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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 27 DE FEVEREIRO EM 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Antonio Eleuterio Dias da Silva

Antonio Carlos da Maia

Chamada — Presentes 65 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Vidal, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Carlos da Maia, Quaresma, Eleuterio Dias, Brandão, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Mazzioti, Mello Breyner, Lemos e Napoles, Pinheiro Osorio, Magalhães Aguiar, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão da Torre, Barão do Vallado, Albuquerque e Amaral, Almeida e Azevedo, Ferreri, Almeida Pessanha, Cesario, Claudio Nunes, Domingos de Barros, Poças Falcão, Bivar, Coelho do Amaral, Fernandes Costa, F. L. Gomes, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, Mendes de Carvalho, J. A. de

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Sousa, Mártens Ferrão, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Joaquim Cabra], Mello e Mendonça, Neutel, J. Pinto de Magalhães, José da Gama, Galvão, José Guedes, Alves Chaves, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, D. José de Alarcão, Costa e Silva, José de Moraes, Oliveira Baptista, Batalhós, Julio do Carvalhal, Camara Leme, Alves do Rio, Mendes Leite, Murta, Pereira Dias, Modesto Borges, Monteiro Castello Branco, Charters, R. Lobo d'Avila e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Braamcamp, A. B. Ferreira, Correia Caldeira, Ferreira Pontes, Seixas, Arrobas, Fontes Pereira de Mello, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, Pinto de Albuquerque, Lopes Branco, A. de Serpa, A. V. Peixoto, Barão de Santos, Barão do Rio Zezere, Garcez, Freitas Soares Abranches, Bispo Eleito de Macau, Carlos Bento, Cyrillo Machado, Conde da Torre, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Barroso, Izidoro Vianna, Borges Fernandes, F. M. da Costa, Gaspar Teixeira, Henrique de Castro, Medeiros, Blanc, Silveira da Mota, Costa Xavier, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Torres e Almeida, J. Coelho de Carvalho, Matos Correia, Rodrigues Camara, Lobo d'Avila, Ferreira da Veiga, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, J. M. de Abreu, Casal Ribeiro, Frasão, Alves da Guerra, Sieuve de Menezes, Silveira e Menezes, Menezes Toste, Gonçalves Correia, Camara Falcão, Levy M. Jordão, Affonseca, Rocha Peixoto, Manuel Firmino, Sousa Junior, Pinto de Araujo, Vaz Preto, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Moraes Soares, Fernandes Thomás, Simão de Almeida, Thomás Ribeiro e Teixeira Pinto.

Não compareceram — Os srs. Adriano Pequito, Abilio, Gonçalves de Freitas, David, Palmeirim, Oliveira e Castro, Beirão, Pinto Coelho, Sepulveda Teixeira, Conde da Azambuja, C. J. da Costa, Drago, Abranches Homem, Diogo de Sá, Ignacio Lopes, Gavicho, F. M. da Cunha, Pulido, Chamiço, Cadabal, Gaspar Pereira, Pereira de Carvalho e Abreu, João Chrysostomo, Fonseca Coutinho, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Ferreira de Mello, Simas, Faria Guimarães, Silva Cabral, Infante Pessanha, Sette, Figueiredo de Faria, Latino Coelho, Rojão, Silveira e Menezes, Mendes Leal, Freitas Branco, Moura, Alves Guerra, Marianno de Sousa, Ricardo Guimarães e Vicente de Seiça.

Abertura — Ao meio dia e tres quartos.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Uma declaração do sr. Levy, de que o sr. Francisco Manuel da Cunha não comparece hoje á sessão, e deixará de comparecer por alguns dias, em consequencia do seu estado do saude. — Inteirada.

2.º Um officio do sr. Palmeirim, participando que tem faltado a algumas sessões em consequencia da gravissima doença de um de seus filhos, que terminou pelo fallecimento d'elle. — Mandou-se desanojar.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTOS

1.º Requeiro, em nome da commissão de fazenda, que sejam remettidos, pelo ministerio da fazenda, os esclarecimentos solicitados na sessão passada, ácerca da representação em que os officiaes e mais empregados da alfandega do Funchal pedem ser indemnisados dos prejuizos que soffrem em seus vencimentos depois da publicação do decreto de 19 de julho de 1849. = Gomes de Castro.

2.º Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, se remetta a esta camara uma copia do contrato que no presente mez foi assignado com a companhia união mercantil. = Sieuve de Menezes.

3.º Requeiro que se peça ao governo se sirva devolver a esta camara, acompanhados dos esclarecimentos e informações pedidas pela commissão de fazenda, os papeis que d'aqui foram remettidos ao ministerio da fazenda em 1856, relativamente aos orçamentos do subsidio litterario. = Antonio Carlos da Maia.

4.º Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettida a esta camara uma copia do officio do governador civil do districto do Porto, datado de 16 de fevereiro, e relativo ás informações que deram logar á syndicancia mandada fazer á misericordia de Villa do Conde. = Freitas Soares.

SEGUNDAS LEITURAS

PROPOSTA DE LEI N.º 22-F

Senhores. — É conhecida a falta de individuos habilitados para seguirem a laboriosa e prestante carreira de officiaes da armada.

Não provém sómente esta falta das difficuldades do actual curso de estudos, posto que para ella talvez contribua, mas de outras causas que durante alguns annos afastaram vocações, que a serem seguidas teriam já hoje dado officiaes excellentes.

Convencidos os poderes publicos da conveniencia e necessidade de habilitar alguns dos nossos officiaes da armada com a pratica adquirida no serviço das grandes esquadras, promulgaram a carta de lei de 5 de julho de 1854.

De 6:000$000 réis foi a verba primitivamente votada pura esta applicação. Ultimamente limitou-se a 3:500$000 réis, em rasão dos poucos individuos que se apresentaram para aproveitar aquelle beneficio.

Felizmente porém afflue agora grande numero de requerentes solicitando ir praticar por conta do governo; e outros, independentemente desse auxilio, pedem para á sua custa se aproveitarem das disposições do artigo 2.° da citada lei, isto é, no respeitante ás habilitações exigidas para a promoção a tenente.

Cumpre aqui fazer-vos notar, senhores, que por aquellas disposições emquanto um aspirante de 3.ª classe, habilitado apenas com a instrucção primaria elementar, obtida em pouco tempo, adquire, praticando por tres annos nas esquadras britannicas á custa do estado, o direito a entrar na escala dos segundos tenentes da nossa marinha; outro aspirante, estudando á propria custa no paiz, só no fim de, oito annos, cinco de theoria e tres de pratica, pôde adquirir igual direito.

De taes disposições resulta pois a mais grave desigualdade e flagrante injustiça, e é opportuno faze-la cessar quando se amplia a concessão dos respectivos subsidios.

Pede a boa administração e a equidade que se acompanhem as facilidades proporcionadas aos que desejam habilitar-se na pratica das mais desenvolvidas marinhas, com o espirito de rectidão que vigia pela igualdade de todos os direitos.

Outras conaiderações de não menor importancia estão indicando a necessidade de effectuar as convenientes alterações nas leia respectivas ás habilitações nauticas. Se é opinião recebida que pecca por demasiado longo o curso de marinha instituido pela lei de 19 de maio de 1845, não é menos certo que por muito deficientes pão tidas as habilitações preparatorias requeridas pela lei de 5 de junho de 1854.

No tocante á escola naval está submettida á vossa apreciação a seguinte proposta.

Para atalhar e remediar os inconvenientes que derivam das disposições em vigor desde 1854, disposições obrigatorias emquanto existem, e por isso mesmo necessitadas de urgente reforma, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação a seguinte proposta de lei:

Artigo l.º É auctorisado o governo a despender até réis 6:000$000 annuaes em subsidios aos tenentes, guardas marinhas e aspirantes que mandar praticar nas esquadras estrangeiras.

Art. 2.° Só podem ser mandados praticar nas esquadras estrangeiras os individuos que se acharem habilitados com os estudos preparatorios necessarios para se matricularem no primeiro anno da escola naval ou de applicação, e destes serão preferidos os que houverem dado provas de maior talento e aptidão.

Art. 3.° Os aspirantes a guarda marinhas mandados praticar nas esquadras estrangeiras ficarão habilitados a passar ao posto de segundo tenente da armada, quando houverem sido approvados nos competentes exames, e satisfeito a todas as outras condições legaes das nações em que servirem, provando por documentos authenticos acharem-se aptos para subirem ao posto de tenentes nas correspondentes marinhas.

Art. 4.° Os individuos que receberem subsidio para ir praticar nas marinhas estrangeiras não poderão ali servir por mais de tres annos se já tiverem o posto de tenente quando tal subsidio para tal fim lhes seja concedido.

Art. 5.° Será abonado pelo governo aos individuos, que mandar praticar nas esquadras estrangeiras, um subsidio igual aos vencimentos que receberem os da classe correspondente na marinha em que servirem.

Art. 6.° Ficam obrigados a servir durante seis annos na armada nacional todos os individuos que se aproveitarem das disposições dos artigos 3.° e 4.° da presente lei.

Art. 7.° Só serão applicaveis as disposições dos artigos antecedentes aquelles individuos que forem mandados servir nas esquadras estrangeiras depois da data da presente lei.

Art. 8.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, 26 de fevereiro de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

PROPOSTA DE LEI N.° 22-E

Senhores. — A carta de lei de 28 de agosto de 1848, creando o corpo do veteranos da marinha, não deu aos capellães da armada direito a terem ingresso n'aquelle corpo, por isso que só posteriormente, em 18 de julho de 1855, foi instituido o quadro d'estes capellães.

Não ha rasão que justifique similhante exclusão. Os capellães da armada, exercendo os graves deveres do seu ministerio a bordo dos navios de guerra, estão sujeitos aos mesmos perigos, ás mesmas privações, ás mesmas contingencias que os officiaes de fazenda e de saude naval, a quem a lei concede o entrarem no referido corpo.

Alem da manifesta desigualdade, ha injusto abandono, ha nocivas consequencias. Se o estado deixar d'essa classe desamparados os que em servi-lo se inutilisarem, a perspectiva de certo não convidará os membros d'ella que todavia são indispensaveis.

A presença do sacerdote, ministro de uma religião de paz e amor, é sempre necessaria em toda a reunião de homens. Abstrahindo de muitas outras considerações, quanto mais necessaria não será para a população maritima, que no estreito recinto de cada navio, nas solidões do mar, nos transes da enfermidade, nos lances de perigo, nas horas da agonia não tem outro lenitivo, nem outra familia, nem outra voz que lhe falle de Deus.

Ou se ha de descrer dos poderosos influxos moraes, ou devidamente carear uma classe, que na rude vida maritima tão altamente, tão proficuamente os representa e exerce.

Para attrahir essa classe é indispensavel extinguir desigualdades offensivas da boa justiça, e não dar o desanimo por unico refugio á invalidez adquirida no serviço.

Por estas rasões tenho a honra de apresentar ao vosso exame a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° São extensivas aos capellães da armada as vantagens, pelos artigos 7.° e 21.° da carta de lei de 28 de agosto de 1848, concedidas aos officiaes da armada, da extincta brigada, do extincto batalhão naval, de fazenda e de saude naval.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 26 de fevereiro de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

Foram enviadas á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

PROPOSTA DE LEI N.° 22-D

Senhores. — O desenvolvimento do estado da India alterou profundamente as condições economicas daquelle paiz. Diversas causas, que seria ocioso especificar e historiar, porque são bem notorias e certamente por vós conhecidas, quasi duplicaram o preço dos generos alimenticios de primeira necessidade, comparado esse preço com o que era ha dez annos apenas. A extrema barateza da vida tinha feito ali designar aos servidores do estado vencimentos proporcionaes. A metamorphose operada produziu um profundo desequilibrio.

Em taes circumstancias indispensavel é que os poderes publicos olhem de perto para a situação dos funccionarios das diversas classes, e mais especialmente para aquelles que os seus especiaes deveres obrigam a maiores e mais constantes despezas.

Com relação aos empregados civis dos diversos graus, acha se em elaboração um projecto geral, que abrange todas as provincias, e que para ser justo só pôde ser geral, a fim de pôr em harmonia tanto as varias circumstancias de cada provincia, como a mutua relação entre as differentes funcções, como as modificações já effectuadas, pois que logares ha que se acham comparativamente favorecidos por terem sido os ordenados respectivos fixados já em epochas recentes.

Com respeito á classe militar, melhorada já nas provincias africanas como era impreterivel necessidade, tendo ella tarifas já estabelecidas, a relação hyerarchia assente, e os correspondentes serviços definidos, nada impede que em seu favor se adopte sem delonga uma providencia que recommendam com reiteradas instancias as representações e informações mais graves e competentes, como são as do governador geral e da junta da fazenda d'aquelle estado.

Como principio indispensavel de organisação, como pratica imprescriptivel de governo, vos tenho invariavelmente exposto a necessidade de proporcionar as remunerações aos serviços, assim como a responsabilidade ás remunerações. Não pôde haver sem este fundamento administração efficaz nem séria cooperação.

A importancia do bom serviço militar, já elemento de ordem, já condição de segurança, já até inicio de civilisação, sendo, como é, reconhecida em toda a parte, e para toda a parte, ainda mais o ha de ser para as provincias ultramarinas á vista de rasões que por muito evidentes desnecessario será recapitular.

Correspondendo as tarifas do serviço militar na India á antiga barateza de vida n'aquelle paiz, e achando-se consequentemente hoje as mesmas tarifas tornadas anachronicas e a bem dizer absurdas, em presença de muito diversas e muito maiores necessidades, claro é que importa quanto antes eleva-las na mais justa e possivel proporção, porque não só padece uma classe benemerita e essencial, mas forçosamente ha de padecer o serviço, seja qual for a boa bondade, visto que ninguem supera o impossivel.

Aos militares em serviço activo cumpre sobretudo acudir, e acudir promptamente, porquanto é para esses indeclinavel, sempre renascente, sempre inexoravel, a necessidade de maior despendio, sem possibilidade de utilisar por qualquer outro modo o tempo que o estado lhes prende. N'essa classe porém seria injusto não attender a todas as categorias, desde a mais elevada até á simples praça de pret.

Este o pensamento que domina a proposta que hoje vos apresento. Para addicionar 25 por cento aos soldos na actualidade existentes, como estava já indicado, seria preciso organisar com muito tempo e trabalho novas tabellas. Adoptando tarifas já applicadas no reino, dispõe se immediatamente de tabellas promptas, e obtém se proximamente o mesmo resultado, segundo podeis verificar comparando, sem contar que se melhoram igualmente os preta como todas as considerações de rasão e humanidade estão altamente aconselhando.

