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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a devida publicidade, por parte da companhia, aquellas tarifas. A companhia real dos caminhos de ferro portuguezes tem obrigação de publicar com a antecipação de um mez todas as alterações feitas nas tarifas. (Apoiados.) Assim, nem houve publicidade por parte do governo nem por parte da companhia!

Eu, em vista d'esta reserva, d'este silencio mysterioso do governo e da companhia, tinha sobeja rasão para começar este debate, perguntando ao sr. ministro das obras publicas se a companhia dera a devida publicidade ás novas tarifas, e se o governo não tinha melhores documentos que os já publicados, para provar que se haviam cumprido os preceitos legaes.

Eis aqui o motivo por que fiz estas perguntas. As respostas não me satisfazem, nem podiam satisfazer-me. Obrigam-me a entrar franca e abertamente no debate sem as explicações que s. ex.ª podia facilmente ministrar-me. Vendo-me assim forçado a servir-me apenas dos documentos já publicados, não podendo eu deduzir argumento algum das palavras ou explicações que s. ex.ª poderia ter-me dado, vou deduzir, como souber e poder, os fundamentos da minha interpellação.

Eu hei de encarar esta questão debaixo de differentes aspectos. Primeiro, debaixo do ponto de vista da moralidade, e á lua da nos a historia parlamentar; e espero, a esse proposito, mostrar como este assumpto se liga fatalmente a outras propostas de lei, em que o governo propoz um accordo com a companhia dos caminhos de ferro para a conclusão da 5.ª secção da linha do norte. Depois considerarei a questão sob o aspecto da conveniencia publica. E por ultimo trata-la-hei sob o ponto de vista da legalidade.

O assumpto é vasto. E não posso, por mais que o desejasse, expor todas as considerações que elle demanda, no pouco espaço de tempo que decorre até o fim da sessão.

Se V. ex.ª quizer, e a camara consente, eu podia principiar ámanhã as minhas considerações. Porém se V. ex.ª entender o contrario, eu não tenho duvida em começar; mas sinto ter de interromper as minhas idéas, quando exactamente teria maior empenho em que fossem bem comprehendidas pela camara.

Vozes: — E melhor continuar ámanhã.

O sr. Luciano de Castro: — Começava eu hontem a realisar a interpellação, que annunciei na sessão de 16 de fevereiro passado ao sr. ministro das obras publicas sobre a concessão do augmento de 5 por cento nas tarifas de grande velocidade, concedido á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.

Dizia eu que me propunha a apreciar esta questão sob differentes aspectos. Começaria por aprecia-la sob o aspecto da moralidade, tendo para esse fim de consultar a historia parlamentar dos ultimos annos, com o intuito de mostrar que á concessão actual se prende fatalmente o accordo com a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, apresentado á camara em 1873 e approvado em 1875.

Disse eu que depois trataria a questão sob o ponto de vista de conveniencia publica, e que por fim me reservava aprecia-la tambem sob o aspecto da legalidade.

Taes são os pontos que me proponho desenvolver perante a camara, com a clareza e lucidez compativel com as minhas modestas faculdades.

Penso que nunca assumpto mais grave do que este foi trazido á tela parlamentar desde que ha systema representativo entre nós — grave pelas pessoas que n'elle figuram, grave pelas circumstancias que o acompanham e gravissimo pelas consequencias que podem advir do precedente que fica estabelecido.

Hesitei largo tempo antes de tomar a deliberação de usar da minha iniciativa na arguição de um procedimento que reputo inconveniente, illegal e attentatorio dos interesses do paiz. Largo tempo hesitei, porque, como principal responsavel d'este procedimento figura um homem de quem tenho sido e sou amigo, e ao qual me prendem relações de affectuosa camaradagem desde muitos annos. Refiro-me ao sr. Cardoso Avelino.

É affirmo a v. ex.ª que, se no meu animo as considerações de amisade é as contemplações pessoaes podessem prevalecer sobre Os dictames da consciencia e o sentimento das minhas responsabilidades politicas, eu não viria levantar n'esta casa uma questão que por muitas rasões me repugnava, e na qual tenho de lutar directamente com' um velho e dilecto amigo, com um cavalheiro de cuja politica posso discordar, mas cuja probidade, honestidade e lisura de caracter eu hei de sempre respeitar. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

E sirva isto de prefacio ás considerações que volt á expor.

As minhas palavras podem ser severas; as minhas phrases vehementes; a minha linguagem será talvez por vezes acrimoniosa mas ha de ser igual á gravidade do assumpto, e leal e sincera como a consciencia que a dieta.

Desde já, porém afianço a V. ex.ª e á Camara que não ha no meu espirito, nem nos meus propositos, a menor intenção de offender a honra individual do sr. Cardoso Avelino, nem a de qualquer dos outros ministros.

Quero tratar esta questão na altura em que ella deve ser tratada. Não hei de amesquinha-la: Não hei de reduzi-la ás acanhadas proporções de um debate pessoal & odiento.

Discordo profundamente da politica e do procedimento do sr. ministro das obras publicas. Penso que s. ex.ª n'este assumpto, preteriu e esqueceu os interesses publicos, e violou as leis do paiz; -

Penso tudo isto, mas não creio que s. ex.ª fosse levado a praticar os actos, que praticou, por considerações ou intuitos que postam pôr em duvida a sua probidade pessoal. (Apoiados.)

Vou, pois, entrar no assumpto e discutir perante a camara uma das mais importantes questões que em qualquer parlamento podem ser debatidas, pois é ao mesmo tempo uma questão gravissima de moralidade, de conveniencia publica e de legalidade.

É preciso que a camara saiba, e sabe-o de certo, porque, eu já hontem lhe disse; é preciso que á camara não esqueça que ha aqui uma consideração que convem ter sempre presente. Esta consideração é que eu não venho arguir o governo por ter aggravado às tarifas de pequena velocidade.

O que o governo fez no tocante ás tarifas de pequena velocidade foi em harmonia com a lei de 26 de fevereiro de 1875, e não podia ser arguido por mim, nem contestado por pessoa alguma n'esta casa com fundamento plausivel.

O que o governo fez em quanto ás tarifas de grande velocidade, o augmento illegal que o sr. ministro approvou em relação aquellas tarifas, augmento proposto pela companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, é que faz objecto das arguições que desejo dirigir ao sr. ministro das obras publicas e ao governo.

Para bem se entenderem, para convenientemente se apreciarem as accusações que vou formular, é preciso consultar a historia parlamentar dos ultimos annos, e recordar diante da camara os acontecimentos, que se tem volvido diante de nós, e que vem agora explicar e derramar intensa luz sobre os recentes actos do sr. ministro das obras publicas, na questão que nos occupa.

Lembra-se a camara que em 1873 o sr. ministro das obras publicas veiu aqui apresentar uma proposta de accordo com a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, para a conclusão da 5.ª secção do caminho de ferro do norte, accordo em que se concedia á companhia, em compensação das despezas a que ella se sujeitava para a conclusão, d'aquellas obras, a importancia do rendimento do imposto de transito nas mercadorias transportadas por pequena velocidade durante oitenta e seis annos. Lembra-se mais a camara de que essa proposta suscitou aqui gravissimas,