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SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios os exmo. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconeellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Um officio participando o fallecimento do sr. João Ferreira, Braga. - Segunda leitura e admissão de tres propostas para renovação de iniciativa de projectos de lei, sendo duas do sr. Luciano Cordeiro e uma do sr. Alfredo da Rocha Peixoto. - Representações apresentadas pelo sr. Mendes Pedroso, Dantas Baracho e José Luciano, sendo todas mandadas publicar no Diario do governo. - Requerimentos de interesse publico mandados para a mesa pelos srs. Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Lobo d'Avila, Jose Luciano e J. J. Alves. - Requerimento de interesse particular apresentado pelo sr. Baracho. - Justificações de faltas dos srs. Figueiredo de Mascarenhas, Dantas Baracho, Eduardo Coelho e Silva Cardoso. - Por indicação do sr. presidente manda-se consignar na acta um voto de sentimento pela morte do sr. deputado Ferreira Braga. - O sr. Guilherme de Abreu sustenta uma proposta ampliando a que foi votada sobre o inquerito agricola; ficou para segunda leitura. - O sr. Luiz Osorio refere-se á questão dos azeites hespanhoes e apresenta o diploma do sr. deputado Franco Frazão. - O sr. Lobo d'Avila pretende saber se o governo apresenta alguma providencia relativa á crise cerealifera; responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. Eduardo Coelho justifica o pedido, que fez, dos documentos relativos ao conflicto entre o governo e alguns prelados. - O sr. Baracho associa-se ás considerações feitas pelos seus collegas de Santarem com respeito ás questões dos cereaes e azeites. - Dá explicações o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - Trocam-se explicações entre o sr. Elvino de Brito e o mesmo sr. ministro ácerca dos acontecimentos de Sindão, na Africa, e da delimitação da nossa fronteira na Guiné.
Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.º 15, que approva a convenção consular com a Hespanha. - É approvado depois de breves explicações entre o sr. Mariano de Carvalho e o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - Passa-se á discussão do projecto de lei n.º 19, actorisação para a reorganização dos quadros e serviços das alfandegas e da fiscalisação. - Combate este projecto o sr. Lobo d'Avila, que apresenta, duas propostas. - É apresentado e seguidamente approvado, dispensando-se o regimento, o parecer relativo ao diploma do sr. Franco Frazão, que é proclamado deputado. - Responde ao sr. Lobo d'Avila o sr. Pinto de Magalhães, relator. - Segue-se o sr. Barros Gomes, que combate o projecto. - Presta juramento e toma assento o sr. Franco Frazão.

Abertura - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada - srs. deputados.

São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Garcia de Lima, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Silva Cardoso, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Antonio Ennes, Lopes Navarro, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Avelino Calixto, Barão de Ramalho, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde de Thomar. E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Fernando Geraldes, Mouta o Vasconcellos, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Guilherme de Abreu, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Franco Castello Branco, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco Ferreira de Almeida, Laranjo, José Frederico, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, J. M. dos Santos, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira. Bivar, Luiz Jardim, Luiz Osorio, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Alfredo Barjona de Freitas, Antonio Candido, Antonio Centeno, Pereira Borges, Cunha Bellera, Carrilho, Sousa Pavão, Seguier, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Pereira Leite, Bernardino Machado, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, E. Hintze Ribeiro, Francisco Beirão, Frederico Arouca, Barros Gomes, Matos de Mendia, Silveira da Motta, Costa Pinto, Franco Frazão, Melicio, Scarnichia, Souto Rodrigues, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, Dias Ferreira, Elias Garcia, Lobo Lamare, José Luciano, Julio de Vilhena, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, M. P. Guedes, Marçal Pacheco, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Fevereiro, Anselmo Braamcamp, Sousa e Silva, Pereira Corte Real, Garcia Lobo, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, Urbano de Castro, Neves Carneiro, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Correia Barata, Wanzeller, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Sousa Machado. J. A. Neves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, José Borges, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, Pinto de Mascarenhas. Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luiz Dias, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, Pinheiro Chagas, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Santos Diniz. Visconde de Alentem, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta. - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Da exma. sra. D. Maria do Resgate Braga, participando o fallecimento de seu marido, o deputado da nação, sr. João Ferreira Braga.
A commissão de verificação de poderes.

Segundas leituras

Propostas para renovação de iniciativa

1.º Renovo a iniciativa dos projectos de lei que apresentei na sess?o de 30 de abril de 1884, auctorisando o governo a reformar a actual urbanização do secretario d'estado de marinha e ultramar, e bem assim a actual organisação administrativa das provinciais ultramarinas. = Luciano Cordeiro.
Admittida e enviada á commissão de marinha e ultramar.
Os projectos a que se refere esta proposta são os seguintes:

Projecto de lei n.º 4

Artigo 1.º E o governo auctorisado a reformar a actual organisação da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, conforme as bases abaixo indicadas, dando conta ás camaras do uso que fizer desta auctorisação.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

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Bases

1.ª Os serviços a cargo da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar distribuir-se-hão, sob a direcção superior e geral do respectivo ministro, pelas seguintes estações:
a) Expediente:
Uma repartição central;
Quatro repartições dos negocios da marinha;
Quatro repartições dos negocios do ultramar.
b) Consulta:
Um conselho geral de marinha;
Um conselho geral do ultramar;
Um conselho geral do padroado.
2.ª Os archivos e bibliotheca actualmente a cargo do ministerio formarão um estabelecimento especial, dependente delle.
3.ª Haverá um secretario geral do ministerio que será da livre escolha do ministro. O logar considerar-se-ha para todos os effeitos de commissão.
4.ª Á repartição central pertencerá a distribuição dos diversos processos, a preparação e expedição de todos os documentos de assignatura regia e de referencia ministerial, a nomeação e distribuição do pessoal, o expediente dos tres conselhos, a organisação do orçamento geral e todos os negocios de caracter diplomatico e reservado. Dividir-se-ha em secção de marinha e secção de ultramar, e o seu chefe será o secretario geral do ministerio.
5.ª AS repartições de administração naval ou de marinha serão as seguintes:
I. Do pessoal militar naval;
II. Do material militar naval;
III. Da justiça militar naval;
IV. Da navegação mercante e pescarias maritimas.
6.ª A primeira repartição terá a seu cargo a organisação, constituição e movimento das forças navaes, a nomeação e distribuições dos officiaes e guarnições, as instrucções geraes e especiaes do serviço, o recrutamento e a saude e instrucção naval.
Dividir-se-ha em tres secções:
I. Do recrutamento e saude;
II. Da instrucção e guarnições;
III. Do movimento e estações.
7.º A segunda repartição terá a seu cargo as construcções, reparações, armamento e abastecimento da armada, os fretamentos, o fornecimento de viveres, vestuario, etc.
Dividir-se-ha em duas secções:
I. De construcção e armamento;
II. Dos fornecimentos e depositos.
8.ª A terceira repartição terá a seu cargo os assumptos respectivos á disciplina, justiça militar maritima, escalas de embarque e de antiguidade, nomeações e graças.
Dividir-se-ha em duas secções:
I. Da disciplina e justiça;
II. Escalas, assentamentos e distincções.
9.º A quarta repartição terá a seu cargo os serviços respectivos ás pescarias maritimas, passaportes reaes, capitanias dos portos e policia do mar.
Dividir-se-ha em duas secções:
I. Policia do mar;
II. Passaportes e registo.
10.ª Cada uma destas repartições terá por chefe um official de marinha de patente não inferior á de capitão tenente effectivo, em commissão que não poderá exceder a tres annos.
11.ª Cada secção das quatro repartições de marinha será dirigida por um official de marinha de patente não inferior á de primeiro tenente effectivo, em commissão que não poderá exceder a tres annos. Exceptuam-se as secções de recrutamento, e saude, e de construcção, que serão respectivamente dirigidas por um medico e por um engenheiro naval, nas mesmas condições das outras.
12.ª As repartições de expediente ultramarino serão:
I. Da Africa Occidental, que terá a seu cargo os negocios relativos ás actuaes provincias de Cabo Verde, Guiné, S. Thomé e Principe, e Angola;
II. Da Africa oriental, que terá a seu cargo os negocios relativos á actual provincia de Moçambique;
III. Da India e China, que terá a seu cargo os negocios das actuaes provincias da India e de Macau e Timor;
IV. Do exercito colonial, que terá a seu cargo os negocios relativos á força publica do ultramar.
13.ª O chefe da quarta repartição será um official superior do exercito do reino ou do ultramar, que tenha servido effectivamente neste por mais de tres annos, e possua o curso da respectiva arma. O logar ser? considerado de commissão não excedente a tres annos.
14.ª Cada repartição poderá dividir-se em secções até tres, consoante a natureza e conveniencias eventuaes do serviço.
L5.ª O pessoal civil do ministerio constará de:
1 secretario geral;
15 officiaes;
Até 30 amanuenses;
Até 9 continuos:
2 correios a cavallo;
Até 9 serventes.
16.ª O pessoal militar será para todos os effeitos considerado em commissão activa vencendo os soldos e gratificações das respectivas patentes.
17.ª Os logares de officiaes serão providos por decreto real em concurso, no qual, alem das condições geraes de capacidade moral e instructiva e de serviço militar, serão exigidas as seguintes:
a) Serviço de mais de cinco annos, sem nota, nalguma repartição do estado, no exercito, ou na armada, ou mais de tres no ultramar;
b) Um curso superior ou especial.
18.ª Os chefes de repartição e das secções serão da livre escolha do ministro, nomeados de entre os officiaes do ministerio. O cargo considerar-se-ha de commissão não excedente a tres annos.
19.ª Os amanuenses serão nomeados pelo governo consoante as necessidades do serviço, devendo a nomeação recair em individuos que possuam, pelo menos, um curso secundario e tenham as mais aptidões necessarias.
20.ª Todos os mais cargos serão igualmente de nomeação do ministro.
21.ª A escala de preferencias para a classificação ou provimento de todos os cargos até ao de official inclusive será determinada pelas circumstancias seguintes:
I. Serviço no ultramar, na armada ou no ministerio respectivo;
II. Habilitações de instrucção publica;
III. Estudos, trabalhos ou serviços relativos ao ultramar;
IV. Serviços publicos.
22.ª Os actuaes empregados que não tiverem cabimento no novo quadro ficarão addidos a elle, com os vencimentos que actualmente percebera, podendo ser providos nas vacaturas que se derem, independentemente de concurso.
23.ª O ministro poderá nomear um secretario particular e dois ajudantes de ordens; destes, um será official do exercito do reino ou do ultramar, e o outro official de marinha.
24.ª O ministro poderá enviar, quando entenda conveniente, um ou mais empregados em inspecção de qualquer serviço, ás diversas provincias ultramarinas.
25.ª As repartições de contabilidade subsistem nas condições da ultima lei.
26.ª O conselho geral de marinha será composto pela seguinte forma:
a) O ministro que será o presidente;
b) Um official superior da armada, de livre escolha do ministro, e que servirá de vice-presidente;

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c) Um official de cada classe até á dos primeiros tenentes effectivos, inclusive, por escala combinada de antiguidade e de serviço de mar fora dos portos do reino;
d) Um engenheiro hydrographo e um engenheiro constructor naval, por escala de antiguidade e de serviço effectivo nas duas respectivas classes;
e) O auditor ou delegado do procurador da corôa e fazenda junto do ministerio.
27.ª As funcções do conselho serão consultivas e deliberativas:
a) Serão consultivas em tudo quanto importe aos assumptos sobre que for exigido pelo ministro o seu parecer, e bem assim relativamente á distribuição e movimento das forças navaes, á nomeação para os commandos geraes dessas forças, ás instrucções e regulamentos de serviço, á reforma das diversas repartições e estabelecimentos de marinha, á acquisição, reparação e transformação dos navios e armamentos.
b) Serão deliberativas essas funcções, sob sancção do ministro que a seu prudente arbitrio a concederá ou não:
I. Na approvação ou rejeição definitiva dos riscos e planos das diversas construcções navaes:
II. Sobre a natureza, qualidade ou systema de armamento naval;
III. Sobre a regulamentação ou processos de fornecimentos geraes de material e abastecimento naval;
IV. Sobre a reforma ou alteração na escala de antiguidade;
V. Sobre quaesquer questões relativas ao direito nacional maritimo ou á justiça militar naval.
28.ª Para todos os effeitos é considerado de commissão activa o serviço no conselho geral de marinha.
29.ª O concelho geral do ultramar será constituido pela seguinte forma:
a) O ministro, que será o presidente;
b) O vice-presidente, nomeado pelo ministro, individuo de conhecimentos publicamente provados em assumptos coloniaes ou antigo funccionario superior da administração ultramarina;
c) Dos agentes coloniaes, ou agentes dos governos das diversas provincias ultramarinas, a estabelecer, um por cada uma dellas:
d) O delegado do procurador da corôa e fazenda junto do ministerio.
30.ª O conselho terá por missão: consultar o governo sobre os assumptos que por elle lhe forem submettidos, chamar a sua particular attenção para aquelles que entenda precisarem della, propor as medidas que tiver por conveniente e opportunas, e em geral promover pelos seus estudos, consultas, propostas o informações, o melhoramento, segurança e progresso do dominio portuguez no ultramar e a sua crescente civilisação e assimilação nacional.
Será sempre ouvido:
I. Sobre a alteração das circumscripções administrativas e judiciaes;
II. Sobre concessão de terras, minas, florestas, estabelecimentos de colonia, isenção e privilegios de commercio e de industria;
III. Sobre os projectos ou modificações de pautas aduaneiras;
IV. Sobre quaisquer contratos, tratados e convenções eepeciaes que importem ás provincias ultramarinas e suas relações economicas e politicas com as colonias;
V. E em geral, e sempre que seja possivel, sem grave inconveniente, sobre o exercicio das faculdades legislativas extraordinariamente conferidas pelo acto addicional á carta.
O conselho reunir-se-ha ordinariamente polo menos uma vez em cada mez.
31.ª O conselho geral do padroado será formado como a commissão das missões portuguezas propoz que o fosse a junta geral das missões, sendo presidente nato o respectivo ministro.
32.ª Serão supprimidas:
As juntas consultivas do ultramar, de marinha e de saude naval, o commandante garal da armada, os conselhos de administração de marinha e fiscal de fazenda da armada, bem como todas as repartições que possam ser dispensadas pela presente organisação.
33.ª Os direitos estabelecidos por leis especiaes serão respeitados.
34.ª O governo desenvolverá as presentes bases num regulamento geral em que se considerem as condições de serviço e disciplina de cada uma e de todas as repartições.
56.º O governo reorganisará a tabella relativa aos ordenados do pessoal civil e ás mais despezas do ministerio, melhorando convenientemente aquelles, mas não excedendo a verba geral do orçamento do ministerio da marinha e ultramar.
Lisboa, 28 de abril de 1884. = O deputado, Luciano Cordeiro.

Projecto de lei

Artigo 1.º É o governo auctorisado a reformar a actual organisação administrativa das provincias ultramarinas conforme as bases abaixo indicadas, dando conta ás camaras do uso que fizer dessa auctorisação.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Bases

I

Disposições geraes

1.ª As possessões ultramarinas serão divididas nas seguintes provincias:
I. Cabo Verde;
II. Guiné;
III. S. Thomé;
IV. Congo;
V. Angola;
VI. Benguella;
VII. Lourenço Marques;
VIII. Zambezia;
IX. Moçambique;
X. Macau;
XI. Timor;
XII. Estado de Goa,
2.º Cada uma destas circumscripções terá uma organisação especial, consoante ás condições da sua situação, á densidade da sua população europêa, e á tradição e cultura da população indigena.
3.º Os subditos de todas as nações amigas, que se conformarem com a lei e regulamentos geraes e locaes, terão plena liberdade para entrar, viajar e residir com suas familias, e gosarão dos mesmos beneficies, vantagens e protecção de que gosarem os subditos portuguezes, dentro dos territorios das provincias ultramarinas. Poderão estabelecer feitorias ou estacões commerciaes, possuir, comprar, arrendar ou aforar terras, casas, armazens e outros predios, e todas ou quaesquer especies de propriedade, considerada legitima. Terão a faculdade de fazer o commercio em grosso ou a retalho, em pessoa ou por meio de agentes, de accordo com os usos locaes, com as leis e costumes do commercio nacional.
4.ª Em regra, só a nação portugueza, no exercicio soberano das suas instituições constitucionaes, poderá estatuir e estabelecer o direito e as leis que deverão reger os habitantes dos territorios portuguezes do ultramar, seja qual for a raça, nação ou tribu a que esses habitantes pertençam. Emquanto e onde, porém, as circumstancias o exijam, a população indigena poderá subsistir sob o governo tradicional e immediato dos seus chefes naturaes, e reger-se

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pelo seu direito costumeiro, sob a fiscalisação superior da auctoridade portugueza.
Em nenhum caso, e sob pretexto algum, será reconhecido o direito costumeiro, ou auctorisado o seu exercicio, na parte que respeitar a usos de anthropologia, sacrificios humanos, escravidão ou trafico de escravatura.
5.ª Todos os individuos que forem portuguezes em virtude da lei, bem como aquelles que vivam á lei da civilisação christã, ou forem subditos de estados cultos, e os seus familiares e serviçaes, deverão reger-se pelo direito portuguez, sem restricção alguma que não tenha sido ou venha a ser expressamente auctorisada pelos poderes competentes.
6.ª Todas as relações e pleitos entre indigenas e não indigenas deverão ser regidos e resolvidos por este direito e não pelo direito costumeiro, salvo nos casos ou logares em que for competente e provisoriamente auctorisado o contrario.
7.º Qualquer individuo, povoação, tribu ou potentado indigena poderá optar pelo direito civil, commercial e penal portuguez por simples declaração feita perante a auctoridade portugueza mais proxima e reconhecimento e acceitação d'elle na fórma facil, expedita e segura que for previamente regulada.
8.ª O reconhecimento dos chefes indigenas, a acceitação de uma vassalagem, e a concessão regular da correspondente protecção dos estados, que elles, segundo o direito costumeiro, forem chamados a governar, serão sempre subordinados ás condições seguintes, alem d'aquellas que circumstancias especiaes aconselharem:
a) Que esses chefes e os seus povos se hão de considerar como vassallos de Portugal, e os territorios que occupam ou venham a adquirir como partes integrantes do territorio portuguez;
b) Que uns e outros se obrigam a franquear os caminhos, as povoações e o livre exercicio do commercio e da industria licita a todos os individuos portuguezes, ou munidos de uma auctorisação ou ordem da auctoridade portugueza, bem como a consentir e auxiliar a passagem ou o estabelecimento de missões, feitorias, colonias, fortificações, tropas e autoridades portuguezas nos seus territorios;
c) Que não consentirão em nenhum caso e sob pretexto algum o estabelecimento nos seus territorios de colonias, forcas ou agentes não portuguezes ou sob qualquer bandeira que não seja a portugueza sem previa auctorisação, nem poderão negociar com estrangeiro ou nacional algum qualquer cessão politica de territorio, ou de poder;
d) Que não farão nem consentirão que se façam nos seus territorios sacrificios humanos ou trafico de escravatura;
e) Que darão passagem, segurança e soccorro a todos os commerciantes e mais pessoas que, em paz e boa ordem, tenham de atravessar e percorrer os seus territorios e povoações, não exigindo d'elles outros tributos e multas senão aquellas que tenham sido previamente reguladas, e entregando á auctoridade portugueza mais proxima sem maus tratos, violencias ou delongas, a pessoa ou pessoas estranhas á sua nação ou tribu de que suspeitem ou tenham commettido qualquer maleficio nos seus territorios;
f) Que manterão paz com os povos vassalos e amigos de Portugal e com os portuguezes, submettendo as dissenções que possam perturbal-a ao julgamento da auctoridade portugueza;
g) Que, a reclamação d'esta, a coadjuvação seja contra quem for, com todas ou parte das suas forcas de guerra.
9.ª Será permittido o estabelecimento em colonia de nacionaes ou estrangeiros, nos territorios portuguezes do ultramar, mas o estabelecimento de colonias isoladas e feitorias quer nacionaes quer estrangeiras conservar-se-ha dependente de auctorisação do governo portuguez ou dos seus delegados idoneos, e só poderá ser consentido sob a bandeira e a legislação nacional.
10.ª Todas as feitorias, chimbeques, fazendas, estações, em geral quaesquer estabelecimentos de commercio, edificação ou exploração culta, situados em pontos do litoral ou do sertão, onde se não ache definitivamente organisada a occupação portugueza, ficarão e permanecerão sujeitos a registo perante a auctoridade portugueza mais proxima, e á inspecção ordinaria ou extraordinaria que for julgada conveniente, muito em especial na parte que importar do regimen de trabalho, disciplina e recrutamento do respectivo pessoal.
11.ª Os governos e auctoridades de todas as provincias e pontos occupados, bem como as forças de mar ou de terra que n'elles estiverem servindo ou eventualmente se achem, deverão prestar-se mutuo auxilio em todas as occasiões o assumptos em que elle seja necessario á segurança, policia e integridade da soberania nacional.
12.º Cada governo provincial terá, junto do governo do estado e na séde d'elle, um agente devidamente acreditado para tratar dos negocios de colonisação, commercio, etc., nos termos dos respectivos regulamentos. Este agente será proposto em lista triplice, pela junta ou conselho do governo provincial, nomeado pelo governador, e auctorisado a exercer as correspondentes funcções pelo ministro da marinha e ultramar.

II

Provincia de Cabo Verde

13.º A provincia do Cabo Verde comprehende todo o archipelago d'este nome, e a séde do seu governo será a cidade do Mindello, na ilha de S. Vicente.
14.º Será superiormente dirigida por um governador, nomeado e demittido por decreto real, e que terá o titulo de governador da provincia.
15.º Em cada uma das ilhas haverá um governador subalterno, nomeado por decreto sob proposta do governador da provincia, o qual será o delegado da administração provincial e exercerá junto das respectivas corporações administrativas, as funcções que actualmente competem aos administradores do concelho, e as mais que resultem da nova organisação dos serviços provinciaes.
16.º Segundo as circumstancias o permittirem, e mediatamente a deliberação da junta do governo provincial a estabelecer, serão conservadas as actuaes municipalidades, ou substituidas por uma junta de governo local para cada ilha, composta de tres ou cinco vogaes.
N'este ultimo caso as juntas locaes serão nomeadas pelo governador da provincia, precedendo proposta da junta do governo provincial, sempre que for possivel, e o seu exercicio será de quatro annos. Serão renovadas de dois em dois annos, em um ou dois vogaes, e poderão ser dissolvidas a prudente arbitrio do governador.
17.ª O governador da provincia nomeará dois secretarios do governo provincial, individuos competentemente habilitados e com residencia por mais de tres annos na provincia, os quaes terão respectivamente a seu cargo, sob a direcção superior e geral do governador, a gerencia dos negocios provinciaes e a execução das leis, ordens, deliberação e regulamento no que respeitem:
a) A administração civil e fazenda da provincia;
5) As obras publicas, commercio e colonisação.
18.ª Haverá um commandante militar, nomeado por decreto, que estará sob as ordens immediatas do governador e o substituirá nos seus impedimentos, ou quando o respectivo ministro o determinar.
19.º Haverá uma junta de governo provincial composta de sete vogaes, dos quaes quatro eleitos de tres em tres annos, e tres nomeados por decreto real, devendo a nomeação recaír em proprietarios, negociantes ou industriaes da provincia.
20.ª A esta junta pertencerá propor, discutir e deliberar, ácerca de todos os assumpto de administração provincial, votar as respectivas contribuições municipaes e

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locaes e promover por suas consultas e resoluções o que tiver por bem para a provincia como parte integrante da nação.
Todas as suas deliberações ficarão dependentes da sancção do governador, e quando a tenham, serão publicadas e mandadas executar sob referenda do secretario respectivo.
21.ª O governador da provincia é só responsavel pelos seus actos para com o governo da metropole, salvo os casos de direito commum.
22.ª Os quadros de pessoal subalterno de serviço administrativo e da sua remuneração serão approvados pela junta e submettidos á aprovação regia. O provimento será feito pelo governo provincial mediante concurso.
23.ª A junta reunir-se-ha durante trinta dias todos os annos, elegendo na primeira sessão o seu presidente.
24.ª Sempre que o julgue conveniente o governador convocará um conselho de governo composto da primeira auctoridade judicial da provincia, do commandante militar, do presidente da junta provincial e de alguns, até tres, negociantes e proprietarios da provincia.