O progressivo augmento das receitas do estado da India, a auspiciosa perspectiva do arroteamento das terras e do movimento ascendente d'essas receitas em virtude dos melhoramentos ali effectuados, e dos mais que proseguem e se pré; param — desassombra o governo do unico receio e objecção plausivel, a falta de meios correspondentes a este acrescimo de despeza, posto que ainda assim, com ser sacrificio, se não devesse recuar ante elle por ser sacrificio productivo.

N'estes termos, e confiando plenamente na vossa illustrada solicitude, tenho a honra de apresentar-vos a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Os soldos dos officiaes e vencimentos das praças de pret dos corpos militares do estado da India serão pagos desde a data da publicação da presente lei n'aquelle estado em réis fortes, moeda de Portugal, e da maneira seguinte:

§ 1.° Os officiaes generaes pela tarifa de 8 de novembro de 1814.

§ 2.° Todos os mais officiaes da 1.» e 2.º secção pela tarifa de 16 de dezembro de 1790.

§ 3.° As praças de pret, em serviço activo, pela tarifa de tempo de paz, a que se refere o decreto de 18 de setembro de 1844, publicada na ordem do exercito n.° 44, de 9 de outubro do dito anno.

Art. 2.° Os officiaes pertencentes á 3.ª é 4.ª secção do exercito, e as praças de pret de veteranos ou reformados continuarão a ser pagos como actualmente.

Art. 3.° Fica derogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 26 de fevereiro de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

Foi enviada á commissão do ultramar.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — A lei de 23 de novembro de 1857 estabelece as escusas, que justificam a falta de comparecimento dó al-

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guns dos quarenta maiores contribuintes ás reuniões, e que pela mesma lei são convocados, e diz no § 6.° do artigo 41.° o seguinte:

«São unicamente admittidas como escusas na falta de comparecimento a molestia ou consternação de familia por fallecimento de seus membros, legalmente justificadas.»

A disposição d'este paragrapho tem sido interpretada de diversas maneiras, havendo quem sustente que os individuos que se não acharem comprehendidos nas duas hypotheses consignadas n'elle, por mais justas que sejam as causas que alleguem em sua defeza, por terem faltado ás reuniões, e que pela lei são chamados, não podem deixar de ficar incursos nas multas que contra elles são comminadas pelos artigos correspondentes do decreto eleitoral, pôr isso que não allegaram as duas escusas que a lei unicamente admitte, não lhes valendo o não terem sido previamente intimados ou estarem ausentes do concelho, e onde, se deve verificar a reunião dos quarenta maiores contribuintes.

Não me parece que seja esta a interpretação da citada lei. Não se pôde conceber que a lei de 23 de novembro de 1859, tão providente, justa e equitativa, verdadeiramente constitucional, quizesse consignar nas suas excellentes e liberaes disposições uma disposição injusta e contraria aos principios de direito. Não póde ser esse o espirito da lei. Se se lhe desse essa interpretação, resultaria da citada lei um absurdo que em direito se não póde admittir.

Obrigar um individuo a comparecer á reunião dos quarenta maiores contribuintes, não tendo sido intimado previamente, ou achando-se ausente do concelho ou n'um logar diverso d'aquelle aonde se verificar a mencionada reunião e aonde os seus deveres o chamam é querer um impossivel que a lei não pôde querer. Não se segue que; pela citada lei, que só estabelece duas escusas, deixem de o ser as que a lei expressamente não prohibe e não que podem deixar de ser consideradas como taes, em vista dos principios de direito universal.

Poderia admittir-se que a citada lei quizesse que um deputado, um conselheiro de districto, ou qualquer outro funccionario que tem imperiosa necessidade de estar no «mesmo dia e á mesma hora, a que é chamado á reunião dos quarenta maiores contribuintes, n'um logar diverso, aonde a lei e os seus deveres o chama, soffresse uma pena por não ter comparecido á mencionada reunião? Quereria a lei que o deputado, que se acha assistindo ás sessões da camara electiva, deixasse o logar que representa para ir assistir a actos de menor importancia? Entendo que a lei não pôde assim ser interpretada. Mas havendo diversas opiniões e quem entenda a citada lei de um -modo diverso por que eu a entendo, considerando como incursos nas multas, de que trata a mesma lei e o decreto de 30 de setembro de 1852, todos os individuos que, não comparecendo á reunião dos quarenta maiores contribuintes, não allegarem e justificarem as duas unicas escusas consignadas no citado § 6.° do artigo 41.°, resultando de uma tal interpretação grandes incommodos e muitos prejuizos para os individuos que se presumem incursos n'aquellas multas, intentando-se contra elles os competentes processos, que sempre trazem comsigo grandes despezas, convem fazer desapparecer estes graves inconvenientes, a que tem dado logar a citada lei por se lhe não ter dado n'algumas partes a interpretação que ella na verdade tem, e fazer uma nova lei que tire as duvidas que possam dar-se e que esclareça, a fim de não haver n'ella differentes interpretações.

Attendendo a que da letra e espirito da lei de 23 de novembro de 1857 não se pôde deprehender que a mesma lei quizesse que fossem incursos nas multas n'elle consignadas e no decreto de 30 de setembro de 1852, que actualmente vigora, alguns dos quarenta maiores contribuintes, que faltassem á reunião no dia designado, não tendo sido previamente intimados, ou achando-se n'outro logar aonde a lei e os seus deveres os chamam, pois que não é de presumir que uma lei tão justa, e que só teve em vista a verdadeira representação nacional, quizesse admittir n'ella um absurdo.

Attendendo a que nenhum dos quarenta maiores contribuintes pôde ser obrigado a comparecer nas reuniões, para que a citada lei os chama, quando não tiverem previamente sido intimados ou quando se acharem n'outro logar a exercer diversas funcções, como, por exemplo, o logar de deputado da nação, pois que não ha de deixar de exercer o mandato que lhe foi confiado para ir assistir a um acto de menor importancia.

Attendendo a que é manifestamente injusto, que se imponha uma multa a um individuo, que não transgrediu a lei, e que não merece por este motivo soffrer uma pena e todos os mais prejuizos que resultam do processo que contra elles se intenta.

Por todas estas considerações e para que não continue a dar-se á citada lei uma interpretação diversa da que ella tem, obrigando assim a fazer soffrer os individuos, que se dizem incursos na multa, uma pena injusta, tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Fica por esta lei ampliado o § 6.° do artigo 41.° da lei de 23 de novembro de 1859, considerando-se tambem como escusa legal a falta de comparecimento de alguns dos quarenta maiores contribuintes ás reuniões a que pela mesma lei são chamados, quando não tiverem sido previamente intimados, ou se acharem ausentes do concelho por algum motivo justo.

Art. 2.° As intimações de que trata o artigo antecedente só têem logar, e produzem effeito legal, sendo feitas nas proprias pessoas dos quarenta maiores contribuintes, sendo nullos e de nenhum effeito as que forem feitas nas familias, ou domesticos, ou vizinhos.

Art. 3.° Nenhum deputado, sendo dos quarenta maiores contribuintes do seu concelho, pôde ser obrigado a comparecer no dia designado para a reunião dos mesmos, achando-se aberta a sessão legislativa.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Sala das sessões da camara dos deputados, 26 de fevereiro de 1864. = O deputado pelo circulo de Mertola, Fortunato Frederico de Mello.

Foi admittido e enviado á commissão de legislação.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Os decretos com força de lei de 11 e 12 de janeiro de 1837 estabeleceram os cursos de estudos para as armas especiaes, e varias outras disposições em vantagem dos individuos que, na sua conformidade, se votassem á nobre carreira das armas.

O fim do legislador era sem duvida habilitar officiaes para os mais eminentes postos da milicia, porque seria absurdo e inadmissivel exigir tão arduas provas pratica e theoricamente, para depois não as pôr em relevo em proveito do estado: entretanto os factos e a experiencia demonstram á contrario.

No corpo do estado maior, por exemplo, ha officiaes que têem mais de treze annos no mesmo posto, estando preteridos em relação aos officiaes das armas a que pertenciam antes de serem collocados no dito corpo por virtude de lei. E verdade que as promoções são por armas, e então poderia dizer-se que não ha preterição; todavia esta rasão é especiosa, porque concorrendo todos os officiaes do exercito ao generalato no posto de coronel, os que chegarem primeiro a este posto serão mais antigos, como effectivamente são, e a preterição portanto será flagrante e real, e muito real.

Acontece mesmo que officiaes que não poderam levar ao fim a sua habilitação scientifica, e que por isso ficaram nas armas de infanteria ou cavallaria, estão hoje mais adiantados do que aquelles que completaram com distincção uma carreira de seis annos de estudos superiores.

Acontece ainda mais, que officiaes das outras armas, que serviram sob as immediatas ordens de alguns officiaes do corpo de estado maior, estão hoje em postos mais elevados do que aquelles que já os commandaram.

Assim, senhores, absurdos taes pedem prompto remedio, porque ha offensa de direitos sagrados, porque obstam á salutar e conveniente emulação, e finalmente porque condemnam immediatamente ao esquecimento officiaes que têem as mais distinctas habilitações, e que a lei obrigou a tão difficeis provas na idéa, certissimamente, de os elevar aos mais altos postos, e de tirar dos seus conhecimentos a conveniente utilidade em proveito do paiz.

Era vista pois de quanto fica ponderado, e na idéa de remediar os graves inconvenientes que deixo indicados, tenho a honra de vos offerecer o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.°. os officiaes do corpo de estado maior, qualquer que seja a sua situação, serão promovidos nos postos que legalmente lhes pertencer, segundo a sua antiguidade, relativa com a dos officiaes das armas a que pertenciam no momento da sua collocação no dito corpo de estado maior.

§ unico. Para os effeitos da presente lei far-se-ha a liquidação dos postos a que tenham direito na respectiva arma, a contar do posto de alferes, e como se na mesma arma tivessem sido sempre effectivos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. Sala da camara, 14 de fevereiro de 1864. — Julio do Carvalhal de Sousa Telles.

Foi admittido, e enviado á commissão de guerra. O sr. Visconde de Pindella: — Custa-me usar da palavra na ausencia do gabinete, na completa ausencia d'elle, mas não posso demorar por mais tempo algumas considerações que tenho a fazer á camara, embora me não possa ouvir o governo.

Ha muito que desejava que os srs. ministros me ouvissem estas considerações, mas como não estão presentes, ss. ex.ª saberão d'ellas pelo extracto da sessão; seja assim, já que não posso outra cousa, que elles me ouçam.

Desejava sobretudo que estivesse presente o sr. ministro do reino, porque queria chamar a sua attenção a respeito de uma cadeira de instrucção secundaria que foi decretada era 1851 para a cidade de Guimarães, para se pôr a concurso.

, Já se procedeu duas vezes ao concurso d'ella, mas não se achou concorrente, parece-me comtudo que, apesar d'isto não ha motivo bastante para que esta cadeira se não torne novamente a levar a concurso, e tantas vezes quantas sejam necessarias para haver um professor despachado para essa cadeira; por isso chamo a este respeito a attenção de s. ex.ª, não só porque esta cadeira já esteve, como disse, em concurso, mas porque figura na verba do orçamento, já nos dois ultimos orçamentos approvados pelo parlamento; por conseguinte, e porque ha mais de um anno deixou de andar em concurso, é necessario que de novo ande até que haja concorrente, o que muito bem pôde apparecer, e é natural que appareça, pois quantas vezes não tem assim acontecido?

Parece-me que é de toda a justiça que assim se faça, e emquanto á necessidade d'ella, sr. presidente, não vem agora o dizer-se, é escusado mesmo repeti-lo, porque essa necessidade foi cabalmente reconhecida quando se decretou.

E a vanguarda de um curso que Guimarães, uma das primeiras terras industriaes do paiz deve ter. Peço que, com urgencia, se ponha a concurso. Em uma das sessões passadas, chamando eu a attenção dos illustres membros da commissão de guerra a respeito de serem tambem contemplados os segundos sargentos, e respondendo-me alguns dignos membros d'aquella commissão que não havia n'ella base bastante para formular um projecto; o meu illustre amigo, o sr. Sant'Anna e Vasconcellos, formulou um projecto, que eu tive tambem a honra de assignar, que foi para a mesa, e da mesa foi enviado & commissão de guerra. Já se têem passado alguns dias sem haver uma decisão, sendo uma cousa muito facil de resolver, e a favor do qual a camara se tem bem manifesta e claramente pronunciado (apoiados).

Eu pedia portanto á illustre commissão que apresentasse o projecto para ser approvado, porque me parece que assiste a estes segundos sargentos a mesma justiça que aos primeiros; e já que tenho a palavra não queria deixar de usar d'ella n'este sentido.

Sr. Presidente a illustre commissão já os tinha contemplado, o que não aconteceu na outra casa do parlamento; portanto é um negocio resolvido por ella e votado por nós.

Tambem chamaria a attenção do sr. ministro da justiça, embora a sua explicação fosse categorica a este respeito; e é relativamente á dotação do clero (apoiados). Não basta dizer-se «ha de vir», é preciso que venha, é preciso realidade e não esperança unicamente, porque eu entendo que é de alta necessidade, da maior conveniencia e de rigorosissima justiça, o resolver-se este negocio n'esta sessão (apoiados). Faça-se alguma cousa, mas faça-se, embora mesmo se não possa fazer tudo (apoiados).

O sr. ministro já disse que se havia de tratar d'elle; entretanto a sessão já vae adiantada, não sei quando terminará, mas vejo que ha outros objectos igualmente de alta necessidade, e que têem de se tratar; e não direi que seja este o primeiro, mas é dos primeiros com certeza; por isso não posso deixar de chamar a attenção do nobre ministro, e pedir mesmo a s. ex.ª que não se esqueça d'este momentoso assumpto, e a v. ex.ª, sr. presidente, o da-lo para ordem do dia; é uma classe respeitavel a todos os respeitos, e para a qual se não tem attendido!

Tambem nós tivemos aqui em discussão um outro importantissimo projecto, e voltou com algumas emendas á respectiva commissão; refiro-me á lei das estradas municipaes (apoiados). Felizmente não houve n'essa occasião nem direita nem esquerda da camara, todos se persuadiram da necessidade que havia e ha d'este projecto se converter em lei. Houveram sim algumas opiniões, e em virtude d'ellas se fizeram algumas emendas, e eu fui um dos que tive a honra de mandar algumas; estou certo que a illustre commissão não teve em vista senão attender a estas emendas, se as julga dignas de serem attendidas; mas o projecto não se votou, e eu não posso deixar de pedir a v. ex.ª e á camara que elle seja tratado e votado n'esta sessão, como todos nós desejámos, e como o interesse publico o exige.

