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SESSÃO DE 9 DE MAIO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de requerimentos, projectos de lei e representações — Apresentação de duas propostas de lei do governo: uma, para alterar os regulamentos policiaes, com o fim de facilitar a residencia e transito de viandantes nacionaes e estrangeiros; e outra, relevando o governo da responsabilidade em que incorreu pela promulgação do decreto de 14 de fevereiro ultimo, e prorogando o praso para o registo das hypothecas. — Ordem do dia; Continuação da discussão do projecto de lei n.º 9.

Chamada — 37 srs. deputados.

Presentes á primeira chamada, á uma hora e um quarto da tarde — os srs. Adriano Machado, Alberto Carlos, Soares de Moraes, Villaça, Sá Nogueira, Freire Falcão, Pequito, Sousa de Menezes, Ferreira de Andrade, Pereira Brandão, Guilherme Quintino, Santos e Silva, Zuzarte, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, Nogueira Soares, Faria Guimarães, Bandeira Coelho, Figueiredo de Faria, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Julio Rainha, Luiz de Campos, Affonseca, Marques Pires, Lisboa, D. Miguel Coutinho, Visconde de Montariol.

Presentes á segunda chamada, á hora e meia da tarde — mais os srs.: Agostinho de Ornellas, Antunes Guerreiro, Santos Viegas, Eça e Costa, Eduardo Tavares, Gusmão, J. A. Maia.

Entraram durante a sessão — os srs. Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Veiga Barreira, Arrobas, Barjona de Freitas, Augusto de Faria, Barão do Rio Zezere, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Francisco de Albuquerque, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Costa e Silva, F. M. da Cunha, Van-Zeller, Barros Gomes, Silveira da Mota, Jayme Moniz, J. J. de Alcantara, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Pinto de Magalhães, Dias Ferreira, Mello e Faro, Elias Garcia, Mello Gouveia, Julio do Carvalhal, Luiz Pimentel, Mariano de Carvalho, Pedro Franco, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Pereira Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha, Visconde dos Olivaes.

Não compareceram — os srs: Teixeira de Vasconcellos, A. J. Teixeira, Pedroso dos Santos, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Antonio de Vasconcellos, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Barão do Salgueiro, Francisco Mendes, Pereira do Lago, Caldas Aulete, Bicudo Correia, Pinto Bessa, Palma, Mártens Ferrão, Augusto da Silva, Lobo d'Avila, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Almeida Queiroz, Latino Coelho, Moraes Rego, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Nogueira, Mendes Leal, Lopo de Mello, Camara Leme, Paes Villas Boas.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTIN0 PELA MESA.

Representações

Pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868, que creou a engenheria districtal

Da camara municipal da Guarda.

Pedindo que se tornem extensivas aos officiaes de diligencias as disposições da lei de 11 de setembro de 1861

Dos officiaes de diligencias da comarca de Ovar.

Foram remettidas ás commissões respectivas.

Requerimento

Requeiro com a maior urgencia que pelo ministerio do reino sejam enviados a esta camara os originaes dos documentos relativos á syndicancia pedida pelo administrador do concelho de Belem, com referencia á interpellação que

está annunciada a respeito do procedimento d'este funccionario.

Sala das sessões, 8 de maio de 187l. = D. Miguel Pereira Coutinho, deputado por Aviz.

Foi remettido ao governo.

Participação

Participo que a commissão de guerra nomeou para seu vice-secretario o sr. deputado Pereira Bastos.

Sala das sessões, 8 de maio de 1871. = Alberto Osorio de Vasconcellos, deputado pelo circulo n.º 68.

Inteirada.

Declaração

Declaro que, por motivo justificado, deixei de assistir ás sessões d'esta camara nas duas ultimas semanas.

Sala das sessões, 8 de maio de 1871. = Julio Cesar de Almeida Rainha.

Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — O decreto de 20 de setembro de 1870, que reorganisou o collegio de S. José de Macau, satisfez a uma das maiores necessidades d'aquella possessão. Por esse decreto foi aquelle estabelecimento dotado com dois cursos de ensino — o preparatorio, que constitue um curso de lyceu; e o superior, de sciencias ecclesiasticas, para os que pretendem dedicar-se ao estado sacerdotal.

O curso preparatorio comprehende exactamente as mesmas disciplinas que se ensinam nos lyceus do reino, como se deprehende do capitulo 2.° do referido decreto. Os professores que já leccionam n'aquelle estabelecimento algumas das disciplinas do curso preparatorio, e os que ultimamente foram nomeados para levarem a effeito a decretada organisação, a maior parte dos quaes bachareis formados, são todos competentissimos para o ensino, pela sua muito illustração e moralidade. Os compendios, o methodo de ensino, e todo o regulamento escolar são identicos aos adoptados nos lyceus, como o estabelece o regulamento interno do collegio feito pelo intelligente e dedicado actual governador do bispado; regulamento já approvado pelo governo de Sua Magestade.

Nada se oppõe pois, antes tudo aconselha a completar a reforma decretada, equiparando os exames do curso preparatorio feitos no collegio de S. José de Macau aos exames feitos nos lyceus do reino, em interesse dos filhos d'aquella nossa importante possessão, dos militares e demais funccionarios publicos, e, em geral, dos europeus ali residentes; garantindo-se-lhes assim a admissão nas escolas superiores e nos concursos para empregados publicos, nas possessões ultramarinas ou no reino, sem terem que sujeitar-se a novas frequências e a novos exames das disciplinas em que estejam legalmente habilitados.

Por estes fundamentos tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Os exames do curso preparatorio feitos no collegio de S. José de Macau são equiparados, para todos os effeitos, aos exames nos lyceus de 1.ª classe do reino.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 8 de maio de 1871. = Francisco Maria da Cunha.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Projecto de lei

Senhores. — Na noite de 1 de maio de 1870 foram espingardeados dentro da igreja matriz da villa de Machico alguns eleitores que, confiando nas leis, na constituição do

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estado e na santidade do logar, queriam vigiar e conservar intacta a uma que continha os seus votos.

Senhores, os abaixo assignados considerando que ao parlamento, como guarda e defensor da constituição e das liberdades publicas, cumpre dar um publico testemunho de consideração e apreço aos que em prol d'essas liberdades sacrificaram a propria vida;

Considerando que o sangue derramado em defeza dos mais sagrados direitos dos cidadãos não é menos precioso nem menos digno de recompensar que o sangue vertido nos campos de batalha;

Considerando, finalmente, que pela ammistia posteriormente concedida a todos os crimes de origem ou caracter politico, faltaram ás familias das victimas todos os meios de obter reparação:

Têem a honra de vos submeter a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º As viuvas e orphão dos cidadãos mortas na igreja de Machico no dia 1 de maio de 1870, por occasião das eleições de deputados que, então tiveram logar, são, para todos os effeito legaes e especialmente para a concessão de pensões, eguiparados ás viuvas e orphãos dos militares mortos em combate.

§ unico. Esta disposição é extensiva ás familias dos que subsequentemente morreram das feridas pela mesma occasião recebidas.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario

Sala das sessões, em 8 de maio de 1871. = Os deputados pela Madeira, Agostinho d'Ornellas de Vasconcellos = Luiz Vicente d'Affonseca.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva

Renovação de iniciativa

Renovâmos a iniciativa do projecto de lei n.º 10-X, da sessão de 1860, já duas vezes renovado depois por seu aucto, o deputado Julio do Carvalhal, para ser considerada estradar real a de Bragança ao caes das Cabanas no rio Douro, por Macedo de Cavalleiros e Valle, de Villariça, e mandâmos para a mesa o mesmo projecto.

Sala das sessões, em 8 de maio de 1871. = O deputado por Moncorvo, Antonio Maria Esteves Freire Falcão = O deputado por Valle Passos, Julio do Carvalhal de Sousa Telles.

Foi admittida e enviada á commissão respectiva.

O sr. Alberto Carlos: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

O sr. Santos e Silva: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Castello de Vide, pedindo que seja restaurado o circulo de jurados que havia n'aquella villa, em virtude do decreto de 12 de maio de 1864, e que foi supprimido em virtude da lei de 1 de julho de 1867.

Este pedido é de toda a justiça. Aquella villa é importante, e tem as condições e pessoal pára que ali seja de novo estabelecido um circulo de jurados.

Já ha dias um illustre deputado e meu amigo, a proposito de mandar para a mesa uma representação no mesmo sentido, fez mui sensatas considerações, que me dispensam de as reproduzir; entretanto concluirei, dizendo a v. ex.ª e á camara, que é necessario, todas as Vezes que a justiça não seja prejudicada, attender aos interesses e commodidades dos povos, porque os circulos de jurados estabelecidos exclusivamente nas cabeças de comarca, ande são obrigados a concorrer os cidadãos recenseados para estas, funções, que demoram a grandes distancias especialmente no Alem tejo, são um imposto muito oneroso.Ora numa epocha em que estamos creando receita, e lançando impostos sobre a nação, é necessario que por outro lado lhe diminuamos todos os incommodos possiveis, porque esses incommodos se traduzem tambem em pesados impostos (apoiados).

Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de a mandar renietter á respectiva commissão, a fim de a tomar na consideração que merece.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Mando para a mesa uma pronosta de lei.

Leu-se na mesa e é a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. — O desenvolvimento dos meios de communicação, tanto no nosso paiz como em todos os paizes que mantêem com o nosso frequentes relações commerciaes, tem feito reconhecer a necessidade de se facilitar, quando possivel, admissão transito e saída dos viandantes, assim nacionaes como estrangeiros.

O regulamento geral de policia de 7 de abril de 1863, decretado em virtude da auctorisação concedida ao governo pela carta da lei de 31 de janeiro do mesmo anno, apesar de ter removido algumas das difficuldades que os anteriores regulamentos policiaes offereciam ao transito dos viajantes, conservou ainda algumas disposições, que embaraçam o movimento dos passageiros, o que é conveniente alterar, não só a bem dos interesses commerciaes do paiz, mas tambem para estabelecer reciprocidade com a maior parte dos paizes onde a fiscalisação policial para com os viandantes se tem tornado menos vexatoria, á proporção que se tem desenvolvido e facilitado os meios de communicação.

N'outro ponto convem ainda alterar o regulamento geral de policia, e vem a ser, para reduzir as taxas dos emolumentos e sêllo, que os estrangeiros são obrigados a pagar pelos titulos de residencia, e a este respeito têem já sido dirigidas ao governo algumas reclamações, que parece de justiça attender.

Poderá julgar-se á primeira vista que a reducção das taxas fará, ou diminuir a receita do estado pela privação de uma pare do sêllo, se n'este imposto recaír a reducção, ou aggravar a despeza, se a reducção recaír nos emolumentos, pela necessidade de compor aos empregados dos governos civis o desfalque nos mesmos emolumentos, que constituem uma parte consideravel dos seus vencimentos, especialmente em Lisboa e Porto.

É, porem, de presumir que uma mais severa e efficaz fiscalisação policial, que um novo regulamento pede conseguir, e o maior interesse, que, em virtude da nova convenção consular com a Hespanha de 23 de dezembro de 1870, têem os subditos d'esta nação em ligitimar a sua residencia no reino, suppram pelo numero o que se diminue na importancia das taxas.

Por estas rasões tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° E o governo auctorisado a alterar os regulamentos policiaes em vigor, no sentido de facilitar a admissão, residencia, transito e saída dos viandantes tanto nacionaes como estrangeiros, podendo fazer nas tabellas annexas ao regulamento geral de policia de 7 de abril de 1863 as reducções necessarias para se conseguirem estes fins.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 8 de maio de 1871.? Marquez d'Avila e de Bolama.

Foi enviada á commissão respectiva.

O sr. Barros e Cunha: — Mando para a mesa duas representações contra a sr. ministro da fazenda. Uma, é dos habitantes do concelho da Arruda; a outra, é dos habitantes da freguezia de Bucellas, concelho dos Olivaes.

Estas representações são contra o decreto de 25 de outubro, que manda continuar em vigor, segundo a expressão dos meus committentes, as rachiticas e cansadas matrizes feitas para o trinnio de 1866 a 1868.

Estou completamente de accordo com as representações que mando para a mesa.

Ambas estas representações referem-se a concelhos vinhateiros e a localidades especialmente dotadas pela qualidade de seus vinhos, como são Arruda e Bucellas, e que

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não podem vender hoje os seus generos porque não têem consumo.

As reformas economicas, a legislação fiscal, os direitos de consumo na capital fazem com que os vinhos se estejam arruinando em casa dos lavradores, emquanto que em Lisboa se está bebendo metade agua e metade vinho; mettendo, aquelles que se occupam n'este trafico, dentro das suas algibeiras, não só o preço da agua que vendem por vinho, mas o preço correspondente aos direitos, que é tirado da algibeira do consumidor, para ir locupletar os taberneiros, que são os unicos que ganham com esta especulação, que lhes dá mais de 100 por cento de direito sobre um artigo que é indispensavel para alimentação do povo.

Entretanto é bom que se faça isto, porque é facil cercar Lisboa com uma muralha de quatro portas, por onde ninguem possa entrar sem ser espremido pelos esbirros fiscaes. Concedo que seja assim, porque emfim contra a força não ha resistencia; porém que se obrigue o proprietario a ter a sua matriz avaliada por um preço tres vezes superior aquelle pelo qual na realidade elle vende o seu geneio, isso não é possivel; só se é para encobrir a percentagem correspondente á contribuição que lhes é distribuida.