III

Provincia da Guiné

25.º A provincia da Guiné será constituida pela actual provincia do mesmo nome e a sua séde conservar-se-ha em Bolama, que será elevada a cidade.
26.ª Será superiormente dirigida por um governador nomeado e demittido por decreto real. Este governador accumulará as funcções de chefe civil e militar.
27.º Haverá dois secretarios do governo provincial, nomeados por decreto, um dos quaes terá a seu cargo os negocios indigenas e de occupação, e o outro os da administração civil, obras publicas e fazenda.
28.ª Haverá um conselho de governo composto:
a) Da primeira auctoridade judicial da provincia;
b) Da auctoridade militar immediata ao governador que se achar na séde da provincia;
c) De tres proprietarios ou negociantes portuguezes residentes na provincia e nomeados por decreto.
29.ª A este conselho pertencerá propor e discutir e resolver as medidas regulamentares necessarias ao progresso, segurança e melhoramento da provincia, ás relações com os regulos e povos indigenas, fazer o respectivo orçamento, etc.
30.ª Será estabelecido ou mantido o governo municipal ou local, nas condições em que se acha estatuido para a provincia de Cabo Verde, em todos os pontos ou tratos e territorios onde exista uma população culta e portugueza superior a cincoenta casas ou fogos.
31.º Nos pontos, era que aquelle regimen não possa ser estabelecido, o governo local será exercido por delegados especiaes ou governadores subalternos, nomeados pelo governo provincial, tendo junto a si, sempre que possa ser, um conselho formado pelas primeiras auctoridades judicial e militar da localidade, e por alguns ou algum dos proprietarios, negociantes ou colonos portuguezes mais qualificados da respectiva circumscripção.
32.ª Junto dos regulos e potentados indigenas poderão estabelecer-se delegados ou residentes politicos, que deverão reger-se pelas instrucções que superiormente lhes forem dadas.

IV

Provincia de S. Thomé

33.ª Será constituida pela actual provincia de S. Thomé e Principe.
34.ª Será dirigida superiormente por um governador nomeado por decreto real.
35.ª O governador nomeará dois secretarios do governo provincial, individuos competentemente habilitados com residencia de mais de tres annos na provincia.
Estes secretarios terão respectivamente a seu cargo:
a) A administração civil e fazenda provincial;
b) As obras publicas, commercio, agricultura e colonisação da provincia.
36.ª Haverá um commandante militar, nomeado por decreto real, que estará sob as ordens immediatas do governador e o substituirá nos seus impedimentos ou quando o respectivo ministro o ordenar.
37.ª Haverá um a junta provincial composta de cinco vogaes, dos quaes tres eleitos de tres em tres annos e dois nomeados por decreto dentre os proprietarios e negociantes da provincia.
38.ª A ilha do Principe terá um governador nomeado por decreto, sob proposta do governo provincial.
39.ª Serão applicaveis a esta provincia, segundo as circumstancias o permittam, as mais disposições estatuidas para a provincia de Cabo Verde.

V

Provincia do Congo

40.ª A provincia do Congo será constituida pelos territorios portuguezes comprehendidos entre o rio Loango-Luce ou Massabi e o parallelo 8.º latitude S., incluindo o antigo reino do Congo. A sua sede será estabelecida era Cabinda.
41.ª Durante os primeiros tres annos a sua organisação será considerada provisoria e de installação, sendo superiormente dirigida, segundo instrucções especiaes, por um commissario real que accumulará as funcções civis e militares.
42.º Haverá um secretario de governo, especialmente encarregado dos negocios indigenas, e um conselho de governo composto:
a) Do referido secretario;
b) Dos commandantes das forças de terra e mar ou dos dois officiaes mais graduados de umas e outras que se acharem onde estiver o commissario real;
c) Da primeira auctoridade judicial, havendo-a;
d) De tres proprietarios, negociantes ou feitores portuguezes, escolhidos o convocados ad hoc pelo commissario entre os mais qualificados da provincia ou localidade.
43.ª Será reconstituido em districto o actual concelho do Ambriz e ficará sendo dirigido superiormente por um governador, nomeado e demittido por decreto, sob proposta do governo provincial.
44.ª Haverá no districto do Ambriz um conselho de governo, o qual será formado provisoriamente pelas primeiras auctoridades judicial e militar e por tres vogaes nomeados por decreto, negociantes ou proprietarios do districto.
45.ª Em Landana, Banana, Ponte da Lenha, Dama, Noqui e outros pontos, designados ou propostos pelo commissario real em conselho ou que o governo tiver por conveniente determinar, serão estabelecidas delegações de governo constituidas por commissarios e delegados especiaes ou governadores, e sempre que seja possivel tambem por conselhos constituidos por alguma auctoridade judicial, pelo official de terra ou mar mais graduado que se achar na localidade, e por algum ou alguns até tres negociantes ou feitores portugueses mais qualificados.
46.ª Os conselhos provinciaes ou locaes consultarão sobre os assumptos da administração respectiva e formação e divisão das circumscripções, proporão os regulamentos e medidas convenientes ás boas relações e aos costumes estabelecidos ou a estabelecer entre os europeus e os povos e regulos indigenas, e coadjuvarão com o seu conselho e informação os commissarios e delegados do governo, em tudo quanto importa á segurança, paz o consolidação da saberania portugueza, do commercio licito e da prosperidade da provincia em circumscripções respectivas.

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652 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

V

Provincia de Angola

47.ª A provincia de Angola será formada pela actual provincia do mesmo nome, com exclusão dos territorios, que ficam constituindo a do Congo e dos que presentemente constituem os districtos de Benguella e Mossamedes. A sua séde será Loanda.
48.ª Será superiormente dirigida por um governador nomeado e demittido por decreto real.
49.ª O governador nomeará tres secretarios, individuos residentes na provincia por mais de tres annos, que terão respectivamente a seu cargo:
a) Administração civil e fazenda da provincia;
b) Obras publicas, commercio e colonisação;
c) Negocios indigenas.
50.ª Haverá um commandante militar, nomeado por decreto, que estará sob as ordens do governador, e o substituirá nos seus impedimentos, ou quando o respectivo ministro o determinar.
51.ª Haverá uma junta provincial composta de sete vogaes, dos quaes quatro eleitos de tres em tres annos, e tres nomeados por decreto, entre os proprietarios e negociantes da provincia. Esta junta reunir-se-ha ordinariamente durante sessenta dias em cada anno, e terá as attribuições consignadas á junta da provincia de Cabo Verde.
52.ª O governador poderá convocar, quando julgue conveniente, um conselho de governo, composto pelo commandante militar, pela primeira auctoridade judicial, pelo presidente da junta, e por alguns, até cinco, proprietarios ou negociantes da provincia.
53.ª A provincia será dividida em concelhos, vassallagens e presidios.
54.ª Para a formação de um concelho será indispensavel a existencia de uma população culta portugueza, fixa, não inferior a cincoenta casas ou fogos em territorio continuo.
55.ª Em cada concelho haverá um administrador nomeado pelo governo provincial e uma camara ou conselho municipal ou local de tres a cinco vogaes.
56.ª A frente de cada presidio haverá um chefe nomeado pelo governador, sob proposta do commandante militar que accumulará as funcções civis e militares, bem como as de delegado e representante politico junto dos regulos indigenas da sua circumscripção.
57.ª Haverá em cada presidio, sempre que seja possivel, um conselho composto pelo missionario ou chefe da missão catholica portugueza mais proxima pela auctoridade judicial, havendo-a, e por algum ou alguns colonos ou negociantes portuguezes da circumscripção.
58.ª Quer junto dos regulos indigenas, quer nos pontos onde não havendo regimen regular de administração, concelhia ou presidencial se entende dever existir uma representação effectiva da auctoridade, poderão estabelecer-se delegados e residentes politicos que se regerão por instrucções especiaes.

VII

Provincia de Benguella

59.ª A provincia de Benguella será formada pelos actuaes districtos de Benguella e Mossamedes, e a sua séde será na cidade de Benguella.
60.ª Reger-se-ha pelas disposições estatuidas para a provincia de Angola.

VIII

Provincia de Lourenço Marques

61.ª A provincia de Lourenço Marques será formada pelos territorios portuguezes situados entre o governo e o parallelo 26º 30 latitude S. e dividir-se-ha provisoriamente em dois districtos;
I. O de Lourenço Marques, abragendo o territorio entre 26º 30 e o cabo das correntes;
II. O de Inhambane, cornprehendendo o territorio entre o parallelo do cabo alludido e o governo.
A séde da provincia será Lourenço Marques.
62.ª A provincia e era superiormente dirigida por um governador, nomeado e demittido por decreto real, e que accumulará as funcções civis e militares em todo o districto, bem como as de governador privativo de Lourenço Marques.
63.ª Haverá dois secretarios do governo que terão respectivamente a seu cargo:
a) A administração civil, obras publicas e fazenda da provincia;
b) Os negocios indigenas, commercio e colonisação.
64.ª Haverá um conselho de governo composto de cinco vogaes, dos quaes tres eleitos de tres em tres annos, e dois nomeados por decreto, e proprietarios ou negociantes na provincia.
65.ª Este conselho consultará sobre os assumptos da administração provincial, proporá os regulamentos e medidas convenientes ao desenvolvimento, segurança e consolidação da provincia, e ás boas relações e «costumes» estabelecidos ou a estabelecer com os indigenas, etc.
Terá muito particularmente a missão de promover e assegurar a colonisação portugueza. Reunir-se-ha ordinariamente durante cincoenta dias cada anno.
66.ª O districto de Inhambane será superiormente dirigido por um governador, nomeado por decreto sob proposta do governo provincial.
67.ª Em ambos os districtos haverá camaras ou conselhos municipaes ou locaes segundo as circumstancias o permittirem.

IX

Provincia da Zambezia

68.ª O districto da Zambezia será formado pelos territorios de Quillimane, Sofalla, Tete, Sena e archipelago de Bazaruto, e dividido provisoriamente nos districtos de Quillimane, Sofalla e Tete. A sua séde será Quillimane.
69.ª Serão applicadas á provincia da Zambezia as disposições estabelecidas para a provincia da Guiné com as modificações que as circumstancias aconselharem.

X

Provincia de Moçambique

70.ª A provincia de Moçambique será formada pelos territorios da provincia d'este nome com exclusão dos que ficam constituindo as suas precedentes, e dividir-se-ha provisoriamente nos districtos de Moçambique, Angoche e Cabo Delgado.
71.ª Serão applicadas a esta provincia as bases enunciadas para a organisação da de Lourenço Marques.

XI

Estado da India

72.ª Será constituido pelos territorios do actual estado da India portugueza e dividido em quatro districtos: um constituido pelos actuaes concelhos das ilhas Salsete e Bardez; outro pelos de Pernem, Sanquelim, Pondá, Sanguem, Quepem e Canácona; o terceiro pelos de Damão e Nagar Avely; e o quarto por Diu.
73.ª Será superiormente dirigido por um governador nomeado e demittido por decreto real.
74.ª O governador nomeará tres secretarios do governo provincial que terão respectivamente a seu cargo:
a) A administração civil e fazenda;
b) Obras publicas, agricultura e commercio;
c) Os negocios indigenas e as relações externas.
75.ª Haverá um commandante militar que estará sob as immediatas ordens do governador e o substituirá nos seus impedimentos ou quando for superiormente ordenado.

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SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1885 653

76.ª Haverá uma junta de governo provincial composta de sete vogaes, dos quaes quatro eleitos de tres em tres annos, sendo um por districto, e tres nomeados por decreto, entre os proprietarios e negociantes da provincia. Esta junta funccionará durante sessenta dias em cada anno e terá as attribuições que foram estatuidas para a da provincia de Cabo Verde.
77.ª Haverá em cada districto um conselho de governo, composto da primeira auctoridade judicial, da auctoridade militar immediata ao governador e de alguns até cinco dos principaes proprietarios ou negociantes.

XII

Provincia de Macau

78.ª A provincia de Macau será constituida pela actual provincia do mesmo nome com exclusão do districto de Timor.
79.ª Será superiormente dirigida por um governador nomeado e demittido por decreto real, que nomeará dois secretarios que terão respectivamente a seu cargo:
a) A administração civil, obras publicas, commercio e fazenda;
b) Os negocios indigenas, emigrações e relações exteriores.
80.ª Haverá um commandante militar que estará sob as ordens immediatas do governador e o substituirá no seu impedimento ou quando for ordenado superiormente.
81.ª Haverá um conselho do governo, composto:
a) Da primeira auctoridade judicial;
b) Do presidente do senado;
c) Do commandante militar;
d) De tres proprietarios ou negociantes da provincia nomeados por decreto.
82.ª Este conselho terá as attribuições que competem aos que se acham indicados para as outras provincias, na parte que lhe possa ser applicavel.

XIII

Provincia de Timor

83.ª Será formada pelo actual districto d'este nome e a sede do seu governo será em Dilly.
84.ª Conservar-se-ha a divisão tradicional em reinos e sucos, e os seus respectivos chefes indigenas serão mantidos emquanto se conformarem com a obediencia devida á soberania e auctoridade portugueza.
85.ª Haverá um governador nomeado e demittido por decreto real, que accumulará as funcções civis e militares.
86.ª Serão applicaveis a esta provincia as disposições estatuidas para as da Guiné.

XIV

Disposições especiaes

87.ª Todos os governos provinciaes poderão ser providos em individuos de classe civil ou militar a prudente arbitrio do governo. Quando, porém, o sejam em individuos da classe militar, estes deverão ter pelo menos o posto effectivo de capitão tenente na armada, ou a de capitão com o curso da respectiva arma, no exercito. Sendo de classe civil, deverão possuir um curso superior ou especial.
88.ª Será prohibido o accesso de postos por motivo de nomeação ou exercicio de qualquer cargo administrativo no ultramar.
89.ª Todos os emolumentos administrativos serão considerados receita publica.
90.º Poderão ser conferidas graduações militares de segunda linha, ou de forças irregulares, bem como titulos honorificos e pensões pecuniarias, áquelles regulos indigenas que por seus serviços e condições especiaes se tornem merecedores de taes concessões.
Lisboa, 28 de abril de 1884. = O deputado, Luciano Cordeiro.

2.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei que apresentei na sessão parlamentar de 1883, auctorisando o governo a reorganisar os serviços postaes do ultramar.
Sala das sessões, 7 de março de 1885. = Luciano Cordeiro.
Lida na mesa, foi admittida e enviada ás commissões de marinha e ultramar.

A proposta refere-se ao seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.º É o governo auctorisado a organisar o serviço postal no ultramar, não devendo o acrescimo da despeza annual resultante d'esta auctorisação exceder em todas as provincias ultramarinas em mais de 25:000$000 réis a verba total destinada ao mesmo serviço, inscripta no orçamento do anno economico de 1883-1884.
Art. 2.º É o governo auctorisado a nomear para servirem em commissão nas repartições postaes do ultramar os empregados dependentes da direcção geral dos correios, telegraphos e pharoes. A estes empregados será abonada, alem do vencimento que lhes pertencer no reino, a gratificação que for legalmente fixada em virtude da auctorisação de que trata o artigo 1.º
§ 1.º O tempo de serviço no ultramar dos empregados de que se trata será contado para todos os effeitos, excepto o da aposentação, como se servissem no reino.
§ 2.º Para a aposentação no reino dos empregados de que se trata, nos termos da carta de lei de 7 de julho de 1880, contar-se-ha com 50 por cento de augmento o tempo que tiverem servido no ultramar.
Art. 3.º A tabella n.º 2, annexa á carta de lei de 7 de julho de 1880, é substituida pela seguinte

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654 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

TABELLA N.º 2

Portes a que fica sujeita a correspondencia originaria do continente do reino, Açores e Madeira, destinada ás provincias ultramarinas portuguezas, ou originaria de qualquer das mesmas provincias, e destinada ao continente do reino, Açores, Madeira ou outra provincia ultramarina, quando a remessa for feita por embarcações portuguezas ou por embarcações estrangeiras que transportem gratuitamente as malas do correio.

[Ver Tabela na Imagem]

Classes das correspondencia

Condições de franquia

Escala de peso Grammas

Portes Réis

Cartas ....
Bilhetes postaes simples ....
Bilhetes postaes, resposta paga ....
Jornaes ....
Impressos ....
Amostras ....

Manuscriptos ....

Premios de registo (cada carta, maço ou bilhete postal, alem do porte) ....
Avisos de recepção (cada um) ....

N. B. As cartas não franqueadas ou com franquia insufficiente ficam sujeitas á taxa equivalente ao dobro do valor dos sellos que lhes faltarem, que será cobrada do destinatario no acto da entrega.

19 de dezembro de 1883. - Luciano Cordeiro.

3.º Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 98-H de 1879 ácerca dos vencimentos dos empregados das repartições de fazenda dos districtos e concelhos.
Sala das sessões, em 7 de março de 1885. = Alfredo da Rocha Peixoto.
Lida na mesa, foi admittida e enviada á commissão de fazenda.
A proposta refere-se ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.º É approvada a tabella, que faz parte d'esta lei, para os vencimentos annuaes dos empregados das repartições de fazenda dos districtos e concelhos.
Art. 2.º Das percentagens das quotas de cobrança estabelecidas para os recebedores das comarcas e escrivães de fazenda dos concelhos será deduzida toda a somma necessaria para o augmento da despeza proveniente do artigo anterior.
Art. 3.º É o governo auctorisado a reduzir convenientemente para a execução d'esta lei as percentagens das quotas de cobrança estabelecidas para os recebedores das comarcas e escrivães de fazenda dos concelhos.
§ unico. Os vencimentos annuaes dos recebedores das comarcas e escrivães de fazenda dos concelhos não podem ser inferiores a 500$000 réis.
Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação portugueza, 2 de abril de 1879. = Os deputados, Alfredo Peixoto = Henrique Ferreira de Paula Medeiros.

Tabella dos vencimentos a que se refere este projecto de lei

[Ver Tabela na Imagem]

Primeiros officiaes dos districtos de Lisboa, Porto e Funchal ....
Segundos officiaes dos mesmos districtos, e os officiaes dos outros ...
Escrivão do sêllo e receita eventual do districto de Lisboa ....
Escrivão dos direitos eventuaes do districto do Porto ....
Aspirantes de 1.ª classe ....
Archivista paleographo do districto de Coimbra ....
Archivista do districto do Funchal ....
Recebedor do sêllo e receita eventual do districto de Lisboa:
Ordenado ....
Para falhas ....
Recebedor dos direitos eventuaes do districto do Porto:
Ordenado ....
Para falhas ....
Aspirantes de 2.ª classe ....
Continuos dos districtos de Lisboa, Porto e Funchal ....
Continuos dos outros districtos ....
Escripturarios dos escrivães de fazenda de Lisboa e Porto ....
Escripturarios dos escrivães de fazenda de fóra de Lisboa e Porto ....

Sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação portugueza, 2 de abril de 1879. =Os deputados, Alfredo Peixoto = Henrique Ferreira de Paula Medeiros.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal do concelho de Almeirim, pedindo que seja convertida em lei a proposta n.º 1-E, apresentada pelo sr. ministro das obras publicas e que tem por fim estabelecer a creação do escolas praticas de agricultura.
Apresentada pelo sr. deputado Mendes Pedroso, enviada á commissão de agricultura, ouvida a de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.
2.ª Dos chefes do expediente das direcções fiscaes dos caminhos de ferro de leste e norte e da Beira Alta, pedindo serem equiparados em graduação, vencimentos e mais effeitos aos segundos officiaes do ministerio das obras publicas.
Apresentada pelo sr. deputado Dantas Baracho e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de legislação civil.

3.ª Da camara municipal de Villa Real de Santo Antonio, contra o imposto do sal.
Apresentada pelo sr. deputado José Luciano, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.º Requeiro que, pelo ministerio dos negocios da marinha e ultramar, sejam enviadas a esta camara quaes-

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SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1885 655

quer correspondencias trocadas entre este ministerio e o sr. arcebispo de Goa, relativas á portaria que o censurou por ter este prelado publicado a encyclica, Hamanum genus, com data de 20 de abril, que o Santo Padre Leão XIII endereçou a todos os prelados em comunhão com a santa sé. = O deputado, Eduardo J. Coelho.

2.º Requeiro que, pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, sejam enviados a esta camara, com a maxima urgencia, os seguintes documentos e informações officiaes:
I. Se a pastoral do sr. bispo da Guarda, a que se refere a portaria de censura, dirigida ao mesmo e publicada no Diario do governo de 27 de outubro de 1884, deu entrada no ministerio da justiça, em que data e por que via;
II. Copia da resposta dada pelo prelado censurado ao ministro, signatario da portaria, e data da recepção d'essa resposta no respectivo ministerio;
III. Copia de qualquer correspondencia trocada entre o ministro da justiça e aquelle prelado, depois d'aquella epocha, sobre este assumpto;
IV. Copia da resposta do procurador geral da corôa á consulta do governo, sobre o procedimento a haver contra aquelle prelado por este motivo; e, quando não tenha sido dada, data em que foi solicitada;
V. Copia de quaesquer correspondencias trocadas, que porventura existam, entre o governo e o sr. bispo de Angra do Heroismo, por causa da portaria de censura dirigida ao mesmo, e com os mesmos fundamentos por que foi censurado o sr. bispo da Guarda. = O deputado, Eduardo J. Coelho.

3.º Requeiro, pelo ministerio das obras publicas, a copia do contrato entre o banco ultramarino com o comptoir d'escompte de Paris, feito em 24 de agosto de 1881, que serviu de base á emissão de obrigações prediaes n'aquelle anno. = Elvino de Brito.

4.º Requeiro, que seja enviada com urgencia a esta camara, pelo ministerio da fazenda, copia da correspondencia trocada entre o director geral das alfandegas e o ex-director da alfandega de Lisboa, o sr. Antonio Correia Heredia, durante os ultimos dois mezes em que este ultimo funccionario exerceu aquelle cargo. = Carlos Lobo d'Avila.

5.º Requeiro, que me seja enviada, pelo ministerio da guerra, copia da lista dos primeiros sargentos classificados para poderem ser nomeados aspirantes da administração militar. = José Luciano.

6.º Requeiro que seja novamente enviado da secretaria da camara dos senhores deputados á commissão de marinha o requerimento de D. Thereza da Silva Pessanha, viuva do capitão tenente da armada, José de Mello Breyner. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.
Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De José Manuel Galvão, picador em commissão na escola do exercito, pedindo que lhe seja concedido um cavallo para sua praça, a exemplo do que foi concedido aos instructores de cavallaria e artilheria em commissão na mesma escola.
Apresentado pelo sr. deputado Dantas Baracho e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que tenho deixado de comparecer ás ultimas sessões por motivo justificado. = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas.

2.ª Declaro que, por motivo justificado, faltei a algumas sessões n'este mez.= Dantas Baracho.

3.ª Declaro que, por motivo justificado, não compareci ás sessões de 3, 5, 6 e 7 do corrente mez. = Eduardo J. Coelho.

4.ª Declaro que faltei ás ultimas sessões, por motivo justificado. = O deputado, Silva Cardoso.