Tambem em outra occasião eu pedi a v. ex.ª que, quando podesse, desse para discussão o projecto n.° 165; V. ex.ª já n'essa occasião, creio que teve a bondade de tomar nota do roeu pedido, e eu insisto n'elle, na certeza de que o projecto ha de vir á discussão; mas emfim peço a v. ex.ª que o tenha muito na sua lembrança, porque me parece que é de justiça que elle seja votado; é um projecto de interesse e de justiça, que nós não podemos deixar de parte, tendo sempre votado outros de igual natureza.

Tambem direi n'esta occasião que me consta que foi remettido a esta camara um requerimento dos empregados das antigas repartições do estado, pedindo alguns meios de subsistencia, porque estão nas mais tristes circumstancias.

Não sei se este requerimento teve andamento, provavelmente está no caso de o ter, e v. ex.ª não deixou de certo de o mandar á illustre commissão de fazenda, e eu peço a esta illustre commissão que attenda aos justos clamores d'aquelles antigos empregados que o merecem, e que o mais breve que seja possivel, lhes dê uma decisão, porque o que elles pedem é justo.

Era unicamente para fazer estas recommendações que eu pedi a palavra, que eu resumi, visto não estar presente nenhum dos membros do governo e não poder por conseguinte obter resposta de ss. ex.ª; mas sobretudo custa-me que não esteja presente o sr. ministro do reino para me responder relativamente ao concurso da cadeira de instrucção secundaria na cidade de Guimarães, mas entendo que o negocio é tal, que s. ex.ª, tendo conhecimento d'elle, não deixará de o attender.

Peza-me tambem que não esteja presente o sr. ministro das obras publicas, porque tinha a chamar a attenção de s. ex.ª sobre assumptos graves e de muito conveniencia, que sejam resolvidos promptamente, porém na ausencia do nobre ministro não me animo a faze-lo; e mais ainda, porque tendo já fallado com s. ex.ª a respeito dos negocios a que me retiro, e promettendo-me dar-lhe o expediente e andamento que elles merecem, não quero nem devo occupar-me d'elles na sua ausencia. S. ex.ª sabe bem quaes elles são, como eu espero do zêlo do illustre ministro que não se demorará em dar-lhe um prompto andamento.

Por consequencia, peço a v. ex.ª que me inscreva para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas.

Foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento o sr. José Luiz Alves Feijó.

O Sr. Henrique de Castro: — Mando para a mesa um parecer da commissão do ultramar.

O sr. Coelho do Amaral: — Tenho ha dias em meu poder, e mando hoje para a mesa, um requerimento de dois cidadãos ex-furrieis do exercito, de cujo serviço foram despedidos por terem servido a junta do Porto, no qual pedem ser considerados no projecto de lei apresentado á camara pelo meu amigo, o sr. Sant'Anna e Vasconcellos, e que eu tive tambem a honra de assignar.

Nesse projecto fazem-se extensivas aos segundos sargentos que serviram a junta do porto as disposições da carta de lei que regulou as reformas dos primeiros sargentos ao serviço da mesma junta, ou antes, o seu pensamento é que lhes sejam applicaveis as disposições do § unico do artigo 1.° do projecto de lei n.° 292, votado n'esta casa na sessão do anno proximo passado. Ha poucos dias o meu illustre collega, o sr. Sant'Anna,

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rectificou o pensamento que lhe inspirara aquelle projecto, e declarou que só por lapso deixaram do ser n'elle comprehendidos os furrieis (apoiados), porque a sua mente e desejo abrangiam todos os officiaes inferiores em identidade de circumstancias. E nem podia ser de outro modo, sr. presidente, porque os furrieis formam com os primeiros e segundos sargentos uma só e a mesma classe (apoiados) — a dos officiaes inferiores.

Uno os meus votos aos do meu illustre amigo, e peço com elle á illustre commissão de guerra que attenda favoravel e benevolamente a justiça que assiste aos segundos sargentos e furrieis, justiça que não pôde deixar de ser-lhes reconhecida, que não pôde de negar-se-lhes (apoiados), desde que foram attendidos os primeiros sargentos (apoiados), porque não pôde nem deve desconsiderar-se a maioria de uma classe depois de ter sido considerada a minoria d'essa mesma classe (apoiados).

Sr. presidente, justiça a todos, porque o todos é devida (apoiados). Apaguemos por uma vez os tristes vestigios d'essas desgraçadas dissensões armadas entre a familia liberal (apoiados), e façamos ás victimas d'ellas a reparação possivel, já que não podemos faze-la completa.

Os officiaes inferiores a que alludo viram cortada a sua carreira, ficando a patria privada do serviços talvez relevantes, que poderiam prestar lhe no futuro, por terem praticado uma das principaes virtudes militares (apoiados), a da obediencia. Seguiram os seus chefes, cumpriram o seu dever; e seja dito, salvo o respeito a quaesquer opiniões, seguiram uma nobre causa, incontestavel e decidida, a causa mais popular de todas quantas tem levantada bandeira no meio das nossas lutas politicas (apoiados). Fallo assim porque os factos encarregaram-se de vir auctorisar a minha linguagem; e se o desfecho, se o desenlace da questão pareceu ser adverso a essa causa, tres annos depois, os mesmos que a combateram invocaram o seu auxilio, estes deram-lhe a mão, fraternisaram com ella, sentaram-a a seu lado nos conselhos da corôa e o paiz abriu lhe as portas d'esta casa (apoiados).

Desenganemo-nos, senhores, e não andemos aqui a fallar como a medo. A junta do Porto está nos conselhos da corôa, está nos conselhos da nação, está nos bancos dos ministros, está na maioria, está na minoria d'esta casa e está em todo o paiz. Para que havemos pois de andar aqui a fallar com receio na junta do Porto? Eu por mim declaro, que um dos actos da minha vida, que com mais orgulho e com mais ufania commemoro é aquelle de ter servido com as armas na mão essa nobre causa (apoiados), de a ter servido leal, decidida e creio que efficazmente (apoiados), desde o primeiro até ao ultimo momento da sua existencia. E então para que hão de ainda ser condemnados ao abandono, para que hão de ser considerados como réprobos, e ha de continuar a pesar um certo estigma sobre alguns dos homens que serviram esta causa?

Mas note v. ex.ª e a camara que é sobre os pequenos e desvalidos (apoiados), porque os grandes e poderosos, as sumidades, as eminencias, esses todos estão reparados (apoiados), nada estão soffrendo já. Por consequencia o que eu peço á camara é que não faça d'isto politica, e espero que o parlamento attenderá á justiça que assiste aos cidadãos a que tenho alludido.

Pois, sr. presidente, as camaras que têem sido faceis em crear e dotar com largos ordenados empregos, cuja utilidade é duvidosa, que têem acrescentado outros, que têem tirado decimas a outros, que têem decretado largas pensões a pessoas, que muito bem as poderiam dispensar, hão de estar a regatear uns minguados tostões a estes desgraçados? Não pôde ser, isto não se combina com os sentimentos justos e liberaes do parlamento.

Peço portanto á illustre commissão de guerra que com a maior brevidade possivel traga á camara um parecer, que de uma vez por todas ponha termo a estes justos queixumes, a estas excepções odiosas e repugnantes, a estas excepções que depõem pouco em favor da imparcialidade e justiça com que todos devem ser attendidos.

Sinto não ver presente o sr. ministro da guerra, porque queria pedir a s. ex.ª, ao honrado velho liberal general Passos, que não se esquecesse d'estas ultimas e infelizes victimas das nossas dissensões politicas. Todos estão reparados, só os desgraçados segundos sargentos e furrieis estão votados ao ostracismo. E não me digam que esta medida pôde importar grande augmento de despeza publica, pois que se ella é aconselhada pelos principios de eterna justiça, de equidade e até mesmo de conveniencia politica, não deve ser preterida pelos mesquinhos calculos financeiros; e alem d'isso não me persuado que a despeza seja tal que cause grandes embaraços ao thesouro. Por isso não vejo difficuldade que o negocio a que allude o requerimento que vou mandar para a mesa seja resolvido como deve ser.

Por esta occasião chamo tambem a attenção da commissão de guerra, para que nessa medida se comprehenda um cidadão, cujo requerimento deve estar no arquivo da commissão; o qual está nas circumstancias dos individuos a que já me referi, e até estricta e rigorosamente nas circumstancias dos que já foram contemplados na carta de lei que regulou a reforma desses officiaes inferiores: refiro-me ao ex-sargento ajudante de infanteria n.° 6, Julio Fortunato da Costa.

Este cidadão seguiu o seu chefe o infeliz coronel Miguel Augusto, nos acontecimentos de Castello Branco, e emigrou para a Hespanha em virtude do malogro d'aquella tentativa. No fim de dois annos voltou á patria, confiado n'uma amnistia. Mas quer v. ex.ª saber qual foi a amnistia que se lhe deu, a fé e lealdade com que lhe foi applicada? Quebraram-lhe a espada, e foi mandado servir como soldado n'um corpo, fóra da capital, e elle vendo sophismada aquella amnistia, e julgando se ludibriado, fez o que faria qualquer homem brioso, requereu a sua baixa. Será ou não este homem uma victima das nossas lutas politicas? De certo que sim.

Em outubro de 1846 acompanhou o nobre visconde de Sá da Bandeira, e em Coimbra foi collocado como tenente no valente batalhão movel de Vizeu, commandado então pelo honrado e bravo entre os bravos Jayme Garcia de Mascarenhas, a quem eu tive a honra de substituir no commando, depois do revez de Torres Vedras. Recolhendo ao Porto o sargento ajudante Julio Fortunato da Costa foi collocado no regimento de infanteria n.° 7 no posto de alferes, porque a junta reconheceu que a baixa que elle tinha dado do serviço, em vista dos motivos por que a dera, devia ser considerada de nenhum effeito, porque fóra politica e considerou-o por consequencia como se tivera continuado no serviço.

Depois da convenção de Gramido, este cidadão seguiu a sorte da guerra e da causa que servira.

Quando no anno passado o nobre visconde de Sá aqui trouxe a sua proposta para regular a reforma dos primeiros sargentos que tinham servido a junta, elle apresentou um requerimento para ser comprehendido n'ella. Parece que havia todas as rasões para que elle fosse tambem contemplado n'essa medida, mas não o foi. Este requerimento existe no archivo da commissão de guerra; peço pois aos seus illustres membros que o tomem na consideração devida, e apresentem um projecto de lei em que seja attendido este cidadão como é de incontestavel justiça; e se a commissão me disser que precisa de thema, eu apresentarei um projecto de lei n'este sentido.

Mando tambem por esta occasião para a mesa uma representação da camara municipal de Santa Comba Dão, que pede seja approvado o projecto de lei que estabelece a liberdade do commercio dos vinhos.

Já não sei com que novas observações hei de acompanhar esta representação. Não cansarei a camara em repetir aquillo que já tantas vezes, por mim e por vozes muito mais auctorisada, tem sido repetido n'esta casa. Satisfaço me em dizer apenas, com os seus illustres signatarios, que o systema restrictivo, alem de anachronico, é uma anomalia nas instituições e legislação de um povo e de um governo livre.

Ha poucos dias o meu honrado e antigo amigo o sr. Barroso apresentou uma representação da camara municipal do Vizeu, e o meu illustre collega o sr. Domingos de Barros deve muito breve, porque está inscripto, apresentar uma outra no mesmo sentido.

Têem sido tantas as que as camaras municipaes dos districtos da Guarda, Vizeu e Coimbra, note v. ex.ª, e de Bragança, das vizinhanças mesmo da propria demarcação, têem mandado a esta casa, que eu persuado-me que o processo está completamente instruido e sobejamente documentado, para poder subir ao supremo julgamento dos seus juizes naturaes.

Senhores restrictivistas, exclusivistas e prohibististas do Douro, que mais quereis, que mais falta? Faltaram demonstrações ruidosas e tumultuárias? Não as queremos. Essas não dão justiça a ninguem (apoiados). Attenuarão antes aquella que possa assistir aos que dessas demonstrações se servirem. Mas se as exigirdes, ser-nos-ha tão facil com a vós pô-las por obra. Se esse é o direito, te-lo-hemos como vós.

Termino mandando para a mesa a representação, pedindo que seja impressa no Diario de Lisboa, assim como as que vieram das camaras municipaes da Guarda e de Vizeu, isto a exemplo das que vieram do Douro, e que esta camara determinou que fossem impressas no Diario de Lisboa.

O sr. Visconde de Pindella: — E todas as que se apresentarem.

O sr. Monteiro Castello Branco: — Por parte da commissão ecclesiastica mando para a mesa o seguinte

REQUERIMENTO

Por parte da commissão ecclesiastica requeiro que o sr. bispo eleito de Macau seja aggregado á mesma commissão. =Monteiro Castello Branco.

Foi logo approvado.

O sr. Domingos de Barros: — Pedi a palavra para apresentar uma representação, em que a camara municipal do concelho de Celorico de Basto pede que seja approvado o projecto de lei sobre a liberdade do commercio dos vinhos, aqui pendente.

Os principaes fundamentos em que se baseia, são a inefficacia do systema restrictivo para augmentar a exportação dos nossos vinhos, para conservar a genuinidade dos do Douro, e ao mesmo tempo os gravissimos prejuizos e, enormes vexames que está causando á industria vinicola das provincias do norte (apoiados).

Sr. presidente, que o systema restrictivo não tem podido elevar o nosso commercio de vinhos á altura a que tem chegado nas outras nações é uma verdade reconhecida por todos e comprovada paios factos. Desde que se estabeleceu o systema restrictivo até á abolição da companhia dos vinhos era 1834, apenas houve um pequeno augmento na exportação nos primeiros tempos; mas foi isso devido a circumstancias especiaes, que actuaram sobre o commercio dos vinhos nos dois principaes mercados, o da Inglaterra e o do Brazil.

A Inglaterra por occasião da guerra geral que se ateou na Europa nos fins do seculo passado e principios do actual, fechando os seus portos ás outras nações, concedeu nos um privilegio nos seus mercados. O Brazil era então colonia nossa e nós não permittiamos que ali entrasse outro vinho. Logo que cessaram estas causas pelo restabelecimento da paz geral e independencia do Brazil voltou o mercado ao seu antigo estado, e assim se conservou com maiores ou menores oscillações até 1834; e note a camara que nos annos anteriores á abolição da companhia a exportação regulou pouco mais ou menos pela que havia antes da promulgação das leia restrictivas.

Desde 1834 por diante tambem a exportação dos nossos vinhos para a Inglaterra não tem augmentado na proporção do augmento do consumo de vinhos n'aquelle paiz; nem tão pouco na do progresso do commercio dos vinhos das outras nações no mercado inglez.