Eu declaro a v. ex.ª que não promovi estas representações; foram-me enviadas quando eu estava a discutir, pedindo á camara que inserisse na lei a obrigação de se dar publicidade aos lançamentos e mandar aviso aos contribuintes. Não quiz por consequencia recrutar uma força estranha que viesse corroborar os meus argumentos nem as minhas opiniões, porque entendo que os legitimos representantes da nação somos nós (apoiados).

Porém desde que a camara tomou esta resolução, não só apresento com todo o gosto estas representações, mas declaro a v. ex.ª que vou promover n'este mesmo sentido em todo o paiz, em todos os districtos, em todos os municipios, uma representação que signifique bem que a vontade do povo portuguez é que se dê toda a publicidade ás matrizes, mandando copia d'ellas para as parochias, mandando a cada um á sua propria custa a noticia d'aquillo em que é tributado para ter direito a reclamar.

Tambem os meus illustres, intelligentes e honrados committentes representam contra o escarneo inserido no decreto de 25 de outubro, de que é auctor o illustre ministro da fazenda, ácerca das garantias irrisorias, como elles aqui dizem, de poderem representar a respeito da alteração do rendimento, porque tudo isto, dizem elles, significa uma illusão.

A camara municipal de Arruda está á testa d'esta representação, e os seus membros bem sabem se isto é verdade ou não.

É necessario que nós acabemos por uma vez com estes sophismas, porque se não tratarmos aqui de fazer justiça aos povos, elles vem reclamar, e eu appello para a justiça da camara, e espero que ella tome as representações em toda a consideração.

Se o sr. ministro da fazenda estivesse presente eu teria de fazer algumas pequenas considerações, e s. ex.ª havia de recebe-las com aquella cordura e benevolencia com que costuma attender qualquer cousa de bom senso e de utilidade publica que tenho a infelicidade de apresentar n'esta casa quando vae de encontro ás opiniões do s. ex.ª Porém como não está, outra occasião se me offerecerá mais opportuna.

Estando presente o sr. ministro do reino, eu desejava que s. ex.ª me dissesse se aquella importante e util reforma da instrucção secundaria, com a qual eu estou plenamente de accordo, e que foi o primeiro acto apresentado pelo ministerio, está completamente abandonada por s. ex.ª, se está engeitada...

O sr. Ministro do Reino: — Não, senhor. Peço a palavra.

O Orador: — Ou se por acaso posso nutrir a esperança de que aquelle importantissimo acto do sr. presidente do conselho, no qual, eu já digo, me torno solidario, e ao qual darei o meu apoio se for necessario a s. ex.ª, para o poder defender; se acaso, digo, podemos ter alguma esperança em que seja discutido n'esta casa, e de o transformar em lei para o paiz.

Não é elle só de interesse para a instrucção publica, mas alem d'isso, s. ex.ª apresentou-o aqui como sendo uma das reformas que trazia comsigo uma economia importante, isto é, uma deslocação da despeza que estava a cargo do estado, uma melhor organisação do serviço da instrucção; eu fallo da instrucção secundaria, porque a respeito da instrucção primaria estou de accordo com as idéas de s. ex.ª; presto toda a homenagem que devo á seriedade e estudo que fizeram a base d'aquelle trabalho, mas naturalmente terei uma pequena divergencia, ainda que insignificante, na qual não terei duvida alguma em ceder, se o governo fizer d'isso uma questão ministerial; porém ácerca da instrucção secundaria houve uma questão pendente entre mim e o digno prelado de Vizeu, e n'essa questão não posso ser tão indulgente, quanto eu mesmo desejava, para com o sr. presidente do conselho, no sentido unicamente de solicitar de s. ex.ª a sua efficaz acção e iniciativa para que estes projectos que se apresentaram á camara com tão bons auspicios e recommendações, e que dão tão boas esperanças aquelles que verdadeiramente se occupam das cousas d'este paiz, não faquem em uma ficção, em uma idéa, em uma esperança.

O sr. ministro da fazenda não está presente, mas eu sempre perguntarei o que terá sido feito das representações que foram dirigidas a esta camara contra a proposta do governo sobre contribuição industrial, das quaes o sr. ministro da fazenda, por uma originalidade espirituosa, tomou tambem a iniciativa de trazer uma representação do circulo de que já não era representante.

Desejava saber se d'essas representações surgiram algumas informações que possam habilitar a camara a tomar em consideração os fundamentos que os representantes tiveram para protestar contra a proposta de contribuição industrial, a qual era uma alavanca do sr. ministro da fazenda para firmar e estabelecer as bases do nosso credito.

O sr. Ministro do Reino: — Sinto não estar habilitado para responder ao illustre deputado, com relação ao decreto de 25 de outubro do anno passado, e que foi promulgado, quando eu não tinha a honra de fazer parte da administração, e por isso não estou bem presente nas suas disposições, mas se soubesse que o illustre deputado havia de se referir a elle eu te-lo-ía lido.

Agora peço a s. ex.ª, que na ausencia do sr. ministro da fazenda não qualifique com tanta severidade as disposições d'aquelle decreto, asseverando que n'elle ha disposições só para sophismar, e que só se dão ali garantias illusorias.

Não é possivel que fosse esta a intenção do meu collega, como não podia ser a de nenhum ministro, e eu sinto não poder discutir agora este ponto com o illustre deputado, porque, como disse, não estou presente nas disposições do decreto.

Com relação aos projectos que apresentei, um sobre instrucção primaria e outro sobre instrucção secundaria, sei que elles foram distribuidos a dois membros muito distinctos d'esta casa, o primeiro ao sr. Adriano Machado, e o segundo ao sr. Latino Coelho, e estou certo que os illustres deputados hão de apresentar quanto antes o seu parecer, e eu aproveito esta occasião para solicitar da commissão de instrucção publica que não demore a apresentação d'estes trabalhos.

Os projectos que apresentei não são para lançar poeira aos olhos, como se costuma dizer, e que o sr. deputado não disse; apresentei-os na convicção de que fazia um serviço ao paiz, quando elles fossem convertidos em lei.

O mesmo digo com relação ao projecto que apresentei para a reforma da administração civil.

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Não sei se está presente algum dos membros da illustre commissão de administração publica, mas se está, eu pedia-lhe que contribuisse pela sua parte para que apresente com a possivel brevidade o seu parecer sobre essa proposta. Pode-se dizer que ella é deficiente, mas o que se não póde negar é, que pelo menos as disposições que ella contém hão de melhorar consideravelmente a nossa organisação administrativa actual. Se ha deficiencias, é facil preenche-las, mas o que não convem é deixar as cousas como estão.

Declaro á camara que hei de fazer tudo quanto de mim dependa para que estes projectos sejam ainda discutidos n'esta sessão, a fim de serem convertidos em lei.

O sr. Santos e Silva: — Preciso primeiro que tudo explicar a v. ex.ª a rasão por que pedi a palavra.

O sr. Barros e Cunha fez uma pergunta ao governo, com relação ás representações, que dizem respeito á proposta do governo sobre contribuição industrial, e como essa proposta me foi distribuida, e eu seja o seu relator, parece-me que me cumpre antes a mim do que ao governo dar a resposta ao illustre deputado. A commissão de fazenda, que não declina nenhuma responsabilidade, está prompta a dar todas as explicações.

Perguntou o illustre deputado o que seria feito do grande numero de representações enviadas a esta camara sobre a contribuição industrial.

Direi a s. ex.ª, que as representações estão na minha mão, como relator, as quaes estou estudando. A camara sabe que as representações são muitas e quasi todas extensas, e que é preciso examina-las, e extrahir d'ellas as rasões principaes, os motivos mais plausiveis em que ellas se fundam, a fim de se attender á justiça dos povos, que a camara toda tem a peito tomar em consideração.

A commissão de fazenda não tem podido discutir a proposta de contribuição industrial, porque a camara sabe que se estão discutindo, com bastante efficacia e sem interrupção, os orçamentos do estado.

Estes trabalhos vão adiantados, e á commissão de fazenda não tem passado despercebida a necessidade que ha de se discutirem as medidas de fazenda.

Já por mais de uma vez esta questão se tem ventilado no seio da commissão, e estamos todos concordes em que, logo que se conclua a discussão, pelo menos, dos principaes orçamentos, nos devemos immediatamente occupar da discussão das medidas, chamadas tributarias, entre as quaes se conta a proposta sobre contribuição industrial.

Portanto já a camara sabe onde param as representações.

Não sei se o nobre deputado ficará satisfeito com estas explicações, mas se não ficar, estou prompto a dar-lhe as que julgar necessarias.

O sr. Eduardo Tavares: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal do Seixal, contra o decreto de 30 de outubro de 1868, e um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.

O sr. Pedro Franco: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo (leu).

O sr. Marques Pires: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Arouca, contra as propostas tributarias do governo.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 9, na especialidade

Leu-se na mesa a proposta do sr. Julio do Carvalhal, apresentanda na sessão antecedente.

O sr. Barros Gomes: — A commissão de fazenda, reunida hontem, tendo examinado maduramente esta substituição do sr. Julio do Carvalhal ao § unico do artigo 8.°, julgou dever aceita-la tal qual s. ex.ª a apresentou.

Em relação a uma outra emenda proposta por s. ex.ª a um dos artigos anteriores, creio que ao artigo 5.°, a commissão, embora concorde com alguns dos fundamentos d'essa emenda, julgou não a dever adoptar por ser de natureza puramente regulamentar; limitando-se por isso a recommendar ao governo que no regulamento que, em virtude do artigo 12.°, elle terá de fazer, consigne algumas disposições, se não inteiramente analogas, pelo menos parecidas com a que era indicada pelo sr. Julio do Carvalhal, e que tenham por fim evitar que os mesmos informadores louvados se perpetuem no desempenho d'aquellas funcções, o que é inconveniente, porque ás vezes alcançam com esse meio livrar-se a si e aos seus amigos de encargos que deviam pagar, sobrecarregando ao mesmo tempo aquelles que não deviam estar onerados com tributos tão elevados.

O sr. Julio do Carvalhal: — Pedi a palavra para agradecer á illustre commissão a consideração em que se dignou ter as minhas propostas; dando-me por satisfeito com que se recommende ao governo o meu additamento ao § 1.º do artigo 5.°, porque o meu fim fica assim alcançado.

Peço portanto licença para retirar a minha proposta com relação ao artigo 5.°

A camara annuiu.

O sr. Presidente: — Agora vae votar-se a substituição do sr. Julio do Carvalhal ao § unico do artigo 8.º

Leu-se na mesa e foi logo approvada.

Artigo 9.°

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Ha na mesa um additamento do sr. Barros e Cunha a este artigo (leu).

O sr. Barros e Cunha: — Esse additamento ao artigo 9.º estava em harmonia com o additamento que eu tinha feito ao artigo 7.°, e que a camara hontem, adoptando-o em principio, rejeitou na pratica. Parece-me portanto que é inutil haver uma discussão a este respeito, porque as mesmas rasões que levaram a camara a não adoptar o que eu ali propunha, de certo subsistirão para rejeitar este additamento. Por consequencia peço licença á camrra para o retirar, mesmo para simplificar a discussão.

A camara annuiu, e em seguida foi logo approvado o artigo 9.°

Artigo 10.°

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Com relação a este artigo, ha tambem na mesa uma proposta do sr. Barros e Cunha, que diz o seguinte (leu).

O sr. Barros Gomes: — Este artigo foi transcripto da lei de 7 de julho de 1862, que dizia respeito aos recursos que o contribuinte podia interpor em relação ás primitivas decisões das juntas dos repartidores. Por engano é que se transcreveu esta disposição do n.º 3.°, contra a qual alguns srs. deputados têem protestado, porque em virtude das disposições do codigo civil este preceito caducou. A opinião dos mais eminentes jurisconsultos da camara é unanimo no sentido da inconveniencia que havia de conservar esta disposição, que vae de encontro a outras fundamentaes do codigo civil.

A commissão portanto está de accordo com a proposta, para que seja eliminado este n.º 3.°

O sr. Mexia Salema: — Conforme as prescripções do regimento passo a ter a proposta que tenho a honra de apresentar (leu).

Já a camara vê que eu discrepo do artigo que está em discussão, não sómente porque acho que não está redigido regularmente, comquanto a minha proposta talvez o não esteja tambem, e por isso salvo a redacção d'ella, mas porque em primeiro logar e sobretudo não posso admittir que haja este recurso extraordinario ao governo de que trata o artigo concedido á fazenda.

Em segundo logar não posso admittir que fique no artigo em discussão, que o referido recurso será permittido aquelles a quem compete o beneficio de restituição.

Esta disposição, que foi copiada do artigo 2.° da lei de 29 de dezembro de 1849, actualmente não tem rasão de ser pelo nosso direito vigente. O codigo civil, que rege desde 1868, extinguiu para todos — estado, corporações e estabe-

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lecimetos publicos e menores — o beneficio da restituição in integrum, como se vê dos seus artigos 38.° e 297.° Pelo novo e melhor systema de direito os responsaveis pelos prejuizos d'aquelles são os seus representantes, administradores, tutores e curadores. Como a illustre commissão concordou já em eliminar a referida disposição, não insisto mais n'esta parte.

Em terceiro logar julgo insufficiente e mau o n.º 2.° do artigo na sua redacção. O n.º 2.° d'este artigo diz o seguinte (leu).

