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Como tomei a palavra farei uma reflexão, que me occorreo agora, sobre a ultima parte do Artigo = assistencia de um Escrivão, ou duas Testemunhas = a conjunção = ou = tem natureza disjunctiva, devendo entender-se assim que a falta do Escrivão poderá ser substituída por duas Testemunhas; porem eu não posso conceber como duas pessoas particulares, sem assistencia de um Membro legitimo de Justiça, possuo pôr em pratica uma Diligencia; se se me responde que neste lugar, quando se diz Escrivão, se tracta de um outro, alem daquelle, que a ha de executar, então não está claro o Artigo, e ha sensível falta na redacção, por cuja razão peço silenciosamente aos Illustres Membros da Commissão que, se eu não estou equivocado, facão os competentes Emendas; e se as minhas combinações são destituidas de fundamento, que me dilucidem, e aclarem as dúvidas.

O Sr. Bardo Feio: - Apezas das razões, que se tem produzido, ainda estou persuadido de que se este Artigo passasse na generalidade, em que está concebido, iria destruir de todo a Inviolabilidade do asilo estabelecida na Carta.

Prisão, na conformidade das Leis, he prender por todos os motivos, e do mesmo modo, porque atéqui se prendia: e assim a Casa do Cidadão ficava com os mesmos privilegios, que tinha d'antes; isto he, nem ficava sendo asilo inviolavel, nem asilo de qualidade alguma. Ora: a Carta diz que a entrada de dia na Casa do Cidadão só será permittida nos casos, e pelo modo, que a Lei determinar: a Carta falla de uma Lei posterior á mesma Carta: a Carta falla do futuro, o Projecto refere-se ao passado. Ora: o passado he opposto ao futuro; logo este §. 1.º he, na minha opinião, contrario á Carta. Por tanto julgo que se deve supprimir, adoptando-se em seu lugar a Emenda do Sr. Caetano Alberto. Abusca de objectos roubados tambem he cousa mui vaga, e poderia servir de pretexto a todas as violações, que por vingança, ou qualquer outro motivo se quizessem praticar: e por tanto se não deve permittir senão no caso de estar provado que os roubos estão n'uma certa, e determinada Casa. Tanto mais que o entrar n'uma Casa a procurar roubos he o mesmo que dizer, ou suppôr que o Dono della he ladrão, ou capa de ladrões, que he a maior nodoa, que se pode lançar na reputação de um homem.

A apprehensão de contrabandos deve desapparecer inteiramente deste Projecto. Os contrabandos evitão-se nas fronteiras, nas estradas, e ás portas das Cidades, e não dentro das Casas dos Cidadãos. Em Inglaterra, e França, onde as Leis sobre o contrabando são melhor executadas, nunca por semelhante motivo se vai dar busca pelas Casos. Por tanto sou dê opinião que o Artigo deve voltar á Commissão para declarar todos os casos, em que a entrada na Casa do Cidadão se deve permittir, e o pôr em mais harmonia com a Carta.

Por ser chegada a hora de findar a Sessão, ficou adiada a discussão para a seguinte.

Dêo conta o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa da Correspondencia seguinte, que havia sido recebida durante a Sessão. De um Officio do Ministro dos Negocios do Reino, participando que Sua Alteza a Senhora Infanta Regente havia designado o dia de Sexta Feira 23 do corrente para receber no Palacio d'Ajuda, pelo meio dia, a Deputação, que esta Camara tem deliberado enviar á Sua Presença. Ficou a Camara inteirada. E o Sr. Presidente convidou os Srs. Deputados, que tem de formar a mesma Deputação, para se reunirem no dia, e hora indicada, no sobredicto Palacio.

De outro Officio do mesmo Ministro dos Negocios do Reino, accusando o Officio, que lhe fora dirigido em data de 21 do corrente, sobre os esclarecimentos relativos a Expostos, e participando que, por mandado de Sua Alteza, ficavão expedidas as Ordens necessarias ás Authoridades competentes. Ficou a Camara inteirada.

E dêo ultimamente conta de um Officio do Ministro dos Negocios da Fazenda, remettendo, por Ordem da Sua Alteza a Sereníssima Senhora Infanta Regente, uma Representação do Enfermeiro Mor do Hospital Real de S. José desta Cidade, para se tomar por esta Camara na consideração, que julgar justa, e conveniente.

Mandou-se remetter a uma Commissão Especial, que seria nomeada pelas Secções Geraes, logo que se reunissem.

Dêo o Sr. Presidente para Ordem do Dia da seguinte Sessão a continuação do mesmo

Projecto N.º 121.

E, sendo 2 horas e 10 minutos, disse que estava fechada a Sessão.

SESSÃO DE 33 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas, e 45 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se achárão presentes 88 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 16; a saber: os Srs. Barão de Quintella - Barão do Sobral - Ferreira Cabral - Rodrigues de Macedo - Leite Pereira - Araujo e Castro - Pessanha - Cerqueira Ferraz - Tavares d'Almeida - Isidoro José dos Sonctos - Mascarenhas e Mello - Mouzinho da Silveira - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Azevedo Loureiro - e Alvares Diniz - todos com causa motivada.
Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

O Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa dêo conta do offerecimento, que o Sr. Deputado Borges Carneiro faz á Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza, de um Exemplar da sua Obra intitulada = Direito Civil de Portugal = da qual entregou já o primeiro Tomo, e promette entregar os mais á proporção que se forem publicando. Mandou-se remetter para o Archivo da Camara.

O Sr. Deputado Moniz propoz uma Indicação verbal, por parte da Commissão Especial Ultramarina, para se pedir ao Governo uma Memoria sobre os melhoramentos da Ilha da Madeira, apresentada pelo ex-Governador da mesma Ilha, Antonio Manoel de Noronha, a fim de servir de esclarecimento á sobredicta Commissão: foi mandada reduzir a escripto para ser tomada em consideração.

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O Sr. Visconde de Fonte Arcada manifestou que a Commissão encarregada de dar o seu Parecer sobre a Representação de Ignacio Marinho Perestréllo, remettida pelo Ministro da Guerra, tinha prompto o seu Parecer.

O Sr. Borges Carneiro: - Peço que se inscreva o meu nome na Lista das Proposições; e peço tambem a V. Exca. que haja de convidar as Secções Geraes para tomarem em consideração a Proposta, que eu fiz, pedindo que se dêm os providencias opportunas para se fazerem publicos os Processos Criminaes.
O Sr. Presidente: - Não tem sido esquecimento meu o não tê-la dado para a Ordem das Secções Geraes; mas, fallando-se desse objecto na Camara, esta decidio que não era necessario fazer-se uma Lei Regulamentar, pois a Carta determina a publicidade dos Processos Crimes = desde já = e por isso eu julguei prejudicada a Proposta do Sr. Deputado.

O Sr. Borges Carneiro:- Ainda que assim seja, sempre parece que tem lugar convidar o Governo a que faça executar a Carta n'uma cousa, que ella determina = desde já =.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: - Foi em consequencia dessa resolução que eu fiz uma Proposta, para que o Governo indicasse as razões, ou dúvidas, que tem, para não ter dado á execução aquelle Artigo da Carta; talvez a maior garantia, que ella offerece aos Direitos do Cidadão; aproveito esta occasião para perguntar se acaso o respectivo Ministro d'Estado já mondou a resposta sobre os esclarecimentos, que se lhe pedirão sobre este objecto.

O Sr. Secretario Barroto: - Fez-se a requisição; mas como o objecto depende de muitas averiguações ainda não poderia vir a resposta.

O Sr. Guerreiro: - A Camara resolveo que para a publicidade dos Processos Crimes não era necessaria uma Lei, porque a Carta dizia que fossem publicos = desde já = mas ha outra questão, e he, se a publicidade dos Processos, que se pode fazer independente de Lei, he de utilidade, ou não he. Eu julgo que presentemente não he de utilidade, e que para sê-lo seria necessario fazer uma Lei, que variasse a ordem dos nossos Processos. A verdadeira utilidade, que se tira da publicidade dos Processos, está em serem publicamente inquiridas as Testemunhas da accusação, e da defeza; e como isto não pode ser, sem que haja uma Lei, que altere a ordem dos Processos summarios, uma Lei, que crie um novo Juizo Criminal, por isso não acho util aquella publicidade. Por tanto eu approvo que se torne em consideração a Proposta do Sr. Deputado, mas peço tambem se examine se conviria fazer-se uma nova Lei, para que essa publicidade não se torne inutil.

O Sr. Presidente: - Irá ás Secções Geraes; e ellas o tomarão em consideração.

Ordem do Dia.

Continuou a discussão sobre o Artigo 4.º do Projecto N.º 121, interrompida na Sessão antecedente, e sobre as Emendas offerecidas na mesma Sessão ao referido Artigo.

A primeira do Sr. Gerardo de Sampaio, que diz = Nos casos indicados no Artigo 3.º se guardarão as seguintes formalidades: 1.° Ordem por escripto, datada, de quem determinou a entrada, e que indique a Diligencia, e o motivo della: 2.º a entrega de uma Copia em forma Judicial da sobredicta Ordem ao Chefe da Familia, ou Moradores da Casa: 3.° A assistencia de um Escrivão, e duas Testemunhas.
Segunda do Sr. Deputado Guerreiro, dizendo = E que o Escrivão forme sempre Auto do devassamento da Casa, assignado, alem das duas Testemunhas, pelo Chefe da Familia, e na sua falta pela pessoa della mais authorisada.

Terceira do Sr. Deputado Leomil, que diz = Proponho que depois da palavra - motivo - se accrescente - e o nome do Requerente - e que no fim deste Artigo se diga - a assistencia de um Escrivão, e duas Testemunhas - faltando qualquer das tres formalidades aqui enunciadas, não he o Cidadão obrigado a franquear a sua Casa.

Quarta do Sr. Deputado F. J. Maya, dizendo = a Ao Artigo 4.º se accrescentará -- que a Ordem incluirá o nome da Pessoa, que a requereo, para ser responsavel na forma do §. 9 do Artigo 145 da Carta - E se entregue Cópia authentica da Ordem aos Moradores da Casa. - Que se diga - O Escrivão com duas Testemunhas - Que a Ordem, a que faltar qualquer destes requisitos se repute arbitraria para ser punida como tem.

O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente, muito me lisonjeio quando observo que todos os Illustres Deputados, que tem faltado contra cada um dos Artigos do Projecto, desenvolvem os mais ardentes desejos de enfrear as prevaricações, ou abuso, e arbitrariedade das Authoridades, em offensa dos Direitos do Cidadão na Inviolabilidade da sua Casa mantida na Carta: a Commissão não lhe cede, nem he de inferiores sentimentos; e bem desejara impedir as Authoridades para que absolutamente deixassem de entrar na Casa do Cidadão, mas não o pode fazer, por não ser possivel, nem a Carta o permittir, e por ser o fim da presente Lei o designar taxativamente os casos, em que essa entrada lenha lugar. São mais do que a Commissão desejaria; mas são males necessarios, males nascidos do systema, em que se acha montada a nossa Legislação, e que hão de ir diminuindo á proporção que ella se for alterando, e tambem nascidos das circumstancias, e natureza das cousas. Desta verdade se desenganou a Camara pela votação do Artigo antecedente, o qual, apezar de ser impugnado em cada uma das suas partes por excessivo, ainda se julgou defectivo, e entendêo-se que era infallivel marcarem-se mais casos, em que a Authoridade, em cumprimento do seu Officio, não podia deixar de entrar na Casa do Cidadão.

