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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cilmente a uma nação o serviço militar obrigatorio, senão depois de um grande cataclysmo.

Ora, parece-me, que os cataclysmos que esmagaram outros povos nos deviam servir de lição a nós.

Alem d'isso, reflicta-se bem. Um cataclysmo para nós póde não dar tempo a remediarem-se os males por elle produzidos.

Um cataclysmo para nós, póde não ser simplesmente, como foi para a França, a perda de duas provincias. Póde ser mais alguma cousa; póde ser a catastrophe suprema, a catastrophe mais terrivel. Póde ser a perda da nossa independencia.

E era depois d'esse cataclysmo que o sr. Fontes entendia que se podiam applicar estas theorias sobre organisação militar?

Oh, sr. presidente, que triste, que dolorosa, que cruelissima ironia. (Apoiados.)

Eu conheço bem a politica do sr. Fontes, a politica que s. ex.ª tem seguido ultimamente, para saber que não posso esperar d'elle reformas que possam transformar radicalmente as nossas instituições militares.

O sr. Fontes não está disposto a crear difficuldades.

É este um dos problemas mais difficeis que têem a resolver os historiadores futuros que se occuparem d'este periodo da nossa vida social; é conciliar o temperamento oratorio do sr. Fontes, ardente e arrebatado, com o seu temperamento politico todo de transigencias e de concessões.

O que é certo, porém, é que s. ex.ª tratando de amaciar as asperezas, de arredondar os angulos, não irá emprehender essas reformas radicaes.

E lamento-o devéras, lamento-o pelo paiz, porque s. ex.ª era um dos ministros da guerra que, pelo seu prestigio pessoal, pelo seu desembaraço, mais podia concorrer para implantar entre nós as novas instituições militares.

E lamento-o, repito, lamento-o porque estamos vendo passar os annos uns após outros; e nós continuando sempre a viver de expedientes sem nos atrevermos a encarar face a face a verdade, e a dizel-a alto e francamente ao paiz. E a verdade é que não podemos contar com o dia de ámanhã: que estamos expostos a ver-nos a braços de um momento para o outro com uma crise horrivel, e que não estamos preparados para ella.

A verdade é que nos temos deixado caír n'um enervamento fatal, e que temos procurado extinguir entre nós esse espirito militar, sem o qual hoje e ainda durante muitos seculos uma nação está condemnada a ser o ludibrio da diplomacia e a poder desapparecer n'um momento do mappa das nações, sem que se dê pela sua falta.

Ora, para remediar esses males não é preciso augmentar a força do exercito; é preciso crear uma outra força.

O illustre ministro da guerra sabe perfeitamente que, na balança das guerras modernas, um exercito de 18:000, 20:000 ou 30:000 homens, pesa quasi o mesmo, e pesa pouco.

Mas um povo armado, defendendo os seus lares, abrigado pelos seus rochedos, póde resistir a todos os exercitos do mundo. E resistir é a palavra suprema.

Resistir sem esperança, resistir contra toda a esperança: resistir mesmo quando um povo se chama Dinamarca, e tem um milhão de habitantes, e quando as potencias aggressoras se chamam Austria e Prussia, e têem sessenta milhões.

Resistir é affirmar a existencia nacional, é arrojar á face da Europa o protesto do desespero, e se esse protesto não tem echos no presente, ha de tel-os na historia, e se não póde impedir que um povo seja crucificado, prepara pelo menos a sua resurreição. (Apoiados — Vozes: — Muito bem.)