Eu desejo que n'este ponto fique bem expresso o que se achava na lei de 29 de dezembro de 1849, que não diz só e simplesmente «os collectados sem fundamento algum para o serem», mas acrescenta mais alguma cousa e diz «e que por isso não tinham para que examinar, nem eram obriga dos a examinar o lançamento». Acho melhor redacção a d'esta lei de 1849, porque tira todas as duvidas, pois que quem recorre entende-se sempre que recorre com algum fundamento, e dizendo-se só sem fundamento, como se acha no projecto, omittindo se as outras expressões que explicam esta phrase, poderá isto dar logar a muitos collectados recorrerem por qualquer outra rasão, quando a lei de 1849 exprime bem claramente, que é porque não tinham obrigação de ir ver o lançamento, hoje a matriz.

O motivo principal por que julgo que não se deve conceder á fazenda nacional este privilegio, é porque entendo que aquelles que uma vez foram collectados depois de encerrada a matriz, conforme o artigo 9.º do projecto, devem estar a coberto de toda e qualquer exigencia do fisco (apoiados).

Pois então a matriz é feita pelo escrivão de fazenda, ha recurso para a junta dos repartidores da contribuição predial, da junta para o conselho de districto e do conselho de districto para o tribunal administrativo, e não ha muito tempo para examinar se a fazenda está ou não lesada, e não tem já esta muitos meios n'aquelles recursos para acautelar os seus prejuizos, e ainda passades um, dois e tres annos hão de ser opprimidos os collectados? Parece-me que não pide ser (apoiados). A lei de 1849 tinha rasão de ser, porque não trata simplesmente d'esta contribuição, trata de todas as contribuições e de outros rendimentos do estado. Portanto, já se vê que não é possivel permittir-se que a fazenda fique com este direito, porque eu entendo, e é assim que comprehendo o sentido em que está escripto o artigo 7.°, que o escrivão de fazenda, ou o competente empregado representante d'esta, quando vê que pelas juntas do lançamento foi prejudicada a fazenda, póde recorrer para o conselho de districto, e do conselho de districto póde recorrer para o tribunal administrativo, e por isso são mais que sufficientes esses recursos. Por consequencia, não sei para que ha de ficar este recurso extraordinario e sem praso fatal aqui aberto para o fisco apoquentar e opprimir os collectados quando bem lhe parecer e aprouver; e conseguintemente entendo que se deve tirar.

Por ultimo, entendo que o § 2.° não póde ser redigido senão pela fórma que já indiquei. Elle diz: «Os collectados sem fundamento algum para o serem pelas contribuições de renda das casas e sumptuaria».

Parece-me que estas palavras «pelas contribuições de renda das casas e sumptuaria» são desnecessarias, porque n'este projecto, tratando-se sómente das contribuições de renda das casas e sumptuaria, que ambas constituem a contribuição pessoal, devem essas expressões ser eliminadas; e que em logar d'ellas devem acrescentar-se, conforme a minha proposta, as que mais se acham na lei de 29 de dezembro de 1849, e que explicam bem claramente o pensamento do legislador. Esta sómente permitte o recurso extraordinario, de que se trata, ao individuo a quem nem passava pela idéa que podesse ser collectado: como, por exemplo, um individuo que, nunca residindo em uma terra de Traz os Montes, fosse collectado ali n'uma carruagem por qualquer equivoco.

E é para evitar estes equivocos e similhantes, que entendo ser necessario o auxilio e remedio da lei de 1849, e que só desejo que continue a ficar esperando que a camara assim o decida.

Tenho concluido.

Leu se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho a substituição do artigo 10.º pelo seguinte:

Fóra dos prasos fixados pelos respectivos regulamentos para os recursos estabelecidos pela presente lei, só poderão recorrer extraordinariamente para o governo, pela direcção geral das contribuições directas, na conformidade do decreto de 27 de dezembro de 1849, os collectados sem fundamento algum para o serem, e que por isso não tinham para que examinar, nem eram obrigados a examinar a matriz.

Sala das sessões, 9 de maio de 1871. = José de Sande Magalhães Mexia Salema.

Foi admittida.

O sr. Alberto Carlos (sobre a ordem): — Parece-me que este objecto precisa de ser seriamente reflectido; e por consequencia requeiro, que a proposta do sr. Mexia seja reja remettida á commissão de fazenda, para a examinar e dar sobre ella o seu parecer.

Entendo que é necessario considerarem-se bem todos os fundamentos da collecta, e que uns não fiquem prejudicados pelos outros; porque em Lisboa parece-me que tem havido algumas irregularidades a esse respeito, com relação a algumas pessoas. Por exemplo, um individuo tem uma casa alugada, porém não possue cavallo, e não o tendo, não havia fundamento algum para ver se a quantia com que era collectado relativamente ao cavallo que não possuia se achava ou não na matriz; examinou a matriz sómente no que respeitava á contribuição pela renda da casa; mas sabendo depois que tinha sido collectado por um cavallo que não tinha, fez a devida reclamação, esperando que seria deferida, por isso que não ha fundamento algum para a collecta no que respeita ao cavallo; mas parece que se tem decidido o contrario, dizendo que, como tinha o artigo relativo á renda da casa, devia examinar todos os outros relativos a cavallos, creados, etc.. Parece-me que isso é injusto, e devem prevenir-se estas injustiças, e para isso é que julgo se deve enviar á commissão a proposta do sr. Mexia, para ser maduramente considerada em todas as suas partes.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a proposta do sr. Mexia seja remettida á commissão de fazenda, para a examinar e dar o seu parecer.

Sala das sessões, 9 de maio de 1871. =, Alberto Carlos Cerqueira de Faria.

Foi approvada.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Vou usar da palavra com o mais firme proposito de não incorrer, por esta vez, na censura de v. ex.ª Espero ter a rara fortuna de o conseguir.

Desejo chamar a especial attenção do illustre relator da commissão, e do governo, para o n.º 2.° do artigo 10.°, que diz: «Os collectados sem fundamento algum para o serem pelas contribuições de renda das casas e sumptuaria».

Esta disposição é, na falta de clareza ou mesmo na ambiguidade da redacção, a mesma que se encontrava no n.º 2.° do artigo 6.° da lei de 7 de julho de 1862, o qual, referindo-se ástres contribuições — predial, industrial e pessoal, diz: «Os collectados sem fundamento algum para o serem pelas contribuições de que se trata».

A interpretação pratica d'esta disposição sobre os recursos extraordinarios

tem-se feito por uma maneira diversa, e ha decisões contrarias e totalmente oppostas no supremo tribunal administrativo. A unica jurisprudencia que póde re-

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putar-se fixada é a opinião seguida pelo conselho da direcção geral das contribuições directas; mas essa doutrina, que só uma vez foi confirmada pelo supremo tribunal administrativo, e que de todas as outras vezes tem sido justamente corrigida e revogada, é tão injusta e a meu ver tão extravagante, que basta conhece-la para a condemnar.

Como a lei de 1862 diz: «Sem fundamento algum para o serem pelas contribuições de que se trata», duvidou-se, n'esta terra feliz em que de tudo se duvida, se contribuições eram as collectas de que se reclamava, ou as leis que as estabeleciam. Entre nós as duvidas nascem e crescem ás vezes na rasão directa da clareza das leis e da justiça das suas disposições. Quanto mais claras e mais justas são as leis, maiores e mais frequentes surgem as duvidas e as difficuldades.

A duvida pratica é — se póde reclamar e usar do recurso extraordinario o individuo, ao qual é lançada uma contribuição sem fundamento algum em relação ao objecto a que se refere, por não possuir nem representar o individuo collectado a materia collectavel em que a contribuição assenta, ou se não basta isso e é indispensavel que concorram simultaneamente duas circumstancias; isto é, que não só não haja fundamento algum para a collecta em relação aquelle objecto, mas tambem que não haja fundamento algum para o individuo poder ser collectado por outros objectos em virtude da lei da mesma contribuição.

Não sei se me explico bem, desde já respondo aqui ao meu amigo e collega, o sr. Cortez, cuja illustração aprecio e muito respeito, que me diz que esta questão está decidida pela lei na sua opinião.

Eu faço notar a s. ex.ª, que esta questão que levanto não é minha, porque para mim tambem a lei não offerece duvida alguma; más levanto-a em virtude da experiencia e da pratica do fôro, onde vejo casos julgados em sentido opposto, e decisões encontradas nos tribunaes superiores. Importa pouco que nós não duvidemos quando os tribunaes duvidam, e quando d'ahi tem resultado e resulta a incerteza da applicação da lei.

Para me explicar com mais clareza, e para que todos apreciem as duvidas existentes, recorro eu a uma hypothese pratica.

Um individuo é, por exemplo, sujeito á contribuição predial, porque tem em Lisboa um pequeno predio. O escrivão de fazenda lança a este individuo a decima correspondente não só aquelle predio, mas a todos os predios de qualquer outro individuo.

O collectado, sem fundamento algum para o ser em relação a esses predios que não são seus, vem interpor o re curso extraordinario pela direcção geral das contribuições directas, e o respectivo conselho resolve que o recurso é illegal e incompetente, e que o recorrente não póde usar d'aquelle meio extraordinario, porque, ainda que não ha fundamento algum pará as conectas que lhe lançaram e que são as unicas contra as quaes elle reclama, todavia ha fundamento para ser collectado pela contribuição predial, que é a de que se trata; e portanto não é licito nem póde ser admittido recurso extraordinario, o qual a lei só permitte quando não haja fundamento algum para a contribuição predial, isto é, quando o individuo não tenha materia alguma collectavel sujeita a essa contribuição.

Isto custa a crer, mas não ë só um, são muitos os casos julgados peto respeitavel concelho da direcção geral das contribuições directas. Este conselho superior diz invariavelmente:

«É verdade que não ha fundamento algum para essa collecta predial ou industrial, porque o collectado não possue nem nunca possuiu esse predio, não exerce, nunca exerceu, ou mesmo não póde exercer essa industria, mas ha fundamento para a contribuição de que se trata porque possue outro predio ou exerce outra industria, e é tributado com fundamento na contribuição predial ou industrial.»

Esta doutrina é singularissima, excede mesmo os justos limites que o juizo impõe a credibilidade das cousas. Eu concordo que o conselho dá á lei uma interpretação que ninguem lhe dá nem póde dar, mas o facto é que lh'a dá e que a applica por esta fórma aos contribuintes.

Ora o conselho da direcção geral das contribuições directas, como todos os conselhos superiores n'este paiz, é uma potencia contra a qual luta debalde o governo, contra a qual na pratica tem sido quasi inutil o parlamento, e contra a qual portanto nada póde, nem mesmo ousa erguer vistas sacrilegas o simples contribuinte, que se não paga logo a collecta, para que não ha fundamento algum, pagará em tempo perdido, trabalho inutil e despezas do recurso extraordinario dez vezes a collecta injustissima de que teve a audacia de recorrer. É esta a garantia de que gosam os contribuintes.

Apontarei um caso, e podia referir muitos, eu chamo para elle a attenção da camara, se por acaso ella a quer prestar a factos que demonstrem a rigorosa verdade e inteira exactidão do que eu hontem aqui affirmei.

Um individuo foi collectado como solicitador de causas com a quota distribuida pelo gremio dos solicitadores e com os respectivos addicionaes. A camara sabe que para ser solicitador de causas é necessario um processo de habilitação especialissima com as formalidades prescriptas no decreto de 6 de setembro de 1866; e portanto que não póde ser solicitador de causas quem o quer ser, mas unicamente quem para o ser está habilitado em rigorosa harmonia com aquelle decreto. Pois um individuo que não estava habilitado em harmonia com o decreto, que não era solicitador de causas nem o podia ser, recebeu um dia um aviso para pagar a contribuição industrial correspondente á classe dos solicitadores de causas; este individuo interpoz o recurso extraordinario de que trata a lei de 1862; e o conselho da direcção geral das contribuições directas decidiu que a collecta era injusta, mas que o recorrente não tinha outro remedio senão pagar, porque, comquanto fosse verdade que elle não era nem podia ser solicitador de causas, tambem o era que elle estava sujeito á contribuição industrial por outro motivo, e portanto não lhe permittia a lei interpor o recurso extraordinario, e só lhe pertencia reclamar ordinariamente nos prasos legaes. Esta decisão foi confirmada no supremo tribunal administrativo, em 19 de outubro de 1870, e este individuo pagou a respectiva collecta, as despezas do recurso, o tempo e o trabalho. Foi feito solicitador á força, contra o decreto de 1866, mas só para pagar o imposto, e não pará poder solicitar em juizo.

Este facto não é unico. São muito frequentes factos d'esta ordem. O conselho da direcção geral das contribuições directas fixou esta bella doutrina e applica-a invariavelmente.

Creio ter demonstrado plenamente á camara, ao governo e ao illustre relator da commissão, que a redacção que ainda agora se encontra no § 2.º d'este artigo 10.° deixa de pé uma duvida, que em descredito e prejuizo nosso tem existido até hoje.

Creio que não está na intenção de ninguem tributar como solicitador de causas um individuo que não o é, nem póde ser; creio que não está nas intenções de ninguem tributar como medico um advogado, nem como advogado um medico ou qualquer outro individuo que não exerce essa profissão. Isto nunca esteve de certo na intenção do legislador, e não o póde estar na intenção de nenhum dos meus collegas d'esta casa; mas nasceu no conselho da direcção geral e tem-se applicado ali constantemente.