O sr. Presidente: - Tenho a declarar á camara que só no sabbado, pelas nove horas da noite, é que tive conhecimento do fallecimento do nosso infeliz collega, o sr. Ferreira Braga, e por isso não me foi possivel nomear a deputação que devia ír assistir ao seu funeral.
Mantive relações de amisade com o finado desde Coimbra, e posso por isso dar testemunho do seu caracter franco e leal.
Engenheiro distincto e de qualidades elevadissimas, foi membro d'esta camara em diversas legislaturas, e nessa qualidade nunca deixou de prestar-nos, da melhor vontade, o auxilio do sou saber e intelligencia.
A camara permittirá, de certo, que se lance na acta um voto de sentimento pela morte d'este nosso collega. (Muitos apoiados.)
Em vista da manifestação da camara assim se fará, dando-se conhecimento d'esta resolução á familia do finado. (Apoiados.)
O sr. Guilherme de Abreu: - Sr. presidente, mando para a mesa uma proposta que já na sessão antecedente quiz, mas não pude apresentar, por me não ter cabido então a palavra.
É a seguinte.
(Leu.)
Parece-me ser esta proposta o corollario logico e indeclinavel das duas moções sobre que recaíu a votação do inquerito relativo á crise dos cereaes, e principalmente do additamento do sr. Consiglieri Pedroso.
A industria cerealifera, em principio apartada e distincta das demais industrias agricolas, não o é real e effectivamente no paiz, e com especialidade nas provincias do norte, salvas rarissimas excepções.
Poucos, muito poucos dos nossos lavradores cultivam exclusivamente cereaes. Quasi todos cumulam com esta outras explorações ruraes, e no Minho todas aquellas a que a natureza e indole do solo se presta, e em menor ou maior escala, consoante os productos de cada uma se destinam só para uso e consumo proprio do agricultor e de sua familia, ou tambem para a venda.
A crise agricola será, pois, mais ou menos grave e profunda, segundo se manifestar em todos, ou sómente em algnus dos ramos do trabalho rural, nos mais importantes ou nos mais secundarios.
Póde a colheita dos cereaes ser escassa, que, se as outras forem abundantes, a crise não será perigosa: mas se todas estas falharem, embora aquella seja copiosa, a crise póde ser afflictiva e até assustadora. A cultura cerealifera é incontestavelmente uma das primeiras da nossa economia rural, mas não é a unica importante, nem mesmo a mais importante.
Um inquerito que só procurasse investigar o estado actual da nossa industria cerealifera, será estudar parallelamente as condições das outras culturas ruraes, com aquella intimamente ligadas e connexas, seria visivelmente deficiente e improficuo, não podia dar-nos idéa exacta da situação economica do productor, e apenas serviria, para induzir os poderes publicos em erros gravissimos.
É portanto necessario e indispensavel que elle seja inteiro e completo, estudando o problema agronomico em todos os seus aspectos multiplos e complexos, e não restri-

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ctamente sob uma das suas faces, embora das mais importantes. (Apoiados.)
E esse inquerito geral agricola já está implicitamente votado com a proposta do sr. Consiglieri Pedroso, que a camara approvou por unanimidade; pois seria impossivel conhecer cabalmente as condições economicas das classes trabalhadoras ruraes, sem examinar e apreciar a situação das industrias respectivas e de cuja prosperidade ou decadencia naturalmente deriva a taxa dos salarios. (Apoiados.)
Depois, a pequena propriedade e a pequena cultura são, como todos sabem, as dominantes entre nós; e o pequeno lavrador, grangeando directa e pessoalmente a sua lavoura, é tambem operario agricola, e o mais desfavorecido e infeliz dos operarios, porque, mourejando todo o anno e sem descanso na sua labutação, não obtem d'ella um lucro correspondente á ametade do salario do simples obreiro. (Apoiados.)
Muitos d'estes desgraçados nem sequer têem pão negro e da peior qualidade para ametade do anno, digo-o bem alto e sem receio de que possa desmentir-me quem de perto conheça o viver de classe tão desditosa! (Apoiados.)
E comtudo ninguem se amerceia d'elles, e se alguma vez conseguem fixar a attenção dos poderes publicos é na qualidade de operarios e não na de proprietarios ou cultivadores. Como se a propriedade e o salario não fossem igualmente legitimos! Como se uma e outra não tivessem a mesma origem! Como se ambos não vivessem do trabalho! Como se o salario, que se gasta e despende ás vezes na satisfação de maus habitos e de ruins paixões, fosse mais sagrado, do que o salario que se economisa e converte em capital. (Vozes: - Muito bem.)
É que o pobre lavrador é paciente e soffredor até ao heroismo; é que elle não tumultua, nem faz greves; é que elle não sabe impor-se aos poderes publicos; é que elle não é anarchista, nem dynamitista, nem tem a mão negra.
E n'estas palavras não vae, nem por sombras, a mais remota allusão ao nosso operario, que é o mais exemplar da Europa e do mundo, e de indole bonissima, como todo este povo. Façamos por elle quanto podermos fazer, que bem merece toda a nossa solicitude; mas por igual a merece o triste agricultor ou pequeno proprietario rural, cujas circumstancias são ainda mais penosas, e os proprietarios mais abastados tambem têem direito a que se lhes faca a justiça que a todos se deve. (Apoiados.)
Disse um illustre deputado, que não acreditava na efficacia dos inqueritos parlamentares. Pois eu creio. (Apoiados.) Creio, quando elles forem serios, imparciaes e conscienciosos, integraes e completos. De outro modo, é melhor não os fazer, que, em vez de nos esclarecermos, só podem conduzir-nos a soluções erroneas e dar mais funestas consequencias.
Disse outro illustre deputado, que não acreditava na proficuidade da protecção aduaneira para a industria agricola. De plenissimo accordo com s. exa. Tambem eu não creio na efficacia d'essa protecção para o fomento de nenhuma industria.
Mas sejamos rasoaveis. N'um paiz onde todas as mais industrias vivem n'uma atmosphera artificial, n'um ambiente saturado de privilegios e de monopolios; n'um paiz onde o panno mais ordinario e grosseiro de que o povo se veste paga direitos pautaes elevadissimos e inteiramente prohibitivos; n'um paiz onde algumas fabricas são verdadeiros castellos, com o mercado nacional por feudo, o consumidor por servo da, gleba e a pauta geral das alfandegas por codigo de direitos banaes; não póde negar se á agricultura, a primeira e mais importante das nossas industrias, o favor e protecção que ás outras se dispensa e concede. (Apoiados.) Protecção aduaneira, moderada e equitativa, para todas ou para nenhuma. (Apoiados.)
Eu sou, em principio, partidario convicto da livre troca. Mas, quando todas ou quasi todas as nações europeas mais ou menos se armam contra a concorrencia estrangeira, quando a fecundidade prodigiosa da industria dos Estados Unidos da America do norte ameaça esmagar as industrias do velho mundo com uma avalanche de productos, parece-me que não é o momento e ensejo mais opportuno de realisar o ideal do livre cambio.
Resta, pois, unicamente a outra alternativa do meu dilemma: protecção aduaneira, temporaria e transitoria, proporcional e equitativa para todos os ramos da actividade nacional, por meio de tarifas moderadas, que representem e compensem até certo ponto a protecção directa, que não temos podido dispensar-lhes, e habilitem a nossa industria a competir vantajosamente no mercado com a estrangeira, mas sem excluir esta concorrencia, que é necessaria como estimulo de progresso e aperfeiçoamento, e como correctivo das demasias do productor.
Para conquistar este desideratum, que é já um grande progresso e o unico possivel n'este momento, levantemos uma cruzada, e eu serei n'ella o ultimo dos peões, embora não possa abrigar a esperança de que cheguemos a entrar em Solima.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
A proposta ficou para segunda leitura.
O sr. Luiz Osorio: - Alando para a mesa o diploma do sr. deputado Franco Frazão, eleito pelo circulo de Idanha a Nova.
Peço a v. exa. se digne dar-lhe o devido destino, remettendo-o á respectiva commissão de verificação de poderes.
Aproveito esta occasião para fazer algumas considerações sobre o assumpto a que alludiram, na ultima sessão, os srs. Lopes Navarro e Reis Torgal, assumpto que é de primeira e capital importancia.
Não ouvi algumas das observações feitas pelo sr. Lopes Navarro porque, da distancia afastada do logar que occupo, nem sempre se ouve tudo o que se diz n'esta casa, como nem mesmo algumas vezes se ouvem as proprias determinações da presidencia.
Ouvi, porém, o que sobre o assumpto disse o sr. Reis Torgal e declaro a v. exa. que adhiro a muitas das suas opiniões.
Mas não entrarei em delongas.
Por agora desejo apenas chamar a attenção do nobre ministro dos negocios estrangeiros para o assumpto de que se trata.
V. exa. sabe perfeitamente, e todos nós o sabemos, que a questão não póde entrar na categoria d'aquellas que em linguagem um pouco mais intima e familiar se podem chamar de campanaio.
Trata-se da questão do azeite, e da baixa verdadeiramente excepcional a que elle tem descido entre nós.
Sendo, como é certo, a industria agricola a primeira do nosso paiz, e sendo o principal ramo d'essa industria, ou, pelo menos, um dos principalissimos, o azeite, comprehende-se que, quando se trata de uma questão d'essa natureza, questão que interessa a todo o paiz, ella não deva nem possa merecer o epitheto a que ha pouco alludi.
Não vou refutar argumentos porventura em contrario á minha opinião, porque não tenho necessidade disso por agora.
A questão colloca-se no seguinte pé:
Sabe se que o azeite que parte de Hespanha, fazendo a sua travessia pelo nosso paiz, e seguindo depois para os mercados estrangeiros, quando apparece em qualquer porto de Portugal chega sempre em condições de nunca poder o nosso azeite soffrer, em preço, competencia com elle; e isto por um concurso de circumstancias em que avulta como principal o ser o azeite hespanhol muito favorecido pela pauta aduaneira.
Alem disso é sabido que, em relação ao azeite hespanhol que sáe pela alfandega de Lisboa, se dá outra cir-

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cumstancia. Esse azeite quando chega á estação é baldeado para vasilhas portuguezas.
Já alguem, na outra casa do parlamento, se referiu a isto. Não cito nomes, nem discuto, sei que o regulamento m'o não consente, faço apenas uma referencia.
O azeite hespanhol é, pois, baldeado para vasilhas portuguezas, e segue como portuguez para os portos estrangeiros, principalmente para os portos do Brazil, creio eu.
Mas, ha mais. Segundo se diz, e foi hontem aqui repetido, n'esse azeite mistura-se uma grande quantidade, talvez 50 por cento, de oleo extraindo da semente do algodão.
V. exa. sabe isto melhor do que eu, que sou quasi hospede no assumpto.
Derivam naturalmente d'esta fraude duas mentiras.
Faz-se passar como azeite aquillo que não é azeite; primeira mentira. Passa como azeite portuguez nos mercados estrangeiros aquillo que ainda menos é azeite portuguez; segunda mentira.
Derivam tambem d'aqui naturalmente duas desvantagens.
A primeira desvantagem consiste em que o nosso azeite váe perdendo do bom conceito em que era tido lá fóra; a segunda desvantagem encontra-se no seguinte: quando nos mercados apparece o verdadeiro azeite portuguez em competencia com o falso, evidentemente aquelle tem de vender-se por um preço muito mais levantado, ao passo que este póde vender-se por um outro relativamente infimo. (Apoiados.)
Mas não póde ainda o nosso azeite competir com o hespanhol por outro motivo.
A nossa colheita é muito dispendiosa em relação á de Hespanha.
A colheita em Hespanha faz-se, em muitos pontos, da seguinte fórma: aliza-se o terreno debaixo das oliveiras, e quando a azeitona attinge um certo estado de maturação, cáe toda, de por completo; recolhe-se em toldos e está feita a colheita ou antes a pseudo-colheita.
Entre, nós, o nos pontos onde essa colheita é menos dispendiosa, vareja-se a azeitona sobro toldos que previamente se estenderam debaixo da arvore; só este processo, posto que elementar, já v. exa. vê, exige mais braços, e, portanto, maior despeza. Mas ha regiões no paiz, a minha provincia, por exemplo, a Beira Baixa, onde essa colheita se torna dispendiosissima. Faz-se fructo por fructo, bago por bago, azeitona por azeitona, ganhando com isso o genero em qualidade e em quantidade.
Mas, n'estas condições, sr. presidente, comprehende v. exa., e comprehende a camara, que não possa dar-se a competencia de preços.
Acresce ainda outra circumstancia, e é que entre nós os salarios têem augmentado muito, porque os braços tambem escasseiam.
Eu sei que alguns lavradores já não fazem a colheita por sua conta: entregam-a a outros, dando uma percentagem no azeite coibido. Vê-se, pois, que a questão á de interesse impreterivel para todos nós. (Apoiados.)
Diz-se que este assumpto está dependente de um tratado: approvarei o tratado, se elle vier, por qualquer fórma, remover estes inconvenientes.
E não prescrevo o remedio: aponto apenas o mal; indico a chaga e peço o cauterio; nada mais.
Já um digno par, na outra casa do parlamento, apresentou duas soluções para dois casos diversos que podiam dar-se. Ou o azeite é mandado por negociantes hespanhoes, atravessa o nosso paiz o continua para o estrangeiro como hespanhol, que é; e, n'este caso, cumpro evitar a baldeação para evitar a fraude. Ou o azeite é importado e reexportado por negociantes portuguezes, e a solução é diversa: augmentem-se os direitos de reexportação tanto quanto seja necessario para evitar que similhante commercio, que é illicito, porque o acobertam uma mentira e uma fraude, continue a produzir interesses e a attrahir, por isso, as attenções e a concorrencia.
Seja qual for o remedio a applicar, o que é sobretudo indispensavel e urgente é que o mal desappareça de vez. Por agora, não desenvolvo a questão, nem necessito fazel-o: chamo apenas para ella a attenção do gabinete.
Quando o tratado apparecer, e, se o reputar necessario, discutil-o-hei como souber.
Aproveito tambem a occasião de estar com a palavra para me associar aos meus dois collegas, deputados por Santarem, que se referiram á grave questão dos cereaes, e declaro que adhiro, por esta fórma, como adheri pelo meu voto, ás suas observações.
Ouvi antes de hontem dizer a um illustre deputado que não acreditava na efficacia das commissões.
Eu distingo, se me é permittido ainda apresentar esta feição um pouco rhetorica de argumentar, se, com as commissões, alguma cousa se quer conseguir, para mim não ha nada mais efficaz do que as commissões; agora, se ellas não querem fazer cousa alguma, então estou de accordo com o o illustre deputado. (Apoiados.)
E confio muito mais nas commissões do que confio em qualquer solução que se de a uma questão dentro d'este recinto, sem ella ser estudada previamente por uma commissão especial para esse fim.
Isto, bem entendido, em questões de natureza particular, quando ellas demandam um estudo mais demorado e mais serio.
Nada mais tenho a dizer. E declaro, para avultar ainda a declaração que fiz relativamente á minha adhesão e solidariedade com os meus collegas, que tencionava apoiar com a mesma violencia, com a mesma energia e com a mesma força com que o fez um illustre deputado da maioria, o sr. Neves Carneiro, a proposta feita n'este sentido, porque é minha intima convicção que d'esta fórma (quando se queira trabalhar, não se esqueça o meu ponto de vista) alguma cousa se consegue de melhor do que com muitas das discussões que n'esta casa se levantam. Vozes: - Muito bem.
O sr. C. Lobo d'Avila: - Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos do governo pelo ministerio da fazenda.
Aproveito a occasião de estar presente o sr. ministro da fazenda para perguntar a s. exa. se não tem duvida em declarar, se tem tenção de apresentar na actual sessão legislativa alguma medida com respeito á crise cerealifera.
Eu votei tambem que se elegesse a commissão de inquerito, mas não a votei como uma solução que dispensasse a iniciativa do governo.
Fiz esta declaração antes de votar a proposta, e portanto não se póde estranhar que eu formule agora esta pergunta ao governo.
O requerimento vae publicado a pag. 655 d'este Diario.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - O que me pareceria realmente extemporaneo é que se exercesse desde já a iniciativa do governo em presença da deliberação, que a camara tornou, de nomear uma commissão encarregada de estudar o melhor modo de resolver o problema a que se referiu o illustre deputado.
Desejaria, porventura, s. exa. que eu apresentasse desde já uma proposta qualquer, embora depois os resultados do inquerito, a que vae proceder-se, viessem mostrar que as providencias d'essa proposta contrariavam ou não se harmonisavam com esses resultados? (Apoiados.)
N'esta questão, como em muitas outras, eu estimaria que pozessemos a politica de parte. (Muitos apoiados.)
É uma questão tão grave, que affecta tanto os interesses do paiz e que recae tão directamente sobre as classes menos abastadas, dignas da protecção de todos, (Apoiados.) que me parece menos prudente pretender-se, em assumpto de tão alta importancia, collocar o governo n'uma má posição.

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Declaro, porém, que eu não me collocarei n'essa má posição, tomando antecipadamente qualquer resolução que não esteja em harmonia com a verdade dos factos e com os interesses do paiz. (Apoiados.)
Em proveito d'esta causa, o que melhor me parece, visto que a commissão de inquerito deve proceder ao exame geral do assumpto, é que primeiro sejam examinadas as informações que ella colher, para depois se formular uma proposta e tomar-se uma resolução que possa ser duradoura, evitando-se assim os inconvenientes do estarmos, por assim dizer, todos os dias a alterar as pautas, no que respeita a cereaes. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Mendes Pedroso: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Almeirim pedindo que seja approvado o projecto relativo á creação das escolas praticas de agricultura.
Requeiro que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Consultada a camara, assim se resolveu.
O sr. Figueiredo Mascarenhas: - Mando para a mesa uma justificação de faltas.
Vae publicada no logar competente.
O sr. Eduardo José Coelho: - Pedi a palavra para mandar para a mesa dois requerimentos, pedindo esclarecimentos pelo ministerio da justiça, e pelo ministerio da marinha.
Pedindo estes documentos, não é meu intento levantar n'esta casa a questão religiosa, no sentido em que esta palavra costuma tomar-se; mas desde o momento que se levantou um conflicto entro o governo e alguns prelados do paiz, não se póde prescindir do direito do apreciar a responsabilidade do governo n'esse assumpto. (Apoiados.) V. exa. sabe e sabe a camara, que o governo foi o primeiro que entendeu que alguns prelados do paiz se rebellaram contra as leis, e que julgou essa offensa ou essa transgressão das leis do reino tão importantes, que entendeu do seu dever, não só censurar esses prelados, mas dar a essa censura um caracter grave tornando-a publica.
N'estas condições, é necessario saber-se, como é que os prelados transgrediram as leis do paiz, porque tambem são funccionarios publicos d'elle, e se ha transgressão, é necessario tambem apurar se o governo zelou, como lhe cumpria, as prerogativas da corôa.
Sabe tambem v. exa. e a camara, que um dos prelados censurados entendeu que devia responder ao ministro signatario da portaria que o censurou, allegando não só o direito de defeza, mas tambem fazendo-o em termos que pareciam pôr em duvida, não só o direito do governo, mas sobretudo a applicação do direito aos factos, objecto da censura.
É preciso tambem que saibamos qual foi a attitude do governo em frente do prelado, depois que elle respondeu á portaria que o censurou, julgando que devia dar publicidade a essa sua resposta.
Essa resposta corre impressa, mas como póde dizer-se-me, que não tem caracter official, por isso peço d'ella ao governo uma copia.
Depois d'isso sabe v. exa. e a camara que o governo entendeu que era da sua dignidade, segundo pregoavam os defensores d'elle, tomar uma atitude mais energica perante o sr. bispo da Guarda, visto a sua nova attitude, manifestada na resposta por elle dada.
Não sei qual foi a attitude do governo n'este novo periodo da questão, e todavia é necessario que se saiba. (Apoiados.)
Ouvi dizer, publica-o a imprensa, que o governo entendeu que salvaguardava as suas responsabilidades, recorrendo ao expediente facil e commodo de consultar os procuradores da corôa, sobre este assumpto; e é por isso que tambem peço que, se porventura os fiscaes da corôa foram consultados, seja enviada a esta camara, a resposta que haja sido dada pelos mesmos, declarando comtudo desde já a v. exa. que para realisar a minha interpellação não careço d'este documento. Será um grande serviço que o governo me fará, enviando esta resposta, porque ella elucidará o meu espirito, mas repito, não a julgo indispensavel para verificar a minha interpellação.
Todos sabem, e folgo de o declarar aqui, que os trabalhos do senhor procurador geral da corôa são sempre notabilissimos, porque os distingue a seriedade e a inexcedivel proficiencia. (Apoiadas, e em especial do sr. deputado Manuel da Assumpção.)
Devo declarar que não é intuito meu proferir qualquer censura aos fiscaes da coroa, e em especial ao sr. procurador geral da corôa, para o qual só posso ter, e só tenho com effeito, a maxima consideração e respeito, se por ventura ainda não responderam á consulta do governo. É de crer que haja motivos justificados para esta demora, e ao governo pertence avalial-os; mas desejo saber o tempo decorrido entre a data do pedido ou exigencia do governo e a resposta dada ou não dada pelos fiscaes da corôa, porque essas datas e essas comparações não são indifferentes para apreciar as responsabilidades do governo, e por ellas podemos saber a pressa que o governo se tem dado para se desaggravar do procedimento do prelado da Guarda, que toda a gente poderá considerar correcto, excepto o governo.
Por mim, não emitto agora opinião; fal-o-hei opportunamente, e com pleno conhecimento de causa.
E um facto, que a camará já conhece, e que e do dominio publico, não julgar o governo já velho e caduco o artigo 75. § 4.º da carta constitucional, como velho e caduco o julgou ao apresentar o projecto das reformas politicas na sessão de 30 de janeiro de 1883. Diz-se no relatorio que o nosso codigo politico, como e natural, tem envelhecido em algumas das suas providencias organicas, e uma d'essas providencias organicas envelhecidas era a disposição relativa ao beneplacito. Era uma affirmação de puritano regalismo, sendo necessaria reformar a carta n'esta parte, porque alem do velha era deficiente contra as invacões pontificias, que assoberbam a ordem civil. Pois agora tudo está mudado, e a carta já não careço de reformas n'esta parte. É preciso, porém, que saibamos que motivos teve o governo para mudar de opinião, porque ha solidos fundamentos para crer, que este reviramento do governo, este verdadeira retractação, se filia na attitude, que os prelados tomaram perante elle; de modo que o governo, longe de se desaggravar e de defender as prerogativas da corôa, que elle proprio julgou violadas, submette-se a uma imposição, que agora não posso nem devo qualificar. E necessario, comtudo, que digamos opportunamente o que ha de verdade em tudo isto, possa definitivamente saber, se a responsabilidade e que se do governo se aggravou ou diminuiu em frente da attitude tomada pelos bispos arguidos, e com os que com elles se tornaram solidarios.
Espero que o governo se dará pressa em satisfazer ao meu pedido, porque a interpellação que tenciono annunciar sobre este assumpto não carece de justificar se de antemão. E por isso limito aqui as minhas considerações. (Apoiados.)
Os requerimentos vão publicados a pag. 655 d'este Diario.
O sr. Baracho: - Mando parar, mesa um requerimento em que José Manuel Galvão, picador em commissão na escola do exercito, pede que, tendo a fazer serviço montado, e não tendo um cavallo praça, como têem todos os picadores militares, lhe seja dado um cavallo para sua praça.
Isto é primeira vista parece um cumulo; e para que o não seja, peco a v. exa. se digne mandar o requerimento á commissão competente para ser considerado como merece.
Mando tambem para a mesa uma representação dos chefes do expediente das direcções fiscaes dos caminhos de ferro do norte e leste e da Beira Alta.