Depois da modificação da pauta ingleza com o estabelecimento da escala alcoolica, consome-se ali grande quantidade de vinhos baratos, porque a diminuição dos direitos de entrada collocou-os em circumstancias de servirem para as classes menos abastadas, que hoje trocam a cerveja e outras bebidas de que usavam, pelo vinho. Mas estes vinhos são fornecidos pela Hespanha e França, aonde esta industria e commercio não tem restrições. Tem por isso estas duas nações triplicado ou quadruplicado o seu commercio de vinhos no mercado inglez (apoiados).

Se attendermos porém ao estado do nosso commercio de vinhos no mercado do Brazil, vemos que está em completa decadencia; e ainda em 1849 se venderam no Rio de Janeiro perto de 15:000 pipas de vinho exportado pela barra de Lisboa, e se addicionarmos o que ali entrava procedente das outras partes do reino, subirá a 19:000 ou 20:000 pipas o vinho portuguez importado no Rio de Janeiro n'aquelle anno. Quer V. ex.ª e a camara saber a que ponto chega a decadencia do nosso commercio de vinhos n'aquelle grande mercado? Eu vou ler O que nos dizem as estatisticas officiaes: «Vinhos importados no Rio de Janeiro em 1858, 25:278 pipas; d'estas de Portugal 4:620. Em 1859, 32:336; de Portugal 6:553. Em 1860, 29:558; de Portugal 5:088. Era 1861, 25:337; de Portugal 2:390. Era 1862, 23:546; de Portugal 3:823». Creio que não é precisa outra prova da grande decadencia do consumo dos nossos vinhos no Brazil.

Não tem sido mais feliz o systema restrictivo para conservar a genuinidade dos vinhos de Douro, unica base intencional d'aquella legislação (apoiados). Todos nós sabemos que á sombra do systema restrictivo se têem feito as maiores falsificações.

O sr. Affonso Botelho: — Apoiado, apoiado.

O Orador: — Estimo o agradeço muito os apoiados do nobre deputado.

O sr. Affonso Botelho: — Eu apoio sempre a verdade.

O Orador: — Mas á vista d'isto a verdade é que o meu adversario se vae convertendo á boa causa.

O sr. Affonso Botelho: — Não sou adversario.

O Orador: — Adversário nesta questão, em tudo mais amigo, que eu muito prezo e respeito.

O sr. Affonso Botelho: — Estou completamente convertido á verdade, á justiça, e á rasão, porque nunca estive fóra d'este campo.

O Orador: — É por todos sabido, e até confessado pelos que defendem o systema restrictivo, que á sombra d'elle se têem feito e estão fazendo as maiores falsificações (apoiados). Em todos os tempos se fizeram, ainda quando severas penas se impunham aos contraventores dos regulamentos. Fazem-se por muitos modos, como aqui tem sido evidenciado pelos meus illustres collegas que têem tratado esta questão no sentido da liberdade (apoiados), não fallando na falsificação legal, a das guias, que admittidas á venda vão depois guiar ao mercado vinho inferior, que não foi approvado (apoiados).

O systema restrictivo, ao mesmo tempo que não augmenta a exportação dos nossos vinhos, nem tem servido para conservar a genuinidade dos vinhos do Douro (apoiados), está causando gravissimos prejuizos e enormes vexames á industria vinicola das provincias do norte (apoiados). As provincias do norte são as mais vinicolas do reino; tem sido ali muito explorada esta industria; e nos annos de colheitas normaes sobe a uma quantidade espantosa o vinho que ali é produzido. Mas o commercio dos vinhos das provincias do norte não tem o desenvolvimento que pôde e deve ter, emquanto durar o injustificavel e odiosissimo privilegio exclusivo da barra do Porto (apoiados). As outras barras não se prestam a facilitar este commercio, porque n'ellas só entram navios de pequeno lote; raras vezes ali aportam embarcações de procedencia estrangeira, nem para ellas podem estabelecer se carreiras regulares de navegação de longo curso. Junto a essas barras não ha povoações aonde estejam centralisados o commercio em grande, os capitães, e estabelecimentos de credito, e os correspondentes das praças commerciaes dos portos com quem se commerceia; e assim não podem ter comparação com a barra do Porto, que gosa de todas estas vantagens.

A camara de Celorico de Basto dá como prova d'isto o commercio da exportação dos gados. A industria da sêva ou engorda dos gados e o seu commercio tem tido grande desenvolvimento no Minho; a lavoura tira valiosos proventos d'esta industria; os valores exportados em gado são já muito avultados. Mas este commercio é feito exclusivamente pela barra do Porto (apoiados). Se esta barra estivesse fechada para a exportação dos gados, como o está para a dos vinhos de certo não teria tido tão grande incremento.

O commercio dos vinhos não costuma ser feito em grandes carregações. Nenhum commerciante vae carregar um navio todo do vinho; faz se em pequenas remessas, segundo as noticias dos preços, e procura do genero nas praças estrangeiras e dos pedidos que d'ali fazem os correspondentes (apoiados). Se isto assim se passa com os vinhos fortes e alcoolisados, que se conservam muito tempo sem se estragarem, como os do Douro e Lisboa, muito maior necessidade ha de que assim seja com os vinhos fracos e verdes, que não soffrem grandes composições e que estão por isso mais sujeitos a estragarem-se.

É preciso portanto que sáiam a miudo embarcações para os portos aonde estão estabelecidos os mercados de vinhos.

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Quer V. ex.ª e a camara saber quantos navios navegam de Vianna para o Rio de Janeiro? Apenas um, que é o brigue Constancia! São estas as informações que tenho. Ora, em taes circumstancias, como é possivel fazer-se o commercio dos vinhos das provincias do norte, por Vianna? Não pôde ser. Não fallo já nas barras de Espozende e Villa do Conde, para onde nos tem encaminhado o meu nobre amigo, o sr. Affonso Botelho, porque estas estão muito abaixo da de Vianna; ali só entram hiates e embarcações pequenas que servem para o commercio entre os portos do reino.

O sr. Affonso Botelho: — E manda lo para lá.

O Orador: — Não pôde ser pelas rasões que acabo de expor á camara (apoiados).

Mas temos ainda mais a ponderar o augmento de despezas de condução para levar os vinhos a Vianna. Os melhores vinhos verdes são produzidos no baixo Minho, em Trás os Montes, e Vianna fica já bastante ao norte, e para se conduzirem estes vinhos têem de fazer duplicada despeza na conducção, e isto augmentando o preço por que devem ser postos á venda nos mercados estrangeiros, faz com que não possam concorrer com os das outras nações.

Do concelho de Celorico de Basto já se tem exportado algum vinho por Vianna para o Brazil, mas tem ido primeiramente ao Porto; ali é preparado e engarrafado, o depois remettido a Vianna para seguir para o Rio de Janeiro. Veja V. ex.ª que accumulação de despezas, e que difficuldades não ha para estabelecer por Vianna este commercio! (Apoiados.)

Os defensores do systema protector dizem que queremos a liberdade para podermos falsificar os nossos vinhos imitando os do Douro; mas, como eu já disse ha pouco, com as leis restrictivas é que se têem feito as maiores falsificações que é possivel imaginar (apoiados). São mesmo os nossos adversarios que o confessam.

Alem d'isso o vinho de Basto assim chamado, porque é produzido nos tres concelhos, Celorico de Basto, Cabeceiras de Basto e Mondim de Basto, e nos que lhe são contiguos nas margens do Tamega, que é o melhor vinho verde do Minho, e em geral quasi todos os do Minho têem qualidades especiaes, que o tornam improprio para estas falsificações (apoiados); mas ainda quando comportasse estes despendiosissimos temperos e confeições, não vale a pena ao lavrador fazer estas despezas, que o preço depois lho não remunera. Convem-lhe mais vende-lo simples e com as suas qualidades naturaes (apoiados). São estas as principaes rasões em que se funda a representação que vou ter a honra de mandar para a mesa, e nada mais diria sobre este objecto, se o nobre deputado, meu antigo amigo, o sr. Garcez, nos não tivesse aqui dito por occasião da discussão da resposta á falla do throno. Pois a questão dos vinhos ainda está verde!! Está a caír de madura, como aqui disse o meu nobre collega e amigo, o sr. Coelho do Amaral. A questão dos vinhos discute se no paiz desde muito tempo. Têem se gasto com ella resmas do papel, tanto na imprensa periodica como em opúsculos sobre este objecto. Com o que se tom escripto a este respeito pôde compor se uma boa bibliotheca.

No parlamento tem sido discutida em todas as sessões de ambas as camaras desde 1820. Em 1860 trouxe a esta camara um projecto de lei no sentido da liberdade do commercio dos vinhos, o nobre deputado e meu amigo, o sr. Antonio de Serpa, quando ministro das obras publicas; teve uma pequena discussão e foi votado por grande maioria. Caducou este projecto na outra casa do parlamento, por causa da dissolução da camara dos deputados

Nas sessões seguintes continuámos a instar por que se resolvesse esta questão. Vieram então os meios impeditivos, as moratorias, pediu-se uma commissão de inquerito, que nada inquiriu (apoiados), votámo-la todos com a condição de que na sessão seguinte, e logo no principio d'ella, fosse presente á camara o resultado do inquerito, mas ainda então não estava installada a commissão, e creio que nem nomeados os seus membros!

Na sessão do anno passado resolveu a commissão de vinhos trazer á camara o projecto do sr. Antonio de Serpa, cuja iniciativa tinha sido renovada por elle. Foi ouvido o governo, e o nobre presidente do conselho, então ministro das obras publicas, abraçou em toda a sua plenitude o pensamento da absoluta liberdade do commercio dos vinhos para base do projecto, ainda quando o sr. Serpa, eu e mais alguem da commissão ali faziamos solemne declaração de que — em attenção ás prevenções e preconceitos que havia no Douro, aceitaríamos quaesquer modificações que no seio da commissão ou na camara se apresentassem, uma vez que não contrariassem absolutamente o principio da liberdade, e especialmente a franquia da barra do Porto para a exportação de todos os vinhos do paiz. Vieram de novo os meios impeditivos, choveram as representações e os meetings, diante dos quaes o governo fez adiar esta questão. Que falta portanto para se julgar madura esta questão? Falta que se resolva quanto antes, e no interesse geral do paiz, pondo-se de parto interesses particulares (apoiados). Isto não só é necessario, mas é da maior urgencia, porque se nos offerece occasião de estabelecermos um grande mercado para os nossos vinhos fracos, o especialmente para os vinhos verdes do Minho.

E esta a occasião de podermos recuperar a posição perdida nos mercados do Brazil. São os nossos compatriotas, principaes negociantes de vinhos na praça do Rio de Janeiro, que o dizem, dirigindo-se ao sr. conselheiro Nazareth, quando ali nosso consul, para que diligenciasse perante o governo portuguez, para que fosse franqueada a barra do Porto para a exportação de todos os vinhos. As severam que em poucos annos ha de subir a exportação do vinho verde a 25:000 ou 30:000 pipas, e que de futuro poderá ser ainda duplicado o consumo, se o governo portuguez auxiliar este commercio, removendo-lhe todos os obstaculos.

A feição característica do mercado de vinhos no Brazil tem feito uma completa mudança, especialmente no Rio de Janeiro. A maior parte da população dá preferencia aos vinhos pouco alcoolisados, mais proprios do clima d'aquellas regiões. Entre estes são particularmente muito estimados os do Minho; o melhor mimo que ali se pôde fazer a um amigo é mandar-lhe algumas garrafas de vinho verde do Minho. O que ali chega em boas condições, através de todas as difficuldades causadas pelo exclusivo da barra do Porto, vende se por preço superior a todo o outro, e é muito estimado.

Quando no Rio de Janeiro se vende uma garrafa de vinho de Lisboa por 400 réis, a do Minho dá 500 réis o mais; e perguntam todos porque o não mandam para ali em maior quantidade.

Encontrei ha pouco tempo, n'um jornal do Porto, uma correspondencia do Rio de Janeiro, que peço licença para ler á camara na parte em que traz a cotação do preço dos vinhos n'aquelle mercado nos fins de outubro e principios de novembro findos. Está publicada no Diario Mercantil, de 29 de novembro, e tom a data do Rio de Janeiro, de 7 do corrente mez:

«Durante a quinzena houve pouco movimento no nosso mercado de importação. Venderam-se cerca de 1:300 pipas de vinho do Mediterraneo e cerca de 200 pipas do de Lisboa aos extremos de 210$000 a 225$000 réis. O vinho verde, vindo pelo Constancia, tem sido procurado, e vendido de 220$000 a 240$000 réis a pipa. O vindo em caixas, da mesma procedencia, tem obtido 9$500 réis por caixa de 12 garrafas, em attenção á boa qualidade do artigo.»

Em vista do que tenho exposto á camara nenhuma duvida pôde haver de que é da maior urgencia resolver esta questão quanto antes e no sentido da liberdade, porque é com ella que virão ao paiz vantagens incalculáveis».

Quando na sessão do dia 13 nos estava esclarecendo sobre esta questão o meu nobre collega e amigo o sr. Coelho do Amaral, e dizia, que depois da representação, que mandava para a mesa, haviam de vir outras no mesmo sentido, viu na minha mão um papel e disse, que lhe parecia ser outra representação, que eu tinha a apresentaria camara. Disse ou = que assim era e que era espontanea como as do Douro =. S. ex.ª declarou = que aceitava a phrase com reserva—. Preciso portanto de me explicar. Quando disse — que a representação da camara de Celorico era espontanea como as do Douro, alludi á immerecida censura, que n'uma das sessões do anno passado nos fez o nobre deputado o sr. Affonso Botelho, exaltando a espontaneidade das representações e meetings do Douro; e dizendo, que as nossas eram encommendadas d'aqui e que tambem já prometia-mos meetings antecipadamente.

O sr. Affonso Botelho: — Eu não disse nada d'isso. O Orador: — Isto consta do Diario; eu alem d'isso invoco o testemunho da camara; eu vendo que o nobre deputado queria tambem um exclusivo de espontaneidade para as representações, tratei de collocar-me dentro da area do terreno da circumscripção d'este privilegio. Creio que com esta explicação pôde o nobre deputado aceitar a minha phrase sem reserva. Eu entendo que todas as representações depois de firmadas sem coacção pelos que representam têem igual valor (muitos apoiado?). Creio mesmo que não faz mal. Deputado, que d'aqui lembra aos que o elegeram a conveniencia de representar n'este ou n'aquelle sentido.

O sr. Coelho do Amaral: — E o seu dever. A respeito da espontaneidade das representações e dos meetings não digo mais cousa alguma. Não me lembro de que prometêssemos meetings. Alguém disso que se fosse preciso que tambem os faria...

