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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sabe que não tem nada preparado para que a passagem do effectivo do exercito do pé de paz para o pé de guerra se faça sem desorganisar a disciplina? Sabe que, por mais que pretenda fugir a essa necessidade terrivel e suprema, o systema militar da Europa moderna impõe-lhe fatalmente a obrigação de se não demorar por mais tempo no estado anachronico em que estamos?

Nós hoje infelizmente somos o unico paiz da Europa na triste posição de não poder, se rebentar uma guerra, fazer entrar immediatamente em campanha mais do que os 23:000 homens da nossa tropa de linha!!

O sr. ministro da guerra sabe isto perfeitamente, mas entende que o serviço militar obrigatorio é incompativel com os habitos do nosso paiz. Eu tambem sei que esta phrase tem um aspecto aspero que assusta e sobresalta.

Serviço militar obrigatorio! Todos havemos de ser soldados! Ninguem poderá escapar ao recrutamento, esse flagello dos campos e das cidades, ao recrutamento, que, nas mãos de governos pouco escrupulosos, está sendo a mais terrivel das armas eleitoraes. (Apoiados.)

Entretanto, eu entendo que o serviço militar obrigatorio com a larga restricção do tempo de serviço que acompanha constantemente esta instituição militar, longe de ser acolhido com terror, seria recebido com jubilo (Apoiados.) logo que o povo o percebesse bem, e se o accommodassem, tanto quanto possivel, aos nossos habitos e tradições.

Serviço militar obrigatorio! Nós já o tivemos, sabe o sr. ministro da guerra perfeitamente, e dois seculos antes da Prussia lhe dever a desforra de Iena, devemos-lhe nós a desforra da Ponte de Alcantara. Tivemol-o, e tão admiravelmente organisado, que, sem ser vexatorio, habilitava o paiz a pôr em pé de guerra um exercito formidavel. Tivemol-o, e foi Tiro erro da revolução liberal o destruil-o.

O sr. D. Luiz da Camara: — Apoiado.

O Orador: — Esses milicianos, essas ordenanças de que hoje nos rimos, desempenhavam admiravelmente o seu papel militar.

Em 1658, o exercito portuguez, composto da flor das nossas tropas, tudo de soldados pagos, como então se dizia para designar as primeiras linhas, foi despedaçar-se e aniquilar-se diante dos muros de Badajoz, conduzido loucamente a essa empreza por um general audacioso mas inhabil, Joanne Mendes de Vasconcellos. Em 1659 estavamos completamente desarmados, e D. Luiz de Haro, entrando em Portugal á frente de um luzido exercito suppunha, e com rasão, que podia chegar a Lisboa, sem encontrar diante de si nem o mais leve obstaculo; não contava com a segunda linha, com a intrepida milicia, e foi á frente de um punhado de milicianos que o marquez de Marialva salvou nas linhas de Elvas a independencia do paiz.

Na guerra civil que devastou Portugal, sabem os heroes do Mindello que heroes encontraram tambem diante de si; sabem quaes foram os regimentos que mais vezes fizeram vacillar a fortuna da guerra, e estiveram quasi arrancando aos generaes de D. Pedro os louros da victoria. Foram os milicianos, os voluntarios, que ainda assim não defenderiam tão energicamente contra seus irmãos as suas convicções partidarias, como defenderiam contra o estrangeiro a independencia do paiz.

Mas o erro consummou-se, e na mesma occasião em que a Prussia começava a educar para as lutas do futuro a sua landwehr, destruimos nós a nossa bella landwehr nacional, que tantos serviços nos prestára.

Creia o sr. ministro da guerra, e escusava de lh'o dizer, porque s. ex.ª sabe-o de certo muito melhor do que eu, creia s. ex.ª que nas guerras, o que dá preponderancia a uma nação não são propriamente os exercitos, na accepção restricta da palavra, são as instituições militares (Apoiados.)

Que exercito mais admiravel podia haver no mundo do que aquelle brilhantissimo exercito francez, que contava nas suas fileiras os zuavos do Alma, os couraceiros de Reischoffen, os turcos de Weissemburgo e os artilheiros de Solferino, e comtudo esse exercito em poucos mezes foi aniquilado, e por quem?

Por Moltke em parte, mas principalmente pelas instituições militares da Prussia.

Se percorrermos rapidamente as variadas phases da historia militar do mundo, havemos de ver constantemente reproduzida a prova do que affirmo aqui; é a transformação successiva das instituições militares que constitue o verdadeiro progresso da arte da guerra.

O Ceci luera cela, de Victor Hugo, é tão applicavel na historia da guerra, como na historia da arte, na historia do pensamento humano.

A instituição juvenil vence a instituição decrepita.

Na idade média a cavallaria feudal franceza foi despadaçar-se em Crécy, Poitiers o Azincourt, diante da infanteria ingleza, das tropas communaes, do germen do exercito permanente e disciplinado.

Em Atoleiros, Valverde e Aljubarrota a cavallaria castelhana veiu quebrar-se diante das nossas tropas municipaes, dos bésteiros do conto.

Em Granson, em Morat, a cavallaria feudal borgonheza estrellou-se diante das tropas cantonaes, da infanteria helvetica.

Porque?

Reproduziu-se em França, em Portugal, na Suissa o mesmo facto.

A instituição nova matava a instituição antiga. O exercito disciplinado e permanente despedaçava as tropas brilhantes, mas collecticias e independentes da velha organisação feudal.

Veiu a revolução franceza, e as victorias da França maravilharam o mundo inteiro.

Tropas rotas, descalças, que tinham pegado em armas na vespera, pela primeira vez, desfaziam, destruiam os regimentos organisados militarmente pelo grande Frederico.

Porque?

Porque era a instituição nova que vinha derrubar a instituição antiga; era o exercito nacional, filho da conscripção, que vinha derrubar o exercito mercenario; eram as massas de cidadãos, combatendo pela patria, que despedaçavam a agglomeração dos soldados que combatiam pelo seu pret. (Vozes: — Muito bem.)

Em 1870, finalmente, os exercitos da França eram aniquilados pelos da Allemanha.

Porque?

Porque mais uma vez se cumpria esta lei fatal das organisações militares. A instituição nova derrubava a instituição antiga; os exercitos, filhos da conscripção, eram despedaçados pela nação armada, pelo povo educado militarmente e sempre prompto para, de um momento a outro, saír a defender a honra nacional.

É esta a instituição moderna, que se impõe fatalmente a todos os povos; é a que todas as nações têem de acceitar, quer queiram, quer não queiram, porque na guerra, mais do que em todas as outras cousas, é impossivel deixar de seguir o movimento geral. Ahi é que os anachronismos não são permittidos, os anachronismos pagam-se caro, porque é indispensavel que a defeza esteja sempre em condições iguaes ás do ataque, se não poder estar em condições superiores.

Percebe-se facilmente que, no meio da Europa moderna, um exercito com a organisação militar de 1851, está exactamente como um exercito armado de azagaias em frente dos canhões Krupp.

Mas eu, repito, estou a fatigar inutilmente o sr. Fontes, que conhece perfeitamente estas theorias, e que, faço justiça ao seu claro entendimento e aos seus largos estudos, está convencido da verdade d'ellas, mas que simplesmente as não quer applicar.

E porque?

S. ex.ª tem dito por mais de uma vez que não ousa applicar estas theorias, porque entende que não se impõe fa-