O mesmo acontece com o Artigo em discussão, relativamente ás observações, que se tem feito contra elle; podendo assegurar a V. Exa. que nenhuma dellas escapou á Commissão, com a limitação do que hontem disse um Sr. Deputado nomeado pela Beira, o qual instou a que fose permittido ao Dono da Casa impedir ao Official de Justiça a entrada nella, não quando vai sem Ordem, porque isso he corrente, mas quando á Ordem fallão algumas circumstancias declaradas no Artigo; lembrança, que, ainda que occorresse, não mereceria tomar-se em consideração pelos judiciosos motivos ponderados na Sessão antecedente pelo Illustre Relator da Commissão, bem como pe-

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lo Digno Membro da mesma, o Sr. Campos Barreto, o qual nada deixou a desejar.
Diz a primeira parte do Artigo (lêo-o), e disse um Sr. Deputado que, alem das circumstancias mencionadas, de que devia revestir-se a Ordem, tambem se devia declarar nella o nome da pessoa, que a requeresse, a fim de se lhe fazer effectiva a responsabilidade decretada no § 9.° do Artigo 145 da Carta. Porem, Sr. Presidente, parece haver algum equivoco no Sr. Deputado, porque o Artigo da Carta falla unicamente das Ordens, que arbitrariamente dão as Authoridades para a prizão de qualquer Cidadão; e esta arbitrariedade só se verifica quando não ha culpa formada, ou no caso, de que tracta o § 8.° do Artigo 140 da Carta; quando se verifica esta arbitrariedade he que a Carta quer que tambem tenha responsabilidade a Parte, que requer a Ordem, e no nosso caso ha uma especie muito differente, que he a Ordem para a simples entrada na Casa do Cidadão, sem relação ao fim da mesma. Eu digo com ingenuidade á Camara que, se a Carta não dissesse naquelle § 9.° que tambem ficava responsavel a Parte, que requeria a Ordem de prizão arbitraria, nunca subscreveria por essa responsabilidade, que toda faria recahir na Authoridade, que passava a Ordem, como aquella, a quem compete saber se o que se lhe pede he, ou não conforme ás Leis; e porisso não posso convir que se traga semelhante argumento da Carta, que aliás legisla sobre objecto inteiramente diverso. Alem de que a Commissão não entendêo fazer-se necessaria essa declaração no Artigo, não só porque algumas Ordens são passadas officiosamente, e sem alguma Parte as requerer, como porque quando ha Parte he. isso uma circumstancia, que nunca se omitte, e até connexa com a parte do Artigo, onde se diz que se declare na Ordem o motivo della: e como á Commissão consagrasse neste Artigo as circumstancias, de que devia revestir-se essa Ordem, sem as quaes, e em faltando alguma dellas, tinha lugar a responsabilidade de Justiça, não mencionou a declaração do nome da pessoa, que a requerêo, por não ser circumstancia influente para demandar na sua falta a responsabilidade.
Continua o Artigo (lêo-o). Querem alguns Srs. Deputados que não baste só mostrar a Ordem ao Dono, ou Moradores da Casa, mas que lha entreguem, ou uma copia della: que se não deve entregar a propria já respondèo victoriosamente o Illustre Auctor do Projecto; e, relativamente á entrega do traslado, não me opponho a que tenha lugar quando se pedir, pois que isto he o que sempre accontece em casos semelhantes.

Conclue o Artigo (lêo-o). Disserão alguns Srs. que devia dizer-se = assistencia de um Escrivão, e duas Testemunhas. = Os motivos, que para isto se produzirão, fôrão presentes á Commissão; e o Digno Auctor do Projecto já produzio as razões, que obstarão á sua adopção. Seria muito para desejar que sempre assistissem duas Testemunhas; mas que havia de fazer-se quando as não houvesse o resultado era, ou inutilisar-se a Diligencia, ou correr a responsabilidade de quem sem ellas executasse a Ordem. N'uma Povoação pequena, onde muitas vezes se não acha gente, ou tudo foge quando se vê um Official de Justiça, ou quando a Diligencia tem de fazer-se n'uma Casa distante do Povoado, não apparecem Testemunhas; e então qual ha de ser o resultado, se o Official as não levar de longe? Mas se o Artigo não passar como está, e a Camara instar a que assistão duas Testemunhas, pode dizer-se = e duas Testemunhas, ha vendo-as =

Ao Sr. Deputado, que disse que a maneira, por que estava redigido o Artigo, mostrava que havião diligencias, em que se dispensava a assistencia de um Escrivão, e que desejava saber quaes ellas erão, respondo que a prizão pode fazer-se sem ser por Escrivão, e tambem tem outro caso na Ordenação do Livro 3.º Titulo 89, que he da penhora feita pelo Porteiro; e a razão, que teve a Commissão, para assim fazer a redacção, foi porque, como muitas vezes não apparecião duas Testemunhas, ellas se dispensarião sempre, que as diligencias fossem feitas por Escrivão, e não por outro Official de Justiça.

O Additamento do Sr. Maya, para que se declare arbitraria a diligencia, que he feita sem as solemnidades declaradas no Artigo, he ociosa, e nullissima, por isso que arbitrario he tudo aquillo, que se faz contra a Lei, ou formalidades' della; e porisso a declaração he sem prestimo algum.

O Additamento do Sr. Guerreiro tambem foi presente á Commissão: he verdade que he uma idéa estranha do Projecto, porque se não encontra nelle; mas não he nova, porem sim trazida do § 3.° da Lei das extinctas Côrtes, feita sobre este mesmo objecto, onde parece a foi beber o Illustre Deputado, que a apresentou, até pelas palavras, de que se serve. A Commissão não a attendêo por inutil, visto que nas diligencias, de que falla o Additamento, he da natureza delles o lavrar-se um Auto, e he isso o que sempre se pratica; e em quanto á assignatura do Dono da Casa, em que se entra, tem diversos inconvenientes, ou por não querer muitas vezes assignar, ou por não saber, e nesse caso o Signal de Cruz não lhe traz garantia alguma, ou por não estar em Casa na occasião da diligencia.

O Sr. Leite Lobo: - Sr. Presidente: eu pedi a palavra para sustentar quanto coubesse nas minhas forças a Emenda de um Sr. Deputado ao Artigo 4.º deste Projecto, que consiste em que o Cidadão não será obrigado a franquear a sua Casa á Authoridade, ou a seu Official, uma vez que na Ordena não vão insertas as formalidades consignadas neste mesmo Artigo 4.° Esta Emenda parece-me justa, e farei por responder a um Sr. Deputado Membro da Commissão: servio-se elle, para atacar a doutrina da Emenda, de dous princípios: 1.° que era necessario deixar fazer a diligencia, para ao depois se imporem as penas ao Official que obrou contra a Lei. Esta razão não me parece que tenha força e porque he sempre um mal deixar cometter um crime para o castigar, podendo evita-lo antes: 2.° que não tinha lugar a Emenda para sustentar a dignidade das Authoridades, e para isto se fez um símile com a disciplina militar, o que para mim foi de bastante admiração; porque a disciplina militar he pelo Augusto Auctor da nossa Carta exceptuada da regra geral; e todos sabem que a disciplina militar tem em todos os Governos por base o absoluto despotismo; e quererá fazer-se disto applicação para as outras Authoridades, e Authoridades Constitucionaes? Eu não posso conformar-me com semelhante idéa; porque, esse he o andamento das Authoridades no Governo Absoluto, em que o

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homem pode mais que a Lei; vamos ao caso: o Official de Justiça vai fazer uma diligencia, em que he necessario entrar na Casa do Cidadão; o Cidadão calla-se, faz-se a diligencia, esse Official obrou contra a Lei ha de ler o castigo que a mesma Lei lhe marcar; mãe quando um Cidadão disser ao Official = olhai que vós não trazeis Ordem para entrar em minha Casa, ou a que trazeis não vem munida das formulas prescriptas na Lei; por tanto eu não vos franqueio a minha Casa = será justo que apezar de ser assim, o Official possa fazer a diligencia, violar o asilo da Casa do Cidadão contra a expressa prohibição da Lei, porque he necessario manter a dignidade das Authoridades? Esta Emenda pode trazer comigo a anarchia, dizem outro? Srs. Deputados; eu digo que não. Pode haver uma resistencia; já a nossa Legislação providenciou esse caso, mas se o Official provocou a resistencia, achando-se o Cidadão escudado com a Lei, deve o Official ter o mesmo crime. E a quem offende o Cidadão, quando o Official da diligencia quer entrar na Casa do Cidadão sem Ordem, ou com uma, á qual faltão as formulas da Lei? A Lei? Não. A Authoridade? Não; porque o Official precisa de Ordem, e com as formulas da Lei, para ser reconhecido como tal, para aquelle caso: finalmente, Senhores, esta Lei he a regulamentar da Carta, e seria melhor não a fazer, do que faze-la em sentido contrario á mesma. Voto por tanto pela Emenda, para que o sagrado direito da inviolabilidade da Casa do Cidadão não fique sendo só em nome.

O Sr. Marciano d'Azevedo: - Parece-me que todas as opiniões da Camara se concilião com a suppressão de duas palavras, e substituição de outras. Todos convimos, que he necessario fazer manifestação da Ordem aos moradores da Casa, assim como entregar-lhes traslado, para lhes ficar servindo de titulo, a fim de perseguirem a responsabilidade de quem a tiver: logo deve tirar-se a disjunctiva = ou = e dizer-se = manifestação da Ordem, e entrega do seu traslado aos Moradores da Casa. = Todos convimos em que deve intervir um Escrivão, ou Official competente, e duas Testemunhas: logo deve aqui tambem tirar-se a disjunctiva = ou = e em lugar do que está no Artigo, dizer-se = e duas Testemunhas. = E como pode acontecer que se não encontrem, e paralizar-se assim a acção da Justiça, deve dizer-se = e duas Testemunhas, havendo-as. =

O Sr. Leonil: - Eu não posso entender por que fatalidade o Genio do mal haja de continuar a reger os destinos da humanidade, até agora victima da arbitrariedade, e do despotismo da chamada Justiça. Ou queremos, ou não queremos firmar a Inviolabilidade do asilo da Casa do Cidadão. Se queremos, então he preciso applicar a medicina legal, que venha a ser efficaz, e não paliativa. He forte desgraça que, quando se tracta de proteger a Causa dos Cidadãos contra as oppressões dos Juizes, e Officiaes de Justiça, sempre haja quem advogue mais a Causa destes!... Outra cousa não posso ajuizar, quando ouço já caracterisar o meu Additamento como = Resistencia á Justiça =, quando nada tem que se pareça com ella, pois todos sabem que Resistencia he já um Acto formal por obra, e não franquear = he um Acto negativo. E porque não hei de eu ter o Direito de dizer á Justiça que não lhe abro a minha Casa, em quanto me não apresentar Ordem legal da Authoridade legitimai Será por ventura isto direito de resistir é Justiça? Se o he, então não sou eu inventor deste principio, mas sim o Magnanimo Auctor da Carta, que no § l.° do Artigo 145 diz = Nenhum Cidadão he obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei. - A vista desta Lei fundamental, quem poderá hoje obrigar o Cidadão a que faça cousa alguma, queria seja ordenada por Lei? Pelo que vou vendo, e ouvindo, he a Justiça, que tem este privilegio superior á Carta.... Sim , as Authoridades, e seus Officiaes chamados = de Justiça = podem entrar sem Ordem, e quando bem quizerem, na Casa do Cidadão, porque os §§§ 1.º e 6.º do Artigo 145 da Carta não forão feitos para elles; e a garantia alli outorgada ao Cidadão não milita para com os Officiaes de Justiça, aos quaes se faria resistencia usando daquelle Direito!! Uma semelhante doutrina importa o mesmo que dizer = Tudo o que são Authoridades, e Officiaes de Justiça formão uma excepção das Leis fundamentais, e secundarias, porque em fim elles são superiores ás Leis, e as Leis para elles não devem regular... =etc. etc. etc. A fallar a verdade, Sr. Presidente, eu nesta parte concordo com os Illustres Defensores da doutrina, senão de Direito, ao menos de Facto, porque na verdade a tal Classe chamada = de Justiça = nunca respeitou Lei, nunca leve Lei, nem róca.... Por desgraça minha tenho vivido n'um Paiz do Douro, aliás bellissima Aldêa, mas mui proxima ás Justiças de Lamego, que de contínuo nella exercitão suas Caravanas, muito mais terriveis que as dos Arabes Beduínos. Estive alli todo este espaço de tempo, que decorrêo de 1823 ate que vim para Lisboa, e em todo elle nunca vi que a tal Justiça de Lamego, e a sua parallela de Penaguião praticassem um só Acto do Justiça, que tivesse a mais leve sombra de Lei. Não trarei para exemplo o que se praticou comigo, porque até horronsa! Basta dizer que nunca pude aquecer cama!! Referirei só um caso, que se passou com um Vareiro meu visinho, a quem dons Officiaes da tal Justiça de Lamego entrarão um dia pela porta dentro a limpa-la de quantos trastes nella estavão; e como o Vareiro ignorasse a causa do disturbio, recorrêo a mim a perguntar-me o que devia fazer? Eu respondi-lhe que não advinhava, e que fosse perguntar aos Officiaes pela Ordem; e, indo com effeito, elles lhe responderão que não a trazião, nem era precisa, porque tinhão Ordem de bôca para tudo.