Como os factos se repetem, e como v. ex.ª e a camara facilmente imaginam quanto custa a qualquer contribuinte em tempo, em trabalho e em dinheiro a interposição e o seguimento de um recurso extraordinario pelo conselho da direcção geral das contribuições directas, recurso cuja demora e cuja despeza até final resolução no supremo tribunal administrativo representa dez ou vinte vezes o que o contribuinte tem a pagar pela sua collecta, e recurso que a final póde obter uma decisão d'esta ordem, eu julgo que a camara quererá evitar para o futuro estas questões, e dar á

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disposição do projecto n'esta parte Uma redacção clarissima, que não permitta para o futuro mais duvida alguma a este respeito, e por isso proponho e mando para a mesa uma emenda ou substituição de redacção, que é a seguinte (leu).

Reproduzo n'esta redacção exactamente a disposição da lei de 1862, substituindo as palavras contribuições de que se trata, que são as que o illustre conselho da direcção geral de contribuições directas costuma interpretar tão singularmente, pelas palavras collectas de que se trata.

Esta redacção como eu a proponho deve servir não só para a lei que sé discute, mas tambem para estabelecer na jurisprudencia pratica um meio de interpretação authentica, que possa remover os inconvenientes que actualmente se dão em relação ás duas contribuições industrial e predial.

Creio que é esta a intenção do governo, e folgo de receber um signal affirmativo do nobre presidente do Conselho de ministros, o qual, como digno presidente do supremo tribunal administrativo, tem já concorrido mais de uma vez para se fixar a mesma jurisprudencia, que eu agora aqui defendo. No supremo tribunal administrativo as resoluções e accordãos têem sido uniformes, á excepção d'aquelle a que ha pouco me referi, mas o conselho da direcção geral as contribuições directas reage ainda contra a boa doutrina, apesar das decisões do tribunal superior.

Parece-mee que d'esta vez as minhas reflexões serão attendidas, e eu felicito-me por isso e ainda muito mais por ter uma vez conseguido conserva-me na ordem, que quasi sempre, mau grado meu, perturbo ou inverno, arriscando-me ás advertencias de v. ex.ª, apesar da benevolencia com que me honra, e do muito respeito que eu lhe tributo.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho a seguinte redacção:

2.º Os collectados sem fundamento algum para o serem pelas collectas de que se trata.

Sala das sessões, 9 de maio de 1871. = Visconde de Moreira de Rey.

Foi admittida.

O sr. Pinto de Magalhões (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer da commissão do ultramar com pareceres de outras commissões que foram ouvidas sobre o assumpto.

O sr. Barros Gomes (relator): — Estou de accordo com as observações feitas mui judiciosamente pelo meu collega o sr. visconde de Moreira de Rey, em relação á necessidade de redigir este n.° 2.° de modo a torna-los mais claro, e evitar a interpretação menos Bem fundada que se tem dado á legislação de 1862 no conselho da direcção geral das contribuições directas.

Effectivamente parece me que segundo o espirito da lei não se podia exigir de um individuo por possuir um predio qualquer, que fosse collectado por esse, e injustamente por cinco ou seis predios mais que lhe não pertencessem nem do mesmo modo em relação á contribuição industrial se deveria exigir de um individuo que pagasse collecta por uma industria que não exerce, só pelo facto de achar inscripto na matriz industrial, embora em uma classe e n'um gremio muito differente d'esse em que por engano tivesse tambem sido inscripto.

Isto é tão claro e rasoavel que me parece á primeira vista extraordinario terem podido suscitar-se duvidas ácerca d'esta interpretação.

A commissão não póde por certo oppor-se a que se modifique a redacção d'este n.º 2.°, de maneira; que não haja essas duvidas.

Aceitando o pensamento fundamental da proposta do sr. visconde de Moreira de Rey, a commissão reserva-se porém o dar-lhe uma, redaccção definida tal que esse pensamento de s. ex.ª fique perfeitamente definido na lei.

Em relação á proposta do sr. Mexia Salema, eu não tenho duvida em aceitar a lembrança do sr. Alberto Carlos para que ella vá commissão, a fim de ali ser devidamente considerada.

A primeira vista não posso perceber as rasões em que s. ex.ª se funda para retirar este recurso á fazenda nacional n'esta contribuição deixando-o subsistir em relação ás outras: na commissão porém se ponderarão essas rasões que

o meu illustre collega allegou, e, se ellas forem, como é natural que sejam, muito plausiveis, a commissão ha de toma-las ha devida conta, e se o entender conveniente modificará o artigo do projecto em harmonia com os desejos de s. ex.ª

O sr. Presidente: — No estado em que está esta discussão, parece-me que o que ha a fazer é propor á votação o artigo, salvas as propostas mandadas para a mesa, e enviar estas á commissão para as considerar.

O sr. Barros e Cunha:- O meu additamento foi aceito pela commissão, e portanto creio que a respeito d'elle não ha duvida (apoiados).

O sr. Presidente: — Se a commissão aceitou a proposta do sr. deputado, esta votação não prejudica em nada essa proposta.

O sr. Barros e Cunha: — Não volta á commissão?

O sr. Presidente: — Volta do mesmo modo.

Posto á votação o artigo, foi approvado, e as propostas foram remettidas á commissão.

O artigo 11.º foi approvado sem discussão.

Entrou em discussão o artigo 12.°, sendo lidas as proposas do sr. Barros e Cunha, apresentadas em uma das sessões anteriores.

O sr. Barros Gomes: — Estou completamente de accordo com o sr. Barros e Cunha, ácerca da conveniencia que haveria em inserir immediatamente em todas as leis que se promulgam a sancção penal; comtudo não posso deixar de dizer que n'estas leis fiscaes não tem sido até hoje costume faze-lo, e uma tal circumstancia provém de que os regulamentos fixam posteriorimente uma serie de deveres e encargos que têem de ser cumpridos e aceitos pelos differentes individuos que intervem na cobrança do imposto e seu lançamento, e é em relação a esses deveres e a esses encargos que se estabelecem multas para os que se negam a cumpri-los e aceita-los, ou exerce-los na boa fé.

Se fossemos hoje inserir nesta lei as multas que a deviam tornar effectiva teriamos de esperar um grande espaço de tempo até poder conhecer as hypotheses todas que o governo estabeleceria nos regulamentos que devem facilitar a execução d'esta lei, para, em harmonia com essas hypotheses, fixarmos as multas que haviam de recaír sobre os cidadãos chamados a intervir por qualquer fórma n'essa execução, quando se negassem a cumprir as funcções que o regulamento lhes commettia.

Creio, porém, que o pensamento do illustre deputado ficará até certo ponto attendido se, em logar de se dizer que é governo fica auctorisado a estabelecer as multas convenientes para tornar effectiva a execução da lei, em seguida á palavra «convenientes» acrescentarmos «não excedendo essas multas 20$000 réis».

Esta faculdade já o governo a tinha pelo codigo penal, mas por este modo attende-se melhor aos desejos do illustre deputado, por isso que a sancção penal fica de modo mais claro, comprehendida na lei que estamos discutindo.

Mando para a mesa n'este sentido um additamento ás ultimas palavras do artigo 12.º

Leu-se na mesa o seguinte

Additamento

Proponho que no artigo 12.º em seguida á palavra «convenientes» se acrescentem as seguintes «não excedendo réis 20$000, para tornar effectiva essa execução». = Barros gomes, relator da commissão.

O sr. Barros e Cunha: — Ha um dictado que é conhecido por todos, e que até figura n'uma das comedia mais interessantes que se têem representado ultimamente, e é

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que, se a gente não póde ter aquillo que deseja, se deve contentar com aquillo que póde ter.

Isto é dito para outra fórma. Não cito o auctor, porque receio offender a gravidade com que o sr. ministro da fazenda assiste a estas questões de impostos (riso).

Não me devo esforçar para sustentar a minha idéa, porque já por parte do illustre relator da commissão, que principalmente respondeu a ella, foi reconhecido que ha uma pratica que seria muito para desejar que se eliminasse, e que d'aqui em diante as nossas leis consignassem nas suas disposições a sancção penal que as deviam tornar effectivas.

Eu sei que é mais commodo para os governos reservar-se para os regulamentos aquillo que se devia ter inserido nas leis, e deixarem de se inserir nas leis muitas disposições que elles tornam mais ou menos elasticas, mais ou menos flexiveis quando praticamente tratam de as executar; por consequencia ficam com auctorisação plena de as alterarem á medida que as vão executando.

Esse argumento para mim não póde colher. Eu sou absolutamente contra as auctorisações dadas ao governo para estabelecer sancção penal em relação ás leis que nôs aqui votâmos; embora elle tenha pelo artigo 429.° do codigo penal auctorisação para estabelecer certas penalidades nos regulamentos que publica, é necessario estabelecer a distincção entre o que são principios regulamentares e o que são principios legaes. E d'esta grande confusão nasceu um dos factos mais graves e mais importantes que se tem dado n'este paiz.

Foi trazida ao parlamento a reforma da administração e da lei do consumo, as quaes em si não offereciam grande difficuldade no paiz; mas os regulamentos, e seja-me permittido dizer que em principio eu sou contra os direitos de consumo, não quero de maneira alguma tributar a vida, não o fiz, não o faço e não o farei em circumstancia alguma; não fiz opposição aquellas leis, porque estava fóra da politica activa; mas os regulamentos para a sua execução tornaram-n'as absolutamente intoleraveis (apoiados), porque em muitas das suas disposições suspendiam as garantias individuaes e os direitos civis e politicos dos cidadãos portuguezes, o que trouxe comsigo a famosa janeirinha (riso). Por consequencia eu, em nenhum caso, transijo em votar ao governo esta auctorisação.

Se o governo tem auctorisação pelo artigo 429.° do codigo penal para estabelecer penalidades em relação aos regulamentos, eu não lhe posso dar esta auctorisação para es tabelecer penalidades em relação ás disposições legaes das leis que nós aqui votâmos; fazer o contrario d'isto é fazer uma lei imperfeita, e isto não póde ser, não póde continuar assim, salvo se querem arredar da nossa apreciação o objecto da auctorisação ao governo para estabelecer penalidades em relação aos artigos d'esta lei.

Tambem não quero que se possa argumentar com a falta de tempo, que podia levar a discutir-se a sancção penal da lei.

Em geral nenhuma lei se executa emquanto o regulamento não está feito; e de certo o regulamento d'esta ha de ser feito só depois d'ella ter passado na camara dos dignos pares, porque não era rasoavel que fosse para a camara dos dignos pares acompanhada de disposições com que não tinha apparecido na camara dos senhores deputados, portanto isso não é desculpa aceitavel para a lei não ir completa.

Era melhor que as leis viessem á camara definidas e como deviam vir.

Rejeito este argumento.

Embora eu reconheça que a minha opinião pouco póde influir nos intuitos do governo, eu desejaria que não se deixassem continuar estes velhos abusos, e perpetuar, augmentando nós com a nossa indifferença as causas da resistencia popular, que necessariamente se ha de manifestar mais contra as disposições regulamentares, do que contra as disposições aqui votadas, e deixando que os escrivães de fazenda, que depois do arbitrio que o governo tomou de lhes suspender os vencimentos, serão obrigados a tornar-se instrumento docil das vontades dos empregados superiores da fazenda publica, se transformem, por assim dizer, em instrumentos de oppressão popular.

A camara, que rejeitou inserir a minha proposta para a publicidade, póde votar o que quizer. Desde que tirou os meios de cada um poder usar dos seus direitos, póde impor tambem as penas que convierem.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Entendo sempre que as reflexões do illustre deputado são dignas de toda a consideração; e, quando não tomo a palavra immediatamente depois de s. ex.ª, é para não obstar ao desenvolvimento de uma discussão que parece necessitar d'esse mesmo desenvolvimento.

Não é um acto de violencia, posso assevera-lo ao illustre deputado, pedirem os funccionarios superiores aos seus subalternos os esclarecimentos indispensaveis, em relação á execução das leis dos tributos. Com isso não fazem senão tomar as disposições necessarias para que se não dêem os abusos, contra os quaes reclamam todos os srs. deputados.

Todos os dias, quando se trata de certos e determinados funccionarios, se diz aqui, que os contribuintes pobres são victimas do zêlo e do furor d'elles, e ao mesmo passo suppõe-se que ha uma protecção dada por elles aos contribuintes ricos e poderosos. E não póde suppor-se que é violencia quando o delegado do thesouro pede com urgencia as listas dos devedores á fazenda publica; e tanto não é, que já cessou a suspensão de pagamento de quotas, a respeito de alguns escrivães de fazenda.

Eu entendo que é obrigação de um ministro defender todos os individuos, que exercem funcções no ministerio á testa do qual está. E peço ao illustre deputado que não seja tão severo na apreciação da supposta tendencia para uma violencia dada.

Eu mesmo, se por acaso acreditasse completamente na severidade das apreciações do illustre deputado, havia de suppor que era dotado de uma ferocidade immensa; mas, a dizer a verdade, descendo rapidamente a um exame do que se passa no seu coração, não encontro ahi sentimento algum que a justifique.

O illustre deputado faz uma tal apreciação da tendencia para abusos determinados, praticados contra os contribuintes, que, a dizer a verdade, não creio que elles se dêem senão por um caso excepcional.