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Aproveito a occasião de estar com a palavra para declarar que me associo ás declarações feitas pelos meus collegas, deputados por Santarem, relativamente tanto á questão cerealifera como á do azeite.
Entendo que estas duas questões são importantes, e não de simples campanario, como muito bem disse o sr. Luiz Osorio, e demandam prompto remedio.
Entretanto devo dizer que, depois de adoptado o expediente de nomear uma commissão de inquerito, é perfeitamente sensato e justo o que acabou de dizer o nobre ministro da fazenda.
A camara que nomeou a commissão é porque entende que a questão precisa ser estudada. Pretender, antes disso, dar-lhe solução é pelo menos um desacerto.
Peço, porém, a v. exa. toda a urgencia na nomeação da commissão encarregada de estudar os meios necessarios para attenuar a crise agricola, e de apontar os alvitres mais convenientes para que este assumpto tenha a solução que anciosamente e esperada por todos que se interessam peia prosperidade nacional.
O requerimento teve o destino indicado a pag. 655.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - O governo terá conhecimento das queixas que se toem levantado contra a maneira por que se faz a exportação do azeite hespanhol por transito, e sobretudo pela circumstancia que se dá frequentes vezes, segundo se diz, de se mudarem as taras do azeite em Lisboa ou no Porto, unicos pontos de exportação.
Segundo se affirma, parece que o azeite vem em taras hespanholas, e é aqui mudado nos depositos para taras similhantes áquellas em que é feita a exportação do nosso azeite.
Essa é a principal queixa que se tem levantado contra a liberdade de transito concedida á Hespanha, e que, em relação ao azeite nacional, parece occasionar um grande inconveniente.
Esse inconveniente que já era conhecido na epocha em que foi negociado o tratado de commercio com a Hespanha, tratado que está affecto ao exame da commissão de negocios externos d'esta casa, e cujo parecer espero que em breve será apresentado a esta camara, esse inconveniente, digo, fui acautelado no tratado, porque não se permitte a mudança da tara, sem que fique a Portugal a faculdade de pôr uma marca especial a fogo, para indicar que o azeite é de exportação estrangeira, de medo que a tara, com feição de tara portugueza, não possa acobertar a fraude de fazer passar um azeite estrangeiro por producção nacional.
D'este modo o inconveniente que se apresentava está prevenido no tratado de commercio com a Hespanha, dependente da approvação do parlamento.
E esta a explicação que posso dar ao illustre deputado.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Elvino de Brito: - Mando para a mesa um requerimento pedindo, pelo ministerio das obras publicas, a copia do contrato, feito em 24 de agosto de 1881, entre o banco ultramarino e o Comptoir d'escompte de Paris, e que serviu de base á emissão de obrigações prediaes n'aquelle anno.
Peço a v. exa. que lhe mande dar o destino conveniente.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para dirigir uma simples pergunta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.
A camara não ignora que no anno passado deram-se occorrencias desagradaveis na aldeia do Sindão, margem do rio Casamansa, provincia da Guiné portugueza.
Duram já ha muitos annos as contestações, entre a França e Portugal, sobre a delimitação definitiva da fronteira n'aquella provincia.
A camara conhece os factos, porque já foram publicados o anno passado.
Foram elles gravissimos, e Portugal creio que chegou a pedir a devida reparação ao governo francez.
Na sessão passada foi aqui declarado pela voz auctorisada de um collega de s. exa. que o sr. ministro dos negocios estrangeiros procurara immediatamente entender-se com o ministro francez n'esta côrte, para se chegar a uma solução que fosse, tanto quanto possivel, lisonjeira para nós, e ao mesmo tempo o mesmo sr. ministro declarou que proseguiam com actividade as negociações para a delimitação definitiva da fronteira d'aquella provincia.
Se porventura não houvesse motivo para reservas, e se effectivamente pelas vias diplomaticas se tratou d'esta questão, desejo que o sr. ministro dos negocios estrangeiros me diga se, quanto aos factos occorridos na aldeia do Sindão, foi dada a Portugal a reparação devida, e pelo que respeita á delimitação difinitiva da fronteira, se proseguem as negociações, e no caso affirmativo se ellas se acham em em estado de se poder esperar uma solução definitiva e breve.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Pelo que respeita aos factos occorridos na aldeia do Sindão, a que o illustre deputado acabou de se referir, posso dizer a s. exa. que pelo governo francez foram dadas explicações satisfactorias, a que corresponderam outras do governo portuguez, por isso que, se por parte de funccionarios francezes tinham sido praticados actos irregulares, tambem não tinham sido completamente correctos os actos praticados pelas auctoridades portuguezas.
Esta questão, portanto, póde considerar-se finda, porque, repito, as explicações trocadas foram satisfactorias.
Com relação ao outro ponto, ha na Guiné, como disse o illustre deputado, uma causa permanente de conflictos, causa que deriva de na o estarem bem marcados os limites das fronteiras que devem separar as possessões portuguezas, n'aquella região, das possessões francezas.
E se ellas nunca foram bem delimitadas, talvez a culpa mais seja nossa do que do governo francez.
O certo é que esse facto dá logar a que se apresentem hoje em varios pontos, considerados como nossos, indicies de uma invasão estrangeira.
Maior necessidade ha, portanto, de se definirem rigorosamente os limites d'aquella nossa provinda. N'isso está de accordo, e mesmo tem-se mostrado disposto a essa definição de limites, o governo da republica franceza.
Iniciaram-se em tempo as negociações, mas vieram trazer-lhes uma suspensão as negociações relativas ao Zaire.
Actualmente parece me chegado o momento mais opportuno para se proseguir nas negociações começadas e que são vantajosas tanto para nós, como para a França, porque collocam as possessões de dois paizes limitrophes em boas condições.
O sr. Elvino de Brito: - Se v. exa. me dá licença, e para não tornar a pedir a palavra, direi que o que desejo saber é se a aldeia do Sindão está hoje sob o dominio da França ou é considerada como territorio neutral.
O Orador: - O que posso dizer ao illustre deputado é que a situação verdadeira da aldeia do Sindão é um ponto que ha de ficar resolvido quando se fizer a demarcação definitiva dos limites entre as nossas possessões e as possessões francezas.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada, e por isso vae entrar-se na ordem do dia.
Os srs. deputados que estavam inscriptos, se quizerem mandar alguns papeis para a mesa, podem fazel-o.
O sr. Luciano de Castro: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Villa Real de Santo Antonio contra o imposto do sal.

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Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Mando tambem para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro da guerra, e um requerimento pedindo esclarecimentos pelo mesmo ministerio.
A camara resolveu que a representação fosse publicada no Diario do governo.
O requerimento vae publicado na secção competente.
Leu-se na mesa a seguinte

Nota de interpellação

Desejo interpellar o sr. ministro da guerra sobre a nomeação illegal de 14 aspirantes da administração militar. = José Luciano.
Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei approvando a convenção postal entre Portugal e a Hespanha

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 15

Senhores. - A vossa commissão de negocios externos examinou com toda a attenção a proposta de lei que approva, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção postal entre Portugal e Hespanha, assignada em Madrid em 7 de maio de 1883.
Esta convenção vem substituir a que fôra celebrada entre os dois paizes em 6 de fevereiro de 1873.
É ella destinada principalmente a harmonisar as relações postaes entre os dois paizes com os tratados que posteriormente a 1873 foram celebrados em Berne e em París, e que iniciaram e robusteceram essa creação civilisadora, de que tantos beneficios está colhendo já o progresso das nações, a união postal.
A desharmonia entre os preceitos da convenção de 1873 e as regras por que se regiam as relações postaes, nos paizes que faziam parte d'essa união, dava occasião a difficuldades entre os correios de Portugal e Hespanha, e d'ahi veio o pensamento da proposta apresentada por Portugal para uma nova convenção, que, depois de varias modificações, foi convertida na que está submettida ao vosso exame.
Aproveitou sensatamente a direcção geral dos correios de Portugal o ensejo para conseguir alguns melhoramentos importantes nas relações postaes entre os dois paizes; não devendo deixar de fazer-se especial menção do modo por que se regulam os direitos de transito; dando assim mais um passo para a adopção de um principio, cuja utilidade todos reconhecem, mas em cuja adopção, por motivos meramente financeiros, hesitam ainda alguns paizes.
O transito gratuito ? por emquanto um desideratum, mas para a sua realisação tem-se dado passos successivos, e é justo que sejam aquellas nações que, como a Hespanha e Portugal, podem, sem sacrificio, aplanar as difficuldades que se encontram para chegar á realisação de tão valioso melhoramento, que vão desbravando o terreno e dando o exemplo da sua adopção.
O artigo 15.º do tratado que, n'esta parte, é evidentemente um pouco mais favoravel para Portugal do que para Hespanha, é uma prova clara de que os dois paizes comprehenderam quanto era conveniente tomarem a iniciativa de tão importante melhoramento, que, em um futuro não de certo muito remoto, será a regra geral de todos os paizes da união postal.
Nas despezas de transporte maritimo adoptaram-se tambem regras que estão perfeitamente de accordo com a natureza do serviço postal, que de nenhum modo póde ter por intuito senão facilitar a troca das correspondencias.
Por todas estas considerações parece á vossa commissão que merece a vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção postal entre Portugal e a Hespanha, assignada em Madrid pelos respectivos plenipotenciarios em 7 de maio de 1883.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 28 de fevereiro de 1885. = Conde de Thomar = João Marcellino Arroyo = Henrique da Cunha Mattos de Mendia = Manuel d'Assumpção = Pedro Guilherme dos Santos Diniz = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Antonio M. P. Carrilho = F. A. F. de Mouta e Vasconcellos = Tito Augusto de Carvalho, relator.

Proposta de lei n.º 6-F

Renovo a iniciativa da proposta n.º 72-C, para a approvação de uma convenção postal entre Portugal e Hespanha, proposta remettida á competente commissão da camara dos senhores deputados em 28 de abril de 1884 e publicada no Diario do governo n.º 90.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, 15 de janeiro de 1885. = José Vicente Barbosa du Bocage.

Proposta de lei n.º 72-C

Senhores. - A conveniencia de regularisar e facilitar as communicações entre Portugal e Hespanha levou os governos dos dois paizes a negociar uma nova convenção postal que foi assignada em Madrid aos 7 de maio de 1883 pelos respectivos plenipotenciarios.
Em virtude da presente convenção não só deixará Portugal de pagar direitos de transito terrestre pelas malas que expedir por intermedio de Hespanha, mas tambem cobrará por inteiro os direitos de transito maritimo que tem de pagar ás companhias de navegação a vapor que fazem escala em Lisboa, pelas malas hespanholas que são expedidas para a America do Sul em transito por Portugal.
Espero, pois, que mereça a vossa approvação, a seguinte proposta de lei:

Art. 1.º É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção postal entre Portugal e a Hespanha, assignada em Madrid pelos respectivos plenipotenciarios em 7 de maio de 1883.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 21 de abril de 1884. = José Vicente Barbosa du Bocage.

O governo de Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e o governo de Sua Magestade El-Rei de Hespanha, desejando melhorar as relações postaes entre os dois paizes e usando das faculdades que lhes são concedidas no artigo 15.º da convenção da união postal universal de correios, assignada em Paris no 1.º de junho de 1878, resolveram celebrar uma nova convenção e nomearam para este fim por seus plenipotenciarios, a saber:
Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves a D. Luiz de Soveral, encarregado de negocios de Portugal em Hespanha, commendador das ordens militares de Nosso Senhor Jesus Christo, de Portugal; de Alberto, o Valoroso, de Saxonia; da Coroa de Carvalho, de Luxemburgo, e da Corôa da Prussia; cavalleiro das ordens da Coroa de Ferro, de Austria, e do Leão de Zachrigen, de Baden, etc., etc., e
Sua Magestade El-Rei de Hespanha a D. Antonio de Aguilar e Correia, marquez do la Vega de Armijo e de Mos, conde de Bobadilla, visconde de Pegullal, grande de Hespanha, deputado a côrtes, socio da real academia de sciencias moraes e politicas, official da academia de França, condecorado com o collar da Torre e Espada e a gran-cruz da Conceição de Villa Viçosa, de Portugal; gran-cruz de Leopoldo, de Austria; gran-cruz da ordem da Legião de

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Honra, de França; cavalleiro gran-cruz das ordens de S. Mauricio e S. Lazaro, de Italia; de S. Olaf. de Noruega; da Rosa, do Brazil, e da Redempção Africana, de Leiberia; ministro d'estado;
Os quaes, depois de haverem trocado os seus respectivos plenos poderes, reconhecidos em boa e devida forma, convieram nos artigos seguintes:

Artigo 1.º

Entre Portugal e Hespanha haverá permutação periodica e regular de:
a) Correspondencias ordinárias, cartas, bilhetes postaes, simples e com resposta paga, jornaes e outros impressos (comprehendendo os livros brochados ou encadernados), amostras de fazendas, manuscriptos e papeis commerciaes.
b) Correspondencias registadas de todas as especies.
c) Cartas de officio e maços de serviço publico.

Artigo 2.º

A permutação das correspondências de que trata o artigo 1.º, effectuar-se-ha por terra, por meio de malas fechadas trocadas diariamente entre as estações e ambulancias postaes que as direcções geraes dos dois paizes, de commum accordo, auctorisarem para esse fim.

Artigo 3.º

Alem da permutação de correspondencias que tiver logar por terra, nos termos do artigo antecedente, fica ajustado que as repartições dos correios dos dois paizes poderão remetter inalas de correspondencia pelos navios que sairem de qualquer dos portos de um dos estados para os do outro.

Artigo 4.º

Tudo quanto se estipular na presente convenção, relativamente a Portugal, entender-se-ha estipulado para as ilhas dos Açores e Madeira.
Similhantemente tudo quanto se estipular com respeito a Hespanha entender-se-ha estipulado para as ilhas Canarias e Baleares, assim como paia as possessões hespanholas do norte de Africa e povoações da costa occidental de Marrocos, para onde faz serviço o correio hespanhol.

Artigo 5.º

As correspondências permutadas entre Hespanha e Portugal ficam sujeitas aos portes estabelecidos na tabella A, annexa a esta convenção.
Fica, porém, entendido que, no caso de o porte dos impressos, no interior do Portugal, ser reduzido a 2 1/2 réis por cada 50 grammas, o porte dos impressos permutados entre os dois paizes contratantes será reduzido a 1 centimo de peseta em Hespanha e a 2 1/2 reis em Portugal.
Serão determinadas no regulamento para a execução d'esta convenção as condições a que deverão satisfazer os bilhetes postaes, jornaes, impressos, manuscriptos, papeis commerciaes e amostras, para gosarem da reducção do porto estabelecido na tabella A.
Fica entendido que as disposições da presente convenção não prejudicam de modo algum o direito que têem os dois governos de não permittirem que no território de seu respectivo paiz se introduzam, transportem ou distribuam objectos ácerca dos quaes não tenham sido cumpridas as leis, decretos e ordens que regulem as condições da sua circulação ou publicação tanto em Hespanha, como em Portugal.

Artigo 6.º

As correspondencias procedentes de Portugal com destino a Hespanha ou procedentes de Hespanha com destino a Portugal, deverão ser franqueadas previamente por meio de sellos postaes ou formulas de franquia em uso no paiz respectivo.
Só são exceptuadas desta obrigação as correspondências officiaes relativas ao serviço de correios e telegraphos e aquellas de que trata o artigo 8.º
§ 1.º As correspondencias de qualquer especie, com excepção das cartas, que não forem ao menos insuficientemente franqueadas, não serão expedidas.
§ 2.º As cartas não franqueadas e os objectos de qualquer especie insuficientemente franqueados serão enviados ao seu destino e entregues aos destinatarios, cobrando-se destes o porte correspondente ao dobro do valor dos sellos que faltarem nos mesmos objectos.
O regulamento determinarão para este caso qual a equivalencia da moeda hespanhola e a moeda portugueza.

Artigo 7.º

Fica estabelecido:
a) Que as correspondencias avulsas expedidas de Portugal por intermedio de Hespanha para as Antilhas hespanholas, Filippinas, Fernando Pãe as suas dependencias ou vice-versa, ficam sujeitas aos portes fixados na tabella B.
b) Que as correspondencias avulsas expedidas de Hespanha por intermedio de Portugal para as provincias ultramarinas portuguezas de Cabo Verde, Guiné, S. Thomé e Principe, Angola, Moçambique e India portugueza ficam sujeitas aos portes lixados na tabella C;
c) Que a essas correspondencias serão applicadas todas as disposições d'esta convenção.

Artigo 8.º

Para mais prompto expediente dos negócios a que dão logar os tratados vigentes entre os dois paizes fica estabelecido que as auctoridades superiores civis e militares das provincias situadas nas fronteiras dos dois estados assim como todas as auctoridades judiciaes de ambos os paizes, poderão corresponder-se officialmente, devendo as respectivas correspondencias ser expedidas e entregues francas de porte, sempre que procedam de uma auctoridade para a outra, que se dirijam á auctoridade e não ao nome da pessoa que a exercer e que tragam no sobrescripto o sêllo da auctoridade ou repartição de que emanam.
A falta de sêllo official poderá ser supprida pela designação do emprego ou pela rubrica da auctoridade remettente.

Artigo 9.º

Não serão expedidos:

a) Os maços do jornaes e impressos que pesarem mais de 2 kilogrammas;
b) Os maços de amostras que pesarem mais de 500 grammmas, que tiverem em qualquer das suas faces dimensões superiores a 30 centimetros, que contiverem substancias corrosivas, inflammaveis ou explosivas, ou que, contendo liquidos, substancias gordurosas ou materias corantes, não estiverem acondicionados por forma que não possam deteriorar as correspondencias;
c) As cartas ou maces que contiverem dinheiro, joias, pedras preciosas, objectos de oiro ou prata ou outros quaesquer objectos sujeitos a direitos de alfandega.
No caso em que sejam expedidas de Hepanha para Portugal ou vice-versa, correspondencias que o não devessem ser, em virtude das disposições d'este artigo, o paiz que as receber procederá em harmonia com o que estiver estabelecido nas suas leis ou regulamentos.

Artigo 10.º

É permittido o registo de cartas, bilhetes postaes simples e com resposta paga, impressos, jornaes, manuscriptos, papeis commerciaes e amostras.
A taxa das correspondencias registadas deve ser sempre paga adiantadamento pelo remettente pela affixação dos necessarios sellos do franquia, e compre-se:
a) Do porte que competir á classe da correspondência de que se tratar conforme o estabelecido na tabella A;
b) Do premio fixo de registo 25 centimos de peseta em Hespanha e 50 réis em Portugal por cada carta, bilhete pos-

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tal ou maço de jornaes, impressos, manuscriptos, papeis commerciaes ou amostras.

Artigo 11.º

Os remettentes de correspondencias registadas expedidas de Portugal para Hespanha ou de Hespanha para Portugal podem exigir no acto do registo que se lhes de aviso comprovativo da entrega aos destinatários, pagando adiantadamente por cada aviso 25 réis em Portugal e 10 centimos de peseta em Hespanha.

Artigo 12.º

No caso de extravio ou perda total de qualquer objecto resgistado e salvo o caso de força maior, a administração em cujo territorio se tiver verificado a perda ou extravio pagar ao remettente, ou por accordo deste ao destinatário, uma indemnisação de 9$300 réis, sendo o extravio em Portugal e 50 pesetas sendo em Hespanha.
O direito a esta indemnisação prescreverá, se não for reclamada no praso de um anno contado da data do registo.

Artigo 13.º

A administração dos correios de cada um dos dois paízes arrecadará em proveito próprio:
a) O producto da franquia das cartas, bilhetes postaes, jornaes, impressos, amostras, manuscriptos e papeis commerciaes.
b) O prémio que cobrar pelo registo das correspondencias que expedir.
c) As quantias que cobrar pelos objectos não franqueados ou com franquia insufficiente que distribuir.

Artigo 14.º

As correspondencias dirigidas de Portugal para Hespanha ou de Hespanha para Portugal, conforme as disposiçães da presente convenção, não poderão ser oneradas tanto no paiz de procedencia como n'aquelle em que se verificar a entrega, com taxa, imposto ou direito algum para ser pago pelos remettentes ou pelos destinatarios, alem das quantias auctorisadas por esta commissão.

Artigo 15.º

As administrações dos correios de Portugal e de Hespanha transniittirão reciprocamente as malas fechadas e correspondencias avulsas que expedirem ou receberem em transito pelos seus respectivos territorios.
§ 1.º Fica entendido que nenhum dos paizes cobrará quantia alguma a titulo de direito de transito terrestre:
a) Pelas correspondencias avulsas, ou malas fechadas, procedentes de Portugal e destinadas a paizes estrangeiros que atravessarem o territorio hespanhol;
b) Pelas correspondencias avulsas, ou malas fechadas, permutadas entre os diversos correios de Hespanha que atravessem o territorio portuguez:
c) Pelas correspondencias avulsas, ou malas fechadas, procedentes de Hespanha e destinadas a paizes estrangeiros que atravessarem o territorio portuguez;
d) Pelas correspondencias, ou malas fechadas, procedentes de paizes estrangeiros, destinadas a Portugal, que atravessarem o territorio hespanhol quando esses paizes tenham concedido a Hespanha e a Portugal o beneficio do transito gratuito no seu territorio;
e) Pelas correspondencias avulsas, ou malas fechadas, procedentes de paizes estrangeiros destinadas a Hespanha que atravessarem o territorio portuguez, quando esses paizes tenham concedido a Hespanha e a Portugal o beneficio do transito gratuito no seu territorio.
§ 2.º As correspondencias avulsas ou malas fechadas procedentes de Hespanha e destinadas a paizes do ultramar enviadas por via de Portugal serão expedidas:
a) Gratuitamente quando forem conduzidas em paquetes que transportarem gratuitamente as malas do correio portuguez;
b) Mediante o reembolso como porte maritimo da quantia correspondente á retribuição que a administração portuguesa pagar á empreza ou companhia de navegação pelo transporte de igual peso de correspondencias procedentes de Portugal quando forem conduzidas em paquetes que não transportarem gratuitamente as malas do correio portuguez.
§ 3.º Só o reembolso do porte maritimo de que trata este artigo dará logar a contas entre a direcção geral dos correios e telegraphos de Hespanha e a direcção geral dos correios telegraphos e pharoes de Portugal. Essas contas serão processadas mensalmente e depois de approvadas pagas no fim de cada trimestre.

Artigo 16.º

As correspondencias mal endereçadas, ou endereçadas a pessoas que tiverem mudado de residencia, serão sem demora alguma reciprocamente devolvidas.
As correspondencias procedentes de outros estados que forem transmittidas de um para outro paiz, em consequencia de mudança de residencia dos respectivos destinatários, não darão logar, em caso algum, a contas entre os correios de Portugal e Hespanha.
As cartas destinadas e registadas, e os jornaes ou impressos caídos em refugo, por qualquer motivo, serão devolvidos de um a outro paiz nos prasos e do modo que entre si combinarem as administrações dos correios dos dois estados.

Artigo 17.º

As administrações dos correios de Portugal e de Hespanha estabelecerão, de comnmm accordo, o modo de ser paga a despeza do transporte das malas entre as diversas estações da fronteira.
As despezas resultantes do transporte de malas em caminho de ferro ficarão a cargo exclusivo do paiz em cujo território se effectuar este transporte.

Artigo 18.º

A direcção geral dos correios, telegraphos e pharoes de Portugal, e a direcção geral dos correios e telegraphos de Hespanha, ficam auctorisadas para modificar qualquer das disposiçães da presente convenção, em beneficio das relaçães entre as duas nações, sempre que de comnmm accordo o considerem opportuno.

Artigo 19.º

A direcção geral dos correios, telegraphos e pharoes de Portugal e a direcção geral dos correios e telegraphos de Hespanha, formularão do commum accordo um regulamento especialisado e methodico para o devido cumprimento de todas e de cada uma das estipulações da presente convenção.

Artigo 20.º

Ficam derogadas desde o dia em que se pozer em execução a presente convenção todas as anteriores estipulações ou disposições concernentes á permutação de correspondencias entro Portugal e Hespanha.

Artigo 21.º

A presente convenção começará a ter effeito no dia que for designado pelas duas direcções geraes dos correios, telegraphos e pharoes de Portugal e dos correios e telegraphos de Hespanha e continuará a vigorar até que uma das altas partes contratantes aununcie á outra, com um anno de antecedencia, a sua intenção de a dar por finda.
Durante este ultimo anno a convenção continuará em plena e completa execução sem prejuizo da liquidação e saldo das contas entre as administrações dos correios dos dois paizes depois de expirado este praso.

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Artigo 22.º

A presente convenção será ratificada e as ratificações trocar-se-hão em Madrid com a brevidade possivel.
Em testemunho do que os plenipotenciarios respectivos a assignaram e sellaram com os sellos das suas armas.
Feito em Madrid por duplicado, em 7 de maio de 1883. = Luiz de Soveral.
Está conforme. Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 2 de abril de 1884. = D. G. Nogueira Soares.

TABELLA A

Portes a que ficam sujeitas as correspondencias permutadas entre Portugal e a Hespanha

[Ver Tabela na Imagem]

Classes das correspondencias
(1)
Condições de fraquia
(2)
Limite de franquia
(3)
Escala de peso
(4)
Portes que devem ser cobrados em Portugal pelas correspondencias destinadas a Hespanha
(5)
Portes que devem ser cobrados em Hespanha pelas correspondencias destinadas a Portugal
(5)

Cartas ....
Bilhetes postaes simples ....
Bilhetes postaes de resposta paga ....
Jornaes ....
Impressos ....
Amostras ....

Manuscriptos e papeis commerciaes ....

Luiz de Soveral.
El Marques de la Veja de Armijo.

Tabella B

Portes a que ficam sujeitas as correspondencias permutadas, por via de Hespanha, entre Portugal e as Antilhas hespanholas, Fillipinas, Fernando Pó e as suas dependencias

[Ver Tabela na Imagem]

Classe das correspondencias
(1)

Cartas ....
Bilhetes postaes simples ....
Bilhetes postaes de resposta paga ....
Jornaes ....
Impressos ....
Amostras ....

Manuscriptos e papeis commerciaes ....

Premio de registo - cada carta, bilhete postal ou maço alem do respectivo
porte ....
Avisos de recepção - cada um ....

As cartas não franqueadas ou insuffucientemente franqueadas ficam sujeitas, no paíz de destino, a um porte correspondente ao dobro do valor dos sellos que faltarem nas mesmas cartas, o qual será cobrado dos destinatarios.
Os jornaes, impressos, amostras, manuscriptos e papeis commerciaes insufficientemente franqueados ficam sujeitos, no paiz do destino, a um porte correspondente ao dobro do valor dos sellos que lhes faltarem, o qual será cobrado do destinatario.