Então eu lhe disse que podia muito bem ser algum roubo disfarçado em Justiça, e portanto que grilasse á Voz d'EIRei. Assim fez; e então os taes Officiaes em pouco espantados parárão na limpeza, e no em tanto mandárão um Proprio a Lamego ao Juiz (Caldeira}, o qual promptamente lhes remettêo Ordem para continuarem. - Por occasião deste (ainda que eu seja importuno) não posso deixar de referir outro caso acontecido tambem na minha Aldéa com um meu honrado, e illustre Visinho, José Luiz de Cerqueira e Vasconcellot. He este meu Visinho um dos Lavradores mais ricos da minha Freguezia, o qual havia sido Depositario Geral das Decimas ha perto de vinte annos, de que havia saldado suas Contas com o Erario, a quem nada devia; mas como tivesse fama de pecuniario, o Provedor Albergaria, Camarada do tal Caldeira, depois

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de já não ter mais que extorquir das Camaras, e Confrarias, a quem levou couro, e cabello, principia a entender com os Cofres dos Particulares, e de combinação com um perverso Abbade, que tinha junto a si, servindo-lhe de Escrivão, e Accessor, fulmina um Sequestro geral sobre a grande Casa deste meu honrado Visinho, e logo sobre elle uma Ordem de Prisão, que o poz em fugida. Debalde invoquei eu, como Advogado, a protecção das Leis, e suas formalidades contra todo este barbaro procedimento: a nada o bruto se movia; e toda a sua birra era extorquir ao honrado Cidadão dezoito a vinte mil cruzados, o que de certo conseguia, se não desce dos Ceos a Divindade Tutelar da Carta Magna = quae sero landem ... = Quem, como eu, observava os torpes procedimentos destas Justiças, nenhuma dúvida tinha de que elles já desde então se preparavão para fugir com o sancto, e com a esmola... Assim acontecêo; e hoje lá anda toda esta quadrilha com a dos Rebeldes. - A vista disto poderá alguem descançar tranquillo á sombra da Lei, que tem de ser executada por taes individuos? Desenganemo-nos, Senhores, de que todo o fructo das Leis está na execução, e de que o Despotismo Judicial tem sido muito mais funesto, que o Despotismo Legal. Não nos illudamos!... Por melhores Leis, e Reformas, que façâmos, ha de ainda a corrupção continuar por muito tempo; porque os máos habitos custão mais a perder do que custarão a ganhar. Eu não pertendo fazer reviver a Lei de Cresta, e da Polonia, que authorisava a insurreição contra os Magistrados, e apedreja-los até, quando elles abusavão das Leis; (bem tem os nossos desafiado esta providencia) nem tão pouco pertendo ssanccionar resistencia; o que pertendo he o exercicio da Garantia outorgada na Carta, e que o Cidadão não seja obrigado a ser Victima passiva da Justiça, a qual he essencialmente protectora, e não oppressora, quer premeie, quer castigue, uma vez que seja em virtude da Lei, fora da qual não sei o que seja Justiça.

Sendo chegada a hora de sahir a Deputação, que tinha de se apresentar a Sua Alteza a Serenissima Senhora Infanta Regente, convidou o Sr. Presidente ao Sr. Vice-Presidente para tomar o lugar da Presidencia; e pelo mesmo Sr. Vice-Presidente foi convidado o Sr. Deputado Vice-Secretario, Carvalho e Sousa, para tomar o lugar do Sr. Deputado Secretario Barroso, o qual fazia parte da referida Deputação.

Continuou a discussão.

O Sr. F. J. Maya: - Recusão-se, não sei porque motivo, formalidades faceis de preencher, e que eu julgo necessarias para que o Cidadão tenha, quando não seja um asilo inviolavel na sua Casa, como a Carta declara, ao menos inviolavel em alguns casos. Eu sou de opinião, que a Ordem por escripto deve ser entregue áquella Parte, contra quem he passada, quer ella a peça, quer a não peça, para evitar contestações a este respeito, e as duvidas que poderão occorrer, no caso de não ser entregue, se ella foi, ou não requerida pela Parte. E he tambem absolutamente necessario que se declare na Ordem o nome da pessoa, que a requereo, particularmente sendo para prisão. Disto se não pode prescindir: o contrario seria uma manifesta infracção da Carta.

O Sr. Campos Barreto: - Levanto-me, para combater, a doutrina aqui reproduzida por alguns Honrados Membros desta Camara, que pertendem sanccionar a faculdade de opposição aos Officiaes de Justiça, quando com Ordem competente procurão entrar de dia na Casa do Cidadão, sobre Diligencia de seu Officio. Se a memoria não me falece, a isto se reduz o Additamento do Sr. Teixeira Leonil, que está sobre a Mesa; peço pois a V. Exca. que se leia primeiro o dito Additamento, e depois continuarei, se elle contiver o doutrina que eu cuido, e que já combali na Sessão passada. (Lêo o Sr. Vice-Secretario Carvalho e Sousa o Additamento). Continuou o Orador, dizendo: Agora vejo que não me enganei, e que he essa mesma a opinião que já combati, e combaterei sempre com todas as minhas forças.

Senhores: Nós tractamos de garantir no Cidadão aquelle socêgo, de que deve gozar na sua Casa, protegendo-o contra os ataques, e violencias dos Funccionarios Publicos, particularmente dos Officiaes de Justiça; mas esta protecção será sem limites? Já se disse que a Commissão leve em vista concilia-la com a precisa acção das Authoridades Militares, Civis, e. Administrativas, e que nisto consiste o espinhoso desta Lei: he. util, he preciso o socêgo do Cidadão particular na sua Casa, mas he precisissima a faculdade de se administrar a Justiça: na inviolabilidade interessa o Cidadão, mas na entrada da sua Casa interessa muitas vezes a Nação, que precisa de Justiça, e de Administração. Ora: quando estes dous interesses collidirem, he evidente que o particular deve ceder ao publico, e que o Cidadão deve sujeitar-se. Eis-aqui porque não pode ter lugar a resistencia do Cidadão, desde que se lhe mostra Ordem da Authoridade competente, Ordem que indica a collisão dos dous interesses em um caso particular. Não importa que a Ordem vá defeituosa no seu theor; porque nem o Official executor, nem o Cidadão executado podem ser Juizes da Ordem. Se o contrario se podesse um momento admittir, seria causa das mais perniciosas consequencias; seria a subversão de toda a ordem, de toda a consideração, e respeito ás Authoridades; seria estabelecer uma inspecção debaixo para cima; ha maior absurdo? Pois o Official ha de glosar a Ordem do seu Superior; e o Cidadão resistir-lhe, erigindo-se em Juiz, e dizendo que não está bem passada! Então nenhuma diligencia se faria, porque nunca faltaria um pretexto.

Diz-se que o facto do Cidadão em tal caso não he resistencia, mas um facto negativo! Isto differe tanto da resistencia, como um tostão differe de cinco vintens: dous caracteres dá a Lei para qualificar um facto de resistencia, he o ferimento do Official, ou o effectivo embaraço da diligencia; e seria a diligencia embaraçada no caso proposto? Não se pode negar. Menos, se diga que a subordinação militar não deve servir de exemplo para o civil: as regras de exactidão, de ordem, e de methodo a nenhuma repartição ficão mal, senão as contrarias: o que eu quero he Lei, e ordem: aqui he que está a verdadeira Liberdade. Concluo pois tornando a chamar subversiva a doutrina do Additamento.
O Sr. Magalhães: - Primeiramente requeiro que se mande lêr uma Emenda, que he relativa a que o Morador, ou o Dono da Casa assigne o Auto da diligencia, que se fizer. (Foi lida pelo Sr. Vice-Secretario Carvalho e Sousa, e o Orador continuou:) Eu a faço minha para poder seguir a discussão. São algumas

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as reflexões, que tenho a fazer sobre este 4.º Artigo. Começarei pela primeira formalidade estabelecida nelle. Diz assim lêo-o): parece-me que a este quesito nada mais se deve accrescentar, porque elle contem em si os elementos necessarios para que a Ordem deva ir perfeita. Se esta he expedida a requerimento de Parte, por força que se ha de declarar a Parte, que a requer; e se fôr officiosa, ha do declarar-se o que a motivou. São cousas ião naturaes, que seria bem embaraçoso se fosse necessario que as Leis descessem a taes miudezas, proprias da execução; e o peior dos Livros he aquelle, que diz tudo.

O 2.º quesito do Artigo diz (lêo). Eu o julgo de absoluta necessidade; porem acho uma grande imporyancia a esta manifestação, e entrega da Ordem, porque he ella quem faz a verdadeira garantia do Cidadão, porque lhe assegura a base da responsabilidade da Authoridade, que passou a Ordem, e porisso desejava que em voz de traslado se entregasse um duplicado da Ordem, assignado originalmente pela mesma Authoridade, servindo o outro para fazer no seu reverso o Auto de diligencia e o de devassamento, que podem ser simultaneos.

O 3.° quesito diz (lêo). Eu tambem sou da opinião daquelles Srs., que exigem as Testemunhas conjunctamento com a existencia do Escrivão; mas quanto a este he necessario entender bem se, ainda no caso de ser a diligencia comettida a um Escrivão, porque pode se-lo a outro Official, deve ir um segundo: isto julgo eu desnecessario; porem julgo em todo o caso precisa a concorrencia de Escrivão, mesmo para lavrar o Auto indicado na Emenda, que adoptei. A este quesito porem fez hontem um Illustre Deputado pela Beira um Additamento, e confesso que, ao ouvir hontem explica-lo, vacillei muitissimo, porque tendia a estabelecer a resistencia á Authoridade constituida, resistencia, que perigosissimo seria sanccionar-se em Lei; porque entre o Governado, o Governante existe uma natural antipathia, que tem o fundamento n'um sentimento do coração humano, que lhe custa a soffrer igual, e nunca superiar; n'um sentimento natural, que tende a quebrar todas as opposições; n'uma liberdade selvagem nunca se deve despertar este germen de resistencia, que os habitos sociaes, os principios da razão cultivada tem quasi apagado.

Mas não he o que hontem ouvi aquillo, que agora ouço escripto na Emenda. A' moderação, com que ella se explica, não posso deixar de approva-la. He forçoso que se declare que he arbitraria a enrada, que não fôr praticada com as legalidades, que a Lei indica. A defensa, Srs., he de Direito natural; e para a justa defensa de uma injusta aggressão não he precisa Lei positiva. Todo o Cidadão, quando lhe mandão abrir a sua porta, tem Direito a pergantar: quem he?

Supponhâmos que se lhe diz: he um Official de Justiça, tem direito a perguntar-lhe pela Ordem; e, se este não vai munido com ella, que Poder ha no Mundo, que o obrigue a fazer o que a Lei lhe não manda? Se o Official insiste, elle pode empregar meios de defensa iguaes aos do ataque, porque não he um Official Publico, he um Lobo, uma Fera, que vai atacar um homem. Como porem me lembro do que disse Apollo a Faelonte quando lhe pedio a direcção do Carro: - medio latum ibis, = eu faria uma distincção, que já um Illustre Deputado enunciou, e vem a ter que, faltando Ordem, ou não indo assignada, se diga que o Cidadão não he obrigado a franquear a sua Casa; e, quando elle leve Ordem assignada, mas não vá em forma legal, então se repute a entrada arbitraria para o fim de se verificar a responsabilidade da Authoride competente.

Pouco ditei sobre a necessidade do Auto de devasamento; e só chamo a attenção da Camara para reflectir que, se o duplicado da Ordem he a maior barreira, que pode oppôr-se á arbitrariedade da Authoridade, que passa a Ordem, o Auto de devassamento he tambem a maior, que pode oppôr-se ao Official, que vai executa-la.

O Sr. Miranda: - O Illustre Membro, que acabou de fallar, expendêo muito bem tudo quanto se podia dizer a respeito deste Artigo, e porisso eu podia dispensar-me de fallar; porem sempre direi alguma cousa sobre a materia. Nós não estâmos já naquelles tempos, em que se exigia do Cidadão uma obediencia céga, e passiva ás Authoridades, quando não procedem conforme a Lei. O Cidadão deve obedecer quando lhe fôr apresentada o Ordem do Magistrado, e por elle assignada, sem que desta obediencia o exima o ella não ser conforme a Direito.