(Ápartes.)

Pois quando se trata de tomar disposições para que esses conselhos geraes não governem mais do que o governo.

(Ápartes.)

O sr. Barros e Cunha: — Peço a palavra.

O Orador: — Emfim, direi ao illustre deputado que não é exacta a supposição de que tinha ficado completamente prejudicado o seu additamento relativo á publicidade, pelo facto de o não ter a camara adoptado nos termos em que s. ex.ª queria que elle fosse adoptado.

O sr. Barros e Cunha: — Peço a palavra.

O Orador: — Não se impaciente o illustre deputado. Eu estou dando explicações para mostrar que é injusta a apreciação de s. ex.ª, quando suppõe que a camara votou contra a sua idéa.

A camara não votou contra a idéa do illustre deputado, e s. ex.ª não seja tão severo que exija que uma idéa não possa ser votada senão pelo modo indicado por elle, e nos termos rigorosos em que elle queira.

E direi mais ao illustre deputado. Ha muitos regulamentos já. Ha, por exemplo, o regulamento de 1851 que determina o modo pratico por que devem ser feitas certas reclamações, mas d'esse modo pratico o que resultou foi que se tornou impossivel a execução da idéa.

O sr. Barros e Cunha: — Peço a palavra.

O Orador: — Eu não insisto mais, porque vejo que qual-

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quer explicação que tento dar ao illustre deputado não dá em resultado senão uma tal insistencia da parte de s. ex.ª em pedir a palavra, que me faz suppor ser convicção d'elle que a minha intenção, respondendo-lhe, é hostilisa-lo.

Entendendo, pois, que a melhor resposta que posso dar-lhe é o silencio, callo-me e sento-me.

O sr. Presidente: — Vae ler-se um additamento mandado para a mesa pelo sr. relator da commissão.

O sr. Ornellas (por parte da commissão diplomatica): — Mando para a mesa um parecer da commissão diplomatica, sobre o requerimento de um arbitro que foi da commissão mixta do cabo da Boa Esperança.

O sr. Barros e Cunha: — O meu fim é unicamente não deixar ficar a accusação ou a censura, ou a observação que o sr. ministro da fazenda pretendeu incutir no espirito dos meus collegas, e mesmo no espirito publico, de que eu fizera questão de que a minha idéa fosse inserida na lei pela maneira por que a escrevi, ou com a redacção que lhe dei.

Não era essa a questão. Não se apresentou aqui nenhuma reclamação contra a redacção do meu additamento, nenhuma absolutamente.

O meu additamento não foi votado, não foi apreciado, foi posto de parte para ser incluido n'uma lei geral ou n'um regulamento que o sr. ministro da fazenda ainda ha de fazer, rejeitando-se desde já o modo por que elle podia aproveitar ao contribuinte. E a citação que s. ex.ª me fez da legislação de 1851, da legislação posterior e de todas as legislações regulamentares do governo, não faz senão corroborar a minha opinião e a opinião de todos aquelles que partilharam commigo a idéa de que estes principios se devem consignar na lei.

Os regulamentos dos governos e as suas providencias têem sido inefficazes, porque é do interesse dos exactores fiscaes não fazerem chegar ao conhecimento de ninguem (apoiados) nem as collectas, nem os prasos das cobranças, nem cousa alguma (apoiados); porque elles não vivem senão das execuções fiscaes (apoiados).

Quero que todos aquelles que devem pagar á fazenda sejam coagidos a pagar; mas quero que antes de serem coagidos a isso pelos regulamentos estabelecidos, pelas leis que nós aqui votâmos, elles tenham conhecimento necessario do direito que têem de reclamar contra os excessos da collecta ou contra a injustiça d'ella.

Quero que saibam os prasos em que devem entrar com o dinheiro. Quero plena liberdade e plena responsabilidade; e isto é o que o sr. ministro da fazenda não quer praticamente.

Hoje mesmo ou talvez ámanhã venha n'um dos jornaes mais lidos d'este paiz uma accusação de um contribuinte, que tendo ido hoje a um cartorio de fazenda d'esta cidade, foi mal recebido e maltratado. Disseram-me isto ainda agora. Citaram-me o nome da pessoa. Não quiz tomar conhecimento d'esta accusação, e disseram-me que ía para a imprensa. Acontece isto em toda a parte (apoiados).

O meu illustre amigo, o sr. Mendonça Cortez, estando o outro dia junto de mim, quando o sr. ministro da fazenda estava a prometter a larga publicidade que se devia dar ás matrizes e aos avisos, teve a bondade de recordar-me uma disposição da legislação romana, que peço a elle licença para a reproduzir.

Eram os regulamentos do tempo de Diocleciano. Publicidade completa! Completa publicidade! Letra microscopica! E as matrizes enforcadas tão alto, que os contribuintes nem as podiam ter em consequencia da letra, nem as podiam ver pela altura em que as collocavam. Isto é magnifico! Não é preciso que façamos leis, já temos tudo nos regulamentos da antiguidade. São assim os regulamentos que o sr. ministro me cita, e tão uteis que, apesar do arbitrio do governo, do poder que tem em zelar a sua execução plena, e da pressão que tem direito de exercer sobre os agentes fiscaes a beneficio do publico, não tem podido executa-los. Entretanto aceitam a idéa, e é isso uma grande satisfação. A idéa fica aceita. O povo é espremido completamente.

Em Inglaterra, dizia um grande homem, quando lhe propunham que continuasse a manter uma certa elevação no income tax, para reduzir a divida publica, dizia elle «não admitto, não quero; deixem fructificar as economias do povo nas suas proprias algibeiras, porque isso depois ha de produzir e transformarse em riqueza, é d'ahi que ha vir o augmento da materia collectavel que ha de encher as arcas do thesouro». Aqui é o contrario. Aqui não se contentam com o imposto devido ao estado, querem de mais a mais que á sombra da legislação fique subsistindo ainda um outro imposto levantado sobre a ignorancia, sobre o atrazo da instrucção publica e sobre toda a qualidade de difficuldades levantadas contra o pobre contribuinte para locupletar os exactores fiscaes.

Não diga o sr. ministro da fazenda, que eu com as minhas observações estou por um lado advogando os interesses dos contribuintes, e por outro lado advogando os interesses des exactores. Não, senhor, não é isso.

O arbitrio que o governo, os delegados do thesouro, e emfim os agentes mais immediatos, e com isto não accuso a crueldade do illustre ministro, sei que elle não me attribue similhante sentimento a este respeito, tem de dizer aos escrivães de fazenda: não recebereis quotas, não recebereis ordenado,

suspender-vos-hei. Suspendo-vos os meios de viver se não exercerdes toda a pressão e rigor sobre aquelles que estão associados para occorrer com o seu obulo ás despezas publicas; não deixa fenda atravez da qual se possa conseguir para estes desgraçados que não têem protecção, nem um atomo de justiça.

O meu collega, o sr. visconde de Moreira de Rey, declarou ha pouco, com sobejos fundamentos, que os recursos interpostos para a direcção geral das contribuições directas, são uma ironia, um sophisma e uma cousa completamente inutil. Portanto, não é exagerada a minha phrase, e antes tenho muita pena de a não poder exagerar.

Eu peço licença para contar á camara uma historia que exemplifica o valor d'este recurso. Encontrei uma vez um homem, que me pediu para solicitar do thesouro um negocio que lá tinha havia vinte annos; não pude conseguir nada. Um dia encontrei-o, que descia as escadas do thesouro e disse-me «olhe lá se o não trago». Perguntei lhe: se não traz o que? Abriu o capote e mostrou-me um furão. Só assim se lhe póde achar o processo que n'aquella repartição tinha havia vinte annos, e que só o furão lhe poderá encontrar (riso).

Isto está no animo de todos nós. Andâmos constantemente a incommodar os ministros, os empregados das repartições e a metter empenhos para cousas de simples justiça (apoiados). Isto não póde continuar assim.

E livrando-me da imputação que me possa ser attribuida do meu rigor contra o sr. ministro da fazenda, aproveito a occasião para me assentar, declarando que a maior pena que o sr. ministro da fazenda me podia dar foi o não querer s. ex.ª continuar com as suas observações, porque ellas davam-me campo para eu cada vez ficar mais firme nas minhas convicções; não podendo aceitar as observações de s. ex.ª, que de certo serão muito fiscaes, mas que se não conformam com os interesses justissimos do povo, segundo a minha opinião.

O sr. Ministro da Fazenda: — Em relação ás observações feitas pelo illustre deputado sobre o interesse que os funccionarios devam ter para augmentar as custas dos processos resultantes das execuções, devo dizer a s. ex.ª que a prova mais decisiva de que desejo obstar a isso, é que tenho quasi prompto um trabalho que reduz muito as custas do processo; e creio que, ao menos n'esta occasião, terei o prazer de estar de accordo com o illustre deputado.

Quanto ás quotas, direi tambem que se examinam em uma commissão para isso especialmente nomeada, e á qual

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manifestei os desejos que a este respeito animam o governo. Essa commissão occupa-se d'este trabalho, e espero que alguma cousa se ha de fazer no sentido que o illustre deputado deseja.

Tambem s. ex.ª alludiu aos muitos recursos que se interpõem para a repartição das contribuições directas, e que não são ahi tomados em consideração. Devo porém dizer que muitos recursos sobem aquella repartição que são por ella tomados em consideração, e que se o não são todos, é porque muitos ali vão que não estão no caso de poderem ser attendidos. Mesmo sem o auxilio de um animal a que recorreu um contribuinte impaciente, conhecido do illustre deputado, muitos recursos são tomados em consideração por aquella repartição. Attender a todos, ha de o illustre deputado reconhecer que é impossivel, porque nem todos têem por si o direito e a justiça.

É o que tenho a responder ás observações do illustre deputado.

O sr. Presidente: — Vae votar-se o artigo, visto que não ha mais ninguem inscripto.

O sr. Barros Gomes: — Ha um additamento proposto pela commissão de fazenda e sobre este deve recaír a votação immediata.

O sr. Presidente: — Depois de votado o artigo.

Posto a votos o artigo 12.º salvas, as emendas a elle offerecidas, foi approvado.

A emenda do sr. Barros e Cunha foi rejeitada, sendo approvado o additamento apresentado pela commissão.

Entrou em discussão o

Artigo 13.°

O sr. Barros e Cunha: — Este artigo faz uma grande differença do que para o mesmo fim era apresentado na proposta do governo.

Na proposta do governo diz-se (leu).

Este artigo da proposta é claro, e entendo que póde sem inconveniente ser aceitado ou rejeitado. Eu aceito-o e voto-o apesar de se ter dito que estas materias são regulamentares. O que não posso votar é o artigo da commissão, porque esse deixa auctorisação ao governo para estabelecer ou declarar no regulamento quaes são as terras em que estas declarações são obrigatorias. Portanto o governo, não tendo a este respeito um limite, pede estabelecer esta obrigação em todo o paiz.

Se acaso não ha alguma idéa ou conveniencia occulta que eu não posso descubrir n'esta differença que se dá entre um e outro artigo, terei de propor que este artigo 13.º seja substituido pela disposição do artigo 11.º do projecto do governo. Para este fim desejava eu que o sr. ministro da fazenda, visto achar se tão disposto hoje a entrar n'esta discussão e a ter tanto desejo de me illustrar cada vez que eu peço a palavra; desejava digo, que s. ex.ª dissesse qual a rasão por que uma alteração tão radical foi feita pela commissão de fazenda na proposta do governo.

Depois de ouvir as explicações do sr. ministro, verei se me conformo com ellas, ou se terei de mandar para a mesa uma proposta, para o que pedirei a v. ex.ª de novo me conceda a palavra, caso o julgue necessario.

O sr. Barros Gomes: — Até hoje a circumstancia das declarações dos proprietarios serem ou deixarem de ser obrigatorias, tinha sido considerada puramente regulamentar. No regulamento da contribuição industrial, que tenho presente e que se refere á lei de 1860 diz-se o seguinte (leu).

Na lei a que este regulamento se refere não existia circumstancia alguma relativa a esta questão das declarações obrigatorias; apenas se dizia que os contribuintes poderiam prestar as declarações que julgassem convenientes para a melhor descripção da materia collectavel, em relação á qual tinham de pagar as contribuições.

A commissão entendeu que não devia cercear ao governo esta faculdade de julgar aonde e em que circumstancias seria possivel admittir as declarações obrigatorias.

O meu illustre collega, o sr. Alves Matheus, disse que julgava serem ellas convenientes e necessarias para todo o reino.

Eu divirjo d'esta opinião. No grau inferior de illustração em que ainda hoje se encontra infelizmente uma parte do nosso povo, estas declarações, longe de serem um bem, seriam um mal muito grave, porque incitariam os contribuintes a faltar á verdade, procurando enganar o fisco apresentando-lhe indicações inexactas.

Mas diz-nos o illustre deputado «as declarações obrigatorias estão estabelecidas em diversos paizes, na Allemanha, por exemplo, e produzem ali bom resultado».

Não o nego, em absoluto, embora sobre este ponto muito houvesse a dizer em resposta ás asserções avançadas pelo sr. Alves Matheus, assim como não tenho duvida tambem em que haja conveniencia em estabelece las para Lisboa e Porto, aonde se poderá tirar vantagem d'ellas para o publico e para o governo; mas fóra das duas capitães deve haver cuidado em as exigir, para que os resultados não sejam contraproducentes.

