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SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1885 681

se reservára para pensar maduramente na solução do prblema financeiro, e este anno vir, de um modo mais detido, apresentar-nos idéas definidas sobre o nosso systema tributário, que a opinião de s. exa., como na do seu antecessor, carecia de alterações e de reformas.
Chega 1885, decorridos quasi dois annos, ou pelo menos anno e meio, da gerencia da pasta da fazenda pelo sr. Hintze Ribeiro, e todos esperavamos que surgisse finalmente a luz e vissemos alguma cousa que representasse um pensamento geral financeiro. Mas, em logar d'isso, s. exa. apenas nos deu um relatorio, a cuja redacção mais ou menos litteraria eu presto a minha homenagem, sem querer com isso comparal-o á phrase pura, castiça e tão genuinamente portugueza do padre Manuel Bernardes, a quem ha pouco se alludiu, mas relatorio em que se não descortina uma idéa sequer sobre os nossos mais urgentes melhoramentos financeiros.
O que eu vejo nesse documento, e logo nas primeiras phrases, é uma censura severa, diria quasi, se não fossem as rectas intenções de s. exa. a que faço inteira justiça, uma provocação á opposição (Apoiados,) de quem se assevera estar accintosamente creando difficuldades, offendendo o credito por effeito das cores negras com que descreve a situação financeira, e causando assim os embaraços com que o governo lucta.
Vejo em seguida a este preambulo uma exposição geral de muitos factos, aliás interessantes, mas, pensamento financeiro, nenhum.
Havia, porém, dois pontos que desde logo podiam e deviam chamar a attenção de s. exa. Pois não será indispensavel, como ha pouco dizia, regularisar sem demora a situação financeira dos municipios, e mesmo dos districtos? (Apoiados.)
Pois nãs podemos continuar indefinidamente este systema que tem levado a camara municipal de Lisboa, por exemplo, a empenhar todos os seus rendimentos, chegando até, ao que se diz, a querer agora empenhar os rendimentos dos proprios cemiterios, pois que, segundo se affirma, até o campo dos mortos serve de base a operações financeiras?
Pois a cidade de Lisboa, tão onerada como está com toda a especie de impostos, indirectos e directos, poderá porventura supportar indefinidamente esses aggravamentos de percentagem successivos, que na junta geral do districto se vão lançando annualmente, e que constituem um onus pesadissimo imposto á capital em beneficio exclusivo dos concelhos ruraes que a cercam? (Apoiados.)
Pois não era já legitima e justificada a insistencia com que o ministro do reino em 1881, e meu collega, o sr. José Luciano de Castro, que vejo ao meu lado, interpretando o pensamento de todo o governo, mostrava já n'essa epocha a necessidade de pôr termo immediato a um tal estado de cousas? (Apoiados.)
Este facto é de tal importancia que, a não ser que s. exa. se demore muito pouco no poder, eu desde já prevejo que ha de ter necessidade de propôr providencias para accudir a essas difficuldades e embaraços, com que lucta particularmente a administração municipal de Lisboa, e para evitar que esse município que tem levantado milhares de contos de empréstimos, se veja amanhã na impossibilidade absoluta de administrar por ter empenhado todos os seus bens e rendimentos, e s. exa., sob pena de ver reflectir esse descrédito sobre o estado, terá então de intervir com sommas muito grandes, e gravíssimo sacrifício do thesouro.
Governar é prever. É, pois, necessario que s. exa. tenha previsão para que se não deixe surprehender por factos d'esta ordem.
Governar não é viver de expedientes de momento, não é apresentar relatorios que nada dão ao thesouro, e nem se quer deixam antever os perigos muito reaes que nos ameaçam.
Governar não é dispor as cousas por fórma que se suponha que ámanhã, quando esses perigos forem maiores, outros pilotos terão benevolência bastante para levar o barco a bom porto, depois de v. exas., por qualquer motivo, terem desapparecido do poer, tendo, comtudo, o cuidado de mais tarde lhes lançar em rosto a responsabilidade de quanto se possa fazer para melhorar a situação da fazenda. (Apoiados.)
Sr. presidente, ainda ha poucos momentos ha um discurso do illustre ministro Leon Say, não só distincto pelo seu talento e pela eminência da sua posição social em França, mas ainda mais porque representa uma das glorias scientificas que muito honram a sciencia económica. Era um discurso proferido em 1883, na defeza do orçamento perante o senado em França.
Alludia n'elle, Leon Say, á accusação que lhe tinham feito de ter esquecido as lições do seu illustre antepassado, e mostrava que estava de accordo com as idéas economicas d'aquelle escriptor, e bem assim com as do grande estadista, do libertador da França, do homem eminente que se chamou Adolfo Thiers. "Com elle aprendi, disse Say, quaes são os deveres, as qualidades essenciaes de um ministro da fazenda.
"E aprendi o que? Qual é, em verdade, o primeiro dos deveres de um ministro da fazenda?
Muitas vezes tem sido citado este facto na camara dos dignos pares, particularmente pelo meu bom e honrado amigo, que tenho o prazer de ver n'este momento, o sr. Carlos Bento da Silva.
"A primeira condição em um ministro da fazenda é a ferocidade; e dizia Thiers para mim, exaltando-se um pouco: "vós não tendes a ferocidade necessaria!"
Ora esta condição de ferocidade, que significa apenas o valor para negar o augmento irreflectido das despezas, e o prurido dos melhoramentos de que ordinariamente se acham possuidos todos os ministros, que não têem de curar dos meios necessarios á sua realisação, essa ferocidade não a tem o sr. Hintze Ribeiro.
Perdeu o direito a manifestal-a, com os seus precedentes da pasta das obras publicas, avolumando despezas e emprehendendo obras de uma utilidade relativa mais do que contestavel, e que em todo o caso podiam perfeitamente muitas d'ellas ser adiadas sem nenhum inconveniente.
"Mas acrescentava, Leon Say - a outra qualidade que Thiers considerava primordial no cumprimento dos deveres de um ministro da fazenda é o amor da ordem e da clareza na contabilidade, condição essencial para que todos possam conhecer a verdade.
"A exposição d'esta, ou a veracidade, é finalmente a terceira d'essas condições impreteriveis em um secretario de estado dos negocios da fazenda."
Ora, e seja isto dito em boa paz, os relatorios do ministro da fazenda actual e do seu antecessor nem sempre têem sido modelos dessa completa veracidade, indispensavel para que o paiz saiba ao certo a situação em que se
acudir a essas dificuldades e embaraços, com que lucta e encontra e possa em presença de grandes males cobrar alento para fazer face aos encargos que pesam sobre elle e conservar assim o seu nome honrado.
Eu, sr. presidente, quando me encontrei na situação de s. exa. , e tive de escrever, por exemplo, o relatorio de fazenda de 1880, procurei inspirar-me, unica e exclusivamente nesse amor intenso pela verdade. Não me animou ao traçar esse documento, assevero-o com a voz da consciencia, nenhum sentimento de odio ou de animosidade, conforme hoje injustamente se asseverou em outro logar. Appello para quantos me conhecem de perto, e que digam esses se eu nutri nunca sentimentos de odio ou de rancor ainda mesmo contra os meus inimigos, ainda mesmo contra aquelles que mais possam ter-me offendido, que mais fundo me tenham cravado no coração o punhal, que me tenham feito experimentar dores mais cruciantes e mais amargas!