Isto bem entendido, sendo do dia. Porem elle não deve ser obrigado a obedecer, nem a reconhecer por Official de Justiça aquelle, que se lhe apresentar sem esta Ordem. A este respeito sempre farei algumas reflexões sobre o que até agora se tem praticado. em-se conmettido nesta materia os maiores abusos; eu poderia citar alguns exemplos, de que estou bem informado. Nos Concelhos, ou, para melhor me exprimir, nos Julgados de pequena extensão, em que os Officiaes de Justiça são de perto vigiados pelos Magistrados, poucos excessos podem elles cometter, sem que cheguem ao conhecimento dos Magistrados; porem quando os Julgados são muito grandes, a vigilancia destes não pode cohibir os excessos, que os Oficiaes de Justiça comettem nos Povos, ou seja por cobiça, ou por malicia. Nesta Camara se acha presente um Collega, e Amigo meu, o Sr. Ferreira de Moura, que muito bem pode comprovar o que eu affirmo, e peço licença á Camara para o convidar a que por si exponha as providencias extraordinarias, que se vio obrigado a dar no tempo, em que servio em Bragança, e Villa Real para cohibir os vexames, extprsões, e violencias, que os Officiaes de Justiça fazião em os Povos daquelles Concelhos. Por consequencia: tendo eu visto praticar tantos abusos, e excessos, entendo que he; neccessãrio declarar que a todo aquelle Official de Justiça, que não apresentar Ordem por escripto, o Cidadão não será obrigado a franquear-lhe a sua Casa: ha muita differença entre resistencia contra a Lei , ou deixar de obedecer quando não ha as formalidades necessarias, e que a Lei determina.

O Sr. Serpa Machado: - Sr. Vice-Presidente: Ha objectos neste Artigo, em que todos estâmos de acôrdo, e eu farei por extremar aquillo, em que todos estâmos conformes. Estâmos de acôrdo em que he necessario formalidades para que se evite, que as Authoridades possão entrar na Casa do Cidadão sem ellas, as quaes lhe serão necessarias para ser obedecidas; mas além disto apparecem vários additamentos, e propõem-se mais algumas formalidades, que se querem accrescentar. Ora: quando eu vejo que muitos Illustres Deputados

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apresentão muitas destas formalidades, digo que se ellas todas se pozessem neste Artigo, este longo Calendario vinha a inutilizar todas as disposições do Artigo antecedente: isto não he um objecto de pouca importancia, tudo isto seria uma grande garantia para a Casa do Cidadão, porem não se pode conceder tal direito em prejuízo do queixoso, daquelle, que foi ferido ou que foi roubado. Eu já tenho repetido pela idéa, porém vejo que os Illustres Deputados não a querem ter em consideração, por estas razões se assentou que os formalidades prescriptas no Artigo erão sufficientes para garantir a Inviolabilidade da Casa do Cidadão, e o direito do queixoso em qualquer caso. Além disto ha algumas Emendas relativas a este objecto, e as mais principaes reduzem-se a Ordem por escripto para a diligencia, o motivo della, e querem tambem que se accrescente o nome; a isto não me opponho, mas creio que está bem garantido o Cidadão sem esta formalidade: dizem mais, que a assistencia de um Escrivão, e duas Testemunhas: he necessario vêr que este Artigo tem referencia ao antecedente. Tinha eu apresentado no meu Projecto primitivo um Artigo sobre Recrutamento, e a Commissão convencêo-me de que não era preciso porque estava comprehendido na permissão para entrada para prender na conformidade das Leis; e de certo, se nós não exceptuassemos este caso não era possivel fazer-se o Recrutamento. Pergunto eu, neste caso havia chamar-se um Escrivão para vir fazer o Auto? O Official encarregado do

Recrutamento manda fazer esta busca, elle não tem Escrivão, e até muitas vezes pode acontecer que o não haja naquelle Districto, nem as duas Testemunhas; e não estava paralizada esta diligencia? Umas vezes haverá um Escrivão, outras haverá um Official de Justiça, e outras vezes haverá as duas Testemunhas, e o que se quer be fazer isto de forma que não paralize a diligencia, sem com tudo haver falta daquellas formalidades indispensaveis.

Agora os Additamentos mais importantes he o Auto, que se deve fazer: em quanto a isto parece-me que he uma cousa desnecessaria; o Auto pode ser necessario se o Escrivão vai a Casa do Cidadão a fim de aprehender objectos roubados, ou Instrumentos do delicio, e então está claro que he necessario fazer um Auto, mas pode haver muitos casos em que não seja preciso: quando se vai fazer uma prizão ha de fazer-se um Auto? Para que? He necessario isto para a garantia do Cidadão? De certo não. Logo parece-me que não he necessario este Auto, por ser formalidade que não garante o Cidadão. Agora pelo que pertence á desobediencia á Ordem diz o Sr. Magalhães que uma cousa he...........( Foi o Illustre Deputado
interrompido).

O Sr. Leomil: - Sobre a Ordem Sr. Vice-Presidente.

O Sr. Vice-Presidente: - Logo darei a palavra ao Sr. Deputado.

O Sr. Leomil: - Peço a palavra para fallar sobre a Ordem, que me concede o Paragrafo.......do Regimento.

O Sr. Vice-Preridente: - Lèo o Regimento.

O Sr. Leomil: - Aqui estou na forma desse Paragrafo.

O Sr. Mouzinho de Albuquerque: - Peço a palavra Sr. Vice-Presidente.

O Sr. Vice-Presidente: - Logo darei a palavra ao Sr. Deputado.

O Sr. Mouzinho de Albuquerque: - Sobre a Ordem Sr. Vice-Presidente.

O Sr. Vice-Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Leomil.

O Sr. Leomil: - Requeiro a V. Exca. que resuma o estado da questão sobre que vai a fallar o Illustre Deputado, se he, ou não licito ao Cidadão franquear a sua Casa a um homem, que não mostre ser Official de Justiça.

O Sr. Mouzinho de Albuquerque: - O Regimento não permitte que se interrompa nenhum Deputado quando está fallando; e eu pedi a palavra para interromper o Sr. Leomil, porque se elle tinha direito para interromper o Sr. Serpa Machado, tambem eu tinha direito de interromper o Sr. Leomil.

O Sr. Vice-Presidente: - Por eu não reconhecer esse direito, he que neguei a palavra ao Sr. Deputado que a pedia.

O Sr. Serpa Machado: - Tornando ao Additamento do Sr. Magalhães: he necessario admittirmos um principio, que a desobediencia existe, ainda que, o mandado do Superior seja injusto, aliás he confundirmos, e alterar a ordem estabelecida; e se aquelles principios são verdadeiros segue-se que tanta razão havia para desobedecer a um Juiz, como a uma Authoridade Subalterna: todas são Authoridades constituidas, e não convem admittirmos semelhante fundamento; seria, como hontem mui bem se disse, passarmos no estado primitivo da natureza; antes o Cidadão soffra o pequeno incommodo de se entrar na sua Casa arbitrariamente, do que deixe de obedecer a Authoridade; tem depois o recurso de lhe pedir a responsabilidade, e o contrario transtornaria de todo a Ordem Social. Parece-me ter satisfeito; não me recordo de mais objecções que se fizessem, estes são os Additamentos principaes, que, bem longe de terem em vista o conciliar o direito dos Cidadãos, põem em condido o dono da Casa com a Authoridade.

O Sr. Ferreira de Moura: - Como o Illustre Deputado, o Sr. Miranda, me chamou em apoio de um facto, que se passou comigo, eu terei a honra de o expor á Camara.

Eu servi em Bragança, e depois em Villa Real; estes dous Lugares são bastante extensos, e tem por essa razão muitos Officiaes de Justiça: quasi todos são de má conducta, e desmoralizados; isto não acontece com os Escrivães, porque estes sempre tem melhor educação, outros principios, e são mais conhecidos, por estarem em maior contacto com os Ministros: um, ou outro faria alguma cousa, mas não com tamanho estrondo. Aconteceo vir-me á noticia que estes Oficiaes ião muitas vezes pelos Povos com o pretexto de diligencias affectadas para lhes extorquirem dinheiros, e fazerem outras violencias; e então foi necessario dar aquella mesma providencia, que já lembrou o Sr. Deputado Magalhães, e consistio em que nenhum Official podesse sahir para alguma diligencia de fora da terra sem levar Ordem em duplicado, para deixar ficar um dos exemplares na mão da parte, a fim de ficar certa da natureza da diligencia, e poder requerer o que fosse a bem de sua justiça, porque maiormente nas Citações, que de ordinario se fazião confuzamente, ficavâo as partes quasi sempre na ignorancia dos pontos capitães, que lhes era necessario conhecer, para regular o andamento ulterior da sua defeza. Apezar destas providencias,

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Continuárão os Officiaes a praticar novos abusos, fingindo Ordens que não tinhão; e foi então necessario usar até de uma arbitrariedade, ordenando a todos os Povos que quando lá apparecesse alguem, que se inculcasse, ou mesmo fosse Official, a fazer alguma diligencia sem Ordem, que o prendessem , e o conduzissem á minha presença; isto foi para os intimidar, a fim de que não continuassem com taes abusos; e era preciso que a prisão se verificasse, para eu os conhecer, e remediar o mal: por tanto á vista deste facto eu mostro que já dei estas duas providencias, e estou muito por elles: não ha inconveniente nenhum em que vão as Ordens duplicadas, uma para se juntar aos Autos, e outra para se dar á Parte, na forma já por mim praticada.

Já que me levantei, direi tambem alguma cousa sobre a assistencia do Escrivão, e duas Testemunhas simultaneamente, que parecem exigir alguns Srs. Deputados: não he possivel em muitos Lugares o ir sempre um Escrivão fazer estas diligencias, por estarem longe; e daqui viria, que a Parte muitas vezes por um objecto pequeno roubado gastaria mais na diligencia, do que o seu valor; por tanto bastará a assistencia do Escrivão, ou de duas Testemunhas, porque não indo o Escrivão levão a Ordem do Juiz, e com as Testemunhas se faz a diligencia.

O Sr. Borges Carneiro: - Eu approvo o Artigo com declaração, que alem de se manifestar a Ordem aos moradores, he necessario entregar-se-lhe no mesmo acto cópia della, ou segundo original que se levará em duplicado, pois este he o titulo que fica na mão da Parte, conda a arbitrariedade da diligencia.

As palavras = assistencia de Escrivão = são ambiguas, duvidando-se, se se falla de um Escrivão assistente, alem do Official da diligencia. Será melhor dizer-se = O Official da diligencia, e duas testemunhas = a que se poderá accrescentar = se as houver = Quanto ao Additamento, sem duvida o morador da Casa pode impedir a entrada ao Official, quando elle não traz Ordem assignada pela Authoridade; e só neste caso; pois o dar-lhe faculdade de julgar se uma Ordem he illegal, seria suscitar perpetuas contendas contra a Justiça. Se a Ordem he illegal deve com tudo fazer-se a diligencia, salva a responsabilidade. Mas este direito de impedir o morador a entrada ao Official no referido caso, deve elle exprimir-se nesta Lei? Não será necessario, pois isso está escripto no direito natural, e no coração de todos: repulsar aquém entra na minha Casa sem razão para entrar nella.

O Sr. Aguiar: - As Emendas offerecidas a este Artigo tem sido magistralmente sustentadas por differentes Srs. Deputados, e com especialidade pelo meu Amigo o Sr. Magalhães. Eu approvo as suas idéas; porque, se nos he forçoso franquear em alguns casos ás Justiças a Casa do Cidadão, na qual o Auctor da Carta quiz que elle tivesse um asilo seguro, e neste uma garantia da liberdade, segurança individual, e propriedade, estabeleçâmos formalidades, as quaes impeção todo o abuso, e consigão que se não torne inutil a inviolabilidade da morada de cada um cuidadosamente sanccionada pelo Augusto Legislador: seria ocioso repetir os fundamentos tão sobejamente expendidos, e eu até cederia da palavra, senão acabasse ainda agora de ouvir a um Sr. Deputado, que o declarar-se arbitraria a entrada sem as formalidades requeridas,ser La sanccionar um principio desorganisador, e proteger obediencia dos povos, e a sua resistencia ás ordens emanadas dos Authoridades, cuja legalidade não compele a elles disputar; fallo pois só para destruir este principio, a fim de que se não entenda que nesta Camara ha quem approve doutrinas subversivas, e destruidoras da ordem publica.
Estabelece a Carta no Artigo 145 § 6 - que o Cidadão tenha em sua Casa um asilo inviolavel, e que ninguém possa entrar nella, nem a entrada seja franqueada senão nos casos, e pela maneira que se determinar. = Quem dirá pois, á vista de uma disposição tão clara, que não he arbitraria a entrada afora os casos, em que fica admittida nos Artigos antecedentes do Projecto de Lei, hoje em discussão? E nesta supposição quem não dirá que o Cidadão, faltando áquellas circunstancias não he obrigado a franquear a sua habitação?