É por isso mesmo que entendo que não devemos cercear ao governo, como melhor informado, a liberdade de escolher quaes as differentes localidades do reino em que julgue possivel o estabelecer essas declarações obrigatorias.

Esta foi a opinião da commissão de fazenda, n'este sentido se pronunciou a maioria dos seus membros quando se tratou de modificar a proposta do governo, o que se fez com a annuencia do nobre ministro da fazenda, substituindo o artigo 11.°, da sua proposta, pelo artigo 13.° da commissão, o qual dava ao governo maior latitude de acção para a conveniente resolução d'este assumpto.

O sr. Alves Matheus: — Poucas palavras direi, porque o meu estado de saude, que não é bom, não me permitte alargar-me muito em considerações. É pela terceira vez que eu acudo em defeza da minha emenda.

Pelas palavras que acaba de proferir o illustre relator da commissão de fazenda, e meu digno amigo o sr. Barros Gomes, vejo que a minha proposta está condemnada á morte. Venho lançar-lhe a derradeira benção, para que morra com todas as solemnidades.

A suspeita, de que as declarações obrigatorias serão em grande parte falsas, não me parece argumento de tamanha ponderação que, firmados n'elle semente, devamos rejeitar este criterio de verificação de rendimento. Todos os demais criterios tem defeitos gravissismos.

Não ha nenhum que seja elemento seguro e perfeito para se determinar a base do imposto.

A manifestação de renda procurada na collocação do predio, na sua qualidade e na avaliação dos louvados é um criterio insuficiente, incompleto e imperfeitissimo; todos conhecem a maneira por que os agentes fiscaes, as juntas de repartidores e os informadores louvados desempenham os seus deveres, todos sabem, que pelo actual systema os contribuintes, que são honestos e conscienciosos, é que fazem ao fisco declarações verdadeiras, carregam com todo o peso do imposto (apoiados); emquanto os contribuintes fraudulentos e de má fé, que prestam esclarecimentos falsos, e que contam com a protecção e o favor dos empregados fiscaes, deixam de pagar o que devem em proporção com o seu rendimento (apoiados); de maneira que se pede dizer, com verdade, que o systema actual é o systema da irregularidade, da fraude e da injustiça, como affirmou, ha pouco tempo, um dos mais auctorisados jornaes do paiz, o qual me fez a honra de trasladar a minha proposta sobre as declarações obrigatorias, fazendo d'ella cabal demonstração. Pelo actual systema são mais respeitados os contribuintes fraudulentos do que os honestos (apoiados). Estou convencido de que as declarações obrigatorias com penalidade haviam de ser correctivo efficaz destes abusos, irregularidades e injustiças; havia de assim conseguir se aclarar-se e alargar-se mais a base do imposto; a fraudilencia havia de enfrear-se; e logo que as multas fossem applicadas com rigor aos contribuin-

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tes de má fé devidamente comprovada, elles haviam de convencer-se emfim de que não podiam ludibriar o fisco, e o numero de declarações falsas seria cada vez mais diminuto.

O principio das declarações obrigatorias com penalidade póde dizer-se o principio fundamental do lançamento do imposto em Inglaterra. N'este paiz, que em muitos assumptos póde ser-nos modelo, provada a fraudulencia por parte do contribuinte, ha um rigor inexoravel na applicação das multas.

Nos Estados Unidos da America o principio das declarações obrigatorias, que até 1850 estava em vigor para muitas categorias de rendimento, em que entravam tambem as capitães, estendeu-se e applicou-se tambem á propriedade immovel. Nos Estados Unidos o contribuinte faz a declaração debaixo de juramento; depois d'isto procedem os assessores á avaliação dos haveres do contribuinte; e se se verifica a hypothese, de que a declaração do contribuinte é falsa e dolosa, impõe-se-lhe a pena correspondente ao crime de perjurio.

N'alguns estados da Allemanha o principio das declarações obrigatorias está tambem adoptado para uma grande parte das fontes de rendimento. As multas são n'esses estados applicadas tambem com uma severidade singular. Casos ha, em que as multas chegam ao quadruplo por cada anno em que a fraudulencia continua; os proprios herdeiros não são isentos da responsabilidade do pagamento da multa, que foi imposta aos contribuintes de quem herdaram bens!

Vemos, pois, que as nações mais esclarecidas e civilisadas, e que mais têem trabalhado para aperfeiçoar o seu systema tributario, usam d'este criterio das declarações obrigatorias; nós não as queremos, porque receiâmos alterar os habitos e costumes dos povos, e porque a illustração no nosso paiz não é grande e está pouco diffundida, como acabou de dizer o illustre relator da commissão.

Mas, sr. presidente, se todos os homens politicos; se todos os nossos legisladores e todos os nossos governos, desde 1831 até hoje, tivessem recuado diante da consideração de que não podiam facilmente transformar-se os habitos dos povos, nós estariamos ainda amarrados ao absolutismo; o velho regimen existiria entre nós; o systema representativo não teria sido implantado em Portugal; muitas leis e providencias, que derivam das instituições liberaes, não teriam sido promulgadas e estabelecidas no nosso paiz (apoiados).

Nós observâmos que nações que sustentam nas mãos o facho da liberdade e da civilisação, como são a Inglaterra e os Estados Unidos, adoptam e reconhecem a utilidade do principio das declarações obrigatorias; porém nós engeitâmos a adopção d'este principio por o julgarmos inutil, reconhecendo ao mesmo tempo que paizes tão adiantados como esses que citei se servem com grande vantagem d'este criterio! (Apoiados.) Para fazermos a copia bastarda de alguma lei de administração franceza, que nem ao menos tem o merito de ser traduzida em boa linguagem, julgâmos sempre apropriados os nossos costumes, estamos sempre promptos, e somos innovadores até á exageração mais absurda e ridicula. Quando se trata de adoptar um meio racional e eficaz para se melhorarem as matrizes, e a distribuição do imposto se fazer com equidade, temos sempre repugnancias, levantam-se sempre difficuldades!! (Apoiados.)

Não me parece bem producente o argumento apresentado pelo illustre relator da commissão, quando disse que uma grande parte das declarações seria falsa.

Sr. presidente, se este argumento tivesse a valía que o sr. Barros Gomes pretendeu dar-lhe, a consequencia seria que nós deviamos rejeitar o juramento nos tribunaes civis e criminaes, por isso que ha perjurios; deviamos supprimir a liberdade de imprensa que representa um dos mais assignalados triumphos da intelligencia humana, por isso que, em logar de sómente difundir a verdade, serve muitas vezes para propagar o erro, a mentira e a cafumnia; detiamos acabar tambem com o codigo penal, por isso que é impotente para atalhar a existencia de muitos crimes, porque a despeito da severidade das comminações penaes que elle contém, os direitos não são respeitados, e as leis não são sempre cumpridas.

Porque póde abusar-se do criterio das declarações obrigatorias, havemos de rejeita-lo e proscreve-lo? Devemos então rejeitar e abolir todas as instituições a todos os criterios, de que se póde abusar. Eu estou convencido de que as declarações obrigatorias com penalidade, e ao mesmo tempo os avisos aos contribuintes e a publicidade das matrizes dariam grandes e excellentes resultados (apoiados).

Disse o sr. ministro da fazenda, ao combater a proposta apresentada pelo meu illustre amigo o sr. Barros e Cunha, que era mais opportuno e acertado adoptar-se o principio da publicidade na occasião em que elle podesse ser applicado conjunctamente a todas as contribuições. Mas se quando isso se fizer, não póde deixar de se proceder á feitura de uma matriz especial para cada uma das contribuições, qual é a rasão por que não ha de admittir-se a publicidade immediatamente para a contribuição pessoal? (Apoiados.)

Como disse hontem o meu illustre amigo o sr. visconde de Moreira de Rey, nós adiamos sempre para o dia seguinte o remedio dos males que padecemos, e a resolução das questões mais importantes que com a demora e tardança mais se complicam e aggravam (apoiados). N'este paiz é antigo e inveterado o habito de se guardar para o dia seguinte aquillo que se podia fazer no dia anterior. O dia de ámanhã é a nossa appellação constante; é a desculpa da nossa incuria; é, por assim dizer, o travesseiro da nossa indolencia (apoiados). Por este systema de adiamentos e estas delongas na adopção das providencias e dos meios necessarios para corrigirmos as nossas leis, e especialmente as que respeitam ao aperfeiçoamento das matrizes e á equitativa distribuição do imposto, não se conseguirão esses melhoramentos tão cedo, e os abusos e desigualdades de que todos se queixam durarão por muito tempo (apoiados).

Eu quero a maxima publicidade das matrizes, quero o aviso aos contribuintes, e quero as declarações obrigatorias, porque vejo em tudo isto garantias muito efficazes dos interesses dos contribuintes, porque considero todos estes meios como cauções salutares da igualdade e da justiça na distribuição do imposto; considero-os como elemento poderosissimo para chegarmos a corrigir e a aperfeiçoar as matrizes, e finalmente vejo em todos estes meios outras tantas armas com que podemos debellar essa cousa leprosa e hedionda que ahi existe com o nome de patronato, e que ha de recuar diante da publicidade, e não apparecer em proporções tão grandes e lastimosas como são aquellas com que existe actualmente (apoiados).

Remato aqui as minhas considerações. Pelo que disse o meu digno amigo, o sr. Barros Gomes, creio que a minha proposta sobre as declarações obrigatorias terá sentença de condemnação; a camara a approvará ou rejeitará conforme entender na sua sabedoria e justiça. Disse em favor da conveniencia da immediata adopção d'essa proposta o que me pareceu mais justo e mais ponderoso; fico inteiramente quite perante a minha consciencia. Não digo mais nada.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia d'este artigo sufficientemente discutida.

Consultada a camara, resolveu que a materia estava discutida.

O sr. Presidente: — Chamo a attenção da camara.

Ha divergencia entre o artigo da commissão e a proposta do sr. Alves Matheus; e é que a commissão deixa ao governo a faculdade de exigir declarações e o sr. Alves Matheus quer que ellas sejam obrigatorias.

Para haver mais clareza, e cada um dos srs. deputados saber como vota, talvez seja melhor votar-se o artigo sem prejuizo da proposta do Sr. Alves Matheus.

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Os srs. deputados que approvam o artigo 13.° sem prejuizo da proposta do sr. Alves Matheus, queiram ter a bondade de se levantar.

O sr. Barros Gomes: — O que v. ex.ª submette á votação é o artigo da commissão?

O sr. Presidente: — Sim, senhor.

O sr. Barros Gomes: — Ha uma emenda do sr. Alves Matheus para que as declarações sejam obrigatorias em todo o reino, e não se deixe ao governo a faculdade de marcar onde ellas devem ser obrigatorias. A commissão não póde aceitar essa emenda.

O sr. Presidente: — O que se estava votando era a proposta da commissão, que não quer que as declarações sejam obrigatorias; e eu dizia que ía votar-se sem prejuizo da emenda do sr. Alves Matheus, que quer que sejam obrigatorias.

O sr. Barros Gomes: — A proposta da commissão é o artigo 13.°

O sr. Presidente: — Consulto a camara sobre se approva, ou não, este artigo, salva a emenda.

Foi approvado o artigo, e foi rejeitada a emenda.

O sr. Ministro da Justiça (Sá Vargas): — Mando para a mesa a seguinte proposta de lei (leu).

Leu se na mesa a seguinte

Proposta de lei

Senhores. — Na curta prorogação, estabelecida no decreto de 14 de fevereiro proximo passado, dos prasos para os registos das hypothecas e dos onus reaes, e para a exigencia dos fóros vencidos ao tempo da promulgação do codigo civil, o governo teve em vista acudir a uma necessidade urgente do serviço.

Os motivos que desculpam esta providencia extraordinaria, cuja approvação o governo vem pedir ao parlamento, estão expostos no relatorio d'aquelle decreto.

As circumstancias que levaram o governo a adoptar aquella providencia não mudaram desde então, e por isso elle vem hoje pedir nova prorogação dos prasos estabelecidos n'aquelle decreto de 14 de fevereiro.

Ninguem ignora os inconvenientes d'estas prorogações como tambem poucos deixarão de concordar na sua necessidade. É a escolha entre dois males, abraçando-se o menor.

Esta nova prorogação é, como as outras, imperiosamente pedida pelos interesses da fazenda publica, das corporações sujeitas á desamorti sacão, que por isso tambem o são da mesma fazenda, das camaras municipaes, e ainda dos particulares; e não é quando se procura, ainda á custa de sacrificios, augmentar os recursos do estado sem sobrecarregar os contribuintes, que se deve largar mão de valores importantissimos, sem tentar um derradeiro esforço para os realisar.

Não hesita, pois, o governo em vos propor nova prorogação de todos aquelles prasos, mais extensa do que as precedentes, convencido de que n'este intervallo, com as medidas que adoptar dentro da esphera das suas attribuições, poderá tornar desnecessaria qualquer outra com relação aos interesses da fazenda, e que as camaras municipaes e os particulares poderão tambem convenientemente assegurar os seus respectivos direitos.

Para isto se conseguir será sufficiente, mas não demasiada, a prorogação dos mencionados prasos até 22 de março de 1873.