Luiz de Soveral.
El Marques de la Vega de Armijo.

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TABELLA C

Portes a que ficam sujeitas as correspondencias permutadas, por via de Portugal, entre a Hespanha e as provincias ultramarinas portuguezas de Cabo Verde, Guiné, S. Thomé e Principe, Angola, Moçambique e India portugueza

[Ver Tabela na Imagem]

Classe das correspondencias
(1)

Condições de franquia
(2)

Limite de franquia
(3)

Escala do peso
(4)

Portes que devem ser cobrados nas provincias ultramarinas portuguesas acima indicadas pelas correspondencias destinadas a Hespanha
(5)

Portes que devem ser cobrados em Hespanha pelas correspondencias destinadas ás provincias ultramarinas portuguesas acima indicadas
(6)

Cartas ....
Bilhetes postaes simples ....
Bilhetes postaes de resposta paga ....
Jornaes ....
Impressos ....
Amostras ....

Manuscriptos e papeis commerciaes ....

Premio de registo - cada carta, bilhete postal ou maço alem do respectivo
porte ....
Avisos de recepção - ....

As cartas não franqueadas ou insuffucientemente franqueadas ficam sujeitas, no paíz de destino, a um porte correspondente ao dobro do valor dos sellos que faltarem nas mesmas cartas, o qual será cobrado dos destinatarios.
Os jornaes, impressos, amostras, manuscriptos e papeis commerciaes insufficientemente franqueados ficam sujeitos, no paiz do destino, a um porte correspondente ao dobro do valor dos sellos que lhes faltarem, o qual será cobrado do destinatario.

Luiz de Soveral.
El Marques de la Veja Armijo.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 2 de Abril de 1884. = Duarte Gustavo Nogueira Soares.

O sr. Mariano de Carvalho: - Este tratado vem muito serodio á camara, porque, tendo a data de 7 de maio de 1883, vamos approval-o, e eu approvo-o, em 9 de março de 1885.
Estipula-se no artigo 1.º, que haverá entre Portugal e Hespanha troca e permutação regular de correspondencias ordinarias, cartas, bilhetes postaes simples e com resposta paga, jornaes e outros impressos, amostras de fazendas, manuscriptos, papeis commerciaes, correspondencias registadas, cartas de officio e maços de serviço publico.
N'esta enumeração não se comprehendem as encommendas postaes, que podem vir a Ter um movimento muito importante, e eu peço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que, podendo, dê algumas informações á camara sobre os motivos d'esta exclusão; isto é; porque não foram incluidas n'esta convenção as encommendas postaes.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barboza du Bocage): - Respondo ao illustre deputado que na epocha, em que se fez a convenção que agora discutimos, a Hesoanha ainda não tinha adherido á união postal, e por isso aquelle paiz entendeu dever usar do seu direito para não admittir n'esta convenção o transporte de encommendas postaes.
É por este motivo que ellas não figuram no artigo 1.º que s. exa. leu.
Hoje, porém, que a Hespanha já adheriu á união postal, e tanto que tem os seus representantes no congresso actualmente reunido em Lisboa, desappareceu de certo o inconveniente notado pelo illustre deputado, porque aquelle paiz de certo há de acceitar todas as disposições adoptadas pela mesma união e por consequencia as que se referem ás encommendas postaes.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
o sr. Mariano de Carvalho: - Agradeço ao nobre ministro dos negocios estrangeiros as explicações que deu á camara.
Tinha-me constado extraofficialmente que a Hespanha, que tem os seus representantes no congresso, actualmente reunido em Lisboa, tinha adherido á união postal; e como julgo este facto muito favoravel para nós, por isso é que desejei ouvir de uma maneira official, na camara, a noticia de que aquelle paiz tinha adherido á união postal.
Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi o projecto lido na mesa e seguidamente approvado.
O sr. Presidente: - Vae ler-se agora, para entrar em discussão, o projecto de lei relativo á reorganisação das alfandegas.
Leu-se na mesa. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 19

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposta de lei n.º 15-B, em que o governo pede auctorisação para reorganisar a direcção e o conselho geral das alfandegas e os quadros da fiscalisação externa, sem augmento de despeza, e conforme as bases que fazem parte integrante da referida proposta; bem assim a aposentar, em condicções diversas d'aquellas que estabelece a legislação vigente, os actuaes empregados aduaneiros e fiscaes que se acham impossibilitados, a rever a legislação repressiva dos contrabandos e descaminhos de direitos, estabelecendo a pena de prisão para punir as reincidencias e delictos graves.
Estas auctorisações só terão vigor pelo espaço de um anno.
Está ainda incluida na presente proposta a aucorisação para concessão de persões a viuvas e filhos menores de

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guardas que pereçam em conflicto com contrabandistas, e a de ultimar as obras já planeadas e orçadas na alfandega de Lisboa.
O governo, na legislatura passada, em sessão de 1884, apresentou proposta identica, que tendo sido convertida no projecto de lei n.º 27 foi discutido e approvado, ficando pendente da approvação da camara dos dignos pares.
Se então era urgente e indispensavel para a reorganisação das contribuições indirectas que aquella medida tivesse sido convertida em lei, hoje sobe do ponto a necessidade da sua approvação, dependendo desse facto a regularisação de serviços muito importantes, e que, continuando no estado em que se acham, prejudicam os mais valiosos interesses do governo.
São de todo o ponto differentes as condições em que actualmente chegou a vossa commissão a proposta que temos a honra de apreciar, e facil se torna formar juizo seguro e cabal do modo por que o governo se utilisará das auctorisações pedidas.
Nas bases que fazem parte integrante da proposta, vem delineado todo o pensamento da reforma e exposto o modo por que diversos quadros e serviços deverão ficar organisados.
Demais, as referidas bases, tendo sido em grande parte modeladas segundo os pareceres da commissão especial a quem foi commettido o estudo dos melhoramentos necessários nos serviços aduaneiros, e estando publicados os referidos pareceres, e juntos aos documentos apresentados á camara pelo sr. ministro da fazenda, ahi se encontra com minuciosidade relatado tudo quanto é sufficiente para que se comprehenda o fim que o governo tem em vista e o modo como pretende proceder.
As auctorisações pedidas são restrictas, e não podiam ser o desenvolvimento do modo por que em especial devem ser regulamentados todos os serviços, desde a direcção geral das alfandegas até aos postos fiscaes, nem a fixação dos quadros de todo o pessoal, desde a administração superior até aos da fiscalisação terrestre e maritima. Documento deste tomo seria impróprio para a discussão parlamentar; as auctorisações têem as clausulas essenciaes, de não augmento de despeza, limitação de tempo e mostram claramente as bases sobre que se hão de realisar.
A actual organização dos serviços de que se trata não satisfaz ao commercio nas suas justas exigencias, não evita a importação fraudulenta que faz concorrencia ao commercio licito, afflige as industrias nacionaes e prejudica gravemente os interesses do thesouro publico.
Em vista d'estas considerações a commissão entende que deve ser concedida a auctorisação ao governo para no praso de um anno, e segundo as bases mencionadas, proceder á reforma da direcção geral das alfandegas e contribuições indirectas, conselho geral das alfandegas e serviços dependentes, e bem assim para a organisação dos quadros da fiscalisação interna e externa.
A reorganisação dos quadros e serviços das alfandegas e da fiscalisação não pode effectuar-se sem que seja substituido o pessoal em estado de completa inhabilidade para o serviço, por individuos validos e em circumstancias de bem desempenhar as funcções dos cargos respectivos.
Reformar empregados n'estas condições, nos termos da legislação vigente, quando não tivessem os requisitos exigidos, mais de trinta annos de serviço e mais de sessenta de idade, seria equivalente a reduzir á miseria funccionarios que bem serviram por vinte e mais annos.
Sendo certo que nos quadros das alfandegas de Lisboa e do Porto existem empregados nestas circumstancias, e que já n'essas casas fiscaes o quadro dos reformados é importante, quando o governo use da auctorisação pedida como convém, parte dos vencimentos dos empregados reformados pagos pelo cofre dos emolumentos do quadro activo d'essas repartições, produziria grande detrimento nos vencimentos dos empregados do quadro activo, e que não seria conveniente, e era de todo o ponto injusto.
Entende, portanto, a vossa commissão, de accordo com o governo, que a parte de emolumentos que competirá aos empregados reformados, em vista da auctorisação de que se trata, deverá ser mensalmente deduzida da somma que dos mesmos emolumentos cobrar o thesouro publico.
Assim com sacrificio de pequena monta e transitorio, deixarão de se dar os inconvenientes resultantes do cerceamento importante, nos vencimentos dos empregados das nossas primeiras alfandegas.
Tem por vezes acontecido, que os empregados fiscaes em lucta com os contrabandistas perecem, ficando as suas familias sem meios de subsistencia.
Neste caso parece justo á vossa commissão, que o estado garanta a subsistencia ás familias dos que morrem luctando em defeza dos interesses da nação, estando esta doutrina de completo accordo com as disposições actualmente estabelecidas para a reforma dos empregados que se inutilisam por desastre occorrido em serviço.
As vantagens e o estimulo para o zelo que resultarão da execução da proposta do governo nesta parte serão importantes.
A actual legislação, por que se regulam as penalidades applicadas aos descaminhadores de mercadorias, e inefficaz em muitos pontos. Não ha rasão que justifique a applicação de penalidades corporaes, só para o descaminho de tabaco, porque o estado, o commercio e as industrias são muitas vezes igualmente prejudicados com a introducção fraudulenta de outras mercadorias e generos.
O pensamento do governo, conforme foi declarado no seio da commissão, e que a pena de dois annos de prisão só teria applicação para punir as reincidencias e a de até um anno, as fraudes que pela sua natureza e circumstancias possam ser consideradas delictos graves.
Por estas rasões e por que o commercio instantemente tem reclamado a applicação de penalidades severas aos delinquentes, e a vossa commissão de parecer que deve ser concedida a auctorisação pedida para a revisão e aggravamento das penalidades estabelecidas no decreto n.º 6 de 7 de dezembro de 1804.
Finalmente entende a vossa commissão que é indispensavel a completa realização de todas as obras já começadas no actual edifficio da alfandega de Lisboa e terrenos adjacentes, do forma que o expediente d'aquella casa fiscal possa estabelecer-se com as devidas precauções fiscaes e os serviços da dependencia da referida alfandega se possam estabelecer por forma que cessem as irregularidades que toem dado aso ás constantes reclamações do legitimo commercio.
A vossa commissão, em vista das considerações expostas e de outras que a vossa illustração dispensa, pede a vossa approvação para o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É o governo auctorisado:

1.º A reorganisar a direcção geral das alfandegas, o conselho geral das alfandegas, os quadros e serviços internos aduaneiros, e os da fiscalisação externa, em harmonia com as bases que formam parte integrante desta lei, devendo respeitar os direitos adquiridos, e não podendo exceder nessa reorganização a despeza, que no orçamento geral do estado para o exercicio de 1885-1886 se acha descripta na parte correlativa do capitulo V, e no capitulo VI;
2.º A aposentar os actuaes empregados aduaneiros e fiscaes que se acharem impossibilitados de servir, concedendo dois terços do seu ordenado aos que tiverem vinte annos de serviço effectivo, e mais 2 1/2 por cento por anno, dahi até os trinta annos completos de serviço, sendo paga a parte dos emolumentos, nas aposentações dos empregados do quadro interno, pela somma que dos mesmos emolumentos cobra o estado;
3.º A conceder ás viuvas e filhos menores de treze an-

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mos, dos empregados da fiscalisação externa, que morrerem em consequencia de conflicto com os contrabandistas, pensões iguaes aos ordenados recebidos por esses empregados;
4.º A rever a legislação repressiva dos contrabandos e descaminhos de direitos, estabelecendo a pena de prisão até dois annos, que será applicada pelo poder judicial nos termos do processo em vigor;
5.º A prover á execução do plano geral das pbras e melhoramentos da alfandega de Lisboa, nos termos do decreto de 9 de outubro de 1884, podendo para isso alienar o edificio que po estado possue ao norte da rua do jardim do Tabaco.
§ único. A auctorisação conferida nos n.ºs 1.º, 2.º e 4.º d'este artigo só terá effeito durante um anno, a contar da data da publicação da presente lei, de cuja execução dará o governo conta ás côrtes.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Bases que formam parte integrante da presente lei

Administração geral das alfandegas e contribuições indirectas

- A direcção geral das alfandegas e contribuições indirectas é convertida n'uma administração geral, cujo chefe será de livre nomeação do governo, e excederá o seu logar por commissão, com o vencimento annual de 1:000$000 réis e parte correspondente na distribuição dos emolumentos aduaneiros.
- Se de futuro for nomeado administrador geral algum empregado superior dos quadros aduaneiros ou fiscaes, deixará vago o logar que haja exercido, a fim de ser ahi devidamente substituido; mas não perderá os direitos inherentes á sua categoria, voltando para o respectivo quadro quando se dê por finda a commissão de serviço superior.
- A administração geral das alfandegas e contribuições indirectas compor-se-há de quatro repartições, competindo á primeira, o expediente, distribuição de correspondencia, expedição de decretos, regulamentos e portarias, redacção de propostas de lei e relatorios, movimento do pesoal interno das alfandegas, contabilidade das receitas e despezas dos serviços aduaneiros e fiscaes, archivo e bibliotheca; á Segunda, os serviços da administração das alfandegas e do contencioso fiscal; á terceira, os serviços concercernentes aos impostos do real de agua, sal, pescado e quaesquer outras contribuições indirectas; á Quarta, o movimento do pessoal da fiscalização externa, terrestre e maritima, e o expediente da administração fiscal, inspecção e mais serviços correlativos; podendo, comtudo, o governo alterar a distribuição dos serviços pelas differentes repartiçoes, quando a experiencia o aconselhar.
- Para dirigir os trabalhos d'estas repartições poderão ser nomeados alguns funccionarios tirados dos quadros das alfandegas de 1.ª classe ou da fiscalisação externa, consoante a sua especial competencia, deixando vagos os logares que lhes pertenciam, onde serão devidamente substituidos, ficando-lhes, todavia, salvos os direitos inherentes ás suas respectivas categorias; a primeira repartição deverá ser dirigida por um chefe de serviço, que substituirá o administrador geral nos seus impedimentos.
- Os empregados que actualmente pertencem ao quadro da direcção geral das alfandegas poderão, em consequencia da reorganisação decretada na presente lei, transitar, na sua categoria, para outra direcção geral do ministerio da fazenda; e de futuro poderão os empregados, que não pertencerem ás alfandegas ou á fiscalisação externa, concorrer, por acesso, aos logares superiores das outras direcções geraes.

Conselho geral das alfandegas

- De entre o pessoal dependente da administração geral das alfandegas e contribuições indirectas só poderão Ter logar, por commissão, no conselho geral das alfandegas, os verificadores ou reverificadores que pertencerem á alfandega de Lisboa.
- O governo fixará o quadro do pessoal da secretaria do conselho geral das alfandegas, que, alem dos serviços de expediente, terá a seu cargo a elaboração da estatistica commercial aduaneira; d'este quadro só poderão fazer parte dois empregados technicos, verificadores ou reverificadores, um como secretario do conselho e outro para dirigir o serviço da estatistica e substituir o secretario nos seus impedimentos.
- Os verificadores ou reverificadores, que fizerem serviço effectivo na secretaria do conselho deixarão vagos os seus logares na alfandega, onde serão devidamente substituidos, conservando, todavia, os direitos inherentes á sua respectiva categoria; os demais verificadores ou reverificadores, que fizerem parte do conselho, não ficarão por isso dispensados do exercicio das suas funcções na alfandega de lisboa.

Serviço interno das alfandegas

- As alfandegas serão classificadas em quatro grupos, pertencendo ao primeiro as alfandegas de Lisboa, Porto e consumo; ao segundo as alfandegas das ilhas adjacentes; ao terceiro as lafandegas maritimas do continente do reino; e ao quarto as alfandegas da raia.
- Só serão conservadas na raia as alfandegas que estiverem junto ás estações terminus de caminhos de ferro em construcção ou exploração, e ainda a alfandega de Bragança; nos outros pontos da fraonteira, onde as conveniencias do serviço o reclamarem, estabelecer-se-hão postos fiscaes, com attribuições para despacho de determinadas mercadorias, ficando esses postos subordinados quanto á cobrança dos direitos á alfandega de raia que lhe for mais proxima.
- O governo procederá á revisão e fixação dos quadros do pessoal das differentes alfandegas, em harmonia com as exigencias do seu expediente.
- A direcção das alfandegas de Lisboa e Porto será confiada: ou a commissões compostas de empregados da respectiva alfandega, para esse fim designados pelo governo, ou a directores especiaes, que o governo nomeará, com as habilitações necessarias para o bom desempenho dos seus logares. N'este ultimo caso, funccionará junto ao director, e sob a sua presidencia, um conselho de direcção composto de funccionarios da propria alfandega, nomeados pelo governo; este conselho será ouvido sobre os assumptos mais importantes que á direcção da alfandega caiba resolver, e deliberará collectivamente nos casos em que a urgencia de uma decisão não permitta recorrer á admnistração geral, bem como sobre a interpretação e applicação das resoluções do conselho geral das alfandegas.
- A direcção das demis alfandegas será confiada a directores especiaes, da nomeação do governo.
- As direcções das differentes alfandegas serão todas consideradas como logares do quadro, comquanto exercidas por commissão; os empregados aduaneiros, que para ellas forem nomeadas, deixarão vagos os seus logares, para serem devidamente preenchidos, voltando, todavia, a exercer os serviços da cathegoria que lhes competir, quando finda a commissão.
- Os directores serão substituidos nos seus impedimentos por sub-direcores nomeados pelo governo de entre os empregados das respectivas alfandegas.
- Na revisão dos quadros do pessoal das alfandegas poderá o governo diminuir ou augmentar o numero dos empregados das diversas categorias já existentes e crear uma nova classe de terceiros verificadores.
- As condições de admissão e acesso aos logares superiores serão definitivamente fixadas pelo governo.

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SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1885 667

- Serão supprimidas as companhias dos trabalhos braçaes, conservando-se, todavia, o pessoal existente, com salarios fixos pagos pelo estado e regulados pela media dos tres ultimos annos, e com os direitos já adquiridos a pensões e reformas, revertendo em compensação, para os cofres publicos, os fundos das actuaes companhias.
- De futuro as direcções das differentes alfandegas contratario, pelos salarios correntes, os trabalhadores de que precisarem para o serviço.
- O governo regulara os serviços da carga, descarga e movimento de mercadorias, modificando as formalidades exigidas para o seu despacho e expediente, de forma a tornal-o mais rapido e seguro, e fixando as taxas que por esses actos se devam cobrar do commercio.
- Alem das syndicancias, a que sempre o governo poderá mandar proceder em qualquer alfandega, serão annualinente inspeccionadas, por funccionarios aduaneiros da escolha do governo, as alfandegas de 2.ª classe maritimas e de raia no continente e as das ilhas adjacentes.

Fiscalisaão externa

- O governo determinará a circumscripção das areas fiscaes, dividindo o continente do reino o ilhas adjacentes em circulos de inspecção, distcrictos fiscaes, secções e postos fiscaes; estes ultimos serão estabelecidos em numero sufficiente para a devida arrecadação dos impostos do real de agua e do sal, e para o despacho de mercadorias na fronteira...
- Os corpos da fiscalisação terrestre e maritima serão constituidos á similhança dos corpos militares, ficando dependentes do ministerio da fazenda quanto aos serviços fiscaes, e aos ministerios da guerra e da marinha quanto á manutenção da disciplina; para este effeito poderá o governo nomear um ou mais inspectores militares.
- Os guardas e empregados menores até chefes de posto serão considerados como praças de pret, alistando-se por oito annos, mas podendo conservar-se por mais tempo e tendo direito á reforma, com ordenado por inteiro, no fim de vinte annos de effectivo fiscal.
- A admissão aos logares de guarda será reservada para os militares que não tenham mais de trinta e cinco annos de idade e que possuam as necessárias condições de robustez e boa nota de serviço; na falta de militares que satisfaçam a essas condições, poderão ser admittidos individuos que não tenham mais de vinte e seis annos de idade, e que estejam isentos do militar, devendo, porém, fazer o tirocinio de recruta no corpo de exercito que lhes for designado.
- A promoção effectuar-se-ha por concurso e dentro do quadro, sem prejuizo do disposto na lei de 26 de junho de 1883, quanto aos officiaes inferiores, mas preferindo os que já estiverem no quadro e ahi houverem prestado bom serviço.
Sala da commissão, 4 de março de 1885. = José Dias Ferreira (vencido) = Frederico Arouca = Francisco A. Correia Barata = Manuel d'Assumpção = António José Lopes Navarro = Marçal Pacheco = Henrique de Barros Gomes (vencido) = Filippe de Carvalho = Adolpho Pimentel = Pedro Roberto Dias da Silva = António M. P. Carrilho = Augusto Poppe = Franco Castello Branco = Pedro Augusto de Carvalho = A. C. Ferreira de Mesquita = Moraes Carvalho = João Marcellino Arroyo = António de Sousa Pinto de Magalhães, relator.

Proposta de lei n.º 15-B

Artigo 1.º É o governo auctorisado:
1.º A reorganisar a direcção geral das alfandegas, o conselho geral das alfandegas, os quadros e serviços internos aduaneiros, e os da fiscalisação externa, em harmonia com as bases que formam parto integrante d'esta lei, devendo respeitar os direitos adquiridos, e não podendo exceder n'essa reorganisação a despeza, que no orçamento geral do estado para o exercicio de 1885-1886 se acha descripta na parte correlativa do capitulo v, e no capitulo vi;
2.º A aposentar os actuaes empregados aduaneiros e fiscaes que se acharem impossibilitados de servir, concedendo dois terços do seu ordenado aos que tiverem vinte annos de effectivo, e mais 2 1/2 por cento por anno, dahi até aos trinta annos completos de serviço;
3.º A conceder ás viuvas, e filhos menores de treze annos, dos empregados da fiscalisação externa que morrerem em consequência de conflicto com os contrabandistas, pensões iguaes aos ordenados recebidos por esses empregados;
4.º A rever a legislação repressiva dos contrabandos e descaminhos de direitos, estabelecendo a pena de prisão até dois annos, que será applicada pelo poder judicial nos termos do processo em vigor;
5.º A prover á execução do plano geral das obras e melhoramentos da alfandega de Lisboa, nos termos do decreto de 9 de outubro de 1884, podendo para isso alienar o edificio que o estado possue ao norte da rua do Jardim do Tabaco.
§ unico. A auctorisação conferida nos n.ºs 1.º, 2.º e 4.º d'este artigo só terá effeito durante um anno, - a contar da data da publicação da presente lei, de cuja execução dará o governo conta ás cortes.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negócios da fazenda, em 28 de fevereiro de 1885. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Bases que formam parte integrante da presente lei

Administração geral das alfandegas á contribuições indirectas

- A direcção geral das alfandegas e contribuições indirectas á convertida numa administração geral, cujo chefe será da livre nomeação do governo, e exercerá o seu logar por commissão, com o vencimento annual de 1:000$000 réis e parte correspondente na distribuição dos emolumentos aduaneiros.
- São resalvados os direitos adquiridos pelo actual director geral das alfandegas.
- Se de futuro for nomeado administrador geral algum empregado superior dos quadros aduaneiros ou fiscaes, deixará vago o logar que haja exercido, a fim de ser ahi devidamente substituido; mas não perderá os direitos inherentes á sua categoria, voltando para o respectivo quadro quando se dá por finda a commissão de serviço superior.
- A administração geral das alfandegas e contribuições indirectas compor-se-ha de quatro repartições, competindo á primeira o expediente, distribuição de correspondencia, expedição de decretos, regulamentos e portarias, redacção de propostas de lei e relatórios, movimento do pessoal das alfandegas, contabilidade das receitas e despezas dos serviços aduaneiros e fiscaes, archivo e bibliotheca; á segunda os serviços da administração das alfandegas e do contencioso fiscal; á terceira os serviços concernentes aos impostos do real de agua, sal, pescado e quaesquer outras contribuições indirectas; á quarta o movimento do pessoal da fiscalisação externa, terrestre e marítima, e o expediente da administração fiscal, inspecção e mais serviços correlativos; podendo, comtudo, o governo alterar a distribuição dos serviços pelas differentes repartições, quando a experiencia o aconselhar.
- Para dirigir os trabalhos destas repartições poderão ser nomeados alguns funccionarios tirados dos quadros das alfandegas de 1.ª classe ou da fiscalisação externa, consoante a sua especial competencia, deixando vagos os logares que lhes pertenciam, onde serão devidamente substituidos, ficando-lhes, todavia, salvos os direitos inherentes ás suas respectivas categorias; a primeira repartição deverá ser dirigida por um chefe de serviço que substituirá o administrador geral nos seus impedimentos,

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668 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

- Os empregados que actualmente pertencem ao quadro da direcção geral das alfandegas poderão, em consequencia da reorganisação decretada na presente lei, transitar, na sua categoria, para outra direcção geral do ministerio da fazenda; o de futuro poderão os empregados, que não pertencerem ás alfandegas ou á fiscalisação externa, concorrer, por accesso, aos logares superiores das outras direcções geraes.
- De entre o pessoal dependente da administração geral das alfandegas e contribuições indirectas s- poderão ter logar, por commissão, no conselho geral das alfandegas, os verificadores ou reverificadores que pertencerem á alfandega de Lisboa.
- O governo fixará o quadro do pessoal da secretaria do conselho geral das alfandegas, que, alem dos serviços de expediente, terá a seu cargo a elaboração da estatéstica commercial aduaneira; deste quadro só poderão fazer parte dois empregados technicos, verificadores ou reverificadores, um como secretario do conselho e outro para dirigir o serviço da estatistica e substituir o secretario nos seus impedimentos
- Os verificadores ou reverificadores, que fizerem serviço effectivo na secretaria do conselho, deixarão vagos os seus logares na alfandega, onde serão devidamente substituidos, conservando, todavia, os direitos inherentes á sua respectiva categoria; os demais verificadores ou reverificadores, que fizerem parte do conselho, não ficarão por isso dispensados do exercicio das suas funcções na alfandega de Lisboa.