Eu peço ao sr. ministro da guerra, hei de pedir a todos os ministros da guerra seja qual for o partido politico a que pertencerem, porque isto não é uma questão de partido, é uma questão de patriotismo, é uma questão nacional, peço-lhe que prepare com larga antecipação os elementos de resistencia sem os quaes não ha para nós salvação possivel. Confesso a v. ex.ª que vejo isto tão evidente e tão distincto, que me parece que não posso ser accusado de estar fazendo aqui policia partidaria, e que esta convicção que tenho profundamente arraigada no meu espirito, tem penetrado de certo no espirito dos que me ouvem. Nós não podemos continuar como estamos, apenas com um exercito de primeira linha. — Nós não podemos continuar a ser o unico povo da Europa que não está organisado militarmente. Todos os povos da Europa o estão; até a propria Inglaterra, o paiz mais atrazado em instituições militares, a Inglaterra tem já os seus voluntarios e os seus milicianos. O sr. ministro da guerra percebe perfeitamente que no movimento que arrasta a Europa inteira não podemos continuar estacionarios. Se s. ex.ª entende que não póde applicar a Portugal qualquer dos systemas de serviço militar obrigatorio, cuide ao menos da organisação das reservas. Não nos proponha despezas visivelmente inuteis, peça-nos meios mais largos, mas que dêem resultados efficazes. Para que quer s. ex.ª mais homens em armas? Para os esterilisar, para os desmoralisar n'esta vida detestavel de guarnição, que rouba ao paiz lavradores e operarios e que lhe não dá em troca soldados? Para os fazer figurar nas paradas espectaculosas que não illudem pessoa alguma?

Não sacrifiquemos a verdade ao apparato; no momento seriissimo que atravessâmos, quando pedimos sacrificios ao paiz, é preciso que lhe demos garantias da nossa seriedade, e de que esses sacrificios não servirão só para tornar mais pomposas as festas nacionaes.

O sr. ministro da guerra sabe perfeitamente as despezas que a nossa organisação militar reclama, sabe que precisamos sobre tudo, não de encher os quadros, mas de os alargar.

Precisâmos de mais officiaes e de menos soldados, e s. ex.ª sabe que no momento em que seja necessario passar o effectivo do exercito do pé de paz para o pé de guerra, é assustador o pensar na grande quantidade de officiaes que teremos de crear de repente; officiaes sem instrucção, officiaes detestaveis e que de mais a mais vão privar o exercito de sargentos com pratica de serviço, que são elementos essenciaes para uma boa organisação militar. (Apoiados.)

Sabe que temos de attender ás reclamações dos officiaes do exercito, que pedem com toda a rasão augmento de soldo, porque é necessario livral-os de ter que pensar no res angusta domi para que se possam applicar de corpo e alma aos estudos militares e á pratica constante dos seus deveres; sabe que precisâmos de mais espingardas nos arsenaes e de mais canhões nas fortalezas.

Conheço perfeitamente que isto tudo não se póde fazer de uma vez, mas o que se póde fazer desde já é decepar as despezas inuteis, e em tempo de paz, e n'um paiz de sua natureza tranquillo, a despeza com um exercito numeroso, em pé de paz, é absolutamente inutil. (Apoiados.)

E depois d'isso, peça o sr. ministro da guerra os sacrificios necessarios ao paiz, que elle saberá fazel-os.

Nós atravessâmos uma epocha de zombaria e de escarneo, os sentimentos mais elevados do homem passam pelo laminador terrivel do ridiculo, e o desprezo cynico de tudo o que fazia pulsar o coração de nossos paes, é a divisa do nosso tempo. Mas por baixo d´essa frieza apparente ha menos despreoccupação verdadeira do que se imagina. Lembram-se todos da atonia em que estava a França no tempo do segundo imperio. A sede do prazer, a cobiça do oiro, a blague offenbachiana, o desdem pela politica, a indifferença pela liberdade oram os característicos do tempo. (Vozes: — Muito bem.) Quando o coronel Soffel addido á legação militar de Berlim, dizia para o seu governo que estudasse, que imitasse as instituições militares da Prussia, o governo imperial sorria-se com desdem.

Ir pedir o serviço obrigatorio aos gandins do boulevard, aos espectadores de Offenbach, aos boursiers, aos décavés, aos proprietarios egoistas da provincia, exigir da París lu-

Sessão de 16 de março de 1878