As palavras daquelle Artigo «Não se póde mostrão a falla de direito dos Officiaes de Justiça para entrarem na Casa do Cidadão, não concorrendo as circumstancias referidas; e as palavras = Só será franqueada = mostrão a liberdade que o Cidadão tem de recuzar-se a deixar entrar quem quer que pertenda entrar nella não sendo nos casos, e pela maneira, que a Lei ordena. A minha opinião, que he apoiada na Carta, he tambem fundada em manifesta razão. De que serviria ter-se determinado a inviolabilidade da Casa do Cidadão, terem-se marcado os casos, em que ella cessa, terem-se estabelecido certas formalidades, se apresentando-se um chamado Official de Justiça para entrar nella, afora aquelles casos, sem uma ordem da Authoridade legitima, ou com ella, mas sem os requisitos essinciaes, o Cidadão fosse obrigado a franquear-lhe a entrada? Não se diga que isto he authorisar a desobediencia; auctoriza-se a desobediencia a ordens, que não são emanadas de quem tem direito de as dar, e que segundo as Leis são nullas e no caso em que algum se atreva a resistir á Justiça dentro dos limites da jurisdicção, que se lhe tem prescripto, estão em perfeito vigor para o punir as Leis sobre a resistencia, as quaes, executando-se, de certo são bastantes para remover qualquer excesso: mas chegará a tanto o respeito devido á Justiça, que o Cidadão a quem chegar á sua porta, intitulando-se Official de Justiça, com ordem, ou sem ella, com ordem legitima, ou sem ella, seja logo obrigado a abrir-lha? Porem, Senhores, outra he a questão: será necessario declarar neste logar arbitraria a entrada sem os formalidades legaes? Digo que não: o que he necessario he estabelecer contra a entrada arbitraria, por falta de formalidades, as penas que se estabelecerem contra aquella que o he, por não ser o caso algum dos especificados: mas isto faz objecto dos Artigos 8 e 9 deste Projecto, com tudo não me opponho a que aqui se declare.

O Sr. Cupertino: - Eu tenho a respeito deste Artigo 4.° uma opinião, que me parece concilia as que se tem emittido nesta Camara em grande parte: eu quero que a Casa do Cidadão seja um asilo, mas quero tambem a Administração da Justiça; quero para o primeiro fim revestir o acto da entrada com certas formalidades, mas não quero taes, e tantas, que estorvem a Administração da Justiça; e parece-me que o melhor methodo de combinar estes principios he redigindo o Artigo da seguinte maneira (lêo).

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Muitos dos honrados Membros exigem que na Ordem se indique não somente a Diligencia, e o motivo della, mas igualmente o nome da Parte, que requer. Nisto não ha inconveniente algum, tanto assim que, segundo a prática actual, as Ordens, que se passão para Diligencias requeridas, levão ordinariamente a declaração de que são requeridas, ou se hão de fazer a requerimento de tal, ou tal pessoa; e até isto me parece conforme á Carta, que, assim como no caso da prisão, manda que o Juiz em 24 horas dê ao Prêso uma Nota, que declare, entre outras cousas, o nome da Parte, que requerêo a sua prisão, tambem quererá em seu espirito que na Ordem para a entrada no asilo do Cidadão se expresse uma semelhante circumstancia, o que, quando o fim da entrada for a mesma prisão, até servirá de antecipar o Conhecimento, a que se dirige aquella Nota. Por isto na minha Emenda digo que a Ordem contenha tambem o Nome do Requerente, havendo-o. Diz mais o Artigo = Manifestação desta Ordem, ou do seu traslado, aos Moradores da Casa. - Não posso convir em que seja bastante manifestar o traslado da Ordem.

A Ordem original he mais authentica, e fica-se muito mais tranquillo, e certo de que não ha falsidade á vista della, do que á vista de uma cópia: nem ha porque o Official da Diligencia deixe de levar a propria Ordem com a firma da Authoridade, pois como a leva só para sua defeza, e como Credencial, e para a apresentar aos habitadores da Casa, e deve sempre conserva-la na mão, não se pode considerar perigo algum de se não poder depois incorporar a mesma Ordem nos Autos respectivos, como um Sr. Deputado ponderou; quanto mais que muitas vezes as Ordens para as differentes Diligencias não se ajuntão aos Autos, e somente ahi se averbâo. Por estas considerações eu supprimo na minha Emenda as palavras do Artigo = ou do seu traslado =, porque me não satisfaço senão com a apresentação da Ordem original.

Eu quero sim que da Ordem se tire um traslado, não para se manifestar aos Moradores para credito do Official encarregado da Diligencia, mas para ficar nas mãos delles como Documento, de que elles possão servir-se para requerer a responsabilidade da Authoridade, que passou a Ordem, se ella foi illegal, e para se aconselharem: e por isto na minha Emenda accrescento ao 3.° requisito do Artigo a entrega do seu traslado (da Ordem) aos Moradores. Não duvidaria adoptar a idéa de que ficasse um duplicado da Ordem nas mãos dos Moradores; mas como acho que o traslado neste caso, depois da manifestação da propria Ordem, he suficiente, e entendo que elle deve ser mais barato, pois que, ao menos, se poupa nelle o Assignatura, porisso sustento, a minha Emenda nesta parte.

Não digo, como está no Artigo (lêo ainda a sua Emenda), assistencia de Escrivão, ou, na falta delle, de duas Testemunhas; digo assistencia de Official competente, e de duas Testemunhas, havendo-as. Nas prisões os Officiaes competentes são os Meirinhos, ou Alcaides, nunca foi necessario para estas Diligencias Escrivão; a Ordem he passada por elle, mas executada pelo Meirinho, ou Alcaide; e ha varras outras Diligencias, que não demandão a assistencia de Escrivão. Portanto não ha necessidade de que assista sempre o Escrivão á entrada da Casa.

Seja porem qual fôr o Official executor da Diligencia, eu faço necessario que com elle essistão duas Testemunhas, havendo-as no Lugar. Esta cautela he muito util, e não deve dispensar-se aonde houver gente, que possa ser chamada para Testemunhas em taes casos; mas quando as não haja no Lugar, o exigir assim mesmo a presença de duas Testemunhas, que he o mesmo que dizer que se levem de fóra, parece-me que será difficultar as Diligencias, e fina da Justiça. Com effeito, não só nas Quintas, e Casas de Campo ha de faltar muitas vezes este numero de Testemunhas, mas até em Lugares de alguma Povoação, como se vê quando se vai fazer alguma Penhora, porque todos fogem para não serem Depositarios, e para se livrarem dos incómmodos, e responsabilidade, que lhes andão inherentes. Eis-aqui porque eu digo = duas Testemunhas, havendo-as no Lugar. = Por tanto parece-me que, redigido o Artigo assim, estão conciliados todos os differentes fins, que se devem ler em vista nesta Lei.

O Sr. Derramado: - Sr. Vice-Presidente: levanto-me para sustentar o direito, que eu julgo attribuido a todo o Cidadão Portuguez de desobedecer a qualquer Poder, e a qualquer Ordem que fôr manifesta, e notoriamente illegal: estou tão longe de pertender invalidar a força da Legitima Authoridade, e derigir a revolta em Systema, como o estou de subscrever á obediencia passiva, material, e cega, mais propria do Governo dos Jesuítas do Paraguay do que do legitimo Governo Representativo. A obediencia cega, e passiva he insustentavel, até na Disciplina Militar; pois ahi mesmo esta obediencia tem limites, que se não podem transpor, sem correr risco d'inverter o destino de semelhante força, e a utilidade d'uma tal obediencia, como evidentemente o demonstra um Sabio Publicista que tracta ex professo da materia. Deverá por ventura um Soldado, á ordem do seu Cabo embriagado, disparar a espingarda contra o seu Capitão? Deverá um Capitão, á ordem do seu Coronel, ir com a sua Companhia, passivamente obediente como elle, prender o Ministro da Guerra? Ou deverá um Coronel á Ordem do Ministro da Guerra lançar a mão parricida sobre o Chefe do Estado? Ninguem dirá que sim: logo, em todos estes casos, a intelligencia e o exame são inseparaveis da obediencia. Mas se isto acontece na Ordem Militar, o que será na Ordem Civil! Aqui a obediencia discricionaria he sujeita a menos inconvenientes, e incontestavelmente legitima, segundo a authoridade dos melhores Publicistas, segundo o espirito de nossa Lei fundamental, das antigas Leis Patrias, e o uso recebido das Nações civilisadas, que melhor tem sabido conciliar o respeito, e a força dos Governos com a liberdade dos Substitutos = Vim vi repellere licet. = He nullo, e sem effeito tudo o que se faz = non servato júris ordine = são maximas recebidas por todos os Publicistas; e virtualmente consagradas na nossa Carta Constitucional, em quanto dispõe, que nenhum Cidadão he obrigada a fazer ou deixar de fazer alguma cousa senão em virtude da Lei: donde resulta que o Magistrado que transpõe os limites da sua Jurisdicção, ou excede clara e manifestamente o seu Poder Legitimo, não deve ser obedecido, mais do que qualquer impostor que usurpasse aquelle nome Augusto para commandar aos seus Concidadãos com suas capricho-

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sãs vontades. Já se tem citado lugares das nossas Ordenações onde a desobediencia, e até a resistencia he aulhorisada, quando se força ou manda a despeito das Leis. Em Inglaterra he tão reconhecida a doutrina que eu defendo, como se mostra dos dous casos, que passo a referir. No tempo da contestação que agitou a Camara Baixa ácerca da eleição do celebre Wilkes, um Magistrado de Londres entendendo que os Communs tinhão n'algumas das suas resoluções excedido os seus poderes, declarou: que visto não existir já Camara dos Communs, legitima em Inglaterra, o pagamento dos Impostos exigidos em virtude das Leis emanadas d'uma Authoridade illegitima, não era obrigatorio: recusou em consequencia o pagamento de todos os impostos; deixou sequestrar seus moveis pelo Collector das Contribuições, e atacou-o depois por violação do domicilio, e sequestro arbitrario. A questão foi discutida nos Tribunaes, e não se duvidou ahi, que o Collector seria punível se a Authoridade, em cujo nome obrava, não fosse effectivamente Authoridade legitima: e o Presidente do Tribunal, Lord Mansfield, empenhou-se em provar, que a Camara dos Communs não tinha perdido o seu caracter de legitimidade. He ainda mais decisivo o segundo caso, referido por De Lolme.

Um Constable fora do Districto da sua Jurisdicção prendêo uma mulher chamada Anna Dellins: um chamado Tooly tomou a sua defeza, e no calôr da querella matou o Assistente do Constable. Perseguido como matador, allegou para sua justificação que a illegalidade da prizão era uma cousa de provocação sufficiente para tornar o homicidio excusavel, e pedia em consequencia ser admittido ao beneficio do Clero.

Os Jurados, tendo pronunciado sobre o ponto de facto, deixárão o direito á decisão do Juiz; e eis-aqui a opinião, que dêo o Juiz Hott. «Se um homem he prezo por uma Authoridade illegal, faz-se uma provocação sufficiente a todas as pessoas, em consequencia da sua compaixão; e muito mais quando a primão he feita debaixo da capa da Justiça: quando a liberdade d'um subdito Inglez he atacada, faz-se uma provocação a todos os subditos Inglezes: toda o homem deve interessar-se na Grande Carta, e nas Leis; e se algum prende a outro illegalmente, elle he Offensor contra a Grande Carta.»