O sr. Coelho do Amaral: — Fui eu que o disse. O Orador: — Pois bem, mas não os fizemos, porque não eram precisos. Se julgassemos que eram necessarios, porque se não haviam de fazer? (Apoiados.) A sciencia de os preparar, dirigir, o até de os desviar do seu primeiro fim, não é muito difficil, está ao alcance de todos. Aos meetings do Douro, ao grande meeting de Villa Real, eu contraponho um grande meeting que se faz em Braga todos os annos. São as consultas da junta geral do districto de Braga, em que todos os annos se pede que seja decretada a liberdade do commercio dos vinhos de todo o paiz.

Eu vou terminar, e por isso ponho de parte os argumentos de que se servem os defensores das restricções, quando mimoseiam os membros da commissão que assignaram o projecto da liberdade do commercio de vinhos, com os epithetos de espoliadores, attentadores contra a propriedade, e assassinos do Douro. Quem estabelece estas asserções, quem argumenta com a naturalidade da barra do Porto, sómente para a area da circumscripção, com exclusão de todos os mais terrenos das tres provincias que o Douro banha, com os contratos bilateraes feitos entrn o governo e os lavradores do Douro, quando se estabeleceu o systema restrictivo, com o direito de propriedade, posse, e até com a prescripção, está muito pobre de argumentos; não tem outros (apoiados).

Concluo pedindo a v. ex.ª que me inscreva para quando o nobre ministro das obras publicas vier á camara para se tratar d'esta questão.

Mando a representação para a mesa e peço que seja publicada no Diario de Lisboa. Ella vem concebida em termos do cortezia e submissão como o devêra ser todas as que são dirigidas aos poderes publicos, e por isso merece a publicação que tem sido concedida a todas as outras que têem sido dirigidas a esta camara sobre este assumpto (apoiados).

O sr. Mello e Mendonça: —.Mando para a mesa um parecer da commissão do ultramar.

O sr. B. F. de Abranches: — Mando para a mesa uma nota para tornar parte na interpellação annunciada pelo sr. Sá Nogueira ao sr. ministro da marinha, sobre o trafico da escravatura.

O sr. Bivar: — Como se vae passar á ordem do dia, não posso fundamentar um projecto de lei que vou mandar para a mesa; e peço que se me reserve a palavra para outra occasião, para outros objectos.

O sr. Torres e Almeida: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes do exercito convencionado em Evora Monte, residentes na provincia do Minho, reclamando a realisação das promessas consignadas no decreto com força de lei de 23 de outubro de 1851.

De bom grado me associo ao pedido d'estes officiaes que, quando não tivessem outros titulo» á nossa consideração, bastava-lhes o do infortunio, que é sempre digno de respeito. Creio que esta camara, essencialmente liberal e tolerante, não poupará esforços para apagar os vestigios das nossas passadas dissensões, e cicatrizar as feridas abertas pelas lutas civis. Vae n'isso o interesse de todos, vae n'isso o interesse do paiz.

Igualmente mando para a mesa um requerimento do sr. Alexandre Coelho de Sousa e Sá, digno delegado do procurador regio na comarca da Povoa de Lanhoso, pedindo para ser considerado em effectivo serviço desde 9 de setembro de 1839 pelos motivos que expende.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

ELEIÇÃO DA COMMISSÃO DE INQUERITO SOBRE OS ACONTECIMENTOS DE VILLA REAL POR OCCASIÃO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAES

Corrido, o escrutinio verificou-se terem entrado na urna 132 listas, sendo 2 brancas. Maioria absoluta 68. Saíram eleitos:

Os srs.

Mártens Ferrão com … 92 votos

Coelho do Amaral … 73 votos

Torres e Almeida … 73 votos

Costa e Silva … 72 votos

Oliveira Baptista … 72 votos

Luciano do Castro … 71 votos

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DA PROPOSTA DO SR. CASAL RIBEIRO PARA QUE A COMMISSÃO DE FAZENDA FOSSE ENCARREGADA DE EXAMINAS O REGULAMENTO GERAL DE CONTABILIDADE DE 12 DE DEZEMBRO DE 1863, E DAR SOBRE ELLE O SEU PARECER

O sr. Faria Blanc (sobre a ordem): — Pedi a palavra sobre a ordem e em observancia do regimento interno d'esta casa, principio lendo a minha moção de ordem que concebi nos seguintes termos:

«A camara satisfeita com as explicações dadas pelo sr. ministro da fazenda, passa á ordem do dia.»

Para sustentar a moção que acabo de ler e vou mandar para a mesa, não posso dispensar-me de fazer algumas observações com relação á proposta que se discute.

Bem quizera coordenar as minhas idéas com tanta simplicidade e clareza que, sem ser taxado de prolixo podesse condignamente satisfazer ao importante fim de que me fiz cargo; mas não é para engenhos medíocres tão ardua empreza, quando collocado na melindrosa e difficil posição de responder ao illustre deputado que acaba de fallar, que é incontestavelmente uma das primeiras illustrações do nosso paiz, e um dos primeiros ornamentos d'esta camara (apoiados). No entretanto não duvido entrar na questão, porque estou convencido que defendo a causa da verdade e da justiça, e como a verdade é uma só, apparecendo ella em toda a sua luz, serão baldados os esforços da arte e da eloquencia empregados para a offuscar (apoiados).

Entendo que a proposta do illustre deputado o sr. Casal Ribeiro é, não só inutil e desnecessaria, como altamente inconveniente (apoiados). Sustenta s. ex.ª que o regulamento geral de contabilidade publica de 12 de dezembro de 1863 contém disposições legislativas, ou que para terem execução carecem de auctorisação do corpo legislativo, sendo este o motivo por que pede que seja remettido á commissão de fazenda para ser revisto e examinado.

Parecendo-me que no regulamento geral de contabilidade publica se não encontra uma unica disposição cujo sentido não esteja em harmonia com as leis do paiz, e sendo da exclusiva competencia do poder executivo, nos termos do § 12.° do artigo 75.° da carta, expedir decretos, instrucções e regulamentos adequados á boa execução das leis, fica evidente que ao torna inutil e desnecessario mandar o regulamento geral da contabilidade publica á commissão de fazenda, uma vez que se mostra e prova, que o governo publicando esta importantissima medida obrou dentro da esphera das suas attribuições (apoiados). O contrario seria estabelecer o desequilibrio entre os poderes politicos do estado.

A unica disposição que no regulamento se encontra, que tem feito suscitar algumas duvidas sobre a verdadeira intelligencia da lei que a motivou, é a que respeita ao thesoureiro pagador da junta do credito publico.

Mas estas duvidas deviam desapparecer em presença da proposta apresentada pelo sr. ministro da fazenda com relação ao quadro do» empregados da junta do credito publico (apoiados).

A este respeito disse o sr. deputado Casal Ribeiro o seguinte:

«E agora acrescento que me é licito duvidar, quando o primeiro a duvidar foi o proprio sr. ministro da fazenda; foi s. ex.ª o primeiro que duvidou que o regulamento geral de contabilidade publica fosse puramente regulamentar; e tanto duvidou, que trouxe uma proposta de lei com referencia á organisação da junta do credito publico, que não

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é outra cousa senão á confirmação legislativa de regulamento.»

S. ex.ª entendeu que o sr. ministro, com a apresentação d'aquella proposta, reconhecêra que tinha exorbitado das suas attribuições, legislando; quando o nobre ministro não fez outra cousa mais do que fazer referencia a uma lei do paiz. E necessario entender se a proposta do sr. ministro em termos habeis; s. ex.ª não veiu declarar á camara que tinha exorbitado das suas attribuições; s. ex.ª não fez mais do que vir solicitar do corpo legislativo a interpretação authentica do artigo 4.° da lei de 20 de julho de 1843.

Logo farei ver em como esta disposição, que se encontra no regulamento geral de contabilidade publica, está em harmonia com o espirito da lei, cuja execução se procurou regular.

Mas a proposta do sr. Casal Ribeiro não é só inutil e desnecessaria, como disse, é altamente inconveniente, porque apesar do que disse o illustre deputado, sendo approvada, daria em resultado a suspensão do regulamento geral de contabilidade publica (apoiados).

Pois em que termos está formulada a proposta do illustre deputado? Indica s. ex.ª porventura quaes são as disposições do regulamento que entende precisarem de sancção legislativa? O nobre deputado não fez na sua proposta indicação alguma; pediu que o regulamento fosse mandado á commissão para ser revisto e examinado. Ora, se a camara approvasse esta proposta não podia dispensar se de approvar a outra para a suspensão do regulamento; era a conclusão logica da approvação da primeira, e isto com grave prejuizo d'este importante ramo de serviço publico, porque todos nós sabemos que a contabilidade publica exarando os factos com exactidão e verdade, habilita-nos assim a conhecermos pelo exame d'esses mesmos factos a conveniencia da administração ou a necessidade da sua fazenda (apoiados).

Quando uma nação, depois de grande sacrificios e muitas vezes de enormes prejuizos, conquista a sua liberdade e chega a estabelecer um systema politico assente sobre bases solidas, organisando uma administração proficua e vantajosa para o paiz, cumpre aos poderes publicos vigiar pela conservação e estabilidade do novo systema, fortificando o seu mais solido esteio, e este é inquestionavelmente a contabilidade publica, que deve ser organisada de modo que satisfaça ao fim a que se destina.

E para que a contabilidade publica podesse satisfazer ao fim a que se destina, foi que o sr. ministro da fazenda publicou o regulamento geral de contabilidade publica de 21 de dezembro de 1863, codificando todas as disposições existentes sobre este assumpto e particularmente as instrucções de 2 de dezembro de 1835, os decretos de 30 de dezembro do 1839 e 12 de dezembro de 1842, as instrucções de 8 de fevereiro de 1843, o regulamento de 28 janeiro de 1850, o decreto de 10 de novembro de 1849, o regulamento de 11 de julho de 1850, a lei de 15 de julho de 1857, e muitas outras leis e disposições que se têem publicado sobre este ramo do serviço publico (apoiados).

O sr. ministro da fazenda, publicando esta medida, prestou um valiosissimo serviço ao seu paiz (apoiados), porque veiu estabelecer a necessaria harmonia na escripturação do estado; porque estabeleceu a uniformidade nos methodos tão variadamente adoptados nas differentes repartições publicas; porque habilitou estas repartições a poderem funccionar com regularidade, e, finalmente porque habilitou o tribunal de contas a satisfazer aos importantissimos fina da sua instituição (apoiados).

Permitta me o nobre deputado o sr. Casal Ribeiro que eu lhe diga que — extremamente me surprehendeu esta sua proposta, porque tendo s. ex.ª sempre reconhecido a necessidade urgente de se publicar o regulamento geral de contabilidade, eu não esperava que s. ex.ª apresentasse uma proposta que ha de dar em resultado, ou daria em resultado sendo approvada pela camara, a suspensão d'essa medida, que s. ex.ª sempre reconheceu util, necessaria, conveniente e da maior urgencia.

E eis-aqui a rasão por que eu disse que a proposta do nobre deputado era não só inutil e desnecessaria como altamente inconveniente.

. No relatorio que precede o decreto n.° 1 de 19 de agosto de 1859, o sr. Casal Ribeiro reconheceu a necessidade urgente de se publicar esta importante medida, porque s. ex.ª disse que = alem das medidas a que se referia aquelle decreto outras havia de reconhecida conveniencia publica, e complementares d'ellas, taes como o regulamento geral de contabilidade publica, codificando as disposições existentes sobre este assumpto, a reforma das recebedorias, e outras =, concluindo s. ex.ª por dizer que = estas medidas dependiam comtudo em parte da auctorisação do corpo legislativo =.

S. ex.ª explicando esta parte do seu relatorio disse que = sempre estivera convencido de que a auctorisação do corpo legislativo era necessaria para a organisação e publicação do regulamento geral de contabilidade, que assim o manifestava a parte do seu relatorio que acabava de ler =. Em vista d'esta declaração, vejo-me necessitado a confessar á camara que estive por muito tempo em erro, interpretando esta parte do relatorio do nobre deputado por um modo muito differente. No entretanto declaro que o relatorio effectivamente se presta á intelligencia que o nobre deputado lhe deu.

Entendi-o erradamente. Não me atrevo a contradizer o illustre deputado.

Combinando porém os factos posteriormente praticados pelo illustre deputado com aquillo que se acha no relatorio, pareceu-me que com effeito s. ex.ª, quando fallou de auctoridade do corpo legislativo não se referiu á publicação do regulamento geral de contabilidade publica; n'esta parte

s. ex.ª limitou se a fallar na codificação das disposições existentes, o que parecia indicar que a auctorisação se referia ás outras medidas que no relatorio se mencionavam, e mais se me afigurou ser esta a verdadeira intelligencia do relatorio do nobre deputado, observando o posterior procedimento de s. ex.ª, pedindo auctorisação para a reforma das recebedorias e para outras medidas, e não a solicitando para o alludido regulamento.

Ora eu, que faço inteira justiça á elevada intelligencia e alto saber de s. ex.ª, e que reconheci sempre no nobre deputado um excessivo zêlo pelos interesses do estado, não podia acreditar que pedisse auctorisação para reformar 33 recebedorias e se esquecesse de a solicitar para uma medida tão importante como por certo é o regulamento geral de contabilidade, que s. ex.ª sempre reconheceu de grande conveniencia e utilidade publica.

Creio que estava em erro, como disse. E não fallei n'este ponto senão para registar este facto (apoiados).

Sr. presidente, V. ex.ª e os meus collegas estarão lembrados que eu interpellei o sr. Antonio José d'Avila, quando ministro da fazenda, sobre o estado da contabilidade publica, fazendo ver a necessidade que havia de proceder á reforma d'este importantissimo ramo de serviço, publico, mostrando sobretudo a necessidade de quanto antes se publicar o regulamento geral de contabilidade. O sr. Antonio José d'Avila teve a bondade de me responder, não contestando a verdade dos factos que eu tinha referido, e declarando que já tinha nomeado uma commissão, composta de pessoas competentes, para o fim de apresentar alguma medida que remediasse em parte os males a que me tinha referido. Saiu porém do ministerio o ar. Antonio José d'Avila e]o regulamento geral de contabilidade publica não appareceu.

Entrou o sr. Lobo d'Avila para a pasta da fazenda, e s. ex.ª reconhecendo que era de urgente necessidade a publicação d'esta importante medida, tratou de organisar o regulamento geral de contabilidade; organisou-o com effeito, e, julgando conveniente submette-lo ao exame de pessoas competentes no assumpto, nomeou para este fim uma commissão composta de cavalheiros respeitaveis pela sua illustração e elevada intelligencia, que foram os srs. visconde de S. Bartholomeu, presidente do tribunal de contas; conselheiro Paiva Pereira, vogal; e Pereira Garcez, secretario do mesmo tribunal; alem dos chefes das repartições de contabilidade dos diversos ministerios.

