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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

apprehensões, e que a opposição unida e compacta se levantou logo contra ella, suscitando-se então n'esta casa debates violentissimos e tempestuosas lulas.

Essa proposta, depois de approvada na generalidade, voltou á commissão, e lá ficou por largo tempo, até que a opposição parlamentar propoz aqui, pela minha voz, uma moção para que a commissão de fazenda fosse convidada a apresentar o parecer sobre as propostas que tinham sido apresentadas durante a discussão.

Essa moção foi rejeitada. Foi então, depois de acabada a votação, que o meu amigo, o sr. Augusto Saraiva de Carvalho, cuja ausencia n'esta camara eu sinceramente deploro, se levantou e mandou para a mesa uma proposta concebida em termos taes, que me abstenho de os recordar, porque não quero de maneira alguma ferir nem melindrar a honra dos srs. ministros.

Alludia-se n'aquella moção aura facto deploravel. Alludia-se a que dois dos ministros eram empregados assalariados da companhia real dos caminhos de ferro do norte e leste, e dizia se que esses ministros, da conselheiros da corôa que eram, se haviam transformado em agentes d'aquella companhia, apresentando aqui uma proposta de lei para lhe dar uma larga compensação pecuniaria, sob pretexto de se concluírem as obras do caminho de ferro do norte.

O assombro que causou na camara aquella proposta não é para aqui o dizer-se. A impressão que em todos nós produziu foi de certo dolorosa. Nunca a honra dos ministros andara mesclada nos nossos debates partidarios. Por mais accesos que nos trouxessem as pugnas e contenções politicas, sempre collocaramos mais alto e em terreno sobranceiro a controversias o decoro e a probidade dos ministros.

Mas o caso era grave. O assumpto era tão serio, a conjuntura tão difficil, as circumstancias tão extraordinarias e por tal modo excepcionaes, e aquella proposta fez aqui tal sensação, que o proprio sr. presidente do conselho foi o primeiro a levantar-se e a pedir á maioria que a admittisse á discussão, porque tinha instantissima necessidade de dar explicações á camara e ao paiz.

Todos sabem o que s. Exa. disse. Todos sabem como s. ex.ª, perturbado na sua habitual serenidade, esquecendo os seus habitos parlamentares, chegou a appellar em sua defeza para a veneranda sombra de seu pae, a cujo abrigo se foi collocar, não duvidou appellar para as suas tradições politicas e invocar todo o seu passado, e não hesitou mesmo em pedir ao sr. Saraiva de Carvalho, que o acompanhasse a sua casa para lhe ler uma carta que lhe tinha escripto o sr. ministro da fazenda em resposta a outra sua, cartas estas em que s. ex.ªs communicavam um ao outro a resolução em que estavam de pedir a sua demissão de directores da companhia dos caminhos de ferro de norte e leste.

E todavia, sr. presidente, n'essa mesma occasião o sr. Fontes declarava que não se arreceiava da calumnia, e que a esmagaria com o tacão da sua bota! E todavia n'essa occasião s. ex.ª, por lapso notavel n'um velho parlamentar, experimentado nas lides da tribuna, e affeito ás tempestades da discussão, dizia: «agora já posso levantar a cabeça, entrar n'esta camara desassombradamente, e pôr a minha voz e a minha palavra ao serviço do meu collega das obras publicas! »

N'estas expressões s. ex.ª reconhecia o terreno escorregadio em que se achava collocado. N'estas palavras ía envolta uma confissão ingénua, que escapava aos labios de s. ex.ª, e que a opposição não podia deixar de aproveitar!

O que prova que o governo se achava em uma situação critica, deploravel, angustiosa, é que n'essa occasião a cabeça, o palinuro do ministerio, presidente do conselho, vacilava, tremia, baqueava no meio das tempestades, que em torno d'elle rugiam, e que ameaçavam varre-lo das eminências do poder.

É porque o caso era grave. É porque as circumstancias eram difficeis. É porque de todos os lados surgiam as difficuldades, levantavam-se as suspeitas, multiplicavam-se em volta do governo as duvidas, e elle sentia a inadiável necessidade de dar explicações cathegoricas á opinião publica.

E tal foi o golpe, tal foi o resultado d'essa proposta, que o projecto de lei sobre o accordo jazeu na commissão de fazenda até ao fim da sessão parlamentar, e que, por mais esforços que os deputados da opposição reiteradamente fizeram n'esta camara, principalmente os deputados pelo Porto, por mais diligencias que empregaram todos, não foi possivel conseguir que o projecto voltasse da commissão de fazenda, onde o haviam sepultado.

Sr. presidente, foi tão grande a coragem e ousadia do governo, e era tão decidido o seu proposito de servir a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, que não estava fechada ainda a sessão parlamentar, e o sr. ministro das obras publicas, parecendo mais docil instrumento da companhia, do que ministro da corôa e seu conselheiro responsavel, vinha trazer a esta camara uma proposta de lei sobre fallencias das companhias de caminho de ferro, a qual, abstrahindo da conjunctura em que era apresentada, podia ser approvada, mas que, no momento em que era aqui trazida, e com as circumstancias que a acompanhavam, não podia deixar de considerar-se como uma medida expoliadora dos credores da companhia, porque essa proposta começava por determinar no artigo 2.°, que não eram sujeitos á responsabilidade das dividas da companhia senão os seus rendimentos liquidos, depois de abatidas as despezas de exploração.

Sabe V. ex.ª que, segundo a legislação vigente, salvo o material circulante e fixo, todos os rendimentos sem excepção, liquidos ou illiquidos, são sujeitos ás dividas da empreza. E por aquella disposição de uma lei excepcional e odiosa a companhia do caminho de ferro obrigava os seus credores a acceitarem uma transacção commoda e vantajosa para ella, sob a ameaça de perderem inteiramente os seus creditos.

Vê, pois, a camara que não eram os interesses publicos mas sim os da companhia, que o governo desejava favorecer.

Talvez V. ex.ªs ignorem uma circumstancia para a qual preciso chamar a attenção da camara n'este momento.

A real companhia dos caminhos de ferro portuguezes achava-se condemnada por uma sentença dos tribunaes francezes em virtude de um processo que lhe tinham promovido alguns portadores de obrigações.

Quando se tratava de executar esta sentença o governo portuguez, para salvar a companhia não só d'esses portadores, mas de outros credores, que viessem propôr acção contra ella, trouxe á camara a proposta de lei, a que estou alludindo, com o intento de por uma disposição retroactiva burlar aquelles credores, e obriga-los a uma transacção vantajosa para a companhia.

A proposta de lei sobre fallencias foi aqui recebida com geral desagrado. O publico tambem a não recebeu bem. O governo, melhor avisado, ou tornando sobre si, entendeu que era mais conveniente não insistir pela approvação da proposta, que nem chegou a ter parecer da respectiva commissão. E assim foi tudo adiado, não só o accordo, mas aquella proposta de lei.

Assim se encerrou a sessão legislativa de 1873. Abriu-se mais tarde a sessão de 1874. Persuade-se V. ex.ª que o governo fez discutir a proposta de lei sobre o accordo que estava pendente da sessão anterior? Não senhor. Correu a sessão legislativa sem que mais se fallasse no accordo com a companhia do caminho de ferro do norte e leste.

Um bello dia o governo, contrariado com a apposição violenta que n'esta casa se lhe movia, resolveu fazer declarar pela camara, que as quatro sessões ordinarias da legislatura estavam concluidas, contando-se como ordina-

Sessão de 27 de março