

Vozes: — Não se trata do deputado reformista nem governamental.

O Orador: — Os factos são expressivos, e o publico tem o seu criterio para os julgar.

O sr. Pinheiro Chagas: — Isso é suppor que se combate a eleição por politica.

O Orador: — Já disse que respeitava as intenções puras dos illustres deputados da opposição, lamentando apenas que os factos dessem azo a interpretações desfavoraveis.

Eu faço justiça ás boas intenções dos illustres deputados, e creio que s. ex.ªs tambem farão justiça á lealdade do meu caracter. Os que conhecem a minha dedicação partidaria, sabem que eu era incapaz de votar contra o governo n'uma questão politica. Mas acontece um phenomeno notavel. Quando se tratou da eleição de Macau, eu dei um parecer contra a validade d'esta eleição, o qual foi assignado pela maioria dos meus collegas da commissão de poderes. Mas que succedeu depois?

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Esse parecer foi rejeitado por um numero de votos inferior ao numero de deputados da opposição.

O sr. Mariano de Carvalho: — Quantos foram?

O Orador: — Não me lembro do numero certo, mas fiquei com o facto na memoria. É cousa que póde facilmente verificar-se. Ora, é tambem um facto que alguns deputados da maioria tiveram a franqueza de declarar aos interessados que approvavam a eleição de Macau.

(Interrupção do sr. Mariano de Carvalho.)

Mas porque não combateu o illustre deputado a eleição de Macau, visto que ella era impugnada pelo parecer da commissão, principalmente pelo fundamento de ter sido feita por um recenseamento nullo, como o sr. Mariano de Carvalho pretende que o fosse a eleição de Angola?

O sr. Mariano de Carvalho: — Essa é boa! Pois eu havia de combater a eleição, quando o parecer da maioria a impugnava? Não tinha que combater.

O Orador: — Perdão: o sr. Mexia apresentou uma emenda ao parecer, sustentando a validade da eleição, e fallou n'este sentido. Porque não se levantou o illustre deputado para combater a emenda do sr. Mexia? (Apoiados.)

Sr. presidente, parece-me que tenho sustentado os fundamentos do parecer que relatei e que tenho resolvido as difficuldades oppostas pelo Sr. Mariano de Carvalho.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Neves Carneiro: — Serei breve na resposta ás considerações que acabam de expender os srs. deputados Mariano de Carvalho e Francisco de Albuquerque, não só porque pouco tenho que acrescentar ao que disse, quando fallei pela primeira vez sobre o assumpto que se debate, mas tambem porque me sinto bastante incommodado de saude.

Eu citei a approvação da eleição de Macau, que, segundo o parecer da commissão de poderes, foi feita por um recenseamento illegal, a fim de mostrar a incoherencia da opposição, que não teve uma palavra para impugnar a validade d'esta eleição, e que agora impugna, o que então admittiu tacitamente pelo seu silencio.

Eu tinha direito de invocar o precedente parlamentar.

O sr. Mariano de Carvalho confessa que votou pela validade da eleição de Macau, mas diz que uma illegalidade não justifica outra illegalidade. Ora desde o momento em que o sr. Mariano de Carvalho confessa...

O sr. Mariano de Carvalho: — Não confesso nem podia confessar, digo só que concedo tudo.

O Orador: — Pois bem: seja o que quizer o illustre deputado. S. ex.ª diz que não póde revelar o segredo do seu voto. A camara sabe como correu a eleição de Macau n'esta casa. O illustre deputado diz que apenas concede que lhe digam que votou a favor da eleição de Macau. Agora digo eu: desde que o sr. Mariano de Carvalho concede que votou a favor da eleição de Macau, a qual tinha sido feita por um recenseamento nullo, como demonstrou o parecer da commissão de poderes, e vem agora combater a eleição de Angola, por ter sido feita por um recenseamento que s. ex.ª reputa nullo, eu entrego ao juizo da camara a coherencia do illustre deputado.

Sr. presidente, debalde insistem os illustres deputados em argumentos a que já respondi. Os illustrados oradores accusam-me de contradictorio, porque sustento que o sr. Garrido podia ser eleito deputado no concelho de Loanda, visto que não exercia n'este concelho o cargo de administrador ha mais de seis mezes antes da sua eleição, e que podia ser eleito em Cazengo, não obstante exercer aqui as funcções de chefe interino do concelho.