Serviço interno das alfandegas

- As alfandegas serão classificadas em quatro grupos, pertencendo ao primeiro as alfandegas de Lisboa. Porto e consumo; ao segundo as alfandegas das ilhas adjacentes; ao terceiro as alfandegas maritimas do continente do reino; e ao quarto as alfandegas da raia.
- Só serão conservadas na raia as alfandegas que estiverem junto as estações terminus de caminhos de ferro em construcção ou exploração, e ainda a alfandega de Bragança; nos outros pontos da fronteira, onde as conveniencias do serviço o reclamarem, estabelecer-se-hão postos fiscaes, com attribuições para despacho de determinadas mercadorias, ficando esses postos subordinados quanto á cobrança dos direitos á alfandega de raia que lhes for mais proxima.
- O governo procederá á revisão e fixação dos quadros do pessoal das differentes alfandegas, em harmonia com as exigencias do seu expediente.
- A direcção das alfandegas de Lisboa e Porto será confiada: ou a commissões compostas de empregados da respectiva alfandega, para esse fim designados pelo governo, ou a directores especiaes, que o governo nomeará, com as habilitações necessarias para o bom desempenho dos seus logares. Neste ultimo caso, funccionará junto ao director, e sob a sua presidencia, um conselho de direcção
o composto de funccionarios da propria alfandega, nomeados pelo governo; este conselho será ouvido sobre os assumtos mais importantes que á direcção da alfandega caiba resolver, e deliberará collectivamente nos casos em que a urgenciade uma decisão não permitia recorrer á administração geral, bem como sobre a interpretação e applicação das resoluções do conselho geral das alfandegas.
- A direcção das demais alfandegas será confiada a directores especiaes, da nomeação do governo.
- As direcções das differentes alfandegas serão todas consideradas como logares de quadro, comquanto exercidas por cominissão; os empregados aduaneiros, que para ellas forem nomeados, deixaião vagos os seus logares, para serem devidamente preenchidos, voltando, todavia, a exercer os serviços da categoria que lhes competir, quando finda a commissão.
- Os directores serão substituidos nos seus impedimentos por sub-directores nomeados pelo governo de entre os empregados das respectivas alfandegas.
- Na revisão dos quadros do pessoal das alfandegas poderá o governo diminuir ou augmentar o numero dos empregados das diversas categorias já existentes e crear uma nova classe de terceiros verificadores.
- As condições de admissão e accesso aos logares superiores serão definitivamente fixadas pelo governo.
- Serão supprimidas as companhias dos trabalhos braçaes, conservando-se, todavia, o pessoal existente, com salários fixos pagos pelo estado e regulados pela media dos tres ultimos annos, e com os direitos já adquiridos a pensões e reformas, revertendo em compensação, para os cofres publicos, os fundos das actuaes companhias.
- De futuro as direcções das differentes alfandegas contratarão, pelos salários correntes, os trabalhadores de que precisarem para o serviço.
- O governo regulará os serviços da carga, descarga e movimento de mercadorias, modificando as formalidades exigidas para o seu despacho e expediente, de forma a tornal-o mais rápido e seguro, e fixando as taxas que por esses actos se devam cobrar do commercio.
- Alem das syndicancias, a que sempre o governo mandará proceder em qualquer alfandega, serão annualmente inspeccionadas, por funccionarios aduaneiros da escolha do governo, as alfandegas de 2.ª classe maritimas e de raia no continente e as das ilhas adjacentes.

Fiscalisação externa

- O governo determinará a circumscripção das areas fiscaes, dividindo o continente do reino e ilhas adjacentes em circulos de inspecção, districtos fiscaes e postos fiscaes; estes ultimos serão estabelecidos em numero sufficiente para a devida arrecadação dos impostos do real de agua e do sal, e para o despacho de mercadorias na fronteira.
- Os corpos da fiscalisação terrestre e maritima serão constituidos á similhança dos corpos militares, ficando dependentes do ministerio da fazenda quanto aos serviços fiscaes, e aos ministerios da guerra e da marinha quanto á manutenção da disciplina; para este effeito poderá o governo nomear um ou mais inspectores militares.
- Os guardas e empregados menores até chefes de posto serão considerados como praças de pret, alistando-se por oito annos, mas podendo conservar-se por mais tempo e tendo direito á reforma, com ordenado por inteiro, no fim de vinte annos de effectivo serviço fiscal.
- A admissão aos logares de guarda, será reservada para os militares que não tenham mais de trinta e cinco annos de idade e que possuam as necessárias condições de robustez e boa nota de serviço; na falta de militares que satisfaçam a essas condições, poderão ser admittidos individuos que não tenham mais de vinte e seis annos de idade, e que estejam isentos do serviço militar, devendo, porem, fazer o tirocinio de recruta no corpo de exercito que lhes for designado.
- A promoção effectuar se-ha por concurso e dentro do quadro, sem prejuizo do disposto na lei de 26 de junho de 1883, quanto aos officiaes inferiores, mas preferindo os que já estiverem no quadro e ahi houverem prestado bom serviço.
Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 28 de fevereiro de 1880. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade.
O sr. Carlos Lobo d'Avila: - A camara comprehende que preciso explicar os motivos que me levaram a pedir a palavra numa questão d'esta natureza. Não tenho, como a camara sabe, competencia especial para tratar este assumpto e não posso por isso abrigar a vaidosa pretensão de esclarecer a opinião dos meus collegas.

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SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1885 699

O meu intuito, porem, é unica e singelamente dizer á camara os motivos por que não posso conceder o meu voto ao projecto de lei que acaba do ser lido na mesa.
Eu sei que as questões desta natureza são aridas: são aridas para o orador que as trata o para os ouvintes que têem de assistir á sua discussão. Mas sei tambem que estas questões são as mais importantes, (Apoiados.) porque são as que mais interessam ao paiz, (Apoiados.) e as que devem ser tratadas com maior desenvolvimento e com mais serenidade nas assembleas parlamentares.
Mas se á difficil a qualquer orador conciliar a attenção do auditório ao ventilar uma questão desta indole, essa difficuldade aggrava-se muito em relação a mim, porque os que me escutam podem talvez n'este momento estar a applicar-se mentalmente o verso tolentino:

Não ajuda ao padre a cara.

Eu não tenho cara de financeiro. (Riso.) é verdade, e comprehendo a impressão que terá feito na camara o facto de eu pedir a palavra sobro este projecto, porque me recordo ainda da impressão que eu proprio senti no outro dia quando
ouvi o discurso financeiro, que aqui proferiu o meu talentoso e juvenil amigo o sr. Franco Castello Branco, que sinto não ver presente. S exa., que tem incontestavelmente uma intelligencia muito lúcida e muito distincta, podia ter
estudado a questão de fazenda, e sob o seu ponto de vista partidário, é claro, estar fallando muito bem. Mas eu olhava para a phisionomia do meu jovem collega, e tanto me bastava para não acreditar nas temerosas legiões de cifras com que s. exa. pretendia esmagar a opposição. (Risos).
Confesso á camara que não podia despreder-me da idéa fixa que me inspirava o contraste estranho e singular entre aquelle aspecto de mocidade e alegria e a profusão pavorosa de algarismos com que o moço orador sobrecarregava o seu discurso.
É muito possível, é até muito provável que um phenomeno análogo se esteja passando ni espírito dos que me ouvem, attenta a aridez e natureza especial da questão que vou tratar. Mas eu devo desde já tranquillisar a camara, declarando que não pretendo fazer um discurso ponderoso nem discutir detalhadamente a reforma das alfandegas, segundo as bases do projecto, entrando em largas considerações analyticas e assumindo as attitudes de um financeiro precoce. (Risos.)
Vou apenas expor em breves phrases os motivos do meu voto, no que julgo cumprir um dever.
A auctorisação que o sr. Ministro da fazenda pede este anno, e que constituie o projecto que está em discussão, é a renovação de uma auctorisação análoga por s. exa. pedida no anno passado. Mas ao contrario de todas as segundas edições, que, principalmente quando são revistas pelo auctor, costumam ser correctas e augmentadas, esta edição nova apparece-nos aggravada em todos os inconvenientes da primeira, e cerceada em todas as garantias. (Apoiados)
De modo que o sr. Ministro da fazenda, que se desculpava no anno passado com o pretexto de não ter tido tempo de estudar, por não apresentar a reforma completa, este anno, passados muitos mezes, surge-nos com um pedido de auctorisação ainda mais inacceitavel, em que são eliminadas todas as garantias que o outro continha.
O sr. Hintze Ribeiro, no anno passado, quando pedia esta auctorisação, allegava no seu relatorio, e allegava nos seus discursos, que sentia não apresentar uma reforma completa do serviço aduaneiro e fiscal, mas que o não fazia, porque occupava havia pouco tempo o cargo de ministro da fazenda, o se tinha tido já occasião de se compenetrar da necessidade inadiavel desta reforma, e de estudar os lineamentos geraes sobre que ella devia assentar, nem tinha tido tempo de consultar as pessoas competentes sobre o contexto geral da reforma, nem de formular essa reforma em todos os seus detalhes.
Era esta a desculpa que o sr. ministro da fazenda apresentava o anno passado, chegando num seu discurso, em resposta ao meu illustre amigo e collega, o sr. José Luciano de Castro, a dizer e seguinte:
"O illustre deputado, porem, que não tem confiança politica no gabinete, entendo não dever dar o seu voto a esta auctorisação; não o posso entranhar; o que desejo, porem, é que reconheça, que, se não apresentei desde logo as propostas competentes, foi porque, o tempo me faltou para isso, e foi mesmo pelo
de ouvir as pessoas que mais competentemente me podessem esclarecer n'um assumpto tão complexo e variado como este de que se trata; mas que não foi
nem podia ser movido pelo pensamento de furtar á fiscalisação parlametar as idéas e os princípios, que tenho sobre a reforma..."
Sr. presidente, francamente não comprehendo como o sr. Hintze Ribeiro, cujo talento muito considero e por cuja pessoa como particular eu tenho a mais sincera estima, não comprehendo como s. exa. tem a coragem, direi mesmo tem a audacia, depois de ter proferido estas palavras, de apresentar, ao cabo de um anno ao parlamento um projecto pedindo esta auctotisação, nos termos que se indicam no parecer que discutimos. (Muitos apoiados.)
Não comprehendo este proceder do sr. ministro, lamento-o, deploro-o e protesto energicamente contra elle. (Apoiados)
Sr. Presidente decorreu um anno, a commissão de individuos competentes, nomeada para estudar este assumpto, deu já o seu parecer, enviando ao sr. ministro um relatorio que tem a data de 10 de julho de 1834, e que todos podem ver nos documentos que aqui nos foram apresentados. Desde julho que o sr. ministro da fazenda podia meditar aquella informação e durante todo o interregno parlamentar devia estudar o assumpto, visto que é moda entre nós inventar ministros da fazenda que só começam a estudar depois de tomarem conta de uma pasta tão importante. (Risos.- Apoiados.)
Mas nada fez, nem consultou, nem meditou, nem estudou, e julgou mais commodo, mais simples e mais agradavel renovar, o pedido de auctorisação, cortando-lhe varias garantias que a opposição introduzira, e acrescentando-lhe apenas umas bases deficientes, illusorias e vagas, que não satisfazem, mas que nem sequer compensam as alterações com que peiorou a sua proposta em relação á do anno passado.
Não ha rasão nenhuma que justifique ou sequer atécnue a irregularidade de similhante procedimento, que importa menosprezo systematico dos principios do regimen parlamentar, porque significa o propósito acintoso de subtrair uma reforma d'esta importância ao exame do parlamento.(Apoiados.)
Eu bem sei que o sr. ministro da fazenda ha de buscar defender se com os precedentes.
E o sestro dos ministros regeneradores.
Mas neste caso nem sequer ha precedentes, porque, sendo certo que tem sido mais uma vez concedidas auctorisações d'esta espécie, nemhuma foi pedida em termos tão latos, como os d'esta, sem limitações no referente ao augmento da despeza, e, sobretudo, tendo decorrido um anno depois de um pedido análogo e quando o sr. ministro teve tempo de elaborar um projecto definitivo, o que de resto não seria muito complicado, porque bastava referir-se ao que é matéria legislativa, nos termos do artigo 72.º do decreto de 7 de Dezembro de 1864.
Sr. presidente, estas auctorisações que representam uma abdicação das prerogativas parlamentares em favor do governo, só raramente podem der concedidas pelo parlamento e, quando circumstancias graves e excepcionaes as tornarem de uma urgência inadiável. (Apoiados.)
Esta é a boa doutrina constitucional, a que se harmonisa com os princípios e com o decoro do poder legislativo.
Não sou eu só que o digo, mas vou citar em abono

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d'esta opinião uma auctoridade absolutamente insuspeita para o sr. ministro da fazenda e para o partido regenerador.
Sr. presidente, eu tenho aqui o parecer que a commissão de fazenda da camará dos dignos pares elaborou no anno passado, sobro o projecto de auctorisação, analogo ao que hoje estamos discutindo.
Este parecer está assignado por differentes cavalheiros, quasi todos do partido regenerador e um dos cavalheiros que o assignou foi o sr. António de Serpa, que tambem o redigiu.
Pois nesse parecer encontram-se as seguintes ponderações:
«É sempre grave delegar o poder legislativo as suas mais importantes funcções, e não o póde fazer porque o não deve (note bem a camará, não o póde fazer porque o não deve) senão em casos excepcionaes quando a urgencia das circumstancias o reclamem, e sempre dentro de limites certos e determinados, que circumscrevam o arbitrio ministerial á esphera de acção, em que elle póde ser proveitoso?
Aqui tem v. exa. e a camara a doutrina estabelecida pela commissão de fazenda da camara alta, sendo relator o sr. António de Serpa.
Só em casos excepcionaes, quando a urgencia das circumstancias o reclamem, e sempre dentro do limites certos e determinados á que o poder legislativo podo delegar desta forma as suas mais importantes funcções.
E em nome de que urgencia ha do o sr. ministro da fazenda, que durante o interregno parlamentar não achou tempo para estudar e redigir uma reforma, que já no anno passado reputava inadiavel, em nome de que urgencia ha de o sr. ministro da fazenda pedir ao signatários deste parecer que lhe votem este anno a insolita auctorisação que consta deste projecto? (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, não á este o unico conselho, não á esta a unica ponderação rasoavel, não é esta a unica censura branda ao procedimento do sr. ministro da fazenda, que eu encontro no parecer da commissão da camara dos pares. E accentuo este ponto, porque uma cousa que me magoou profundamente foi a leitura comparada, que fiz do parecer da camara dos pares e dos pareceres correlativos da camara dos deputados, e digo o, como costumo dizer tudo, sem a mais leve intenção de censurar seja quem for, e muito menos o illustre relator da nossa commissão.
Mas, sr. presidente, ao passo que no parecer da camara; dos pares se acha esta referencia á dignidade e as prerogativas parlamentares, nos pareceres redigidos pela commissão da camara electiva nem uma palavra encontramos que recorde sequer que esta camara não desconhece a importantissima abdicação dos seus direitos, que este projecto representa. (Apoiados.}
É triste este facto, sr. presidente, como lastimavel symptoma de decadencia do regimen parlamentar entre nós. Uma corporação, que não se mostra ciosa das suas mais valiosas prerogativas, dá um funesto indicio do seu estado moral. (Apoiados.)
É triste, sobretudo, que estes factos se passem numa camara constituinte, e que nós, que estamos investidos de poderes especiaes para reformar a camara dos dignos pares, estejamos todos os dias a receber d'ella lições de dignidade e de respeito aos principios. (Muitos apoiados.)
Não é só no ponto a que especialmente me referi que o parecer da commissão da camara dos dignos pares se assignal-a louvavelmente em confronto com o nosso parecer. E em muitos outros conselhos que dá ao governo, em muitos outros alvitres que lhe suggere, e que no decorrer da minha exposição terei ensejo de mencionar.
A nossa commissão, por sua parte, essa, achou bom tudo quanto o governo propoz, não teve nem uma palavra para mencionar ao menos na largueza da auctorisação pedida, não achou sequer uma observação, uma emenda a fazer...
Não digo bem: este anno a nossa commissão fez uma alteração na proposta do governo. Propunha o governo que os 2 1/2 por cento de emolumentos que se vão dar aos aposentados, fossem tirados dos emolumentos dos empregados aduaneiros 5 e a commissão, cujo relator é um distincto empregado da alfandega, entendeu que similhante disposição ia prejudicar aquelles fuuccionarios, e por isso vemos no projecto que a finai os emolumentos, que se vão dar aos aposentados, serão deduzidos da parte dos emolumentos que deviam reverter para o estado. Foi a unica modificação que a commissão entendeu dever fazer na proposta do governo.
O illustre relator da commissão que tem esta opinião, ha de ter fundamento attendivel para a sustentar. De certo não foi por interesse pessoal que a inseriu no projecto, porque não podia estar isso nas suas intenções, nem lhe attribuo similhante pensamento. Mas é de lastimar que a nossa commissão, tão benigna para com a extraordinária proposta do governo, não estendesse a sua benevolencia ás receitas publicas, (Riso.) e as vá desfalcar com mais este encargo, que não ha de ser pequeno?
Disse a v. exa. e á camara que o projecto que nos apparece este anno é mil vezes peior do que o do anno passado, e vou demonstral-o.
Sei que a primeira replica do sr. ministro da fazenda á naturalmente esta: que no anno passado apresentou a proposta sem bases e este anno apresentou-a com bases. As bases são muito defficientes e vagas, como já disse. Deixam ao arbitrio, á acção governativa, uma larga esphera, e, sobretudo, não compensam de forma alguma a eliminação de garantias utillissimas, que estavam no outro projecto e que não apparecem n'este.
Vou citar resumidamente á camara, porque não quero tomar-lhe muito tempo, algumas garantias que foram eliminadas neste projecto.
Um dos maiores encargos para o thesouro, que derivam desta medida, á o das aposentações.
Na proposta do anno passado dizia o governo que, para fazer face ás despezas d'estas aposentações, teria as sobras que se liquidassem nas verbas fixadas no orçamento geral do estado para as despezas dos quadros das alfandegas e da fiscalisação externa. Este anno já não ha sobras; e toda a enorme somma que se vae gastar com as aposentações em virtude desta reforma ha de ir aggravar o capitulo IX do orçamento, que é já respeitável. (Riso.) Por consequencia, a primeira cousa que não temos este anno no projecto, e que tinhamos no do anno passado, são as sobras, as famosas sobras, que sempre davam uma certa consolação no meio d'aquella aterradora perspectiva de augmentos de despeza.
Mas não é só este o ponto em que o projecto que estamos discutindo á peior do que o do anno passado. Ha ainda outros, que vou citar. E começo por um muito importante, sobre o qual vou mandar unia proposta para a mesa, e para que chamo a attenção do sr. ministro da fazenda.
O anno passado, quando se discutiu aqui este assumpto, o meu illustre correligionário e amigo, o sr. Mariano de Carvalho, fez um discurso muito notável, formulando, com a proficiencia que todos lhe reconhecem, em curta synthese, a critica do projecto, e apresentando urna proposta para que a classificação dos actuaes empregados, tanto da direcção geral como do serviço aduaneiro, e do serviço fiscal, para os effeitos de nova collocação nos quadros, promoção ou mudança de situação em virtude desta lei, fosse feita por uma commissão composta de cinco individuos, um dos quaes, o director geral das alfandegas, que seria o presidente dessa commissão. E o sr. ministro da fazenda acceitou a proposta, apesar de um membro da maioria, o sr. Carrilho, dizer naquella occasião á camara, que a não votava, porque a reputava indecorosa para o poder executivo. O sr. Hintze Ribeiro, porem, não concordou com o modo de ver do seu correligionário, não a reputou indecorosa, e

