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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Pelo decreto de 8 de março o governo fez á companhia a concessão, para que estava auctorisado, da isenção do imposto de transito nas mercadorias transportadas por pequena velocidade.

Em seguida o governo fez á mesma companhia a concessão do augmento de 5 por cento nas tarifas de grande velocidade, o que importa um augmento de mais de 10 por cento em relação ás tarifas approvadas por decreto de 10 de novembro de 1860.

Eis aqui como foi illudida a boa fé do parlamento. Eis aqui como o illustre ministro respondeu á espontaneidade e devoção com que os seus amigos lhe votaram o accordo com a companhia! Não sei de precedente algum parlamentar, nem de Portugal, nem de nenhuma outra nação, em que assim o governo tenha zombado e escarnecido do parlamento, da maioria, da opposição, do paiz inteiro. (Apoiados.) Não sei que haja facto algum na historia parlamentar de nenhum paiz e na do nosso, que justifique este procedimento do governo, não só para com os seus amigos, mas para com os seus adversarios e para com o paiz. (Apoiados).

Pois é crivel, pois póde-se admittir, que um governo venha ao parlamento pedir que lhe approvem uma concessão a favor de uma companhia poderosa, mediante uns designados encargos que a principio não póde reduzir, mas que passado pouco tempo reduz consideravelmente, e que depois de obter da representação nacional a solicitada concessão apenas encerrada a sessão parlamentar, entregue á companhia concessionaria um presente muito maior, muito mais importante, muito mais valioso do que o que foi auctorisado pelas côrtes? (Apoiados.)

Percorro a historia parlamentar dos diversos paizes da Europa e a do meu, e declaro a V. ex.ª que não acho precedente de tal e tão desaffrontada immoralidade, commettido por um governo em face de um parlamento, em face de um paiz que se diz civilisado! Isto não tem outro nome. É uma burla inqualificavel. (Apoiados.)

Isto não se faz, isto não se defende. Isto não o pratica nenhum ministro serio. Não o pratica um governo que se diz orgão de um partido, que tem a peito zelar os interesses materiaes e moraes da nação. (Apoiados.)

Pois isto que se não pratica em parte nenhuma, praticou-o o sr. Cardoso Avelino, praticou-o aquella intemerata consciencia, praticou-o áquelle grave e consciencioso estadista, aquelle homem de antes quebrar que torcer, que todos nós considerávamos como typo da verdade e da honra, mas que por similhantes actos, que não podemos deixar de estigmatisar, parece ter-se convertido em facil instrumento de companhias poderosas, que já não entram no gabinete dos ministros, de chapéu na mão, submissas, e humildes, como quem pede, mas altivas e soberbas, como quem sabe que tem á sua disposição os conselheiros responsaveis da corôa! (Apoiados.)

Não ha de certo na nossa historia um precedente como este. Não o póde haver. E eu creio que o paiz, que tolera a repetição «Testes factos por longo tempo, não póde aspirar a occupar um logar distincto entre as nações civilisadas. (Apoiados.)

Quer V. ex.ª saber em quanto somma o presente que o governo fez á companhia dos caminhos de ferro? Eu lh'o vou dizer.

O rendimento do caminho de ferro do norte e leste no ultimo anno, na grande velocidade, foi de 867:276$922 réis. Calculado sobre este rendimento (o que é muito favoravel para o governo, porque todos sabem que o rendimento da linha tende a augmentar pela abertura das novas vias ferreas) o augmento dos 5 por cento concedido pelo governo á companhia, sobe á importancia de réis 43:363$836.

Se tivessemos approvado o primitivo accordo, e concedido á companhia os oitenta e seis annos de rendimento de imposto de transito na pequena velocidade, sabe V. ex.ª o que davamos? Como o rendimento da pequena velocidade foi no ultimo anno de 788:597$227 réis, vinhamos a conceder 39:429861 réis, isto é, perto de 5:000$000 réis de menos.

Era, portanto, muito mais vantajoso ter-se approvado o primitivo accordo, com os seus oitenta e seis annos de rendimento do imposto de transito, do que conceder-se o augmento dos 5 por cento na grande velocidade.

Quer V. ex.a saber em quanto importa o augmento de 5 por cento, calculando sobre o rendimento da linha no ultimo anno economico, nos oitenta e quatro annos que ainda tem de durar a concessão do caminho de ferro á actual companhia? Importa na somma de 3.642:561$224 réis.

Ora, o imposto de transito na pequena velocidade durante os oitenta e seis annos do primitivo accordo, era do 2.952:108$324 réis. De maneira que tendo nós approvado áquelle accordo, ainda lucrávamos muito. (Apoiados.)

D'esta fórma, pois, o governo veiu a dar á companhia, durante áquelle espaço de tempo, 5.051:937$260 réis!

Escuso de recordar á camara que o orçamento feito pelos proprios engenheiros da companhia, para acabar a 5.ª secção, era apenas de 906:000$000 réis!

Feliz companhia! Tinha de gastar, quando muito, réis 906:000$000; e nós não só lhe damos essa quantia, mas muito maia. Brindamo-la com um presente de réis 5.051:$937$260!!!

Este facto dispensa commentarios.

Aquella companhia privilegiada tem verdadeiramente ao seu serviço os poderes publicos. Pôde metter sem susto a mão audaz nos cofres do estado, porque não ha correctivo que obste ás suas pretensões.

Não posso por isso deixar de felicita-la, e de lamentar a reprehensivel complacencia do governo com todas as suas exigencias.

E de passagem digo, que respeito e considero a sua administração, que acato devidamente os seus directores, que sou amigo de alguns, correligionario politico de um cavalheiro que occupa um logar importante na direcção da companhia. Mas eu não estou aqui defendendo os interesses da companhia; defendo os interesses do paiz. (Apoiados.)

Como deputado da nação tenho direito de pedir ao governo contas severas pelo seu irregular procedimento.

Quanto á companhia declaro que não me pertence condemnar ou censurar o seu procedimento, porque é uma empreza particular, e póde proceder como entender para assegurar ou melhorar os seus interesses. Quem tem responsabilidades perante o parlamento não é ella, é o governo. (Muitos apoiados.)

Mas o que eu noto, sr. presidente, é o modo mysterioso, reservado, secreto e clandestino como se fez esta concessão! Isso é o que mais aggrava a posição do governo. (Apoiados.)

Pensa V. ex.ª que o governo, convicto da sua idéa, se apressou a publicar na folha official um decreto ou portaria com differentes considerandos, mostrando as rasões de conveniencia publica que o obrigaram a levantar as tarifas de grande velocidade? Se o governo tivesse tido a ousadia de publicar, como sempre se tem feito, o decreto ou portaria que approvava a elevação das tarifas, esse proceder pelo menos seria franco e claro. Nós poderiamos censurar esse acto por illegal ou inconveniente, mas não teriamos direito a reprehender o modo cavilloso, occulto e suspeito por que se procedeu n'este assumpto. (Apoiados.)

O governo sabe perfeitamente que é pratica constante no ministerio das obras publicas publicar todas as alterações de tarifas. A tarifa de 1860 foi publicada no Diario do governo e no Boletim das obras publicas, que então existia; e a propria tabella feita depois, com a reducção dos preços a dinheiro, foi tambem publicada.

A revisão de tarifas, não digo bem, a reimpressão das

Sessão de 27 de março