Diz o sr. Albuquerque: ee o exercicio é que constitue impedimento para a eleição, segue-se que não podia o sr. Garrido ser eleito deputado em Cazengo, porque exercia funcções administrativas n'este concelho.

Permittam-me os illustres oradores que lhes diga que a contradicção que encontram nas minhas palavras só existe na mente de s. ex.ª Em primeiro logar, eu não disse que o sr. Garrido podia ser eleito em Loanda, porque não exercia as funcções do seu cargo n'este concelho. O que eu disso foi que o sr. Garrido podia ser eleito em Loanda, ainda que fosse demittido na vespera da eleição, por isso que o artigo 4.° da lei de 23 de novembro de 1859 exige terminantemente que a demissão' seja dada ao funccionario publico, para que este seja inelegivel pela area que administra durante os seis mezes que se seguem á sua eleição, e que o sr. Alberto Garrido não fôra demittido a requerimento seu. A circumstancia do exercicio foi unicamente adduzida para mostrar que o sr. Garrido não se servira da sua auctoridade para preparar a sua eleição em Loanda. Eu disse que ainda que elle tivesse lucrado com o exercicio do seu cargo para o fim de preparar a sua eleição, nem por isso deixava de ser elegivel, segundo a letra expressa da lei, que agora não se trata de reformar, mas de applicar.

O sr. Garrido era administrador do concelho de Loanda, embora não estivesse em exercicio do seu cargo, até pouco tempo antes da sua eleição; mas não era administrador de Cazengo, porque nunca foi nomeado para este logar por alvará ou portaria do governador, e só um diploma d'esta auctoridade superior podia conferir-lhe jurisdicção ordinaria. (Apoiados.) Onde está, pois, a contradicção? O sr. Garrido não exerceu em Cazengo funcções de administrador do concelho. O administrador era um cavalheiro que esteve impedido por algumas semanas. O exercicio era de funcções delegadas e interinas. O delegado de uma auctoridade não é a mesma cousa que essa auctoridade. A lei só exclue do direito de ser eleito deputado o administrador de concelho, e não o que foi delegado por elle para exercer provisoriamente as suas funcções.

A inelegibilidade é a privação de um direito, que só póde admittir-se quando vem claramente expresso na lei. Ora, a lei torna inelegíveis os administradores de concelho em certas condições, e não os seus delegados provisorios. Não podemos ampliar as restricções da lei. (Apoiados.)

Quanto á illegalidade do recenseamento já respondi ao sr. Mariano de Carvalho. Os illustres deputados porfiam em dizer que o governador de Angola não procedeu legalmente mandando fazer a eleição pelos decretos de 11 de janeiro de 1853 e de 30 de setembro de 1852, por isso que a lei que devia ser observada era a lei de 23 de novembro de 1859, que derogou as disposições da legislação eleitoral antecedente. E eu admiro esta insistencia em pessoas tão illustradas e entendidas n'estes assumptos, porque a lei eleitoral de 1859 não revogou nem podia revogar as disposições especiaes do decreto de 30 de setembro de 1852, que só tem applicação ás ilhas adjacentes e ás provincias ultramarinas.

A portaria do governador manda tambem cumprir as disposições da lei de 1859, mas refere-se, e não podia deixar de referir-se, ás disposições que a legislação anterior estabelecia para as eleições das ilhas e ultramar, e que não foram derogadas por outras, porque a lei subsequente não se occupou d'isso especialmente. O artigo 1.º da lei eleitoral de 23 de novembro de 1859 diz claramente que a eleição dos deputados continuará a ser feita conformemente ao decreto de 1852, na parte que não for derogada por esta lei.

Ora as disposições especiaes que o decreto de 1852 estabelece para as ilhas e ultramar é que auctorisam os governadores geraes das provincias ultramarinas e os governadores civis das ilhas adjacentes a tomarem providencias especiaes para darem cumprimento á lei.

O sr. Albuquerque diz que se não devia fazer a eleição pelo recenseamento, mandado revêr á ultima hora pelo governador geral de Angola, porque a lei eleitoral, artigo 18.°

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§ unico, manda fazer todas as eleições que se verificarem desde 30 de junho, em que terminam os trabalhos de revisão, até igual dia do anno seguinte.