Comprehenderá ella, como se disse, o registo das hypothecas, de que tratam os artigos 1:000.° e 1:019.° do codigo civil, e 160.° do regulamento de 14 de maio de 1868, o dos onus reaes de servidão, quinhão, emphyteuse, sub-emphyteuse e censo, e a exigencia dos fóros vencidos ao tempo da promulgação do codigo civil, a que se refere o artigo 1:695.° do mesmo codigo.

Esta enumeração basta para mostrar a importancia dos valores que se procuram salvar; uma breve exposição dos passos a dar para se obter esse fim bastará para justificar a prorogação dos prasos pelo tempo indicado, porque, tanto para o estado como para as corporações e particulares, as maiores difficuldades não nascem hoje do systema do registo, mas do apuramento do que ha para registar.

Quanto ás hypothecas, têem de relacionar-se os responsaveis, cujas cauções estejam no caso dos citados artigos do codigo civil e regulamento de 14 de maio de 1868, e mandar-se logo proceder ao respectivo registo hypothecario, avisados e intimados os responsaveis, seus herdeiros ou fiadores, para n'um praso sufficiente designarem os bens, sobre que a hypotheca geral existente deva ser especialisada e registada, regulando-se o quantitativo pelo cargo, se estiver lotado n'esse sentido, e, se o não estiver, tem de se proceder em conformidade do artigo 2.° das instrucções de 14 de novembro de 1860, o que tudo assim cabe nas attribuições do governo, já porque se trata da especialisação das hypothecas existentes, já porque está permanentemente auctorisado para proceder á lotação.

Não se mostrando sufficientes os bens offerecidos, e reconhecendo-se haver outros pertencentes aos responsaveis, seus herdeiros ou fiadores com responsabilidade geral, deverá proceder-se ao registo em tantos, quantos forem necessarios para a caução legal, ficando, em todo o caso, ao interessado salvo o beneficio da reducção estabelecido no artigo 909.° do codigo civil.

Maior difficuldade se offerece quando não se conheça onde reside o responsavel, nem se possue bens e onde estão situados; pois tem de se apurar uma relação com todos os esclarecimentos que se possam obter, imprimir e remetter aos delegados do thesouro, para que, por meio dos escrivães de fazenda respectivos, indaguem, em vista das matrizes e por outros quaesquer meios ao seu alcance, se existem e onde propriedades pertencentes aos responsaveis, para se proceder ao respectivo registo, chamados previamente por editaes os interessados; sendo titulos legaes para aquelle fim os que authenticamente provarem a nomeação e exercicio do cargo com responsabilidade fiscal, de que, segundo a legislação então vigente, nascesse hypotheca geral.

Não exigem menos trabalho e tempo as providencias relativas ao registo dos onus reaes, embora se proceda já ao registo provisorio em conformidade do artigo 969.° do codigo civil e 138.° do ultimo regulamanto. Para esse registo é, e não podia deixar de ser, necessaria a declaração authentica de quem regista e a publicidade do mesmo registo.

As declarações assignadas, em virtude de ordem especial do governo, pelos chefes das repartições publicas respectivas, e as dos representantes das corporações e corpos locaes, devidamente auctorisados, são sufficientes para aquelle registo; mas d'essas declarações ou relações, assim authenticas, deve resultar a especificação do encargo e do predio onerado, porque sem ella não póde haver registo de predio ou de encargo predial.

N'este caso, pois, tambem a grande difficuldade provém do apuramento de relações authenticas de quaes sejam os onus ainda não registados, e do tempo necessario para se cumprirem as prescripções do registo.

Quanto aos fóros vencidos, tambem tem de se proceder ao seu apuramento, para serem pedidos, ou por elles se proceder contra os devedores, em caso de recusa de pagamento; devendo notar-se que, ainda quanto ás pensões correntes, terá applicação no fim do praso, que se propõe, a disposição do artigo 1:684.° do codigo civil, o que torna impreterivelmente necessario conhecer aquelles direitos e assegura-los antes da expiração do mesmo praso.

Em todos os casos as providencias, que se tomarem por parte do governo com relação aos interesses da fazenda, serão recommendadas, ou ainda exigidas, pelos ministerios competentes, das corporações e corpos locaes, a quem por parte do mesmo governo se prestará todo o auxilio em conformidade das leis.

As considerações que ficam expostas, e que sem duvida em materia de tanta importancia hão de ser suppridas pelas que vos ha de suggerir o conhecimento especial, que d'ella

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tendes, levam o governo a submetter ao vosso exame e approvação a seguinte proposta de lei.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 9 de maio de 1811. = Marquez d'Avila e de Bolama = José Marcellino de Sá Vargas = Carlos Bento da Silva = José Maria de Moraes Rego = José de Mello Gouveia = Visconde de Chancelleiros.

Artigo 1.º É relevada ao governo a responsabilidade em que incorreu pela promulgação do decreto de 14 de fevereiro do corrente anno.

Art. 2.° É prorogado até 22 de março de 1873 o praso estabelecido no mencionado decreto de 14 de fevereiro:

1.° Para o registo das hypothecas, a que se referem os artigos 1:000.° e 1:019.° do codigo civil, e 160.° do regulamento de 14 de maio de 1868;

2.° Para o registo dos onus reaes de servidão, emphyteuse e subemphytcuse, censo e quinhão;

3.° Para a exigencia dos fóros vencidos ao tempo da promulgação do codigo civil, comprehendidos na disposição do artigo 1:695.° do mesmo codigo.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 9 de maio de 1871. = Marquez d'Avila e de Bolama = José Marcellino de Sá Vargas = Carlos Bento da Silva = José Maria de Moraes Rego = José de Mello Gouveia = Visconde de Chancelleiros.

Foi enviada á commissão respectiva.

O sr. José Tiberio: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer, ou não, que se prorogue a sessão até se discutirem e votarem os dois artigos do projecto, que faltam para discutir.

O sr. Presidente: — Consulto a camara.

A camara resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: — Está em discussão o

Artigo 14.°

O sr. José Tiberio: — No artigo 14.°, do projecto em discussão, determina-se que a lei começa a vigorar no corrente anno civil.

A este artigo tenho que mandar para a mesa uma emenda, assignada tambem pelo sr. Francisco de Albuquerque, e é a seguinte (leu).

Esta minha proposta está plenamente justificada pela longa discussão que tem havido sobre este projecto.

V. ex.ª e a camara sabem que tanto o meu amigo, o sr. ministro da fazenda, como a commissão de fazenda e todos os nossos collegas, que tomaram parte no debate do projecto em discussão, reconheceram que as matrizes da contribuição pessoal estavam imperfeitíssimas, que ha n'ellas as maiores desigualdades, e que ha uma grande quantidade de materia collectavel a ellas subtrahida em taes termos, que a presente lei não póde levar-se á execução sem que as matrizes sejam reformadas, a fim de que o imposto seja distribuido com a maxima igualdade, como deve ser.

N'estes termos, sem querer tomar mais tempo á camara, mando para a mesa a minha proposta.

É a seguinte:

Emenda ao artigo 14.°

Proponho que as palavras = no anno civil de 1871 = sejam substituidas pelas seguintes = depois de reformadas as actuaes matrizes da contribuição pessoal =.

Sala das sessões, 9 de maio de 1811. = José Tiberio de Reboredo Sampaio e Mello = Francisco de Albuquerque.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda: — Tenho a dizer ao illustre deputado que me parece mais conveniente retirar a sua proposta, porque ella póde ir comprometter a receita calculada para o futuro anno economico, e porque asseguro a s. ex.ª que o governo está firmemente resolvido a mandar reformar as matrizes.

O sr. José Tiberio: — Em vista da declaração do sr. ministro da fazenda, de que ha de mandar reformar as matrizes da contribuição pessoal, tenho a dizer que me dou por satisfeito, porque confio plenamente na palavra de s. ex.ª. O meu fim não era crear obstaculos a que o governo podesse obter augmento de receita ainda no actual anno civil; o meu fim era evitar que este imposto fosse cobrado pelas actuaes matrizes, que são inteiramente imperfeitas e desiguaes.

Peço pois a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me concede licença para retirar a minha proposta.

Foi-lhe concedida.

O sr. Alberto Carlos: — A camara não approvou que fossem obrigatorias em todas as terras do reino as declarações dos contribuintes. Parecia-me que essa idéa podia ter sido approvada com algumas modificações; mas como o não foi, resta providenciar para que, nas terras onde as declarações são obrigatorias, se não faça caso d'ellas e sejam desprezadas, armando-se ao contribuinte uma especie do cilada quando elle cumpre os seus deveres.

O caso é este. O contribuinte faz a sua declaração verdadeira; recebe da junta o duplicado assignado como prova de que a apresentou, e fica muito descansado. A junta porém não faz caso nenhum da declaração, e lança aquelle contribuinte a mesma contribuição do anno anterior, em despeito da declaração verdadeira que elle tinha apresentado, embora esse individuo tivesse direito a menor contribuição.

Chegada a epocha da reclamação, o contribuinte póde deixar de ir examinar, confiado em que declarou a verdade; mas se vae examinar e acha a collecta injusta e contraria á sua declaração, tem necessidade de interpor um recurso, e paga todas as despezas respectivas; e ás vezes, ou não é attendido, ou só obtem um titulo de annullação, que só lhe é admittido depois que já tem sido obrigado a pagar! E tudo isto porque a junta não fizera caso da sua declaração!

Isto já me aconteceu a mim mais de uma vez, e para evitar casos d'estes é preciso proteger o contribuinte sincero e verdadeiro com algumas disposições legaes, que tornem a junta responsavel pelo facto de não fazer caso das declarações dos contribuintes.

É preciso que a junta seja obrigada a respeitar a declaração do contribuinte quando verifica que ella é verdadeira, ou quando não possa mostrar e provar que é inexacta. N'este caso, deve participar ao contribuinte os termos em que não achou a declaração exacta, para que este fique prevenido, e se promova a averiguação da verdade; sendo a junta responsavel pelas custas das reclamações sempre que se julgue a final, que ella não fez obra nem attendeu uma declaração que foi julgada verdadeira.

O sr. Presidente: — Advirto ao sr. deputado que o que está em discussão é o artigo 14.°, cuja materia é alheia á que o sr. deputado está tratando.

O Orador: — O assumpto de que me occupo não se refere a este artigo; mas a proposta que vou mandar para a mesa póde ser incluida em qualquer parte da lei, porque é um additamento ás providencias do projecto, e precisa ser apresentado antes que termine a discussão do mesmo projecto.

Este objecto, como a camara vê, é importante. É necessario proteger o contribuinte de boa fé, e que satisfaz com verdade ás declarações a que é obrigado, e livra-lo da responsabilidade das omissões alheias.

Pois será justo que o contribuinte pague as despezas de um recurso que intentou em virtude de erros alheios? Não, de certo.

Em virtude d'estas considerações vou mandar para a mesa, a fim de ser enviada á commissão de fazenda, a seguinte proposta (leu).

É este o meio de fazer com que as juntas apurem a verdade das declarações, e procedam com mais circumspecção, perdendo o costume, que actualmente têem, de copiar

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as contribuições de uns annos para outros sem fazerem caso das declarações dos contribuintes.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Nas terras em que forem obrigatorias as declarações dos contribuintes as juntas serão obrigadas a conformar-se com ellas, quando acharem que são exactas, ou no caso contrario darão aviso ao contribuinte, declarando-lhe os termos em que a não acharam exacta, para darem occasião a que se averigue a verdade, e no caso de se julgar verdadeira a declaração ficará a junta responsavel pelas custas das reclamações.

Sala das sessões, 9 de maio de 1871. = Alberto Carlos Cerqueira de Faria.

Foi admittida e enviada á commissão de fazenda.

Posto á votação o artigo 14.°, foi logo approvado.

Entrou em discussão o

Artigo 15.°

Leu-se na mesa uma proposta apresentada em tempo pelo sr. Mariano de Carvalho em relação a este artigo.

O sr. Barros Gomes: — Este projecto de lei, apesar da pequena receita que poderá dar ao thesouro, tem sido assumpto de uma tão larga discussão, que nenhum dos seus artigos tem passado incolume sem que algum illustre deputado pretenda emenda-lo, transforma-lo, substituido, modifica-lo ou supprimi-lo, de certo no sentido muito louvavel de alcançar as maiores vantagens para o contribuinte, e de corresponder assim aos deveres que incumbem aos verdadeiros representantes do povo.

Inclusivamente o ultimo artigo, a formula sacramental «fica revogada toda a legislação em contrario», nem esse mesmo escapou, tendo sido objecto de uma forte impugnação, não só na camara, como até no seio da commissão de fazenda.

Como a commissão de fazenda se pronunciou a final no sentido de adoptar a emenda do sr. Mariano de Carvalho, mando para a mesa um additamento a este ultimo artigo, additamento em que a idéa apresentada por aquelle meu collega fica mais claramente expressa.

S. ex.ª desejava que a responsabilidade dos senhorios a que se referia a lei de 1837, não podesse hoje em caso alguma ser exigida. Ora, como a lei de 1837 não se referia á contribuição pessoal, mas sim ao imposto de 4 por cento sobre a renda das casas, não se alcançava, por meio da redacção da proposta do sr. Mariano de Carvalho, o fim que s. ex.ª tinha em mente.

A emenda que mando para a mesa é a seguinte (leu).