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SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1885 671

tanto que a acceitou e ella foi inserida no projecto que foi votado n'esta casa do parlamento, e d'essa forma o projecto passou para a camara dos dignos pares e obteve parecer favorável naquella camara.
Pergunto, porque é que s. exa. eliminou da sua proposta o paragrapho respectivo a esta commissão, que no anno passado tinha admittido? Não posso comprehender esta mudança. Eu faço inteira justiça ao caracter do sr. ministro da fazenda, e por isso não supponho, nem posso suppor outra cousa, senão que foi por motivos sérios e dignos que s. exa. accedeu no anno passado áquella proposta que emanara da opposição. Sendo assim, não comprehendo como s. exa., achando esta proposta rasoavel e boa no anno passado, a não inseriu no projecto deste anno, e por isso renovo essa proposta e a mando para a mesa. (Apoiados.)
Não posso prever a resposta do sr. ministro da fazenda, mas posso imaginar, pouco mais ou menos, a que elle desejaria dar-me. Em primeiro logar, teria s. exa. vontade de dizer que no anno passado vigorava o regimen do accordo e por causa d'elle acceitou cousas de que não gostava; póde ser verdade, mas não o pode s. exa. allegar, porque um ministro nunca deve acceitar imposições que contrariem aquillo que elle reputa justo e conveniente para o paiz. (Apoiados.)
Em segundo logar ao sr. ministro da fazenda ha de occorrer a desculpa de que no anno passado estivamos em vesperas de eleições, e tinha admittido a proposta para se não dizer que elle queria esta auctorisação para dar empregos antes das eleições, influindo assim no acto eleitoral. Mas tambem ha de ter acanhamento de formular esta desculpa, porque corresponde a lançar sobre si próprio um tabu desairoso, dando de barato que podiam ser fundamentadas suspeitas offensivas para a rectidão do seu caracter.
Não é em nome de motivos desta ordem que um ministro póde dignamente consentir que se insira um principio d'aquelles n'uma lei. As promoções e as mudanças nos quadros de quaesquer serviços devem fazer-se sempre em harmonia com as boas normas de administração, e com as conveniencias publicas. Esta é a regra geral, a que o sr. Hintze Ribeiro tinha de sujeitar-se no cumprimento do seu dever. E se apesar disso s. exa. admittiu que se consignasse na lei aquella disposição especial, é que havia um fundamento, digno para s. exa. e util para o paiz, que a justificava. Por isso eu renovo este anno a proposta do sr. Mariano de Carvalho, menos na parte referente á nomeação por concurso dos individuos estranhos aos quadros, porque o sr. ministro já providenciou sobre este ponto durante o interregno parlamentar.
Na parte que se refere ao custo das obras a fazer no edificio da alfandega de Lisboa, no anno passado o sr. ministro da fazenda limitava-se a pedir auctorisação para realisar essas obras, a fim de se melhorar aquelle edificio em harmonia com as necessidades do serviço e do commercio, e designando como receita destinada a fazer face a essa despeza o producto do capital e juros vencidos das cautelas de partes e deducções pertencentes á fazenda nacional, e das cautelas do donatários vitalacios que tiverem fallecido, as quaes estão em deposito na junta do credito publico, calculando aqui o sr. ministro n'um dos seus discursos que a importancia dessa receita devia montar a perto de 200:000$000 réis.
Uma das causas por que foi mais combatida a proposta do governo o anuo passado, foi por não se fixar o limite da despeza a fazer com as obras da alfandega. O sr. ministro da fazenda disse que não podia então fixar esse limite, porque não estava feito o orçamento, de que encarregara um distincto engenheiro, mas em todo o caso julgava poder fazer face a essa despeza com o producto do capital e juros d'aquelles titulos.
Ora actualmente não se dê o mesmo facto. A proposta do governo e o projecto que discutimos referem-se já ao decreto de 9 de outubro de 1884, em que appareceu o orçamento das obras a fazer na alfandega de Lisboa, e é providencia tomada, por s. exa. para que, pelo menos antes de votada esta auctorisação, a despeza com essas obras não fosse alem da receita que elle tinha destinado para lhes fazer face.
Mas o que vemos nós?
O anno passado o sr. D. José de Saldanha e outros oradores, queixavam-se de que fosse illimitada a verba destinada para as obras da alfandega, chamavam para isso a attenção do sr. ministro da fazenda, e temiam que essa verba avultasse demasiado.
O illustre relator da commissão, num discurso que tenho presente, respondia-lhes que não se assustassem, porque as obras eram insignificantes. Esta insignificencia vê-se bem qual é n'aquelle decreto em que se diz que o orçamento elaborado pelo engenheiro civil, sr. António Teixeira Judice, é de 284:788$700 réis.
O capital e juros dos titulos que estão na junta do credito publico, e que são destinados a fazer face áquellas obras, representam, segundo o mesmo decreto, a importancia de 169:167$813 réis.
Na verdade não sei como hão de ficar completas obras cujo orçamento excede em 115:620$887 réis áquella verba.
Quererá o sr. ministro que as obras fiquem incompletas para não gastar mais do que os 169:000$000 réis? Ou para as concluir aggravará o orçamento com mais réis
Bem sei que também é destinado para esse fim o producto da venda de uma casa na rua do Jardim do Tabaco, mas creio que apesar de tudo isso a differença ha de ser grande entre estas receitas e a despeza a fazer. Sobre este ponto desejava eu ouvir as explicações do sr. ministro da fazenda ou do sr. relator da commissão.
Alem disso, como já aqui foi ponderado o anno passado, e creio que foi demonstrado por pessoas competentes, quando se fizeram as obras no porto de Lisboa, será talvez de conveniencia mudar a alfandega para as proximidades das docas, e para local que fique mais perto da foz do rio.
E não virá talvez muito longe a approvação do projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa, porque já está na camara a respectiva proposta; e por ter saído dos conselhos da corôa o sr. Aguiar, não creio que o sr. Hintze Ribeiro, que foi um dos signatários d'essa proposta, a abandonasse. (Apoiados.)
Por consequencia, julgo que em breve entrará em discussão e será votado pelo parlamento o projecto relativo aos melhoramentos do porto de Lisboa, e estando próximo facto, e havendo aquellas opiniões, acho avultada a despeza que vamos fazer com umas obras para assim dizer provisórias, mormente para um paiz que se acha nas circumstancias financeiras em que infelizmente o nosso se encontra. (Apoiados.)
E aqui vem de novo a propósito referir-me ao parecer do sr. António de Serpa. Este cavalheiro, como político velho, conhecedor dos costumes da terra (Riso.) e sobretudo das praticas e tradicções do seu partido, parece que já estava a prover todos estes inconvenientes, quando escreveu no parecer citado:
A commissão espera que estas obras (as da alfandega de Lisboa), a que o governo deverá proceder quanto antes, hão de ser sómente as indispensáveis para o fim que se tem em vista, e que a este caso não serão muito dispendiosas, e feitas unicamente (note a camara o adverbio) dentro dos limites das sommas designadas no § 2.º, isto é, do capital e juros em deposito na junta do credito publico a que se dá no projecto esta applicação?
Já se vê que o sr. António de Serpa não queria obras despendiosas; queria que se gastasse unicamente a verba marcada no projecto, quando eu mostrei que esta verba não

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672 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

chega para fazer face ás despezas do orçamento que está decretado, nem mesmo com o tal barracão do jardim do Tabaco que este anno lhe acrescentaram.
Mas a respeito das receitas que estão calculadas para fazer face a esta despeza, devo dizer á camara que me tem surprehendido o systema porque o sr. ministro da fazenda arranja receitas. Propõe uma medida que traz uma certa despeza, e diz-nos o governo para fazer face á despeza vende uma cousa que o estado possue e com o producto dessa venda satisfaz este novo encargo. De modo que parece concluir-se que o estado não gasta nada é a applicação do systema financeiro dos fidalgos prodigios que nunca tinham deficit, porque vendiam todos os annos uma propriedade para pagar o excesso das suas despezas. (Riso.) O que acontecia é que, a breve trecho, não tinham que vender e ficavam a, pedir esmola. (Riso.)
E o que ha de succeder ao nosso paiz, se o sr. ministro da fazenda continuar a inventar destas receitas. (Riso. Apoiados.)
O sr. ministro da fazenda dizia ha dias num discurso que ou lhe ouvi na camara dos pares, que os encargos da nossa divida não excediam 50 por cento da nossa receita, e com um grande esforço de jogos malabares de cifras e um grande dispêndio de argumentos, que a s. exa. se lhe afiguraram muito ponderosos e a mim me pareceram excessivamente humorísticos, (Riso.) procurou provar que esses encargos pouco passavam de 49 1/2 por cento, e que era uma calumnia vil dizer que excediam 50 por cento. (Riso.) E s. exa. para demonstrar a sua asserção, come?ou a fazer os seus c?lculos; s. ex.ª calculou da seguinte maneira: o thesouro tem uma certa somma de títulos da divida publica em seu poder, que vencem juro, e portanto é preciso contar esses juros nas receitas. E assim o fez, não os contando na despeza, e obtendo um resultado maravilhoso.
O que me espanta é que tendo descoberto esta mina o sr. Hintze Ribeiro não resolvesse já o nosso problema fazendario. Bastava pedir licença ao parlamento para emittir por exemplo 20.000:000$000 réis de títulos de divida publica, conserval-os em posse da fazenda, contar os respectivos juros como receita, e assim, não me dar morte definitiva ao déficit, mas offerecer-nos até o famigerado saldo positivo, com que os gabinetes regeneradores ha tantos annos nos acenam. (Riso e apoiados.)
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - O illustre deputado de licença?
O Orador: - Com muito gosto.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Os juros dos títulos de divida consolidada na posse da fazenda descrevem-se na receita e na despeza, e por tanto não influem para um nem para outro lado, porque estão descriptos em ambos.
O Orador: Assim devia ser, bem sei. Mas na argumentação phrantasiosa do sr. ministro, que no outro dia ouvi na camara dos pares, assim não foi.
O projecto ainda diz outra cousa é que a despeza do pessoal effectivo da fiscalisação externa e de serviço aduaneiro ha de limitar-se ao que vem descripto na parte respectiva do capitulo V e no capitulo VI do orçamento.
Não posso acreditar isto, porque me parece impossivel de realisar. E sobre este ponto peço tambem explicações.
O quadro da direcção geral das alfandegas é evidentemente augmentado ... O sr. relator acena-me que não, mas então leio eu mal.
No orçamento vem o seguinte quadro para a direcção geral das alfandegas.
(Leu.)
E nas bases da proposta, que se discute, vejo o seguinte.
(Leu.)
Portanto na direcção das alfandegas criam-se duas novas repartições, com os respectivos chefes e empregados, o isto ha de fatalmente accarretar augmento de despeza.
Eu sei perfeitamente que ao director geral, por exemplo, é diminuido o ordenado e a gratificação, mas concedem-se-lhe emolumentos; isto é, tira-se menos com a mão esquerda do que se vae dar com a direita.
Eu não sei se se applicará o mesmo processo a todos os empregados, e neste caso peço explicações ao sr. ministro da fazenda ou ao sr. relator da commissão. Póde assim não augmentar a despeza, mas o cofre dos emolumentos vae soffrer um enorme desfalque, o que é tambem prejudicial.
Vou agora fazer reviver uma proposta feita pelo sr. Carrilho o anno passado. O sr. Carrilho não está presente para louvar o sr. ministro por ter afinal reconhecido que a proposta do sr. Marianno de Carvalho era indecorosa, e para lhe lembrar outra advertencia que lhe fez no anno passado. Em vista desta ausencia, que deploro, eu vou ressuscitar a proposta do sr. Carrilho.
No capitulo VI do orçamento vem consignada a verba destinada ao pessoal e a verba destinada ao material das alfandegas.
Eu não quero a auctorisação nos termos em que ella aqui está, porque o ministro póde applicar ao pessoal a verba do material e depois não termos material, ou termos que o comprar com outro dinheiro.
Por consequencia, renovo tambem a proposta do sr. Carrilho, que é a seguinte:
(Leu.)
Sr. presidente, vamos atravessar o Rubicon. (Riso.) O Rubicon desta proposta são os aposentados, os famosos aposentados que chegam a ser urna cousa phantastica neste paiz. (Riso.)
Sr. presidente, ouvi ha tempos uma historia muito engraçada, e peço licença á camara para lha contar sem a menor intenção de ferir pessoas que estimo. Perguntaram a uma creança o que desejava ser: se medico, se militar, se advogado, etc., e ella, com o desembaraço caracteristico dos enfants terribles, respondeu que queria ser sobrinho do sr. Fontes. (Riso.)
Pois eu acho que melhor do que ser sobrinho do sr. Fontes é ser aposentado, (Riso e apoiados.) desde que se tratam melhor os aposentados do que os que fazem serviço.
Mas o melhor do tudo 6 aposentar o sr. Fontes e o seu systema do governar, e o sr. Hintze Ribeiro, que é o mais dedicado de todos os seus imitadores. (Apoiados.)
O sr. Hintze Ribeiro dizia o anno passado que não podia fixar limites á despeza a fazer, em virtude d'esta lei, com os aposentados.
Ora, quando s. exa., que tem uma phantasia exuberante, segundo nos revela o estylo do seu relatório, não pode fixar os limites da despeza, vejam onde isto irá parar. (Apoiados.) O sr. ministro chega a ter medo de dizer o que isto ha de dar de si. E como panno de amostra bastam os seguintes elementos que vou expor á camara.
Diz o sr. ministro no seu relatório:
«Não tendo a minha proposta do lei obtido a sancção legislativa, em graves difficuldades me encontrei...»
Permitta-me a camara, entre parenthesis, uma observação.
O sr. ministro tem uma construcção grammatical arrevezada, (Riso.) tão arrevezada como as suas finanças: põe sempre o verbo no fim, á latina. S. exa. nunca diz: «é de esperar» diz sempre: «de esperar é». (Riso.)
Mas... prosigamos na leitura:
«Por um lado, a imminencia da invasão do cholera, impondo a necessidade de um rigoroso serviço de quarentenas o de vigilancia, obrigava o escasso pessoal valido, de que se podia dispor, a um pesado trabalho, que não raro deixava apenas seis horas de descanço por dia; por outro lado, oppondo-se a lei de 31 de março de 1879 a que se admittissem, como guardas, militares com mais de trinta annos, insufficiente se tornara o numero dos que nestas condições se apresentavam. Não podendo alterar o que na lei se achava escripto, e precisando instantemente de pro-

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SESSÃO DE 9 DE MARÇO DE 1885

videnciar sobre um estado de cousas que dia a dia se aggravava, ordenei, em 10 de setembro, que fossem provisoriamente separados dos quadros os guardas e empregados menores da fiscalisação externa, que, tendo mais de vinte annos de serviço, manifestamente o não podessem continuar a prestar, até que ulteriormente se resolvesse sobre a sua situação; e em vista das urgentes exigências do serviço fiscal e sanitário, mandei que tambem provisoriamente se admittissem para, os substituir, militares até á idade de trinta e cinco annos. E ao despacho, que assim lavrei, se tem dado cumprimento; rasão por que mais insisto na proposta de lei que a este assumpto se refere.»
Ora quer a camara saber?
Estes empregados que com mais de vinte annos de serviço foram aposentados, são apenas, como disse, o panno de amostra do augmento de despeza que ha de trazer este projecto.
Pois tenho aqui uma nota official em que se diz o seguinte:
«O pessoal retirado dos quadros por impossibilidade com mais do vinte annos de serviço, e julgado incapaz de todo o trabalho pelas juntas militares representa quanto ao numero da empregados e seus vencimentos annuaes:

1.º corpo 113 empregados .... 14:531$200
2.º « 89 « .... 12:704$800
3.º « 29 « .... 3:339$300
231 30:575$300

E note v. exa. e a camara que neste quadro não se conta a despeza feita com o quarto corpo, que está nos Açores.
Esta nota tem a data de 12 de fevereiro o está assignada pelo sr. Costa Gomes.
É authentica e insuspeita.
Quer dizer, se por causa da tal famosa ordem de 10 de setembro, temos 231 aposentados, custando ao estado mais de 30:000$000 réis!!
Isto, uma simples ordemsinha por causa das quarentenas, já custou mais estes 30 contos e tanto alem do mais que está para liquidar.
Repito, portanto, isto é o panno de amostra.
Votada esta auctorisação iremos muitos mais longe. (Apoiados.)
É por isso que digo ao sr. ministro da fazenda com toda a franqueza, que n'este paiz e conheço melhor do que ser sobrinho do sr. Fontes, o sor aposentado. (Riso e apoiados.)
É-me licito suppor, que o sr. ministro da fazenda assim como na proposta que apresentou, não variou senão para peior, naturalmente tambem nas respostas, que nos der não deixará do fazer o mesmo: ha de dar as respostas do anno passado devidamente avariadas; não porque s. exa. não tenha talento o conhecimentos para muito mais, mas porque em Portugal ha o costumo de argumentar sempre com os precedentes.
Tratando das differentes auctorisações pedidas para reformar os serviços aduaneiros, a primeira que vae citar é com certeza a do 1884.
É claro que v. exa. e a camara comprehendera que o meu dever, ao votar contra esta proposta, a justificar os motivos por que a rejeito, e nos motivos porque não votei contra aquellas que foram aqui apresentadas, quando eu ainda não sonhava era ser deputado; mas parece-me, pelo exame rápido que fiz desta auctorisação de 1864, e da reforma realisada em virtude d'ella; que não tem comparação alguma com a actual.
Sei perfeitamente que não se adoptara ainda então o systema moderno, que o sr. ministro da fazenda mais do que ninguem tem cultivado, desde a celebre reforma da engenharia até esta, o systema das bases, é um meio ardiloso de parecer que se dão muitas informações e muitos dados ao parlamento, e de ficar completamente desembaraçado, o arbitrio governamental. A reforma de 1884 não teve bases, mas tinha duas vantagens muitissimo importantes a primeira era o limite no augmento da despeza; a segunda a prohibição de auguentar as penalidades. O ministro não pedia augmentar a despeza com a reforma que lhe auctorisavam, em mais de 40:000$000 réis.
E o sr. Pinto de Magalhães o anuo passado disse aqui que aquella reforma tinha custado mais de 40:000$000 réis.
O sr. Pinto de Magalhães: - Apoiado.
O Orador: - Mas não o demonstrou, e o sr. ministro da fazenda d'aquella epocha no relatorio da reforma diz que não excedeu a verba auctorisada de 40:000$000 réis.
N'aquella reforma ha um artigo que diz o seguinte:
«Artigo 72.º Nas disposições que regulam o pessoal das alfandegas e o serviço d'ellas é unicamente considerado matéria legislativa:
«1.º A taxa dos direitos de entrada, de saída e de consumo, bem como a dos emolumentos;
«2.º O quadro dos empregados e a fixação dos seus vencimentos, salvas as faculdades de que o governo fica investido, segundo as disposições d'este decreto.
«Tudo o mais póde ser constituido ou alterado por actos do poder executivo».
Este artigo mais aggrava a deploravel situação do sr. ministro vindo aqui pedir esta auctorisação, quando a lei, que tão largo espaço deixa ao arbitrio ministerial, reserva estes direitos ao parlamento.
A reforma de 1864, em relação á epocha em que foi feita, foi excellente. Dizem-no as pessoas imparciaes e competentes, e o sr. Pinto de Magalhães, que já então era empregado da alfandega, sabe perfeitamente as graves irregularidades que havia n'aquelle momento no serviço aduaneiro, e que levaram o ministro da fazenda de 1864 a pedir a referida auctorisação, e a proceder com a energia que todos lhe louvaram. (Apoiados.)
Sr. presidente, ha aqui uma questão muito grave, que eu não pretendo tratar amplamente, mas que é para mim a questão capital, neste assumpto, capital não só porque a minha rasão assim mo sugere, mas porque a isso me levam grandes auctoridades. Sem se fazer uma reforma racional das nossas pautas, remodelando-as em harmonia com as pautas hespanholas, todas as reformas fiscaes serão incompletas e infrutiferas. (Apoiados.)
Disse isto aqui o anno passado o sr. Mariano de Carvalho, cuja auctoridade ninguem contesta; confirmou-o o sr. ministro da fazenda em um discurso que hei de ler á camara, e ainda mais o accentnou no seu parecer, o sr. António de Serpa. Pois o sr. ministro da fazenda, ao cabo de um anno, não teve tempo de apresentar uma reforma tendente a simplificar essa pauta, e a satisfazer uma tão urgente necessidade publica! (Apoiados.)
Se s. exa. quizesse a serio melhorar o rendimento do estado e o serviço de fiscalisação aduaneira, devia apresentar essa reforma, que é o complemento essencial d'esta.
Não desejo nunca fazer uso de conversações particulares; porém ainda agora pedi licença ao sr. relator da commissão, com quem conversei, para citar um mappa que s. exa. me mostrou, e no qual se vê que a maior parte dos géneros que saem por exportação das alfandegas hespanholas, não entram como importação nas alfandegas portuguezas. Perdem se no caminho. (Riso.) Este traço é eloquentissimo.
Por occasião de se discutir aqui na sessão passada o projecto de que nos occupâmos n'este momento, dizia o sr. Mariano de Carvalho:
«A meu ver o contrabando em Portugal depende de duas causas; a configuração do paiz na sua raia secca, e a differença entre as pautas portuguesas e as hespanholas.
«É certo que não podemos alterar a topographia do paiz, mas podemos por as pautas das alfandegas numa situação

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que as colloque em harmonia com as pautas hespanholas, sem prejuizo da industria nacional. Emquanto não procedermos assim, todas as reformas das nossas alfandegas serão baldadas para cortar o contrabando.?
O sr ministro da fazenda respondia nestes termos:
«O illustre deputado levantou-se para fazer a simples declaração de que não acreditava na efficacia das providencias que se encontram indicadas no projecto em discussão, e de que, no seu modo de ver, o remedio efficaz seria a creação de artigos na nossa pauta, de accordo com as pautas hespanholas.
«Estou até certo ponto de accordo com o illustre deputado, porque também é minha convicção que, feitas algumas modificações nas nossas pautas, possão produzir um beneficio importante para a nossa receita; mas ao mesmmo tempo parece-me que, para se conseguir o resultado do problema, torna-se preciso modificar o systema da fiscalisação e é para isso que eu peço a auctorisação».
O sr. ministro da fazenda pedia uma auctorisação, mas concordava na necessidade da reforma da pauta, para completar esta serie de medidas, e apesar d'isso não a trouxe este anno aqui. É inacreditável! (Apoiados.)
Sem querer ser desagradável a s. exa., devo dizer-lhe que, applicar o interregno parlamentar a peiorar os termos de um pedido de auctorisação e a estudar os classicos para escrever relatorios campanudos, parece-me um trabalho infructifero para o paiz, e que está abaixo dos merecimentos do illustre ministro.
O que dizia o sr. António de Serpa no seu relatorio, referindo-se á questão das pautas? Dizia o seguinte:
«A commissão não póde deixar de lembrar, nesta occasião, ao governo, que os effeitos das reformas que pretende fazer nos serviços aduaneiros, em virtude da presente auctorisação, serão em parte inefficazes, e em todo o caso incompletos, sem a reforma da nossa pauta geral das alfandegas.
«Não nos referimos agora, principalmente, á alteração das taxas, e aos effeitos economicos e financeiros d'essas alterações, ponto em que as opiniões de escola e as que são filhas de interesses reaes ou suppostos se dividem.
«Referimo-nos á classificação e coordenação dos artigos, que é entre nós tão complicada em si, sendo aggravada essa complicação pelas differentes leis parciaes que a tem alterado, mais ainda pelas interpretações ás vezes contradictorias, e nem sempre sensatas, que se lhe tem dado, nas regiões officiaes, que sem a sua completa reforma e simplificação não podem produzir todo o effeito as reformas que o governo muito louvavelmente se propõe fazer no que diz respeito ao rápido expediente das alfandegas.»
Creio que o illustre ministro da fazenda não renega esta auctoridade, nem a averba de suspeita.
Pois o sr. Serpa dizia ao governo, encarando a questão por outro lado, tambem muito importante, que era sobretudo conveniente simplificar a pauta portugueza, já de si muito complicada, e ainda mais erriçada de resoluções e portarias posteriores, que a tornam quasi incomprehensivel. (Apoiados.)
Ainda ha pouco o sr. Pinto de Magalhães me mostrou a pauta hespanhola, que é um livrito que se póde trazer no bolso da sobrecasaca, ao passo que a pauta portugueza forma uns poucos de volumes que se a pau e corda podem ser transportados. (Hilaridade.)
Este facto, apparentemente insignificante, do volume, é importante como revelação do modo por que entre nós se attende ás commodidades e aos usos da vida pratica.
Sr. presidente, eu tambem gosto dos clássicos.
E n'elles que se aprende a boa linguagem. Mas, pediria ao illustre ministro da fazenda que deixasse o padre Manuel Bernardes e que cuidasse das pautas. (Riso.) Seria mais util, ainda que menos litterario.
Sr. presidente, auctorisações d'esta natureza são sempre votos de confiança politica.
Bastava esta circumstancia para eu não votar esta auctorisação.
Eu não tenho confiança política no governo; e, se não tenho confiança política no governo, declaro a v. exa. com toda a franqueza que ainda menos confiança tenho, se é possivel, na sua gerencia financeira. (Apoiados.)
E direi mais; direi, sem querer de modo algum melindrar o sr. Hintze Ribeiro, que não tenho confiança alguma na energia de s. exa. para por no são os serviços da fiscalisação e em geral os serviços aduaneiros. (Apoiados.)
Sem querer levantar questões irritantes, direi que não sei onde para o processo relativo aos empregados aduaneiros que foram apanhados em crime de fraude num concurso que ficou celebre. (Apoiados.)
Não sei explicar a rasão por que, tendo-se dado um alcance no cofre da fiscalisação externa, nenhum empregado é devidamente processado, tendo-se limitado o sr. ministro da fazenda, creio eu, a transferir uns e a dermittir outros culpados, segundo o valimento e as protecções de cada um. (Apoiados.)
Não sei que princípios de justiça predominam no animo do sr. ministro da fazenda quando procede desta maneira, (Apoiados.) mas sei que não são os meus, nem aquelles era que confio.
Constituem uma verdadeira vergonha para o nosso paiz os espectaculos que se têem dado nos serviços da fiscalisação e nos serviços aduaneiros.
Ainda agora anda ahi a cidade toda commovida com a narração feita pelos jornaes de um crime verdadeiramente rocambolesco, de que foi protogonista um malvado, o qual, protegido pelos regeneradores, occupava um cargo importante nos corpos da fiscalisação.
Isto é uma vergonha para o nosso paiz. (Apoiados.)
Um estrangeiro, que entenda a nossa língua, e leia os nossos jornaes, ha de espantar-se por ver que um funccionario, o qual não se póde dizer que commetteu um erro, num momento de allucinação, porque tinha atraz de si uma vida cheia de manchas e de crimes, occupava um logar d'aquella categoria. (Apoiados.)
Repito, não tenho confiança política no governo, nem na sua administração financeira, nem na energia e no espirito de justiça do sr. Hintze Ribeiro.
O sr. Hintze Ribeiro não póde estudar a reforma das alfandegas; não teve tempo para ouvir os conselhos dos competentes; não soube, emfim, trazer aqui uma reforma completa, como devia, em harmonia com os princípios do regimen parlamentar. S. exa. tambem não quiz estudar a reforma das pautas, cuja necessidade impreterivel lhe estavam impondo as circumstancias e lhe apontaram no anno passado os seus próprios amigos.
Numa palavra, não teve tempo para fazer cousa alguma util e valiosa, não teve tempo senão para apresentar aqui a respeito do sêllo uma proposta, que é uma verdadeira monstruosidade, e este pedido do auctorisação, que é um verdadeiro attentado. (Apoiados.)
Alem disso o sr. ministro da fazenda apresentou aqui um relatório, que eu li attentamente. E declaro á puridade que, se achei n'elle o aroma fradesco das phrases antiquadas, se percebi que o sr. ministro manuseara assiduamente o diccionario, e relera cuidadosamente o seu Filynto, para o redigir, (Riso) não me foi dado vislumbrar e nem um indicio da poderosa e rasgada iniciativa, que caracterisa os verdadeiros estadistas. (Apoiados.)
Não encontrei nada senão palavras obsoletas, phrases arrebicadas, estylo archaico, e como isso me parece pouco em face de um déficit de oito mil e tantos contos, e da perspectiva de uma divida fluctuante, que no fim do anno economico ha de chegar a 10.000:000$000 réis, não posso ter confiança no sr. ministro da fazenda. Decididamente Portugal não encontrou o seu Magliani no sr. Hintze Ribeiro (Apoiados), tanto que me atrevo a terminar fazendo um prognostico: o sr. ministro da fazenda citou latim este

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anno no seu relatório, mas ha de ver-se grego para sair airosamente da situação em que se encontra. (Riso.) (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)
Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

1.ª Proponho que o § unico seja convertido em § 1.º, addicionando-se ao projecto o seguinte:
§ 2.º A classificação dos actuaes empregados da direcção geral, do serviço geral, do serviço interno e da fiscalisação externa para os effeitos da nova collocação nos quadros, promoção ou mudança de situação, em virtude das disposições da reforma auctorisada por esta lei ser feita por uma commissão nomeada pelo governo e composta de cinco membros, incluindo o director geral das alfandegas que será o presidente. = O deputado, Carlos Lobo d'Avila.
Foi admittida, ficando em discussão com o projecto.