A resposta é a mesma. O illustre deputado applica á eleição de Angola as disposições geraes da lei relativas ao continente, quando o decreto de 1852 estabelece providencias especiaes para as provincias ultramarinas, as quaes auctorisam o governador geral a proceder como se procedeu na ultima eleição por Angola. Já mostrei isto, quando respondi ao sr. Mariano de Carvalho, quanto á illegalidade da portaria.

Sr. presidente, o sr. Francisco Albuquerque alludiu á falta de maioria absoluta que tem o sr. Alberto Garrido para ser deputado por Angola, visto que, deduzidos os votos impugnados em Loanda e Cazougo, não resta ao deputado eleito maioria absoluta sobre dezoito mil e tantos votos, que tantos foram os eleitores, que concorreram á uma.

Eu folgo que o meu antigo amigo me suscitasse a lembrança de um argumento, que julgo decisivo na questão, que tencionava por isso apresentar á consideração da camara, e que me esqueceu expor quando fallei a primeira vez sobre o assumpto em discussão.

O argumento é o seguinte: concedendo que devem ser annullados todos os votos que nos concelhos de Loanda a do Cazengo recairam no sr. Garrido, por não poder ser eleito por estes dois circulos, ainda este cidadão tem maioria absoluta o relativa de votos, deve por isso ser considerada valida a sua eleição.

(Apartes.)

Tenham os illustres deputados a paciencia de ouvir o argumento. Eu declaro á camara que reputo tão ponderoso o argumento, que o adduzi no projecto do relatorio que apresentei aos meus collegas da commissão de poderes. Os srs. Thomás Ribeiro e Luiz Bivar acceitaram o considerando, que lhes pareceu peremptorio; mas depois eliminei-o no parecer que foi apresentado á camara, porque o sr. Mexia tinha duvida em acceitar a idéa fundamental do considerando. Tencionei apresentar o argumento, se fosse discutido o parecer, porque o reputo verdadeiramente capital.

Vejamos.

Os protestos dizem que devem ser annullados todos os votos que o sr. Garrido alcançou em Loanda e em Cazengo, por ter sido este cavalheiro administrador nos dois concelhos, pouco tempo antes da eleição.

Pois bem: concedendo que este cavalheiro fosse nomeado administrador do Cazengo e que não fosse demittido em Loanda no tempo marcado pela lei eleitoral, e que por consequencia se devem descontar os votos que obteve o dito cidadão nos dois concelhos, ainda assim tem a maioria absoluta e relativa dos votos de todo o circulo, e deve por isso julgar-se eleito por aquella area.

(Apartes.)

Veremos se não é rigorosa o clara a minha demonstração.

Se for vicioso o meu computo e se forem falsas as suas bases, os illustres deputados podem pedir a palavra para desfazer os meus equivocos.

Vejamos: o numero de votantes em todo o circulo foi de 18:273. D'este numero deve deduzir-se, para o effeito da maioria absoluta, o numero de votos que são impugnados ao deputado eleito.

(Apartes.)

Peço aos illustres deputados que não se impacientem. Escutem-me -com attenção, que eu hei de demonstrar o que me admira que pareça estranho a cavalheiros tão conhecedores da lei e tão versados nas lides parlamentares. Eu sustento que do numero de votantes deve descontar-se para o computo da maioria absoluta os votos annullados. Esta deducção é legal, racional e consuetudinária. É legal, porque se funda na letra expressa do artigo 71.°, § unico, que diz assim: (Leu.)

Não ha nada mais claro do que este artigo. Diz que não não se contam para o calculo da maioria os votos annullados por qualquer fundamento legitimo.

Mas, alem de legal, é racional similhante deducção. Primeiramente seria absurdo que um cidadão não fosse eleito deputado por haver quem votasse n'elle. No caso sujeito, o sr. Alberto Garrido seria eleita deputado legitimamente, se perto de 10:000 eleitores ficassem em casa es não votassem n'elle. Em segundo logar não seria justo, nem coherente que se annullassem os votos para não ser eleito com elles o sr. Garrido, e que não se annullassem para o fim de calcular a maioria absoluta.

Se se julga rasoavel que se não faça caso dos votos que obteve o sr. Garrido nos dois concelhos de Loanda e Cazengo, por não poder ser eleito por ali, tambem é rasoavel que se não faça caso d'elles para o effeito da maioria absoluta.