O Reo foi absolvido por sete contra cinco votos dos Grandes Juizes d'Ing1aterra. Observarei agora, Srs., que a questão sobre que tenho emittido o meu voto, he um pouco fora do lugar na Lei que se discute; porque a estabelecer aqui a regra, teremos de a repetir em muitas outras Leis; parece-me portanto que, ficando salvo o principio da desobediencia ás Ordens e Authoridades notoria e manifestamente illegaes, deve guardar-se a sua consignação para a Lei da responsabilidade dos Funccionarios Publicos, onde terá lugar mais apropriado a definição dos casos em que devem obedecer, e ser obedecidos, salvas as Leis d'uma Justiça suordinação, e as garantias das Liberdades Publicas.

O Sr. Magalhães: - A discussão tem-se estendido bastante, e eu não faltaria se não tivesse observado que os argumentos, que fizerão os Illustres Deputados ainda não forão respondidos: disse o ultimo, que fallou que o Auto de devassamento lhe parecia desnecessario, e até porque devia ser assignado pelo
Chefe da Familia, ou quem suas vezes fizer, o qual nunca queria assigna-lo: isto não he exacto, porque este Auto offerece uma garantia diversa da que se dá na entrega do duplicado da Ordem, e consiste em reprimir o Official da Diligencia dos excessos, que poderia cometter na sua execução. Qual será o Dono da Casa, que ha de recusar-se a assignar um Auto, em que se narre o verdadeiro modo, por que se entrou em sua Casa? Mas se o Auto he feito em verdade, e o Chefe da Familia recusa assigna-lo, o Escrivão, e duas Testemunhas dão fé, e o assignão: se porem o Official mente na descripção, que faz do devassamento, como compellir o Dono da Casa a assignar um Auto mentiroso? Se nem o Dono da Casa o assigna, nem as Testemunhas, he certo que o Official abusou; e uma Diligencia assim comettida he nulla; o Official responsavel, porque a falta de semelhante Auto he uma presumpção vehemente da sua má fé.

Insiste-se, quanto á Ordem de prisão, que o traslado seria melhor do que o duplicado: e prova-se isto com o argumento do despeza: he um engano: fica sempre muito mais caro um traslado de qualquer papel judicial do que o proprio papel: e por ventura não ha de esse traslado pagar-se? Então que repugnancia ha em que seja um duplicado? Logo que este fique na mão da Parte já a Authoridade só não pode colligar com o Official da Diligencia, passar segundas Ordens contrarias á primeira, e ser o traslado identico a estas, e não áquella.

Alem de que: espero que a reforma da ordem judiciaria traga comsigo a gratuita administração da Justiça criminal; mas quando mesmo isto se não verifique subsistem as razões, que venho de expender.

Disse-se mais que até agora era prática constante, entregarem-se ás Partes as Ordens: tambem isto não he exacto, nunca se lhe entregárão; no reverso dei-las he que os Officiaes davão as suas fés; e ellas erão juntas aos respectivos Autos: isto mesmo nos mandados de prisão, de notificação de Testemunhas, etc.
Disse-se, em fim, contra a assistencia do Escrivão, e Testemunhas, que seria dispendioso, e difficil.

Não pode ser mais dispendioso, porque todos os Auditorios tem Regimento; e o Escrivão, tendo obrigação de ir fazer a Diligencia, que lhe for distribuída, não pode levar mais do que o que lhe for contado.

Não pode ser difficil, por quanto ha Escrivães demais; e sempre ha de have-los: em um pequeno Julgado, onde sirvo, há quatorze, afora Meirinhos, Alcaides, etc.
Tambem não ha um Casal tão desavisinhado, que não offereça a commodidade de achar duas Testemunhas.

Por estas razões julgo que não podem prevalecer os argumentos feitos contra o terceiro quesito, contra a entrega do duplicado, e contra a Emenda, que adoptei.
Achando-te a materia sufficientemente discutida, lêo o Sr. Secretario Barroso as Emendas oferecidas na discussão de hontem, e bem assim as seguintes, que hoje se offerecêrão.

Do Sr. Cupertino da Fonseca, que diz = Nos casos indicados no Artigo 3.º se guardarão as seguintes formalidades: 1.ª Ordem por escripto de quem deter-

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minou a entrada, que indique a Diligencia, e o motivo della, e o nome do Requerente, se o houver: 2.ª, manifestação desta Ordem, e a entrega de um traslado della aos Moradores da Casa: 3.ª a assistencia de Official competente, e duas Testemunhas, havendo-as no Lugar.

Do Sr. Deputado Girão, concebida nos seguintes termos = E, não se entregando a Ordem assignada pelo Juiz, ninguem será obrigado a franquear a sua Casa.
Do Sr. Magalhães, dizendo = Em vez de traslado da Ordem, que seja um duplo -. E este mesmo Sr. Deputado declarou que tambem adoptava, como sua, a Emenda offerecida pelo Sr. Vice-Presidente na Sessão precedente.

Ao mesmo Artigo offereceo o Sr. Campos Barreto um Additamento, que ficou reservado para ser tomado em consideração no fim do Projecto, ou quando se julgasse ser lugar competente.

Propoz o Sr. Vice-Presidente á votação por partes, assim o Artigo, como as Emendas pela seguinte forma: primeiramente a 1.ª parte do Artigo como está, a qual foi approvada.

Em segundo lugar - Se a Ordem deve ser datada conforme a Emenda do Sr. Deputado Gerardo de Sampaio -? E se venceo que sim.

Em terceiro lugar - Se deve declarar-se o nome de quem a requerêo, sendo passada a Requerimento de Parte, como propozerão os Srs. Deputados Leomil, e Maya? E se venceo affirmativamente.

Propoz mais o Sr. Vice-Presidente á votação a segunda parte do Artigo nas seguintes palavras - manifestação desta Ordem aos Moradores da Casa - e foi approvada.

Em segundo lugar propoz á votação as seguintes palavras - ou do seu traslado - e foi rejeitada.

Propoz mais - Se se deve entregar uma Copia em forma Judicial da sobredicta Ordem ao Chefe da Familia, ou aos Moradores da Casa, na forma proposta pelos Srs. Deputados Gerardo de Sampaio - F. J. Maya - e (Cupertino da Fonseca -? E foi rejeitada.

Propoz em terceiro lugar - Se devia entregar-se um duplicado da Ordem original, na forma proposta pelo Sr. Deputado Magalhães? É se venceo affirmativamente.
Continuou a propôr á votação a Emenda do Sr. Deputado Cupertino sobre a terceira parte do Artigo nos seguintes termos - assistencia de um Official competente, e duas Testemunhas -, a qual foi geralmente approvada, ficando assim prejudicadas as Emendas, bem como o Artigo.

Propoz em ultimo lugar á votação os Additamentos dos Srs. Deputados Girão, o qual foi approvado; e Leomil, e Guerreiro, adoptado pelo Sr. Magalhães, que forão rejeitados.

Continuou a discussão sobre o Artigo 5.º

«O Encarregado da Diligencia terá a devida attenção com os Moradores da Casa, conforme a sua »dignidade, e com a modestia, e decoro da Familia, conforme o seu recolhimento.»

O Sr. Magalhães: - Sou de opinião que o Artigo deve ser Supprimido, e riscado desta Lei, por quanto elle tende a fazer a distincção de homem a homem, o que não só he odioso, mas até contrario a toda a boa razão, e aos sábios principios de justiça, que o Augusto Legislador estabeleceo na Carta. Eu não conheço maior dignidade, que o titulo de Cidadão, em um Paiz que tem a fortuna de ler Instituições Liberaes; e ou o homem habite no centro do mais rico Palacio, ou na mais rustica, e humilde Choupana, em quanto á dignidade não tem differença, se ambos são Cidadãos virtuosos. Estou persuadido que esta idéa está gravada no coração de todos os meus Illustres Collegas, e por isso estou certo, que todos hão de seguir a minha opinião, isto he, que seja eliminada daquella Lei a materia do Artigo, conservando-se assim illesa a dignidade de todos os Cidadãos Portuguezes, sem se deixar a porta aberta a distinções, que sempre são mal vistas.

O Sr. Marciano d'Azevedo: - Eu tambem supprimiria este Artigo, porque se não he prejudicial, ao menos he inutil, não só pelas razões, que judiciosamente acabou de expender o Sr. Magalhães, mas porque he obrigação, e tão inseparavel de todo o Empregado Publico, o tractarem as Partes attenciosamente, que até os seus Regimentos lhes fazem culpa quando as desattendem: e sobre ser inutil tambem he um pouco prejudicial, porque a attenção devida ao constituido em Dignidade, e ás Familias de mais recato, e recolhimento, não excluo a que se deve a outro qualquer individuo: todavia a ignorancia, ou malicia, sempre fertil em invectivas, não deixará, quando lhe convier, de inferir que, por se recolhimento a attenção pura com as Pessoas de Dignidade, e Familias de maior recolhimento, lhe he licito desattender os que não se achão nem n'uma, nem n'outra classe; e se Leis inuteis não se fazem, que será quando prejudiciaes? E como se está tractando de tornar effectiva a inviolabilidade da Casa do Cidadão, a qual não he violada somente quando os Empregados Publicos entrão nella arbitrariamente, mas tambem quando lhe prohibem a livre entrada, e subida, proponho, se este Artigo se supprimir, se lhe substitua o seguinte: = Nenhuma Authoridade, ou Empregado Publico, poderá impedir a livre entrada, ou sahida de Casa do Cidadão, salvo nos casos de prisão, busca, ou investigação, e somente pelo tempo necessario para se executarem estas diligencias. = He a propria experiencia que tambem me convence da necessidade deste Artigo, pois que quando os Apostolicos fizerão a sua primeira tentativa em Portugal, á custa de seducções empregadas em quem lhas não merecia, quando em 30 de Abril de 1821 esta Capital se cobrio de lucto, e a innocencia foi perseguida por toda a parte, houve Empregado Publico de coração mais tyranno que o de Nero, e Caligula, que resentido de lhe não ser incumbida a minha perseguição, mui graciosamente aconselhava a todos que o melhor plano de me alcançarem consistia em surprender quantas pessoas entrassem, ou sahissem da minha morada. Considero pois de tanta necessidade este Artigo que, se passar aquelle que está no Projecto, peço que se admitta a discussão antes de se tractar das penas dos que violarem a Casa do Cidadão, de que tracta o resto do Projecto.

O Sr. Galvão Palma: - Com muita satisfação ouvi aos dous Illustres Deputados emittir idêas analogas as que produzi na Secção a que tenho a honra de pertencer, mas em que fui vencido, e vem a ser:

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que se devem eliminar do Artigo 5.° as palavras = conforme a sua dignidade. = Sr. Vice-Presidente, a arbitrariedade tem sido uma das origens mais fecundas da desgraça da Nação; e verificando-se a doutrina deste Artigo, nós abriamos uma porta franca aos agentes da Authoridade, por isso mesmo que sendo a palavra =. dignidade = mui vaga, e indefinida, os Officiaes de Justiça a seu arbitrio prestarião mais, ou menos respeito aos Cidadãos, o que he contrario á boa ordem; e até porque as Leis devem ser simples, e claras, que não necessitem de interpretações; e pela maneira que se acha estabelecido o Artigo dariamos lugar a differentes methodos de obrar. Uma vez que se não emitia esta expressão, nós por ella consignaremos um principio de arbitrariedade, e contrario á Carta, que faz a todos iguaes perante a Lei. Ora: prestando-se na occasião da entrada na Casa do Cidadão mais cultos, e mais homenagens a uns do que a outros, viriamos a fazer distincção opposta ao sanccionado, e que com razão se tornaria odiosa.

Todos tem direito a serem tractados com decoro, e a prestar-lhes a devida urbanidade; e ou o Cidadão viva debaixo de musgosa gruta, ou debaixo de dourados tectos, demanda a civilidade, e o bom tractamento. Não he a fortuna, não são os Cargos que se devem contemplar, pelo que respeita ao bom acolhimento, que o Official de Justiça deve fazer ao Cidadão, por isso que be um dever tractar bem a todos, e menoscabar uns em comparação do outros, he uma injustiça. Voto por tanto pela suppressão das palavras que indiquei.