Esta commissão reuniu-se tres e quatro vezes por semana no gabinete do sr. ministro da fazenda, e comquanto eu não I fizesse parte d'ella, posso todavia asseverar á camara que o nobre ministro assistiu sempre a todas as sessões, tomou j a parte mais activa nas discussões, e que á sua reconhecida illustração, á sua energia e decidida vontade se deve a publicação d'esta importante medida (muitos apoiados).

Publicou-se o regulamento geral de contabilidade publica, e não sendo impugnado pelo lado da conveniencia e da utilidade, todavia elle veiu servir de mais um pretexto para se dirigirem violentíssimas accusações ao nobre ministro da fazenda, sustentando-se na imprensa e hoje no parlamento pela bôca do illustre deputado que acabou de fallar, que

s. ex.ª tinha exorbitado das suas attribuições legislando. É notavel que não haja acto algum praticado pelo sr.

Lobo d'Avila, nem medida alguma da sua iniciativa, por mais util e conveniente que seja, que não sirva de pretexto para se dirigirem accusações ao nobre ministro, de cuja illustração ninguem duvida, e em quem a imparcialidade e a inteireza, a honra e a probidade são qualidades proverbiaes (apoiados).

Não venho fazer aqui o elogio do nobre ministro: s. ex.ª não carece dos meus elogios; é o amor da verdade que arteiramente se pretende encobrir que assim me obriga a fallar. Este facto de se dirigirem sempre os ataques e accusações ao sr. ministro da fazenda, tempo houve que se apresentava como um mysterio, cujas espessas sombras nos não era dado romper; hoje porém rompeu-se o véu, desappareceu o mysterio, e todos sabemos os motivos por que as accusações se dirigiam particularmente a s. ex.ª

Nada mais direi sobre este objecto, porque nada poderia acrescentar ao que com tanta clareza foi dito a este respeito pelo eloquente orador que primeiro fallou, sustentando a resposta ao discurso da corôa (apoiados).

Disse que = a disposição que se encontra no regulamento geral de contabilidade publica, com relação ao thesoureiro pagador da junta do credito publico, estava em harmonia com a lei que motivou aquella disposição =, e entendo que disse a verdade, como passo a demonstrar.

Sr. presidente, os regulamentos têem por fim estabelecer o modo pratico, pelo qual se devem executar as differentes disposições das leis; mas como, para a boa interpretação das leia, não basta dar ás suas palavras o seu obvio e natural sentido, sendo simultaneamente necessario que, com muita particularidade, se attenda á sua genuina significação e força, com relação ao objecto de que se trata e á intenção do legislador, porque o espirito das leis ou a intenção do legislador é a bussola que dirige o interprete na intelligencia das suas differentes disposições, resulta d'aqui, por uma conclusão logica, que os regulamentos importam tambem a execução do pensamento da lei. Esta doutrina é exacta e verdadeira, assenta nos bons principios e regras de hermeneutica juridica, e em conformidade com estes principios deve ser entendida a disposição do § 12.° do artigo 75.° da carta constitucional, que diz o seguinte: «É attribuição do poder executivo expedir decretos, instrucções e regulamentos adequados á boa execução das leis». Portanto para que as leis sejam bem executadas, cumpre attender, tanto á sua letra, como ao seu espirito e fim.

Estabelecidos estes principios, vejamos agora qual foi a intenção do legislador na disposição que se lê no artigo 4.° da lei de 8 de junho de 1843.

Extincta a junta dos juros e dos reaes emprestimos foi creada a junta do credito publico pela carta de lei de 15 de julho de 1837, que no § 2.°, do artigo 2.°, auctorisou o governo a nomear, sobre proposta da mesma junta, os empregados que fossem necessarios para o serviço d'aquella repartição. Publicou se depois a lei de 8 de junho de 1843, e no artigo 4.° d'esta lei ordenou se que os empregados da junta seriam os constantes da tabella annexa á mesma lei, e da qual ficava fazendo parte integrante.

N'esta tabella que subsiste porque não foi revogada, mas sómente additada pela lei de 24 de janeiro de 1854, declara-se que haverá na junta do credito publico um fiel recebedor e um fiel pagador.

Estas duas entidades, fiel recebedor o fiel pagador, pressupõem a existencia da outra denominada thesoureiro; e consequentemente a lei auctorisava a nomeação de thesoureiro para a junta do credito publico, porque de contrario cairíamos no absurdo de suppor que fóra da intenção do legislador que a junta exercesse as funcções de thesoureiro. E digo absurdo, porque o facto de ordenar constituo uma responsabilidade distincta do facto de pagar, e como a junta do credito publico compete ordenar os pagamentos, se ella fosse tambem auctorisada a exercer as funcções de thesoureiro, resultava d'esta auctorisação a reunião das duas indicadas responsabilidades, o que é contra os mais triviaes principios de economia e administração. O ordenamento não se deve confundir com o pagamento; quem ordena não paga (apoiados). Estas duas responsabilidades são tão distinctas e diversas que mutuamente se fiscalisam, e tanto assim é que o thesoureiro pagador não deve, nem pôde, cumprir as ordens de pagamento que receber quando reconheça n'ellas alguma illegalidade ou exorbitancia.

E como as leis não podem ser entendidas de modo que conduza ao absurdo, fica evidente que o artigo 4.° da lei de 8 de junho de 1843 auctorisa a disposição do artigo 142.° do regulamento da contabilidade publica de 12 de dezembro de 1863 (apoiados).

Cumpre ter muito em vista que da reunião d'estas duas responsabilidades resultaria grave transtorno para o serviço e difficuldades para a fiscalisação superior que jamais seria convenientemente exercida, porque o tribunal de contas, não julgando separadamente as contas do thesoureiro da juntado credito publico, não poderia satisfazer ao preceito do artigo 14.° do decreto n.° 1 de 19 de agosto de 1859, que diz assim: «O tribunal de contas profere em cada anno, por uma declaração geral, o resultado do exame da conta de cada um dos ministerios e junta do credito publico, e das contas geraes do estado do exercicio findo, comparadas com a legislação que auctorisa a receita e despeza respectiva, o com as contas individuaes dos responsáveis». É portanto indispensavel, para poder verificar-se a declaração de que falla a lei, que haja na junta do credito publico um thesoureiro pagador que submetta as suas contas ao julgamento do tribunal respectivo (apoiados), para que o mesmo tribunal possa comparar as contas d'este responsavel com as da junta, e proferir depois a sua declaração final (apoiados).

Mas a intelligencia que dou á lei de 8 de junho de 1843 é a mesma que lhe deu o sr. Casal Ribeiro, porque se recorrermos ao decreto n.° 1-, de 19 de agosto de 1859, ahi encontrâmos sanccionada a verdade da doutrina expendida.

Este decreto, attendendo á necessidade de sujeitar as contas da junta do credito publico ás mesmas formalidades e garantias a que estão sujeitas as dos ministerios, e considerando a junta equiparada aos ministerios e os seus subordinados aos subordinados dos ministerios, diz no artigo 11.° que compete ao tribunal do contas julgar em unica instancia as contas dos thesoureiros, recebedores e pagadores de todos os ministerios, e da junta do credito publico =, o que importa a idéa de que na junta do credito publico devo existir a entidade thesoureiro (apoiados).

Sustento que foi esta a intelligencia que o sr. Casal Ribeiro deu á lei de 8 de junho de 1843, porque s. ex.ª, que todos nós respeitámos pela sua elevada intelligencia, não faria referencia ao thesoureiro da junta do credito publico, se porventura estivesse convencido que a lei não auctorisava a nomeação d'este empregado. O nobre deputado, sempre zeloso pelo bem do serviço publico, se entendesse que a lei lhe não dava similhante auctorisação te-la-ia solicitado, não podendo suppor-se que tivesse em vista estabelecer disposições inexequiveis, e que fosse sua intenção exceptuar a junta do credito publico da providente o sabia disposição do artigo 14.° do citado decreto n.° 1, de 19 de agosto de 1859, que expressamente se refere á junta, mas que não teria execução com respeito a esta repartição se a lei prohibisse a nomeação do thesoureiro, de que trata o artigo 11.° do mesmo decreto (apoiados).

Parece-me portanto que o regulamento geral da contabilidade publica, de 12 de dezembro de 1863, quando trata do thesoureiro pagador dos juros da divida publica interna, regula apenas a execução da lei de 8 de junho de 1843 que, em attenção ao seu espirito e fim, não pôde ser interpretada por modo differente (apoiados).

Passarei agora a responder aos argumentos apresentados pelo illustre deputado era sustentação da sua proposta.

A proposta do illustre deputado é concebida nos seguintes termos:

«Proponho que a commissão de fazenda seja encarregada com urgencia de examinar o regulamento geral de contabilidade de 12 de dezembro de 1863, e propor a sancção legislativa das providencias contidas no mencionado regulamento, que porventura d'ella careçam e devam ser conservadas.»

Estas providencias que s. ex.ª entende que carecem de sancção legislativa são: primeira, a que respeita á prescripção das dividas passivas do estado; segunda, a que respeita á accumulação de gratificações por diversos serviços;

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terceira, a que respeita ás excepções feitas ao principio geral de que as obras publicas e os fornecimentos para o exercito e marinha devem ser feitos sempre por concurso publico; quarta, a que respeita á contabilidade legislativa, sustentando s. ex.ª que no regulamento se estabeleceram disposições estatuindo o modo como o corpo legislativo ha de exercer a sua acção fiscal sobre a gerencia financeira do governo; quinta, aquella que respeita ao pagamento dos vencimentos em divida pertencentes a exercicios findos, sobre que s. ex.ª hoje particularmente fallou.

Principiarei pela prescripção das dividas passivas do estado.

Entendo que a disposição que se lê no regulamento geral de contabilidade publica, pelo que respeita á prescripção das dividas passivas do estado, está em perfeita harmonia com as leis do paiz. As disposições que se lêem nos artigos 60.°, 61.º e 62.° do regulamento estão de perfeito accordo com o que se dispõe no capitulo 209.° das ordenanças de fazenda de 17 de outubro de 1516.

Lembro ao illustre deputado que a theoria das leis obsoletas já não vigora, segundo me parece. Nenhuma lei 6 obsoleta, nenhuma lei se deve reputar em desuso ou revogada, emquanto não houver outra lei que effectivamente a revogue. Este principio está hoje adoptado, e entendo que n'esta parte não pôde haver a menor duvida. Sem que haja uma lei que derogue outra expressamente aquella está effectivamente em vigor. O capitulo 209.° das ordenanças de fazenda de 1516 estabelece de facto o principio da prescripção de cinco annos para as dividas passivas do estado, e eu não repetirei a leitura que o illustre deputado, o sr. Casal Ribeiro, já fez da parte do capitulo que diz respeito a este ponto.

Mas diz o illustre deputado: «Para que fomos nós buscar ás ordenanças de fazenda, de 17 de outubro, esta disposição, se nós a temos e a vemos estabelecida em outros paizes em leis muito posteriores á data d'essas ordenanças».

Pois nós estamos regularisando a execução das leis estranhas, ou a das leis patrias?! Nós referimo-nos á nossa legislação, só o unicamente a ella; e como tinhamos estabelecido na lei patria o principio da prescripção, o sr. ministro da fazenda, que não encontrou essa disposição revogada em lei alguma posteriormente feita, adoptou a no seu regulamento, e fez muito bem (apoiados).

Pois se quando em 1831 se apresentou em França a lei que acabou de ler o illustre deputado, esta providencia foi ali applaudida como eminentemente economica e financeira, e é hoje reconhecida como tal, havemos nós, não sei por quê, considerar esta disposição obsoleta, injusta, inconveniente e inutil? Isto não pôde ser. Pois se temos uma lei que a auctorisa, não havemos de admitti la, e havemos de considerar obsoleto este principio da prescripção? Não vejo motivo para isso; muito principalmente quando não encontrámos lei alguma patria que revogasse a disposição do capitulo 209.º das ordenanças de fazenda de 1516.

Citou o illustre deputado a lei de 12 de agosto de 1853 que trata da prescripção dos vencimentos das classes inactivas. Esta lei veiu estabelecer uma excepção ao principio geral, e a lei que estabelece uma excepção confirma a regra em contrario; esta é a verdade. E encontra-se porventura n'esta ou em outra qualquer lei alguma disposição que revogasse o capitulo 209.° das ordenanças de fazenda de 1516? A prescripção especial era relação a certos e determinados credores não importa de modo algum a revogação do principio geral.

Mas disse ainda o illustre deputado: «Porque não estabeleceu o sr. ministro da fazenda todas essas disposições excepcionaes no seu regulamento?» Porque era inutil sobrecarrega-lo com uma immensidade de disposições; porque não carecia de que ali se inserissem todas essas disposições que effectivamente estão estabelecidas em leis que se achara em vigor.

O sr. ministro da fazenda não revogou lei alguma no seu regulamento. S. ex.ª tratou de regular a execução das leis existentes, e estabeleceu principios geraes com relação ao direito commum. E sendo assim, a junta do credito publico não podia, não devia nunca imaginar, que o sr. ministro da fazenda, nas disposições que adoptou no regulamento relativamente aquella repartição, tivesse em vista, como se diz na consulta da mesma junta, revogar a legislação que se achava em vigor com relação ao pagamento dos juros dos titulos da divida publica fundada.

Já que fallei da junta do credito publico, aproveitarei este ensejo para dizer alguma cousa mais relativamente a ella. Quando entrei na camara já tinha começado a discussão, não ouvi tudo o que se disse a este respeito, mas constou-me que o illustre deputado, fallando da junta do credito publico, disse que = ella fiscalisava os actos do governo =. Ora este principio é que não posso admittir (apoiados). Os actos do governo são só etnicamente fiscalisados pelo corpo legislativo (apoiados). E elle quem tem direito de fiscalisar os actos do governo, e não a junta do credito publico.

Pois o governo não presta contas? Pois não apresenta elle annualmente o seu relatorio, e não dá conta da execução de todos os seus actos e de todas as auctorisações que lhe foram conferidas pelo corpo legislativo? Exerça a camara, exerça o corpo legislativo a sua acção fiscal, e não queira dar á, junta do credito publico um direito que ella não tem, uma attribuição que lhe não pôde competir (apoiados).

Todos sabem perfeitamente que a junta reclamou e protestou contra este regulamento geral de contabilidade publica, tanto na parte relativa ao thesoureiro pagador, como na parte que estabelece o modo de regular a escripturação a cargo daquella repartição do estado.

A junta do credito publico não tem rasão alguma.

Desde o momento que se publica lira regulamento geral de contabilidade, ha de abranger todas as repartições do estado, e a junta estaria fóra da lei (o que não póde admittir se), se não lhe podessem ser applicadas as disposições do mesmo regulamento, que deixaria de ser geral se não comprehendesse todas as repartições publica».