Alem ser de lei e de rasão este desconto, é parlamentar.

Eu sou novo no parlamento, e não posso por isso conhecer os precedentes a este respeito. Mas informei-me com parlamentares antigos e auctorisados, e todos os que consultei me asseguraram ser este o costume da camara em casos identicos. Lembro-me que consultei os srs. visconde da Arriaga, Francisco Costa, Dias Ferreira, Thomás Ribeiro, e outros.

Já vêem os illustres deputados que não tinham rasão de estranhar a proposição que avancei. (Apoiados)

O sr. Francisco de Albuquerque: — Se me dá licença. (Leu.)

O Orador: — Agradeço a interrupção do meu particular amigo.

A interpretação que dá ao artigo veiu robustecer a minha convicção e acclarar mais a verdade.

Dia o illustre deputado que o artigo não tem applicação ao caso sujeito, porque se refere á annullação de listas pelo fundamento do artigo antecedente, fundamento que se não verifica hoje, por ler caducado a hypothese a que se referia.

O sr. Francisco de Albuquerque: — O artigo só póde referir-se á hypothese do artigo antecedente: não tem applicação ao caso da maioria absoluta.

(Susurro.)

O sr. Presidente: — Peço que não interrompa o orador. Os ilustres deputados não têem agora a palavra.

O Orador: — Oh! sr. presidente, parece incrivel que o illustre deputado rejeite o pensamento clarissimo do artigo. Basta lê-lo para se ver que diz o contrario do que affirma o sr. Albuquerque. Pois o artigo falla só do caso do artigo antecedente? Pois o artigo não diz: as lutas annulladas por esta ou por outro fundamento legitimo, não se contam para o calculo da maioria ou para outro algum effeito?

Negar isto é negar a luz. Basta ter olhos para ler o artigo.

O sr. Mariano de Carvalho: — Mas a lei exige a maioria real dos votantes, o os eleitores que votaram no sr. Garrido, embora sejam nullos os seus votos, não deixam de ser votantes.

O Orador: — Agradeço a interrupção do illustre deputado, que mais força dá á minha idéa. O illustre deputado diz que o votante que lança na uma uma lista nulla é um votante real.

Mas isso é que eu contesto. Um voto annullado é um voto que não se conta; é como se não fosse. Se valesse para algum effeito, valia de certo para se contar o nome que encerrava.

O sr. Mariano de Carvalho:,— Quem lança na urna uma lista é um votante.

O Orador: — Não é tal. Se assim fosse devia conside-

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

rar-se votante real quem lançasse na urna uma lista branca.

O sr. Mariano de Carvalho: — De certo que se considera.

O Orador: — Pois engana-se o illustre deputado; e eu admiro-me que ignore uma resolução expressa e terminante da camara dos deputados em sentido contrario ao que acaba de dizer. Vem assim apontada a pag. 50 da collecção que nos foi distribuida com o regimento. A camara decidiu em 14 de março de 1862 que se não contem para o computo da maioria absoluta as listas brancas que entrarem na uma.

E exactamente o contrario do que affirma o sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço perdão. Essa decisão da camara pertence ao seu regimento interno, mas não póde revogar a disposição expressa da lei, que falla de votantes reaes.

O Orador: — Peço perdão. Esta decisão da cansara não é do regimento da camara. Nem está inserida no regimento, nem é de sua natureza regimental. Vem na collecção, que nos foi dada e que traz muita cousa, afora o regimento. Alem d'isso não ha artigo algum que diga o contrario d'esta decisão. O artigo 86.° manda averiguar o numero real de votos. A camara, interpretando este artigo, decidiu que as listas brancas não entravam no numero total d'esses votos. Esta decisão, pois, é complementar da lei: não é disposição do regimento. Mas para que havemos nós estar a discutir este ponto, se temos lei expressa a dizer que as listas annulladas por qualquer motivo não se contam para o calculo da maioria absoluta?

Portanto, fica demonstrado que não se contam para a maioria absoluta os votos acumulados ao sr. Garrido. Ora, o numero de votantes em todo o circulo foi 18:263. Deduzidos d'este numero 9:582 votos, que tantos são os impugnados, fica o numero de votantes para o fim da maioria absoluta reduzido a 8:681. Mas o sr. Alberto Garrido teve 16:274 votos. Deduzindo os votos dos concelhos de Loanda e de Cazengo, que lhe são impugnados, fica o sr. Garrido com 6:692. Ora, 6:692 é maioria absoluta de 8:681. Portanto, o sr. Alberto Garrido póde ceder de todos os votos que lhe querem contestar, que ainda fica com maioria absoluta.