O Sr. Gerarão de Sampaio: - Sr. Vice-Presidente, continua a fazer assumpto da discussão o Artigo 5.º do Projecto N.º 121 e o qual diz assim (lêo-o).
Na Sessão de hontem um dos Illustres Membros da Commissão disse que pezavão de tal sorte as formalidades, que se exigião, que elle não tinha duvida alguma de avançar a proposição, de que já não podião ser levadas á pratica as determinações da Justiça nesta parte. Eu, não me embaraçando (porque não vem para o caso) com a exactidão, ou inexactidão deste; principio, direi que entre elle, e o citado Artigo 5.° encontro opposição, porque naquelle reprovão-se as formalidades, e neste mandão-se observar mais algumas, a meu ver, sem necessidade; accrescendo o ser a doutrina, que está em discussão, productora de perplexidade, da qual podem nascer infinitas arbitrariedades, e por ultimo contraria (se me não falha a razão) á letra, e esphito da Sabia Carta Constitucional.

A obrigação de tractar bem as Partes, e os individuos, que se apresentão no Foro por qualquer modo, ou maneira, não só comprehende os Juizes, mas tambem igualmente se extende a todos os seus Subditos; sendo por isso tal recommendação superflua neste lugar, muito mais quando em rigôr deve ser contemplada como um acto puramente moral, e que tem uma connexão grande com o espirito, mas nenhuma com a letra da Lei, objecto, de que precisamente tractâmos: e eisaqui mostrada a falta de necessidade, que por este lado lemos do presente Artigo.

He doutrina productora de perplexidade, porque, tornando-se na primeira parte a dignidade, como barometro da attenção, que se deve ter com os Moradores da Casa, ou esta dignidade provém dos Cargos, que se exercem na Republica, ou da distincção do nascimento de cada um: no primeiro caso pode o Official quasi sempre ser orientado; mas no segundo ha de encontrar immensos embaraços, vendo-se por isso muitas vezes na, collisão, ou de não desempenhar os seus deveres com acerto, ou de ser obrigado a pedir á Familia que lhe apresente a sua arvore genealogica; sendo esta compellida a mostrar-lha, se a tiver, e á mão, o que he outro empecilho: e na segunda parte, calculando-se a attenção, que se deve ter com a modestia, e decoro da Familia pelo gruo do seu recolhimento, que he o mesmo que dizer (se me não engano, o que será facil, attenta a equivocação, e abstracção, com que estão concebidas neste lugar as idéas do Artigo) que o Official regulará os seus procedimentos, segundo as virtudes da gente, com que tractar; e como estas quasi sempre transluzem conforme a opinião, que os outros formão a nosso respeito, temos o Executor da Justiça nestas circumstancias igualmente duvidoso, e na situação, ou de faltar aos seus deveres, ou de ser obrigado a vir para a diligencia, acompanhado de uma inquirição de vida, e costumes; e eis-aqui provada a perplexidade, de que fallei: e como por um lado as dúvidas apparecem, e por outro os averiguações não serão feitas, e se o forem não serão exactas, não merecerei o nome de temerario em asseverar que daqui ha de nascer a arbitrariedade do encarregado da diligencia, que tractará bem a pessoa, que lhe parecer, e mais conta lhe fizer, e mal a quem lhe aprouver.
He, segundo a minha opinião, contraria a doutrina, que discutimos, ao espirito, e letra da Carta, não só porque esta em geral considera a todos iguaes na presença da Lei, mas tambem porque terminalmente assim o recommenda o § 12 do Artigo 145 do Titulo 8.°; e não sei, apezar de estarmos em uma Sociedade, aonde ha precisamente gráos, que cada um, no que lhe diz respeito, esteja fora daquella sabia regra, e justo estabelecimento; mais claro: o Artigo admitte excepções, isto he, dá lugar a que uns sejão tractados com mais, outros com menos attenção; a Carta, applicada a este ponto, manda tractar a todos na presença da Lei da mesma maneira: logo, a doutrina offende o principio fundamental.

Desenganemo-nos, Srs., que se o Artigo for avante, negâmos ao Cidadão aquillo, que lhe pertence, pois que este, como dono de sua Casa, e estando nella, tem toda a razão para exigir as attenções, que se pertende que sejão prestadas a certos moradores, segundo a esteira das contemplações. Igualmente que o Artigo pode parecer aristocrata: eu pão lhe dou este nome, porque estou convencido da sabedoria, liberalismo, e boa fé dos Membros da Commissão; porem sentirei muito que em uma Lei, emanada do Fundamental, que outorga a inviolabilidade da Casa do Cidadão, se apresentem principias, e palavras, que poderão dar lugar a imputar-se-nos servilismo. Voto pois pela suppressão do Artigo, o que me parece mais conforme; ou aliás que, attenta a igualdade, que a Lei requer, se faça extensivo a todos os Cidadãos, sem excepção de qualidade alguma.

O Sr. Serpa Machado: - Estou admirado da acrimonia, com que me Illustres Deputados, que me precedêrão, tem combatido este Artigo 5.°, o qual eu de unanime acôrdo com os Membros da Commissão

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temos approvado; e não sei como se possa pôr em duvida a innocencia, e boa intenção, com que foi lançada a sua doutrina, a qual nem he inutil, nem perniciosa, e que em geral ordena que, quando a Authoridade entrar em Casa de qualquer Cidadão nos casos, e com as formalidades estabelecidas no Artigo antecedente, tenhão a devida attenção com os Moradores da Casa. Que providencia mais justa? E he de notar que aquelles mesmos Senhores, que tinhão pouco antes exageado os Inviolaveis Direitos do Cidadão no seu asilo, agora se escandalisão quando se tenha para com elles a attenção devida!

Porem insistem que tal doutrina he contra os principios da Carta; que destroe a igualdade da Lei em quanto manda attender á dignidade, no decoro, e á modestia de cada um. Quem poderá negar em vista dos differentes Artigos da Carta que temos differentes Ordens, e Classes da Nação? Não garante ella em um Artigo a Nobreza Hereditaria, e as suas regalias? Não distingue ella os Pares, Conselheiros d'Estado, e Deputados, mandando-lhes responder criminalmente perante a Camara dos Pares formada em Tribunal! Senhores, fixemos por uma vez os princípios de verdadeira igualdade; não he esta de facto que he chimenca, e dêo cabo da França; os homens são desiguaes por natureza, e por circumstancias. O homem sabio não he igual ao ignorante, nem o rico ao pobre, nem o valente ao fraco, nem o virtuoso ao máo, e perverso; outra he a igualdade de Direito, que prescreve as mesmas disposições, dadas os mesmas circumstancias, e neste sentido he que a Lei se diz = igual para todos -, não obstante legislar de diferente modo para o Magistrado, ou para o que o não he, para o Militar, ou para o Paisano, etc.

Quando pois qualquer Empregado Publico entrar em Casa do Cidadão guarde a attenção devida aos seus Moradores; porem differente será o seu modo de tractar uma Matrona honesta, ou uma Casa de Prostituição, um Jornaleiro, ou um Prelado Ecclesiastico, um honrado Negociante, ou um Contrabandista, um Magistrado, ou um Porteiro, um Par do Reino, ou um Alcaide; todos tom direito a serem bem tractados; porem uns com differente modo que outros, segundo as mesmas Leis actuaes prescrevem.

As declamações, que tenho ouvido, e que pervertem ao mesmo tempo a doutrina do Artigo, e a letra da Carta, parecião-me mais proprias do Convenção Nacional em França, em tempo que o prestigio da mal entendida Igualdade alienou todos os espíritos, do que as evaporações de uma Camara tão tranquilla, e circumspecta, que tem outros princípios, outro andamento, outras Leis, e outros Costumes. Não nos enganemos com falsos, e mal applicados principios, que por mais de uma vez tenho combalido. - Qualquer dos Illustres Deputados, não obstante as agitações do seu furor patriotico, não quereria ser desattendido em flua Casa pelos Officiaes da Diligencia, nem quereria que elles o tractassem como ás ultimas, e infimas Classes da Sociedade.

Em fim: se o Rei, segundo a Carta, dá Honras, Titulos, e Distincções, como não poderá a Lei fazer respeitar essas Distincções, e Honras sem offensa da Justiça? Concluo que a doutrina do Artigo tem sido injusta, e inconsideradamente impugnada. Altere-se embora a sua redacção, mas não a sua substancia; entendâmos bem a igualdade da Carta, respeitemos os seus dictames, e não lhe levantemos testemunhos.

O Sr. Magalhães: - Quando as questões são tão claras, e as respostas de tão pequena consideração, gosto pouco de gastar muitas palavras.

O Sr. Deputado pela Beira, que faltou depois de num, fez muito menos justiça aos Sra. Deputados, que impugnarão o Artigo, do que estes ao Illustre Deputado, e seus honrados Collegas da Commissão. De certo não passou pela nossa idéa, ao menos pela minha, atacar os seus principios de Politica, e Justiça, nem suppôr-lhe vistas occultas de querer perpetuar o systema de Distincções, de que ella mesmo se horrorisa. Longe, e muito longe de nós tal idêa; porem longe, e muito longe de nós a idéa de confundir uma Assembléa tão moderada, e razoavel, com os delírios de outras, onde todavia existião homens, que o honrado Membro folgaria de ter imitado em suas altas virtudes. Longe de nós a idèa de confundir a ordem com a exaltação, ajusta impugnação de idéas com o tumulto de cérebros perdidos. (Apoiado, apoiado.)

O Artigo, Senhores, pelo modo, porque está enunciado, tende a fazer distincção de homem a homem, de pessoa a pessoa. Diz o illustre Auctor do Projecto que não he contra a Carta. Eu digo que he contra a Carta. (Apoiado, apoiado.)

A Carta diz: lêo = A Lei he igual para todos, quer premeie, quer castigue =; não estabelece distincção, e então havemos nós de estabelecê-la? (Apoiado, apoiado.)
A Carta diz que todo o Cidadão tem em sua Casa um asilo inviolavel, que só em certos casos, e com certas formalidades pode ser entrada; não faz distincção, e então havemos nós fazê-la? (Apoiado, apoiado.)

A Carta diz que todos os Cidadãos são admittidos aos Empregos públicos sem outra distincção, que a das suas virtudes, e talentos: não faz distincção alguma, e havemos nós fazê-la? Ora: se o Artigo tende a fazer esta differença deve ser supprimido. Porem diz-se que o Official deve portar-se com civilidade. Muito bem. Mas isso não he objecto de Legislação. A civilidade, mais ou menos exquisita, depende da educação, e grão do civilisação de cada um: como ha de estabelecer-se uma regra para isso? O Official he responsavel pelos excessos no modo de fazer a Diligencia, o que as nossas Leis mesmo punião, e tanto basta; e porisso esta recommendação he ociosa; e he extravagante o querer augmentar o Codigo dos Delictos, e Penas com este.

Portanto parece-me que o melhor he supprimir o Artigo; porem, quando isso se não faça, deve conceber-se em termos, que só sirva de impor a obrigação de dignidade ao Official, sem fazer distincção entre as Pessoas, em quem a Diligencia deve verificar-se.

O Sr. Gerarão de Sampaio: - Sr. Vice-Presidente, levanto-me para responder ao Sr. Deputado da Provincia da Beira, Auctor do Projecto. Fico surprehendido, de que, havendo eu tractado a Commissão com a civilidade e delicadeza que merece, canalysado a materia em forma justa, e com principios da moderação, seja correspondido de uma maneira tão impropria e desagradavel; isto he, que a minha falla tenha parte na comparação que se fez, de que parecia que esta-

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vamos nas Assembléas Convencionaes de França, aonde reinava a anarquia e a desordem. Eu, Sr. Vice-Presidente, sou livre nas minhas opiniões; devo tolerar, que estas sejão combatidas; mas nunca posso ser insensível aos ultrajes que se me fazem, ou á Assembléa, de que sou pequena fracção: todos os Membros meus collegas conhecem os seus deveres, e sabem respeitar as Leis, e o lugar em que estamos; e he muito para sentir, que haja quem se queira desviar destes principios, e dar lugar a que V. Exa. tenha o desgosto de nos chamar á ordem.
O Sr. Leite Lobo: - Approvo o Artigo ate ás palavras = Moradores da Casa = porque lá estão ns penas no Artigo 9.°; porem o resto do Artigo deve dasapparecer desta Lei, porque entre outras cousas que tem más he inteiramente opposto á Carta.