Toquei neste ponto por incidente, e declaro que nenhuma duvida tenho de emittir desde já a opinião de que é conveniente e até absolutamente necessario que entre nós se verifique o pagamento dos juros da divida publica interna e externa pelo mesmo modo e fórma que se pratica em outras nações mais adiantadas.

De certo não é inconveniente nem inopportuno fallar n'isto, como disse o illustre deputado; porque os juristas sabem perfeitamente que as garantias do pagamento não as dá a junta do credito publico. As garantias são dadas pela lei e pelo governo que as manda executar religiosamente (apoiados), e não consente que se desviem de fórma alguma os fundos destinados para pagamento dos juros dos titulos de divida fundada.

Mas, voltando ao assumpto de que estava tratando, que era o da prescripção, perguntou o illustre deputado qual era a lei aonde o sr. ministro encontrou estabelecido o principio da prescripção de seis annos para as dividas a individuos residentes fôra do territorio europeu? Effectivamente não existe lei que na sua letra estabeleça clara e terminantemente esta disposição; mas foi o principio da igualdade e da justiça que determinou este preceito de conceder mais um anno aos credores fôra da Europa. Não sei a rasão por que, estabelecendo a lei a prescripção de cinco annos para os credores residentes dentro do territorio europeu, se não havia, por um principio de igualdade e de justiça, estabelecer a prescripção de seis annos para os credores residentes fôra d'este territorio.

Foi, repito, por este principio de igualdade que o sr. ministro da fazenda estatuiu a prescripção de seis annos para os credores residentes no ultramar.

Tambem o nobre deputado entendeu que o regulamento, no artigo 17.°, tratando da accumulação do gratificações por diversos serviços, contém disposições que se não achara em harmonia com as leis em vigor. O artigo 17.° diz o seguinte:

«Art. 17.° E prohibida a accumulação, no mesmo individuo, do soldos ou ordenados, embora se ache desempenhando diversas funcções do serviço publico.

Ǥ unico. Exceptuara-se d'esta regra:

«1.° As gratificações concedidas aos que accumulam diversos serviços;

«2.° As accumulações auctorisadas por leis especiaes.»

A fonte d'esta disposição é o decreto com força de lei do 30 de julho de 1844. Este decreto prohibiu no artigo 1.° a accumulação de dois ou mais vencimentos, sejam de que natureza forem, pagos pelos cofres do estado, e exceptuou as gratificações por commandos militares e outras similhantes. E o artigo 3.° determina que = os individuos das classes inactivas que forem chamados a serviço temporario ou de commissão vençam uma gratificação conforme a qualidade e natureza do serviço que prestarem =.

Já se vê portanto que a disposição do § 2.° do artigo 1.º da lei de 30 de julho de 1844, que se refere ás gratificações por commandos militares e outras similhantes, permitte a accumulação por outros serviços.

Assim, interpretando esta disposição pela do artigo 3.°, não podemos deixar de tirar a conclusão que acima estabeleço, porque os individuos das classes inactivas, pelo facto de serem chamados para serviço temporario ou de commissão, vencem uma gratificação conforme a qualidade do serviço que prestarem e que accumulam com o vencimento da inactividade. E por isso a lei não podia deixar de estabelecer uma disposição igual, em relação aquelles que, estando na actividade, vão prestar um outro serviço, vencendo por isso uma gratificação; ha mais rasão para a perceberem do que aquelles que estão na inactividade.

Nesta parto tambem não pôde haver a menor duvida, pois que o regulamento, no artigo 17.°, está era perfeita harmonia com o decreto com força de lei de 30 de julho de 1844.

Quanto á contabilidade legislativa entendeu o nobre deputado que o sr. ministro da fazenda exorbitara, estabelecendo no regulamento o modo como o poder legislativo ha de exercer a sua acção fiscal sobre a gerencia do governo.

O sr. ministro da fazenda, seguindo na organisação do regulamento geral de contabilidade publica o systema adoptado na França e na Belgica, dividiu a contabilidade publica em contabilidade administrativa, judiciaria e legislativa; por consequencia não podia dispensar se de dedicar um capitulo d'esse regulamento á contabilidade legislativa, e é este que passo a ler:

«Contabilidade legislativa — Capitulo I — Orçamento geral do estado. — Art. 19.° As receitas e as despezas publicas de cada anno economico são auctorisadas por leis annuaes de fazenda, comprehendendo o orçamento geral do estado.

«Art. 20.° O orçamento geral do estado é o acto pelo qual são previstas o computadas as receitas e despezas annuaes, competentemente auctorisadas.

«Art. 21.° São computados no orçamento geral do estado os seguintes rendimentos:

«Contribuições e impostos directos;

«Impostos indirectos;

«Próprios nacionaes e rendimentos diverso.

«Art. 22.° São do mesmo modo incluidos no orçamento geral do estado quaesquer outros rendimentos publicos, seja de que natureza forem, que por leis especiaes estiverem a cargo dos diversos ministerios.

«Art. 23.° Para a execução do disposto no artigo antecedente os diversos ministerios enviarão mensalmente ao da fazenda uma tabella dos rendimentos pertencentes a repartições de sua dependencia, arrecadados no mez antecedente.

«Art. 24.° A avaliação da receita para o orçamento annual verifica se pela importancia da receita effectiva do ultimo anno economico, e pelo calculo do termo medio do producto liquido dos tres annos anteriores, em relação aos rendimentos que por sua natureza muito variavel não possam ser computados approximadamente pela receita effectiva de um anno sómente.

«Art. 25.° As despezas publicas serão descriptas no orçamento gorai do estado por ministerios na seguinte ordem:

«Serviço do ministerio da fazenda;

«Encargos geraes e divida publica consolidada;

«Serviço do ministerio do reino;

» do ministerio dos negocios ecclesiasticos o de justiça;

» do ministerio da guerra;» do ministerio da marinha e ultramar;» da secretária d'estado dos negocios estrangeiros;» do ministerio das obras publicas, commercio e industria.

«§ unico. A despeza respectiva a cada um dos ministerios será classificada e dividida por capitulos, artigos e secções.

«Art. 26.° Cada um dos ministros e secretarios d'estado organisa annualmente o orçamento do respectivo ministerio. O ministro o secretario á estado dos negocios da fazenda centralisa os orçamentos dos diversos ministerios, e adicionando-lhes o da receita completa o orçamento geral do estado.

«Art. 27.° O orçamento geral do estado será annualmente apresentado á camara dos deputados pelo ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda nos primeiros quinze dias depois de constituida a mesma camara.

«Art. 28.° O parlamento discute e vota annualmente o orçamento geral do estado.

«Art. 29.° Com o orçamento geral do estado serão igualmente apresentadas ás côrtes as propostas de lei para a repartição das contribuições directas, e para a auctorisação das receitas e fixação das despezas do futuro anno economico.»

Já se vê que o regulamento geral de contabilidade publica n'esta parte está em perfeita harmonia com a lei de 15 de julho de 1857, porque essa lei estabelece o modo como o governo ha de apresentar ás côrtes o orçamento geral de receita e despeza do estado e mais trabalhos inherentes, vendo-se effectivamente, por este confronto, a legalidade do regulamento n'esta parte.

Temos depois o artigo 13.º do acto addicional á carta constitucional, que impõe ao governo a obrigação de apresentar ás côrtes, nos primeiros quinze dias depois de constituida a camara dos deputados, o orçamento geral da receita e despeza do estado; pelo que o preceito do artigo 27.° do regulamento é o que está determinado no dito artigo do acto addicional. Entretanto o que parece que mais impressionou o sr. Casal Ribeiro foram as disposições dos artigos 41.° e 42.° do mesmo regulamento geral.

Estes artigos dizem o seguinte:

«Art. 41.° A lei annual das receitas deverá conter a auctorisação para o governo poder representar, dentro do respectivo anno economico, uma parte dos rendimentos por ella votados, e realisar sobre a sua importancia as sommas em dinheiro de que carecer para fazer face aos encargos do serviço publico.

«Art. 42.° Quando se dér o caso da existencia de um deficit no orçamento geral do estado, a lei annual das receitas auctorisará o governo a supprir, pelos meios extraordinarios que a mesma lei deve indicar, a differença entre a receita e a despeza do respectivo anno economico.»

N'estas duas disposições que acabo de ler não vejo cousa alguma que venha tirar as attribuições ao corpo legislativo, nem que as estabeleça novas, como o nobre deputado disse. Aqui o que se estabelece? Diz-se que ás camaras legislativas pertence votar o orçamento geral de receita e despeza do estado. Ora, ninguem pôde negar que é o corpo legislativo que vota a lei geral da receita e despeza, ninguem pôde negar esta attribuição ao parlamento.

Diz-se mais, que o corpo legislativo auctorisará o governo a supprir, com os meios convenientes, o deficit que apresentar o orçamento geral da receita e despeza do estado, e dará ao governo os meios de gerir as finanças. Porventura não são estas attribuições as que o codigo fundamental confere ao poder legislativo? Porventura indica-se aqui o modo como deve ser supprido o deficit? Se aqui se dissesse, para fazer supprir o deficit o corpo legislativo votará novos impostos, ou procederá d'esta ou d'aquella maneira, então estabelecia-se o modo de proceder; mas não se disse isso, estabelecem-se os bons principios e as boas doutrinas em harmonia com as leis do estado, que até hoje constantemente têem sido observadas em materia d'esta ordem (apoiados).

E vou já mostrar que o governo não pretendeu arrogar-se novas attribuições, antes pelo contrario prescindiu de algumas que até aqui gosava. Que fez o governo quanto aos creditos extraordinarios? O governo veiu estabelecer um bom principio, e prevenir o arbitrio de um direito que até agora tinha.

O artigo 52.° do regulamento geral de contabilidade publica diz o seguinte:

«Art. 52.° A abertura de creditos extraordinarios é decretada pelo poder legislativo.»

Mas o nobre deputado sabe perfeitamente que os creditos extraordinarios até hoje não eram previamente auctorisados pelo corpo legislativo; o governo decretava-os logo que tivessem sido approvados em conselho de ministros, e só depois é que dava conta á camara dos deputados do uso

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que d'elles tinha feito; entretanto hoje o regulamento geral de contabilidade, publica estabeleceu a doutrina e o bom principio, de que os creditos extraordinarios não possam decretar-se pelo executivo sem previa auctorisação do corpo legislativo.

Passo agora a tratar de outro objecto, e vou responder ao nobre deputado na parte em que, de algum modo, censurou as excepções que no regulamento geral de contabilidade publica se apresentam com, relação ao principio geral, de que as obras publicas só possam e devam ser feitas por concurso publico....«.

S. ex.ª disse a este respeito o seguinte:

«Seja-me licito n'esta parte ter uma opinião que não se conforma inteiramente com a dos seus illustres compiladores, porque n'esse regulamento geral de contabilidade não se prescrevem só regras de contabilidade, mas prescrevem-se tambem regras de pura administração e de administração de ramos que em grande parte não pertencem mesmo ao ministerio da fazenda; estabelecem-se regras para o concurso de obras publicas, regras para os fornecimentos ao estado, etc.»

Lembro ao nobre deputado que o regulamento de que tratámos é um regulamento geral de contabilidade publica, portanto ha de indispensavelmente comprehender todos os ramos de serviço publico que tenham ligação com a contabilidade.

Não se trata só de regulamento de contabilidade a cargo do ministerio da fazenda, mas de toda a contabilidade publica; e um regulamento geral ha de comprehender todos os ramos de serviço publico que dizem respeito á mesma contabilidade (apoiados). O regulamento geral de contabilidade publica, com relação ás obras publicas, diz o se seguinte:

«Art. 65.° Nenhuma despeza para novas construcções de estradas ordinarias, caminhos de ferro, canaes, docas, vasos de guerra, edificios publicos e outras quaesquer pôde realisar-se sem previa autorisação do poder legislativo.

«Art. 66.° As propostas de lei para a auctorisação das despezas de que trata o artigo antecedente serão acompanhadas do orçamento do custo total da nova construcção, quer tenha de ser feita directamente pelo estado, quer por meio de contrato com alguma empreza ou companhia particular.

«Art. 67.° Em regra, todas as obras de novas construcções, seja de que natureza forem, devem ser feitas por meio de concurso publico.

«Art. 68.° A regra estabelecida no artigo antecedente soffre as seguintes excepções:

«1.ª Construcções navaes;

«2.ª As obras que por sua natureza e importancia não podendo estar sujeitas, sem inconveniente, a uma concorrencia illimitada, convindo por isso submette las a restricções que não admittam ao concurso senão pessoas previamente reconhecidas pelo governo com os requisitos necessarios para as executarem, não offereçam em resultado das propostas dos concorrentes em praça preços rasoaveis ou garantias seguras;

3.* As obras cujo custo não exceder a quantia de réis 1:500$000.»

Estabelece tambem o regulamento uma outra excepção a respeito dos fornecimentos, e é a seguinte:

«Art. 70.° E perfeitamente applicavel aos fornecimentos para o serviço do exercito e da marinha, ou para qualquer outro serviço publico, a regra estabelecida no artigo 67.° d'este regulamento.

Ǥ unico. Exceptuam-se:

«1.° As compras de objectos para o expediente do serviço das repartições do estado que são pagas pelas sommas destinadas ás despezas miudas das mesmas repartições, e em geral os fornecimentos cuja despeza não exceder á quantia de 1:500$000 réis;

«2.° Os fornecimentos que em casos de reconhecida urgencia determinada por circumstancias imprevistas não possam soffrer a demora da adjudicação em praça, ou que por motivo de interesse do estado não convenha fazer-se em hasta publica.»

Vozes: — Deu a hora.

O Orador (continuando): — Como deu a hora e eu tenha mais algumas reflexões a fazer sobre este assumpto, peço a v. ex.ª me reserve a palavra para a seguinte sessão. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

(Esta parte do discurso do sr. deputado foi pronunciada na sessão antecedente, e continuou n'esta nos termos seguintes.)

Concluindo as reflexões que hontem tive a honra de submetter á judiciosa consideração da camara, serei breve, porque pouco me resta a dizer sobre a materia.

Tratando hontem da prescripção das dividas passivas do estado, fiz referencia á lei de 12 de agosto de 1853 e a outras que effectivamente apresentam excepções ao principio geral da prescripção estabelecida no capitulo 209.° das ordenanças de fazenda de 17 de outubro de 1516. Fiz referencia a estas leis unicamente para fazer bem sentir que o regulamento de contabilidade publica não revoga nem podia revogar nenhuma das excepções estabelecidas em leis especiaes, ou seja com relação aos juros dos titulos de divida publica fundada, ou com respeito aos vencimentos das classes inactivas, ou ás dividas ou creditos provenientes de contratos onerosos.