Conformo me com a decisão da commissão mandando esta emenda para a mesa. Na minha opinião individual, ella é porém completamente inutil e inopportuna, porque tal responsabilidade não estava sendo exigida, e a disposição que vamos revogar com tanta solemnidade era uma disposição completamente obsoleta, em relação á qual têem sido consultadas as nossas primeiras auctoridades fiscaes, dando sempre em resposta, que tal responsabilidade se não póde exigir, porque o artigo 9.º da lei de 1860, que a ella se referia, tinha sido eliminado na camara dos dignos pares; e uma eliminação d'esta ordem não podia de certo deixar margem a um subterfugio pouco digno, para que ficasse vigorando um principio da lei anterior, contra o qual tão abertamente se tinha pronunciado a segunda camara.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que no artigo 15.°, depois das palavras «em contrario» se acrescentem as seguintes «e especialmente o § unico do artigo 4.º da lei de 31 de outubro de 1837».

Sala das sessões, 9 de outubro de 1871. = Henrique de Barros Gomes.

Foi admittida.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Ha na mesa uma proposta do sr. Alves Matheus, que é exactamente o contrario. É a segunda parte de uma proposta que s. ex.ª apresentou dividida em duas partes. A primeira parte já foi prejudicada, que era sobre as declarações obrigatorias dos contribuintes, mas a segunda refere se a este artigo (leu).

Esta parte ainda não foi admittida á discussão.

Posta á votação, foi admittida

O sr. Presidente: — Vae votar-se primeiro o artigo 15.°

(Leu-se).

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Agora vae ler-se a proposta apresentada pelo sr. relator da commissão.

(Leu-se).

Foi approvada.

O sr. Presidente: — Ficaram por consequencia prejudicadas as propostas dos srs. Alves Matheus e Mariano de Carvalho.

0 sr. Secretario (Adriano Machado) — Ha ainda na mesa mais duas propostas, uma do sr. Barros e Cunha, e outra do sr. Francisco Costa.

A proposta do sr. Barros e Cunha, que já foi admittida, diz o seguinte (leu).

O sr. Barros Gomes: — Quando pela primeira vez usei da palavra para defender o projecto em discussão, expuz largamente as rasões, em virtude das quaes a commissão tinha julgado ser inutil inserir na lei o novo artigo que o sr. Barros e Cunha deseja ver n'ella inserto; portanto escuso de cansar a camara, repetindo essas rasões, e concluo declarando que a commissão não aceita essa proposta.

O sr. Presidente: — Parece-me que esta proposta está prejudicada. Como já terminou a discussão do artigo 9.°, não podemos estar a resuscitar as questões. Posta á votação, foi julgada prejudicada.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — Ha agora a proposta do sr. Francisco Costa, que vae ler-se (leu-se).

O sr. Barros Gomes: — Entre as differentes propostas e additamentos que têem sido mandados para a mesa, nenhum, a meu ver, tem uma importancia superior á d'aquella que acaba de ser lida, e que o sr. Francisco Costa apresentou, desejando vê-la approvada pela camara.

Effectivamente no paiz hoje, em mais de um ponto, pela imprensa e por todos os meios por que a opinião publica se manifesta, tem se reconhecido que os contribuintes desejam ver multiplicados os prasos de cobrança, para que o encargo que lhes resulta do pagamento do imposto se sua vise tanto quanto possivel seja. Esta circumstancia não podia deixar de influir, tanto no animo do sr. ministro, como no dos membros da commissão de fazenda, e entre estes no meu proprio; julgámos comtudo que seria mais conveniente, estando pendente do exame d'aquella commissão uma proposta de lei sobre este assumpto, do sr. Carlos Bento, que a commissão de accordo com s. ex.ª apresentasse um projecto de lei geral que abrangesse todas as contribuições directas e que fosse assegurar aos contribuintes um beneficio por elle reclamado e energicamente advogado pelo illustrado deputado, o sr. Francisco Coata; beneficio que não ficaria assim exclusivamente adstricto a uma contribuição, de entre todas as directas a menos importante.

A commissão compromette-se, pois, a apresentar um projecto de accordo com o governo, em virtude do qual se multipliquem os prasos de cobrança em relação não só a esta contribuição, mas a todas as contribuições directas.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Francisco Costa: — Acredito muito nas palavras que acabou de proferir o illustre deputado relator da commissão o sr. Barros Gomes, e na promessa de inserir n'uma lei especial as disposições do artigo addicional, que tive a honra de mandar para a mesa, porém não vejo inconveniente nenhum em que já n'este projecto de lei se insira aquella disposição, visto como já o sr. ministro da fazenda trouxe á camara uma proposta de lei especial que envolve aquella mesma disposição, mas não posso ter a cer-

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teza de haver tempo para se discutir e votar esta lei especial.

Nós temos muito poucos dias de sessão e póde acontecer que por isso veja inutilisada a esperança e a confiança de ser attendida e approvada a minha proposta, e assim não serem realisados os meus desejos, esperando que se transfira para uma lei nova a disposição que inseri no additamento que tive a honra de mandar para a mesa.

Creio completamente e faço inteira justiça ás intenções e á palavra honrada do illustre relator da commissão, mas os bons desejos podem ser contrariados por um acontecimento que nós não esperemos. Portanto não vejo difficuldade alguma, nem me parece que se deva apresentar opposição, o ser inserido no projecto que discutimos o preceito que se encontra no meu additamento (apoiados).

Que inconveniente póde d'ahi vir? Repetir-se na nova lei, que tencionam discutir na camara esta mesma disposição? Creio que não nos deve tolher o votar o additamento o caso do sr. ministro da fazenda ter mandado para a mesa uma proposta de lei no sentido que referiu o sr. Barros Gomes, ou nós termos de repetir esta mesma disposição na lei da contribuição predial, que ainda não está em discussão nem teve parecer da commissão de fazenda.

Por consequencia peço ao illustre relator da commissão, que não se opponha a que seja inserida no projecto em discussão a disposição que está consignada no additamento. E pergunto eu, s. ex.ª tem a certeza do parlamento se não fechar antes de ser discutida e approvada a outra proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da fazenda? Creio que não, e creio mesmo que ninguem póde ter essa certeza. O praso da actual sessão legislativa acaba no dia 3 de junho, e já s. ex.ª vê que não é largo o espaço de tempo que decorre do dia de hoje, 9 de maio, ao dia 3 de junho proximo. De mais a mais, nós temos de discutir o parecer da commissão de fazenda sobre o orçamento do ministerio da marinha, e póde ter se a certeza de que esta parte do orçamento geral do estado ha de levar muitos dias a discutir, e d'ahi vem ser maior a minha desconfiança de que a proposta do sr. ministro da fazenda não possa ser discutida e approvada n'este espaço de tempo.

Que obstaculo poderá haver em se aceitar o meu additamento quando a opinião publica e a imprensa, como muito bem disse o illustre relator da commissão, e disse a verdade, o reclamam, e quando o proprio governo se diz de accordo com elle? Eu peço ao sr. relator da commissão e ao illustre ministro da fazenda que ponderem a conveniencia da approvação da minha proposta, e que se sirvam concordar em que ella seja inserida no projecto que se discute.

Não tenho mais que dizer, nem é preciso acrescentar mais cousa alguma para justificar o meu additamento (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu peço licença ao illustre deputado para lhe lembrar, que para se fazer esta concessão facultativa aos contribuintes não é necessaria uma disposição nova. Pela legislação actual está já garantida esta faculdade na lei de 1860 (apoiados). Portanto para o caso da concessão ser facultativa não me parece necessario o additamento offerecido pelo illustre deputado, e para o caso de ser obrigatoria é necessaria uma disposição de outra ordem, e que não é tão simples como parece á primeira vista. A concessão é toda no interesse do contribuinte; mas a legislação actual dá-lhe certas vantagens que a concessão que se pretende agora fazer-lhe não parece garantir. Entretanto direi ao illustre deputado, que teve uma idéa que o governo aceita, com a qual muito me conformo, e tanto me conformo que uma das primeiras propostas que mandei para a mesa, no desempenho das funcções que exerço, foi a proposta tendente a resolver esta questão.

Repito, que é preciso alguma cousa mais do que aquillo que o illustre deputado pede, porque entendo que esta disposição não deve ser puramente facultativa.

Ha grandes inconvenientes em conservar-se esta disposição meramente facultativa; e se o illustre deputado, apesar da boa vontade e dos bons desejos manifestados pela sua proposta, estivesse de accordo em que reservassemos esta questão para um projecto de lei especial, eu podia assegurar-lhe que a apresentação d'esse projecto na camara não póde demorar-se muito.

E é preciso que eu diga ainda mais alguma cousa. A lei de 1869 não é n'este sentido de tão pouca consequencia como a proposta do illustre deputado podia fazer suppor; quer dizer, a lei actual é mais vantajosa para o contribuinte o que a proposta de s. ex.ª Por consequencia, sem compromettimento da idéa do illustre deputado, parece-me que s. ex.ª conseguiria o seu fim se acaso esperasse para uma disposição mais generica.

Para a disposição facultativa não me parece, repito, que seja indispensavel a proposta do illustre deputado.

O sr. Barros Gomes: — O sr. ministro da fazenda, usando da palavra, apresentou á camara um grande numero de reflexões, que eu tinha tenção de apresentar tambem pelo meu lado.

Por consequencia n'este momento tenho simplesmente a observar, como rectificação á maneira por que o illustre deputado, o sr. Francisco Costa, comprehendeu as palavras que proferi, que a commissão de fazenda está de accordo em aceitar o principio da multiplicação dos prasos para a cobrança das contribuições directas, mas não se compromette de modo algum a que esse principio seja consignado nas leis pela maneira por que o illustre deputado desejou que o fosse.

Como muito bem disse o sr. ministro da fazenda, o governo já tinha a faculdade de multiplicar os prasos para a cobrança, concedendo mesmo uma pequena vantagem para o contribuinte que, depois do vencimento da primeira prestação ou de alguma das restantes, quizesse satisfazer o resto da importancia do imposto, porque lhe podia dar o interesse de ½ por cento ao mez pelo periodo do adiantamento; é facto porém que até hoje não tem sido possivel ao governo usar d'essa auctorisação.

As idéas do sr. ministro da fazenda, como s. ex.ª acaba de declarar á camara, são tornar obrigatoria a disposição de multiplicar os prasos para o pagamento do imposto. A commissão tem estudado e discutido a maneira por que este principio ha de ser consignado na legislação, e está, como disse, de accordo com elle, desejando resolver esta questão de um modo que concilie simultaneamente os interesses dos contribuintes e os do fisco.

N'este sentido, sendo este um ponto que precisa de maduro e aturado estudo, achando se o exame da proposta de lei apresentada em tempo á camara pelo sr. ministro da fazenda, entregue aos cuidados do nosso illustre collega o sr. Mariano de Carvalho, tendo a commissão comprometido o seu voto n'este assumpto, esperando alem d'isso apresentar brevemente á camara, como resultado dos seus trabalhos, um projecto de lei, parece-me que o illustre deputado e a camara não deverão ter duvida em adiar este assumpto para occasião mais opportuna, isto é, para quando se trate simultaneamente de todas as contribuições directas.

O sr. Francisoo Costa: — Quando ha bastantes dias apresentei na camara esta proposta, justifiquei-a plenamente, segundo o meu modo de entender.

A maior difficuldade que tenho encontrado sempre fóra de Lisboa para o pagamento dos impostos é exactamente a epocha em que elles são exigidos. Por consequencia, o meu pensamento, como expliquei na primeira vez que fallei sobre este assumpto, era facultar ao contribuinte a escolha da epocha para elle pagar a contribuição que deve á fazenda nacional. Esta era a primeira questão; e creio que se conseguia o fim proposto com a approvação da moção que apresentei.

O illustre relator da commissão diz que esta pensa maduramente n'este negocio, e que está inclinada, que está mesmo disposta a trazer aqui um projecto de lei n'este sen-

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tido. Eu julgava até que esse projecto já estava na camara...

Uma voz: — A proposta do sr. ministro já cá está desde o principio da sessão.

O Orador: — Bem. Pois lamentarei muito que o artigo que propuz não seja inserto na lei, mas não tenho outro remedio senão conformar me com a decisão que a camara tomar. Acrescentarei só uma cousa.

O sr. ministro diz que já está consignada esta disposição na lei de 1869. Póde ser; mas, se eu n'um concelho qualquer fóra de Lisboa for exigir o conhecimento de um semestre, não ha repartição alguma de fazenda aonde esse conhecimento esteja prompto e em termos a ser dado em troca do dinheiro que entrego nas mãos do recebedor do concelho (apoiados). Em nenhum concelho acontece isso (apoiados). Esta é a verdade, e todos os illustres deputados o sabem muito bem.

De que serve essa faculdade, se não posso usar d'ella, se não posso ir a um concelho e dizer — dae-me vós, recebedor, o conhecimento relativo a tal semestre que pretendo pagar, se não m'o dá? Exigir que o contribuinte pague os impostos nos mezes marcados nas instrucções de 1851 é colloca-lo em posição difficil, e cada vez aggrava-lo mais, sem necessidade, podendo nós facilitar-lhe o pagamento das contribuições com um menor incommodo.

Não digo mais nada, porque sei que n'esta questão hei de ser vencido.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto; mas creio que não ha numero na casa, vae verificar-se.

Verificou-se não haver numero na sala.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é, na primeira parte, a discussão de um parecer da commissão de fazenda, que se acha impresso no Diario da camara, a pag. 520, relativo a uma pensão; e na segunda parte a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

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