E não só tem maioria absoluta, tuas tem tambem maioria relativa. O cidadão mais votado foi o sr. Francisco Antonio Pinheiro Baião, que apenas teve em todo o circulo a importantissima votação de 897 votos sobre 18:263. E note V. ex.ª que este cidadão foi o grande campeão na luta eleitoral de Angola, o inspirador e commentador officioso dos protestos, a alma da opposição ao sr. Garrido.

Disso mais o sr. Mariano de Carvalho que eu, a fim de mostrar a incompetencia da camara para resolver as questões de recenseamento, citava um artigo que provava exactamente contra mim.

É facil dize-lo, mas é muito mais difficil prova-lo.

Vejamos qual de nós entende bem o artigo. A camara julgará qual de nós atinou com o sentido genuino da lei.

O decreto de 30 de setembro de 1852 trata, nos artigos 103.° e 104.° das attribuições da junta preparatoria e da camara constituida. No § unico estabelece uma restricção ás largas faculdades que confere nos artigos. Esta restricção é relativa ás questões de recenseamento. (Leu).

Que diz o artigo?

Diz que as questões do recenseamento são sempre resolvidas conforme as decisões das respectivas commissões, e sentenças dos tribunaes a respeito d'essas decisões. Ora, se o artigo manda que a camara esteja pelas decisões das commissões de recenseamento e pelas. sentenças dos tribunaes judiciaes, é claro que não tem poder de julgar. Pois póde haver tribunal superior que seja obrigado a seguir a instancia do inferior, ainda que ella seja injusta e illegal? Pois a camara é tribunal competente para resolver na ultima instancia as questões do recenseamento, e não tem direito de alterar uma só virgula nas decisões anteriores? Glorioso direito este na verdade, sr. presidente!

Não sei se me esqueceu alguma outra consideração dos illustres deputados...

O sr. Francisco de Albuquerque: — Peço lhe que responda ao meu argumento da illegalidade da portaria e da nullidade do recenseamento.

O Orador: — Já respondi a esses pontos.

Se o illustre deputado não attendeu, não tenho culpa d'isso. Eu não hei de estar a repetir as minhas respostas. Se o illustre deputado não julga satisfactorias, póde mostrar o vicio d'ellas. Quando as impugnar, eu as defenderei.

O governador geral de Angola, fundado nas disposições especiaes do decreto de 1852 para as provincias ultramarinas, marcou os prasos legaes para os trabalhos da eleição do recenseamento. Em 11 de setembro mandou que fossem eleitas as commissões de recenseamento, no dia 3 de outubro que tivessem os seus trabalhos concluidos até ao dia 17 de outubro, que decidissem as reclamações até ao dia 28 de outubro, e que se não computasse a contribuição dos dízimos, que tinha sido extincta em 1872.

Fez-se o recenseamento, que está regular, como póde verificar quem o for consultar, porque está uma copia sobre a mesa da presidencia. Ninguém reclamou contra elle, nem perante a commissão nem perante os tribunaes.

Devemos suppor que nenhum direito foi offendido. Se a commissão de recenseamento calcou a lei eleitoral, porque não se recorreu aos tribunaes para punir o seu crime? Se os interessados abandonaram a sua causa, de quem é a culpa? Se deixaram correr o julgamento do seu direito á revelia, queixem-se de si mesmo, e não attribuam aos outros a responsabilidade da sua negligencia.

A camara dos deputados póde dizer aos protestantes contra a validade da eleição de Angola: As irregularidades que apontaes, umas só existem na vossa phantasia, e são desmentidas pelos documentos, outras fundamentam-se em meros raciocinios, que são fraco meio de provar os factos, outras são verdadeiramente insignificantes, e não influem no resultado da eleição. Mas, suppondo que o recenseamento labora em todos os vicios que lhe assacaes, a camara electiva não é tribunal que possa attender as vossas reclamações, porque deviam ser dirigidas aos tribunaes que a lei estabeleceu para este fim. Nada mais e nada menos. (Apoiados.)

Tenho dito.

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