Em relação á prescripção, farei ainda uma ligeira observação; e é que, segundo o systema da nossa legislação patria, nenhuma lei especial se pôde considerar revogada senão quando outra lei a revoga, fazendo particular menção da sua substancia. Este principio consignado na nossa ordenação foi posteriormente confirmado pela luminosa lei de 18 de agosto de 1769, denominada da boa rasão (apoiados); e como nenhuma lei até hoje revogou o capitulo 209.° das ordenações de fazenda de 1516 fica evidente que as suas disposições subsistem.

Quando hontem deu a hora, tratava eu de sustentar a legalidade das excepções que no regulamento geral da contabilidade publica se apresentam em relação ao principio geral, de que todas as obras publicas devem ser feitas em concurso publico ou por meio de arrematações.

A primeira excepção que n'este regulamento se apresenta, diz respeito ao caso de não haver concorrentes que offereçam solidas garantias. Esta excepção está consignada no § 2.° do artigo 22.° da lei de 15 de julho de 1857, que diz o seguinte;

«Se a praça não offerecer condições aceitaveis, o governo poderá proceder á execução das obras por conta dó estado.»...

E na disposição do citado artigo está tambem comprehendida a excepção com respeito ás obras que demandam conhecimentos especiaes, ou que por sua qualidade exijam ser constituidas por conta da administração.

Quanto á excepção que o regulamento apresenta com relação ás obras, cuja importancia não exceder a quantia de 1:500$000 réis, parece-me que esta excepção se acha effectivamente comprehendida no espirito da lei. A camara sabe perfeitamente, que as leis organicas do ministerio das obras publicas, creararam repartições com um pessoal destinado a administrar, dirigir e effectuar obras publicas por conta do estado. Estas obras podem ser feitas por meio de emprezas, grandes empreitadas, pequenas empreitadas por tarefas. Nas grandes empreitadas ha sempre o projecto e orçamento que servem de base á licitação ou ao concurso publico; mas nas pequenas empreitadas, com quanto haja projecto, não ha o contrato publico; o contrato ultima se e consuma-se por meio de um termo lavrado perante o respectivo administrador do concelho, e quanto ás tarefas é acto privativo do director das obras publicas do districto, que contrata com um ou mais individuos tendo em vista as conveniencias do serviço e os interesses do estado.

Mas dando as leis o os regulamentos n'esta parte um grande arbitrio ao governo, pois concediam a faculdade de se fazerem certas obras sem concurso publico, qualquer que í fosse a sua importancia e preço, tornava-se necessario estabelecer um limite a este arbitrio, e foi para limitar o arbitrio, ou determinar até onde elle se podia estender, que no regulamento de contabilidade publica se estabeleceu o principio, de se poderem effectuar por conta do estado as obras que não excedessem a 1:5005000 réis.

E caberá censura ao governo que assim procede? Certamente que não.

O governo, que limita um arbitrio e que trata de conciliar os interesses do serviço e do estado, com o espirito das leis, não exorbita, nem legisla (apoiados).

Esta é a verdade; e o que digo com relação ás obras publicas, aplico-o igualmente aos fornecimentos para o exercito e marinha.

A excepção com respeito ás construcções navaes está na lei, que criou o arsenal da marinha e a corporação dos constructores navaes para se fazer por conta do estado os vasos de guerra.

Quanto ás despezas miudas, está a excepção nas leis organicas de todas as repartições, que não admittem a possibilidade de se poderem fazer taes despezas por meio de arrematação.

E com relação aos casos de interesse do estado, cumpre observar que o regulamento se refere ás circumstancias anormaes, que são superiores a todas as leis; pelo que preveni-las do modo possivel não importa violação de lei alguma em vigor (apoiados).

Por consequencia parece-me que n'esta parte não se contém disposição alguma no regulamento, que não esteja em harmonia com a letra ou espirito das leis, cuja execução o governo pretendeu regular com esta medida.

O illustre deputado, o sr. Casal Ribeiro, referindo-se hontem ao regulamento geral de contabilidade publica, na parte em que trata do pagamento de quantias em divida, pertencentes a exercicios findos, tratou de comparar a disposição do regulamento com o artigo 2.° da proposta de lei de receita pertendendo mostrar que este artigo invalida as disposições do regulamento. A fallar a verdade, não me parece acertada esta comparação, porque pedir responsabilidade ao governo por um acto que está dependente do exame da commissão de fazenda, e que ainda não foi approvado pela camara, não me parece muito regular.

Mas suppondo que ha regularidade n'esta comparação, entendo que o artigo 2.° da proposta de lei de receita não invalida em cousa alguma a disposição do regulamento, e por uma rasão muito simples: é porque o orçamento refere-se a todos os exercicios findos em 30 de junho de 1864, e o regulamento geral de contabilidade publica refere-se aos exercicios que findarem, a datar da sua promulgação; e tendo esta tido logar em 15 de dezembro de 1863, fica evidente que em 30 de junho de 1864 ainda não estão findos os exercicios a que o regulamento se refere; e tanto assim, que a verba de 10:000$000 réis da despeza extraordinaria, applicada. a exercicios findos, vem additada com as d'estas palavras «anteriores ao de 1863-1864».

Quer dizer, o orçamento refere-se sómente aos exercicios anteriores ou findos em 30 de junho de 1864, o regulamento refere-se aos posteriores e que findarem depois da sua promulgação (apoiados).

A camara sabe que é importantissima a somma a cobrar de exercicios findos. Em 30 de junho de 1863 era esta quantia de 4.643:000$000 réis, sendo incobraveis 2.354:000$000 réis. Pelo que o governo não podia por fórma alguma deixar de incluir na receita essa importantissima verba de dois mil trezentos e tantos contos (apoiados).

O artigo 55.° do regulamento (e é necessario attender bem aos termos em que elle se acha Concebido) refere-se unicamente ás reposições relativas a despezas auctorisadas, liquidadas e ordenadas; porque pelo que respeita ás outras despezas que não estejam comprehendidas na letra do artigo 55.°, lá está o artigo 57.° que exige então que se votem creditos legislativos. E consequentemente a disposição do artigo 55.° do regulamento, longe de se oppor á lei, está em harmonia com ella, e importa sobretudo um acto de boa e excellente administração (apoiados).

Se os meus apontamentos estão exactos parece-me ter respondido á todas as observações apresentadas pelo illustre deputado, o sr. Casal Ribeiro, contra alguns artigos do regulamento geral de contabilidade publica de 12 de dezembro de 1863.

Antes porém de concluir chamarei a attenção da camara para uma circumstancia que me parece ponderosa. Têem-se publicado muitos regulamentos para a execução de differentes leis; em todos elles apparecem mais ou menos disposições que não estão comprehendidas na letra das leis para a execução das quaes esses regulamentos foram feitos, comquanto o estejam no seu espirito; mas nenhum dos srs. ministros que publicaram esses regulamentos foi accusado por ter exorbitado das suas attribuições (apoiados).

Basta citar o regulamento de 1853 para a execução do decreto de 18 de dezembro de 1852.

Este regulamento contém effectivamente disposições que não estão comprehendidas no decreto que se pretendeu dar á execução; como entre outras, a disposição do artigo 23.°, que tanto impressionou o sr. Casal Ribeiro.

Diz este artigo:

«Concluida que seja a inversão, deixará de ser permittida na junta do credito publico a troca de inscripções de coupons por outras de assentamento, e vice-versa.

Esta disposição não estava comprehendida na letra do decreto de 18 de dezembro de 1852; mas nem por isso o Sr. Fontes foi accusado ou censurado por ter consentido que n'aquelle regulamento se inserisse uma disposição que se não encontrava no citado decreto; e declaro francamente que não havia fundamento algum para accusar e censurar, porque s. ex.ª n'esta parte attendeu ao espirito e ao fim da lei que dava á execução.

Sendo assim como effectivamente é, não posso conhecer a causa, nem descobrir o motivo por que o sr. ministro da fazenda é hoje accusado por ter inserido no regulamento de contabilidade publica algumas disposições que, se não estão em harmonia com a letra da lei, o estão sem duvida com o seu espirito; não pôde haver outra rasão para este notavel procedimento que não seja a de ser o regulamento obrado sr. Lobo d'Avila (apoiados):

Peço licença para dizer ao nobre deputado, o sr. Casal Ribeiro, que me parece que s. ex.ª se collocou n'esta questão em Uma posição um pouco difficil.

S. ex.ª formulou a sua proposta, indicando apenas uma duvida; e, tratando de a sustentar, disse que = desejava ser esclarecido sobre algumas duvidas que se lhe offereciam =, mas immediatamente acrescentou que = estava convencido que o regulamento geral de contabilidade tinha disposições legislativas =. De maneira que sobre o mesmo objecto e assumpto tem ao mesmo tempo duvidas e convicções!

Custa-me muito harmonisar a duvida com a convicção. Entendo que quem duvida não tem convicções, e que quem tem convicções não duvida (apoiados); o que isto mostra é que nem a proposta harmonisa com a sustentação, nem a sustentação com a proposta, nem mesmo a sustentação entre si (apoiados).

Disse s. ex.ª: «A minha moção não significa censura ao governo; não significa mesmo a critica do regulamento geral de contabilidade, publicado em 15 de dezembro de 1863. A minha moção significa apenas uma duvida; quando se duvida convem o exame». E depois de varias reflexões, tendentes a mostrar os fundamentos e motivos principaes das duvidas que ao nobre deputado se offereciam, acrescentou: «Estou fundamentando as minhas opiniões, e dizendo as rasões por que duvido. Estou persuadido, emquanto se não provar o contrario, de que no regulamento geral de contabilidade publica ha disposições legislativas. Esta é a minha convicção.»

De modo que em uma parte duvida e em outra declara que tem convicções; parece-me, repito, que a posição em que s. ex.ª voluntariamente se collocou, é difficil porque se não podem combinar idéas tão contradictorias (apoiados).

Eu vou concluir porque não desejo cansar por mais tempo a attenção da camara.

Faço inteira justiça ás boas intenções do nobre deputado o Sr. Casal Ribeiro, creio, porque s. ex.ª o disse, que não teve em vista com a sua proposta, nem estabelecer uma questão politica, nem irrogar censura ao sr. ministro da fazenda; porém permitta-me o illustre deputado que lhe diga, que formulou a sua proposta em termos taes e sustentou-a por tal modo, que as suas palavras vieram contrariar as suas boas intenções, porque ninguem deixará de reconhecer na proposta do illustre deputado uma questão politica, de uma verdadeira censura dirigida á pessoa do sr. ministro da fazenda (apoiados).

S. ex.ª pede que o regulamento geral de contabilidade seja remettido á commissão de fazenda, e porquê? Porque entende que n'elle se comprehendem disposições legislativas, que carecem de auctorisação do corpo legislativo para terem execução. Isto importa o mesmo que dizer — que o sr. ministro da fazenda exorbitara das suas attribuições legislando. Entendo que é esta a maior censura que pôde dirigir-se a um ministro da corôa (apoiados).

Espero portanto que a camara rejeitará a proposta do nobre deputado, e que, reconhecendo que no regulamento

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geral de contabilidade não existe disposição alguma, cujo sentido não esteja em harmonia com as leis, regulamentos e disposições publicados sobre este importantissimo assumpto; e satisfeita com as explicações dadas pelo sr. ministro da fazenda, não deixará de approvar a minha proposta para que se passe á ordem do dia (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Leu-se logo na mesa a seguinte

PROPOSTA

A camara, satisfeita com as explicações dadas pelo sr. ministro da fazenda, passa á ordem do dia. = Faria Blanc. Foi admittida.

O sr. Ministro da Marinha: — Mando para a mesa duas propostas de lei.

O sr. Presidente: — Vae pôr-se á votação a proposta do sr. Faria Blanc.

O sr. J. P. de Magalhães (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara se quer votação nominal sobre a moção que se apresentou.

Decidiu-se afirmativamente.

Disseram approvo os srs.: Adriano Pequito, Garcia de Lima, Vidal, Braamcamp, Soarei de Moraes, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Carlos da Maia, Quaresma, Eleuterio Dias, Brandão, Arrobas, Mazzioti, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, Pinto de Albuquerque, Magalhães Aguiar, A. V. Peixoto, Barão do Vallado, Barão do Rio Zezere, Garcez, Albuquerque e Amaral, Abranches, Bispo eleito de Macau, Almeida Pessanha, Cesario, Claudio Nunes, Fernando de Magalhães, Barroso, Coelho do Amaral, Fernandes Costa, Gaspar Pereira, Guilhermino de Barros, Medeiros, Blanc, Silveira da Mota, Sant'Anna e Vasconcellos, Gomes de Castro, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, J. da Costa Xavier, J. J. de Azevedo, Nepomuceno de Macedo, Sepulveda Teixeira, Calça e Pina, Torres e Almeida, Rodrigues Camara, Mello e Mendonça, Lobo d'Avila, Ferreira da Veiga, José da Gama, Galvão, Sette, José Guedes, Alves Chaves, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, D. José d'Alarcão, Costa e Silva, Frasão, Menezes Toste, José de Moraes, Gonçalves Correia, Oliveira Baptista, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Levy M. Jordão, Alves do Rio, Mendes Leite, Sousa Junior, Pereira Dias, Miguel Osorio, Monteiro Castello Branco, Placido de Abreu, Charters, R. Lobo d'Avila e Moraes Soares.

Disseram rejeito os srs.: A. B. Ferreira, Correia Caldeira, Gonçalves de Freitas, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, Seixas, A. Pinto de Magalhães, Fontes Pereira de Mello, Mello Breyner, Pereira da Cunha, Pinheiro Osorio, Lopes Branco, Antonio de Serpa, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão de Santos, Barão da Torre, Freitas Soares, Almeida e Azevedo, Beirão, Carlos Bento, Ferreri, Cyrillo Machado, Conde da Torre, Domingos de Barros, Poças Falcão, Fortunato de Mello, Bivar, Izidoro Vianna, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Gaspar Teixeira, Henrique de Castro, Mártens Ferrão, Aragão Mascarenhas, Joaquim Cabral, J. Coelho de Carvalho, Matos Correia, Neutel, J. Pinto de Magalhães, J. M. de Abreu, Casal Ribeiro, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, Silveira e Menezes, Camara Falcão, Camara Leme, Rocha Peixoto, Manuel Firmino, Murta, Pinto de Araujo, Vaz Preto, Modesto Borges, Fernandes Thomás, Simão de Almada, Thomás Ribeiro, Teixeira Pinto e Visconde de Pindella.

Ficou portanto approvado por 77 votos contra 59. O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira são os projectos n.ºs 8, 18 e 19. Está levantada a sessão. Eram quatro horas da tarde.

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