O Sr. Leomil: - Sr. Vice-Presidente, eu sou muito amante da igualdade como os Srs. que acabárão da fallar contra este Artigo, e não o posso deixar de olhar como um modelo da mesma igualdade. Quando li este Artigo achei mais uma nova garantia para a Inviolabilidade da Casa do Caladão; he uma nova garantia e muito interessante, a qual he o entrar-se na Casa do Cidadão com aquella devida attenção aos seus respectivos moradores; isto he recommendado por todas as Leis, e he transcendente a todos os Governos, sejão Monarchicos, sejão Aristocraticos sejão Democraticos. Eu vejo aqui os tres elementos da igualdade do Cidadão. O Artigo manda que se tracte com a devida attenção os moradores da Casa, e se respeite a pessoa conforme a sua dignidade o exigir. Poder-se-ha ir contra isto Isto não he Aristocracia. Pois eu, que não sou d'alta Jerarchia, devo ser tractado com a mesma dignidade que he tractada a Magestade, o Fidilgo, o Bispo, e a ultima, ou antes a primeira, que he a Virtude' Diz se que a Lei he igual para todos; e qual he a razão porque em se reunindo as Camaras os Pares ficão á direita, e etc.

Eu não sei que seja liberalismo senão os tres elementos combinado»! estes sentimentos he que são verdadeiramente liberaes. Por ventura alguem, ainda que tenha escassa experiencia do Mundo, deixará de confessar que a ignorancia, e a pouca polidez, tem dado occasião a grandes crimes? Não poderá acontecer que um Official justiça, entrando n'uma casa, falte ao decoro devido ao dono da Casa, fiel á Lei? E nós devemos deixar de recommendar a estes Officiaes que usem da civilidade e do respeito? De certo que não.

A igualdade da Carta manda que se respeite o homem pelos seus talentos e virtudes. Deve de alguma maneira tractar de igual sorte o homem virtuoso, e o homem criminoso? Os moradores de uma Casa honesta, como os de uma Casa prostituta? De certo que não. Devem-se tractar segundo o estado, em que se achão collocados, e segundo o seu merito e virtudes; isto nunca foi desigualdade. O Official que fizer a Diligencia deve tractar as pessoas com o civilidade que ellas mereceram, porque o tracta-las mal dá lugar a que o tractem da mesma maneira. O Cidadão deve ser accessivel a todas as attenções e respeito. De mais, nós vivêmos em Portugal, que acaba de ser há pouco uma Monarchia pura, e os costumes durão, e hão de sempre durar; hão de durar sempre as distinções, e não he justo que o homem de talento se tracte como o ignorante, o innocente como o criminoso.

Não estâmos nem em Monarcuia estreme, nem em Aristocracta, nem em Democracia; estâmos hoje em uma forma de Governo composta de todos estes tres elementos por tal maneira combinados, que nenhum delles pode tocar o extremo, e he só assim que pode subsistir a chamada igualdade politica, que contemplando geralmente a todos desde o mais alto Aristocrata até ao rude Pastor, contempla ao mesmo tempo as classes, sem privar Cidadão algum do direito a subir a ellas, e sem outra distincção que não seja a dos talentos e virtudes. Eis-aqui o que eu entendo por igualdade; o mais he delirio, he liberalismo indefinido, a que não corresponde noção alguma; e, se alguma pode corresponder-lhe, he a de Ochlocracia. Approvo portanto a doutrina do Artigo, menos no que diz respeito ás penas correlatas no Artigo 9.º que me parecem pequenas, e para isso offereço a seguinte Emenda.

(Lêo-a, e mandou-a para a Mesa.)

O Sr. Borges Carneiro: - Eu sustento o Artigo até ás palavras = Moradores da Casa - e accrescentaria = não excedendo o fim da Diligencia = Nos Artigos precedentes foi mantida a Inviolabilidade da Casa quanto á substancia; agora tracta-se de a manter quanto ao modo.

Acaso não se offende a Casa, se o Official, que só devia por exemplo fazer uma Penhora na Casa, se adianta a rever Papeis, registar os quartos das Senhoras etc.? Se as nossas Leis actuaes fallando dos Varejos etc. mandão acautelar estes excessos, e ter attenção aos Moradores, quanto mais o deverão fazer as Leis, que se estabelecem agora para homens livres? Não se quer a palavra = Dignidade = nem = Differenças =; mas todas as differenças de pessoas que ha na Sociedade Civil ou provenhão da natureza, ou das Instituições Civis são respeitaveis: deve o Official ter attenção ao Sexo, á idade, á miseria attenção da compaixão, á grandeza attenção de respeito etc.; mas, todas estas attenções estão incluidas nas palavras = attenção devida = e não he necessario que se exprimão.

O Sr. Claudino: - Não sou de opinião que se risque o Artigo; porém não posso consentir que fique da forma que está, principalmente fallando com Dignidades etc. Então será necessario que não só o Official tenha uma escalla para graduar essas Dignidades; mas até o Dono da Casa para saber as que lhe competem, e em que casos: eu em lugar do Artigo substituiria esta Emenda, (léo) vou manda-la para a Mesa na persuasão de que ella concilia todas as opiniões, e satisfaz perfeitamente á Lei.

O Sr. Miranda: - Neste Artigo tracta-se de estabelecer como Legal um preceito, que aliás he recommendado pelas regras da civilidade, do decóro, e da humanidade, e parece-me muito alheia desta materia a questão que se tem suscitado ácerca dos Jerarchias dos Cidadãos. Abster-me-hei portanto de seguir a discussão pela maneira, porque logo desde o seu principio foi tractada. A regra que deve estabelecer-se he que os Officiaes de Justiça encarregados das Diligencias de que tracta o Artigo antecedente se comportem na sua execução com aquella attenção, decóro, e urbanidade, a que todo o Cidadão sem direito, qualquer que seja a sua Classe; e se a Carta estabelece o principio da Inviolabilidade da Casa do Cidadão, sem distincção alguma, tambem a Lei que legisla as excepções, deve conservar intacta a generalidade do mesmo prin-

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cipio na parte, em que não comprometter a Segurança Publicado bem, e ordem geral da Nação. Que todo o Cidadão tem direito a ser tratado com attenção, e respeito, não só pelos Officiaes de Justiça, mas por todo e qualquer Agente dos Poderes Politicos no exercicio das suas Funcções, nem entre nós he novo, nem he principio que admitia a menor duvida. O que poderia questionar-se he: se este principio deve consignar-se em um dos Artigos desta Lei, para esta Classe de Diligencias, ou se deve reservar-se para se collocar um toda a sua generalidade na Lei da Responsabilidade dos Empregados Publicos, com a correspondente Sancção Penal.

Todavia: attendendo a que o Official de Justiça, depois de penetrar na Casa do Cidadão, se acha fora da Inspecção do Publico, e que dentro delle tem uma mui especial obrigação de portar-se com attenção, decóro e modestia, sou de opinião que o Artigo deve conservar-se, não tal qual está, porém com a redacção seguinte (lêo). Mando para a Mesa esta Emendo. Nella entrão as proprias expressõe, que se achão no Artigo, porem offerecem um bem differente sentido. Sem duvida o Official de Justiça deve portar-se com todo o respeito dentro do Palacio do Cidadão Opulento, e de elevada Herarchia. O que a Lei ordena, tudo quanto alli o rodeia lhe inspira; porém ninguem duvidarei que o mesmo Official deve tractar com todo o respeito o asilo da desgraça, da indigencia, e da miseria. Este, como mais desvalido, he o que mais altamente reclama toda a protecção das Leis. He Certo que o Official de Justiça deve portar-se com decencia, e decoro no asilo de uma Familia honesta; porem a Lei tambem não deve tolerar o comportamento indecoroso destes mesmos Officiaes naquellas Casas, em que he desconhecida a virtude da modestia. Os deveres dos Officiaes de Justiça, neste particular, são relativos á consideração do seu Cargo, é da Authoridade que os manda, e á das Familias em cujos asilos penetrão, em razão de seu Officio. He nestes fundamentos que se acha estabelecida a redacção do Artigo conforme a Emenda, que vou mandar para a Mesa.

Lêrão-se os Additamentos offerecidos pelos Srs. Deputados Marciano d'Azevedo, e Leomil, os quaes ficarão reservados para o lugar competente, isto he, o deste para o Artigo 9.°, e o daquelle para o fim do Projecto; e varias Emendas propostas pelos Srs. Deputados Magalhães - Leite Lobo - Claudino Pimentel - e Gonçalves de Miranda.

Declarada a materia suficientemente discutida, propoz o Sr. Vice-Presidente á votação: 1.º se o Artigo devia ser supprimido? E se venceo negativamente.

2.º Se devia ser supprimido desde as palavras - conforme a sua dignidade - até ao fim, conforme propoz o Sr. Deputado Leite Lobo? E se venceo afirmativamente.

3.º Se se approvava a Emenda do Sr. Deputado Claudino Pimentel? E se venceo que não.

4.º E finalmente se se approvava a Emenda- do Sr. Deputado Gonçalves de Miranda, concebida nos seguintes termos - o Official encarregado da Diligencia terá a devida attenção com os Moradores da Casa, portando-se com toda a dignidade, decoro, e modestia? E foi geralmente approvada.

Pedia, e obteve a palavra o Sr. Deputado Pereira Ferraz, como Relator da Commissão de Fazenda, para dar conta do Parecer da mesma Commissão sobre o novo Relatorio do Ministro da Fazenda ácerca do Emprestimo, e Projecto de Lei relativo ao mesmo objecto, que se mandou imprimir para entrar era discussão competentemente.

O mesmo Sr. dèo mais conta da ultima redacção do Projecto de Lei sobre o Deposito, e Franquia dos Generos, a qual ficou sobre a Mesa para segunda leitura.

O Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa dêo conta da Indicação, reduzida a escripto, do Sr. Deputado Moniz, relativa a pedir-se ao Governo pela Repartição do Ministro dos Negocios da Marinha, a Memoria sobre o melhoramento da Ilha da Madeira, apresentada pelo ex-Governador da mesma Ilha, o Sr. Antonio Manoel de Noronha, e bem assim todas as mais informações, que o Governo poder subministrar sobre os Quesitos originaes da Proposta N.º 67 do mesmo Excellentissimo Antonio Manoel de Noronha, a qual, sendo posta á votação, foi approvada.

Dêo o Sr. Vice-Presidente para Ordem do Dia da Sessão de 26 do corrente a continuação do Projecto N.° 121 ; e, havendo tempo, o Projecto N.º 122.

E para as Secções Geraes, em que a Camara tem de dividir-se na Sessão seguinte, os Projectos N.° 69, 123, e 124.

E, sendo 3 horas e l quarto, disse que estava fechada a Sessão.

N. B. Pag. 432 1.ª col. lin. 58, onde se lê - Justiça suordinação - leia-se -justa subordinação.

SESSÃO DE 24 DE FEVEREIRO.

Ás 9 horas e 50 minutos da manhã, pela chamada, a que procedêo o Sr. Deputado Secretario Ribeiro Costa, se acharão presentes 82 Srs. Deputados, faltando, alem dos que ainda se não apresentarão, 22, a saber: os Srs. Barão de Quintella - Barão do Sobral - Ferreira Cabral - Rodrigues de Macedo - Leite Pereira - Araujo e Castro - D. Francisco de Almeida - Pessanha - Cerqueira Ferraz - Tavares d'Almeida - Isidoro José dos Sanctos - Costa Faria - Machado d'Abreu - Mello Freire - Mascarenhas Mello - Mouzinho da Silveira - Rebello da Silva - Luiz José Ribeiro - Azevedo Loureiro - Aluares Diniz - Mouzinho d'Albuquerque todos com causa motivada; e Ribeiro Saraiva sem ella.

Disse o Sr. Presidente que estava aberta a Sessão; e, sendo lida a Acta da Sessão precedente, foi approvada.

Offerecêrão os Srs. Deputados Aguiar, e Magalhães o seu voto em separado, que diz - declaro que na Sessão de hontem votei que a materia do Artigo 5.º do Projecto de Lei sobre a Inviolabilidade da Casa do Cidadão não pertence ao Projectei particular della, e devia ser supprimido.

Informou o Sr. Presidente a Camara que hontem á hora determinada se apresentara a Sua Alteza a Serenissima Senhora Infanta Regente a Deputação desta Camara, e que sendo introduzida com as formalidades costumadas, e recebida com a mais obrigante

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