2.ª Proponho que no final do n.º 1.º do artigo 1.º se acrescente: "na parte relativa ao pessoal aduaneiro". = Carlos Lobo d'Avila.

oi admittida, ficando em discussão com o projecto.

O sr. Pereira Leite (por parte da commissão de verificação de poderes): - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes que julga legal o diploma do sr. João Antonio Franco Frazão, eleito deputado pelo circulo de Idanha a Nova.
Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer dispensar o regimento para este parecer entrar desde já em discussão.
Assim se resolveu. É o seguinte:

PARECER

Senhores. - Achando-se já approvada a eleição pelo circulo n.º 64 (Idanha a Nova) e sendo apresentado á vossa commissão o diploma do deputado eleito por aquelle circulo, o cidadão João Antonio Franco Frazão, e que se acha nos termos legaes, é de parecer que o mesmo cidadão seja proclamado deputado.
Sala da commissão, 9 de março de 1885. = Luiz de Lencastre = Frederico Arouca = Moraes Carvalho Pereira Leite.
Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.

O sr. Presidente: - Proclamo deputado o sr. João Antonio Franco Frazão.
O sr. Pinto de Magalhães (relator): - Sr. presidente, o illustre deputado que acabou de fallar começou pedindo desculpa á camara pelo muito que ella havia de soffrer ouvindo-o numa questão financeira, por isso que realmente as questões d'esta natureza pouca curiosidade offerecem e dispertam.
Comtudo s. exa., com o seu notavel talento, teve a habilidade de amenisar o assumpto de que se trata, tornando-o agradavel, dispondo bem todos os que o ouviram, sendo só para sentir que a doutrina que sustentou não foi sempre a mais orthodoxa.
Vou diligenciar responder ao illustre e talentoso orador, na parte do seu discurso que se referia ao projecto em discussão; não poderei prender a attenção da camara como s. exa. , porque para tal não possuo sufficientes dotes, a discussão continuará por agora árida, e destituída do interesse que infelizmente costumam dispertar as questões financeiras.
Sobre a questão politica, ao illustre orador que me procedeu, e a todos os que a propósito d'este assumpto, nada responderei, tratarei só de defender o projecto na parte em que for atacado; defendel'o-ía com igual enthusiasmo, qualquer que fosse a situação que estivesse ali sentada, tal é a crença em que eu estou de que a approvação do projecto, que está em discussão, é de grande utilidade para o paiz.
Se é verdade que bem interpreta a opinião publica quem desejar boa administração, prestar-lhe-ha homenagem e bom serviço quem approvar este projecto de lei, de que depende a boa administração dos impostos indirectos e a sua fiel arrecadação.
Em primeiro logar disse o illustre orador, a quem tenho a honra de responder, este projecto é uma edição, não correcta, do antigo projecto, antes, pelo contrario, cerceada.
Não me parece que fosse s. exa. justo n'essa asserção; este projecto em nada se parece com o que no anno passado foi presente á camara.
Na antiga proposta, o governo não declarava em que bases ia reformar, esta vae acompanhada de desenvolvidas bases, que farão parte integrante da lei, o assim restringem muito a auctorisação concedida.
Foram as bases a que me refiro tratadas com desfavor, pois n'essas vem definido completamente o pensamento do governo, a respeito de todos os serviços que vae remodelar.
Ainda mais; o sr. ministro da fazenda, como valioso esclarecimento para esta discussão, publicou no seu relatorio de fazenda o parecer da commissão especial nomeada para estudar, quanto convinha fazer, e sobre o parecer d'essa commissão foram organisadas as bases que vem publicadas no seu relatorio.
Que mais desejavam os illustres deputados que fazem opposição a este projecto?
Querem que venha á camara o regulamento por que devem dirigir-se todos os serviços a cargo da fiscalisação interna e externa, e que deve regular todos os serviços de fiscalisação e arrecadação dos impostos indirectos?
Era impossivel discutir no parlamento propostas com tal desenvolvimento: em parte alguma se discutem; e teria gravissimos inconvenientes se assim se procedesse.
Disse mais o sr. Avila, referindo-se ao pedido de auctorisação: "sempre que se pede uma auctorisação, vem a questão dos precedentes?"; e parecendo não querer discu-til-os, referiu-se logo á reforma de 1864, que analysou.
Eu, para discutir esta auctorisação, tinha tenção de não fallar das reformas de 1864 e de 1869; mas já que s. exa. se referiu á de 1864, devo dizer que ha grande differença entre o documento que estamos hoje discutindo e a auctorisação para a reforma de 1864.
Na auctorisação para a reforma de 1864 dizia posta de lei:
"Sendo de reconhecida necessidade a reforma das nossas alfandegas, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei."
Seguia-se a proposta.
Mais vago e lato do que isto não conheço, e bem differente é a proposta agora apresentada á consideração do parlamento.
Na discussão, em que entraram alguns deputados de grande illustração, a todos o sr. ministro respondeu com o seguinte:
"A camara não quererá que se deixe de satisfazer a esta impreterivel e urgente necessidade de serviço publico, corrigindo abusos e vicios que tinham existido e já estavão inveterados, e adoptando as necessidades que os meios de communicação crearam, a fim de que o commercio não encontre entorpecimentos e a fazenda publica tenha as devidas garantias, etc."
Agora o actual sr. ministro da fazenda com muito mais rasão, pede a auctorisação que estamos discutindo, auctorisação restricta sem augmento de despeza, e definindo o pensamento porque se deve dirigir, e que póde ser discutido, e justamente avaliado pela camara. A differença é incontestável.

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Continuarei no emtanto respondendo aos argumentos contra o projecto.
Disse o illustre orador, a quem respondo, que enviava para a mesa uma proposta igual a outra que o sr. Mariano de Carvalho apresentara o anno passado por occasião da discussão, porque o projecto era tão omisso que nem trazia a doutrina então acceite pelo sr. ministro, e a que se referia a tal proposta, a do pessoal ser nomeado por effeito de concursos, a que presidisse o director geral das alfandegas.
Por parte da commissão declaro que não posso acceitar a proposta enviada para a mesa, não pelo fundamento apresentado pelo orador, de que não seria acceite agora, visto ter cessado o accordo que existia, quando ella foi admittida, mas porque cessou para ella toda a opportunidade.
Tal proposta foi apresentada pelo sr. Mariano para coarctar, por assim dizer, o arbitrio que podesse haver na nomeação dos empregados, em vista da auctorisação então pedida.
Mas cessou o perigo prevenido então, e foi tudo resolvido muito sensatamente sem necessidade de accordo.
O governo decretou, ha pouco, que os logares das alfandegas se possam ser providos em individuos bem classificados em concursos por provas publicas realisadas perante o conselho geral das alfandegas, presidido pelo director geral das mesmas; nesse decreto se especificou as habilitações que os candidatos devem possuir, e se preceituam as regras que deverão determinar todo o processo a seguir, por forma que o arbitrio do ministro nas promoções e nomeações futuras ficou cerceado.
Parece-me portanto que não ha necessidade de acautelar o que já foi prevenido.
Tambem o sr. Lobo d'Avila renovou a proposta do sr. Carrilho, enviada para a mesa na sessão passada por occasião da discussão do anterior projecto de auctorisação, e por parte da commissão declaro igualmente que não acceito tal proposta, que, referindo-se aos capítulos 5.º e 6.º, pertendia que a auctorisação se referisse se a não excesso de despeza na parte do pessoal, e se separasse a parte que se refere ao material.
Não podia acceitar o governo tal proposta, porque convem que ad libitum e conforme precise, disponha das verbas que se referem ao material e ao pessoal. Depois, não sendo excedida a despeza, que importa, cresça a verba do material decrescendo a do pessoal, ou vice-versa.
O sr. ministro na proposta que apresentou á camara declara não haver augmento de despeza, é quanto basta e entendo que não é necessária a proposta, agora enviada para a mesa, do descriminarem absoluto o que e material e pessoal.
Disse ainda o illustre orador que se havia apresentado agora outra novidade no projecto, não sei se devida ao relator, e era que a verba dos aposentados das alfandegas de 1.ª classe passaria a ser deduzida da somma dos emolumentos que cobrar o thesouro publico.
O sr. Lobo d'Avila: - Eu não disse que era devida a s. exa., mas que era da commissão.
O Orador: - De accordo; mas eu tenho a responsabilidade do parecer. S. exa., como é próprio da sua delicadeza, resalvou o meu caracter.
Apesar da minha posição official, fora desta casa, eu acceito toda a responsabilidade da alteração feita nesta parte á proposta, para mim o que importa é o convencimento de que é justo o que se propoz.
È justíssimo o principio de que se trata, como vou expor á camara.
Em virtude da lei referendada pelo sr. Barros Gomes, dos emolumentos dos empregados das alfandegas marítimas de 1.ª classe, Lisboa e Porto, são hoje deduzidos 50 por cento para as receitas do estado, dos 50 por cento restantes ainda se deduz a decima industrial e todas as despezas do expediente.
O sr. ministro da fazenda, no n.º 2.º do artigo 1.º do projecto, pede auctorisação para aposentar empregados que não tiverem attingido a idade dos sessenta annos, e que não tiverem trinta annos de serviço, mas que estejam pelo seu mau estado de saúde e inhabilidade prejudicando o serviço. Haverá assim aposentados nas alfandegas de que se trata.
É certo, que aposentando-se certo numero de empregados das alfandegas de Lisboa e Porto, numero que creio não será insignificante, e saindo da verba dos emolumentos a dos aposentados em virtude da auctorisação concedida, a dedução repentina dessa quantia dos emolumentos que competem ao quadro activo irá produzir tal perturbação nos vencimentos dos empregados dessas casas fiscaes, que isso seria de todo o ponto injusto e altamente inconveniente.
Posto isto, entendeu se que fosse paga a parte dos emolumentos que coubesse aos reformados, em virtude da auctorisação pedida, dos 50 por cento que se tirassem para o estado; mas esta medida tem caracter provisório o transitório, porque na mesma auctorisação se diz que será por um anno e só para os que actualmente se aposentarem.
E para que se veja a importancia subida que tem, a verba dos emolumentos dos empregados aposentados, apresento como esclarecimento a importancia ao presente deduzida para vencimentos a reformados, só pelo que diz respeito á alfandega de Lisboa.
No anno de 1880 e 1881 a verba para aposentados era de 1:860$000 réis, em 1882 de 1:981$240 réis, em 1883 2:106$670 réis e finalmente, em 1884 5:046$390 réis.
Daqui se deduz quanto seria imprudente avolumar esta verba, reduzindo os vencimentos do quadro activo, e a peque na importancia que para o thesouro terá o alvitre proposto, sendo só a sua responsabilidade para as reformas effectuadas em virtude da auctorisação pedida.
As obras da alfandega ficam prejudicadas com as projectadas do porto de Lisboa, disse ainda o orador a quem respondo; devo informar que o projecto definitivo para as obras que se estão realisando foi ajunta consultiva de obras publicas, e de todas as obras a realisar em nada prejudicam as que de futuro seja necessário effectuar para os melhoramentos do porto de Lisboa, antes, pelo contrario, todas têem aproveitamento, e foram tratados debaixo desse ponto de vista.
Citou s. ex.a, que não tinha chegado a verba que havia para a realisação das obras, e não sabia donde sairia o que falta. Na tabella da receita extraordinária estão designados e incluídos 115:000$000 réis para a conclusão d'estas obras; tratando-se de realisar melhoramentos, de que depende toda a conveniente e regular organisação dos serviços e expediente do despacho da nossa primeira casa fiscal, serviço que actualmente se realisa em más condições e muito morosamente, com grande prejuízo do commercio, entendo que vale bem a pena, ainda que com algum sacrifício, realisar obras completas e accommodativas ás actuaes necessidades do commercio. (Apoiados.)
Basta avaliar o movimento dos despachos realisados num período não muito longo, para se formar juízo de quanto tem crescido o movimento e serviço na nossa primeira alfandega.
Os despachos que ainda ha dez annos, em 1874, eram realisados por 57:651 bilhetes de despacho, em 1884 chegaram a 128:027!
As condições actuaes do nosso commercio de importação, que se faz a retalho, tem feito crescer o serviço aduaneiro por forma, que se torna muito difficil, se não impraticavel, continuar a realisal-o, a não ser melhorado todo o processo errado, e sem as obras delineadas não se póde tal fim conseguir.
E impossivel fazer-se o serviço conservadas as actuaes

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acommodações do edifficio que, pela sua má disposição, se não presta aos melhoramentos que convém introduzir.
O sr. Barros Gomes nomeou em tempo uma commissão especial encarregada de reformar o expediente da alfandega, e nada se levou a effeito, apesar da sua boa vontade e desejo.
Por ultimo tocou o sr. Lobo d'Avila n'uma questão realmente importante, em que eu concordo era parte com s. exa.; na urgencia de se reformar a pauta.
Essa urgencia é antiga. Já quando o governo, que eu tenho hoje a honra de defender, deixou o poder em 1879, legou ao sr. Barros Gomes uma proposta completa de reforma de pautas.
S. exa., não por falta de vontade, mas por circumstancias occasionaes, por se pretender renovar a convenção commercial com a França, ou talvez ainda por outras rasões, não pode apresentar ao parlamento essa proposta, e iguaes motivos se tem dado provavelmente até ao presente, não servindo já o projecto de 1879, para a reforma se poder effectuar actualmente, como conviria.
Realmente, pretender que de um anno para outro o ministro apresente uma proposta desta ordem, e que a traga na occasião em que estamos a discutir assumptos tão importantes, como os que vão occupar a nossa attenção, parece-me que é exigir muito, e que não ha motivo para censurar o sr. ministro.
Mas devo dizer á camara, respondendo ás ideas apresentadas a este respeito pelo sr. Lobo d'Avila, que é impossivel, em qualquer reforma da nossa pauta a fazer, approximarmo-nos sequer das pautas hespanholas.
Como havemos de reduzir o direito do tecido de lã a 780 réis, que é o maior direito que existe em Hespanha para taes tecidos, quando a media que existe para esses mesmos tecidos entre nós é de 1$500 a 2$000 réis?
Se vimos as industrias julgarem-se arruinadas, quando não houve perda para algum, e só benefficio para o paiz, quando foi discutido o tratado de commercio com a França, porque na pauta B eram reduzidos alguns direitos, se foi necessário, mau grado meu. fazer um tratado addicionar e elevar os direitos ao fio de lã, penteado, que ainda hoje se não fabrica no nosso paiz, e que com a sua introducção com taxa médica beneficiaria a industria, o que seria se nos quizessemos approximar do regimen da pauta hespanhola, diminuindo os direitos! (Apoiados.)
Eu não quero agora estar aqui a dizer quaes as differenças do direito que existem entre as pautas portugueza e hespanhola, citarei só alguns artigos:

[Ver Tabela na Imagem]

Os tecidos de seda, pagam ....
A louça de porcelana ....
A louça de barro ....
Obra de malha de algodão ....

É possivel reduzir a nossa pauta a estes limites? Não. Seria a ruina das industrias nacionaes e a das receitas do thesouro. Ir gradualmente é possivel.
Os direitos fiscaes, desejava que fossem diminuidos; mas o augmento da receita a esperar dessa medida não se fará sentir logo: é necessário que o desenvolvimento do consumo pela procura do o augmento; n'estes assumptos convem proceder com a máxima cautella, principalmente num paiz que vive quasi exclusivamente dos impostos indirectos. (Apoiados.)
Depois dizia o sr. Mariano de Carvalho o anno passado que para resolver a questão fiscal seria bom que nos aproximassemos dos direitos estabelecidos em Hespanha porque senão; nos não vamos livres do contrabando.
Mas de Hespanha não se introduzem só em Portugal os artigos que ella importa, e que em vista da differença dos direitos de importação nos dois paizes se prestam ao commercio illicito; segundo dados que tenho presentes, só de tecidos de lã, entraram de Hespanha para Portugal desviados aos direitos 30:123 killogrammas, no valor de 113:000$000 réis. Taes tecidos são de fabricação hespanhola, mas feita ou não a reforma da nossa pauta, continuarão a entrar.
Acresce ainda a difficuldade que muitos productos da industria do reino visinho não se distinguem dos nossos, e torna-se por isso muito difiicil o reconhecimento da sua origem.
A reforma de 1864 foi em muitas cousas proveitosa, mas em compensação acabou com outras que eram de toda a utilidade, entre as quaes figura a da sellagem nos tecidos, na ausência da qual não pode haver uma verdadeira fiscalisação, entramos no dominio do arbitrio pelo que diz respeito á introducção de tecidos, appareceu a necessidade amiudada do varejo, que eu abomino, não ha meio de reconhecer a nacionalidade dos tecidos, depois de entrarem as fronteiras.
As nossas lãs são de identica natureza que as empregadas em Hespanha, e os processos são quasi os mesmos; os technicos muitas vezes se enganam e declaram de industria nacional o que a industria hespanhola, preferem isso a commetterem violencias.
Eis um dos inconvenientes da reforma de 1864.
Quanto a alfandegas, póde-se dizer que no paiz tem havido s? duas reformas: a de 1834 feita por Mousinho da Silveira, e a de 1864; tudo o mais têem sido meros expedientes, medidas de occasião, que mais têem confundido do que produzido beneficios.
É por isso que é necessário fazer uma remodelação completa, de alto a baixo, e consoante as actuaes necessidades. (Apoiados.)
O sr. Lobo d'Avila: - Porque não fez o sr. ministro essa reforma? Está a defender uma cousa que ninguem atacou.
O Orador: - Pelo que diz respeito ao sêllo, está restabelecido, mas como eu infelizmente, segundo vejo, hei de ter occasião de fallar mais vezes n'esta questão, por agora parece-me ter dito o sufficiente para responder ás reflexões que fez o illustre deputado, e mais tarde se isso for necessário responderei mais largamente.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Barros Gomes: - V. exa. e a camara sabem que assignei vencido o parecer da commissão; nem eu podia proceder de outra forma. (Apoiados.)
Eu entendo que os parlamentos, como disse o jovem orador, que tão amenamente encetou o debate, não devem reduzir-se a uma simples chancella para dar aos ministros auctorisações, embora pedidas com o intento de melhorar os serviços e de bem merecer da causa publica, (Apoiados.) mas que podem apesar d'isso ser origem de gastar do dinheiro do povo largas sommas, cuja importancia nem sequer podemos prever e calcular. (Muitos apoiados.)
E tanto isto póde ser verdade, na hypothese presente, que ainda ha pouco o sr. relator no seu discurso, em que nos fez mais de uma revelação importante, não sendo a menos curiosa, de entre ellas, a que diz respeito á differença entre as importações officiaes em Portugal de fazendas de Hespanha e os algarismos que indicam as exportações das alfandegas d'aquelle paiz para, o nosso, differença que accusa um colossal contrabando, o sr. relator, como ia dizendo, entre as considerações que apresentou á camará na defeza do projecto em discussão, não duvidou asseverar que seria muito avultado o numero de empregados que teriam de ser aposentados em virtude desta auctorisação nas alfandegas de Lisboa e Porto.
Pois o nobre ministro não saberá, porventura, no fim de um anno, qual é o numero d'estes empregados inhabilitados para o serviço activo? (Apoiados.)
Serão tambem necessários para isto largos estudos, variadas combinações e profundas locubrações económicas? (Apoiados.)

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Porque não vem s. exa. declarar ? camara qual o numero de empregados que hão de ser aposentados?
Para que nos obriga a dar-lhe uma auctorisação d'esta natureza que não póde ser votada por um parlamento, sem que este mostre poucos escrúpulos com respeito ao dispendio do dinheiro do contribuinte?
Com similhante dispêndio não concordo eu. (Apoiados.) Não sei, ou não quero referir-me, aos precedentes que possa ter havido a tal respeito; os meus conheço os bem.
V. exa. sabe, que, quando tratei de reformar os serviços alfandegarias, e sou o primeiro a reconhecer que é indispensável reformal-os para que possam satisfazer ao fim a que são destinados, e porque entendo que das alfandegas é que dimanam as nossas mais importantes receitas que vão diariamente crescendo, eu vim á camara e apresentei uma proposta, consignando n'ella franca e claramente quaes os quadros em que devia contar-se o pessoal aduaneiro. (Apoiados.) Não vim por minha parte solicitar uma auctorisação.
E assim pensei sempre; mais tarde, quando tratei de realisar a reforma das repartições de fazenda districtaes e municipaes, tive igualmente o cuidado de fixar os quadros do pessoal para assim habilitar a camara a apreciar, com inteiro conhecimento de causa, os encargos que podiam resultar para o thesouro das providencias que eu propunha.
Hoje procede-se de outra forma. E é tanto mais notavel, n'este ramo especial do serviço publico, um pedido de auctorisação, quanto é certo que pela organisação dada em 1864 as alfandegas ficava ao arbitrio do ministro da fazenda quasi tudo que diz respeito ao serviço fiscal.
Muitas vezes tive occasião, por minha parte, de me impressionar, quando ministro, pelas faculdades quási illimitadas que por aquella legislação me eram concedidas.
Eu podia, e podem-o todos os ministros, está claro, dispor do pessoal e das verbas, segundo o que a minha e sua consciencia nos dieta, ou segundo o que os conselhos das pessoas que temos de attender nos indicam como sendo o melhor caminho para assegurar a efficacia do serviço, e o bom resultado fiscal.
Um ponto, porem, tinha resalvado aquella organisação, ponto que reputava capital, era o que dizia respeito aos quadros e ao pessoal; pois essa unica faculdade que ali era resalvada para o poder legislativo, é exactamente aquella que n'esta reforma se nos vem cercear. (Apoiados.)
Segundo a legislação vigente era esse ponto o unico que não cabia nas attribuições do executivo em materia de organisação aduaneira, pois é essa justamente a attribuição de que hoje querem privar o parlamento.
Contra isto é que protesta o meu procedimento e os meus precedentes como ministro da fazenda, que fui. (Apoiados.}
Não podia, portanto, deixar de assignar este projecto vencido. (Apoiados.)
Formularei mais tarde algumas das objecções que tenho contra as suas disposições, alem d'esta que é capital; no entretanto, consinta v. exa., visto que estou com a palavra, que sem apreciar na integra o systema financeiro do sr. ministro respectivo, nem analysar a situação da fazenda com um certo desenvolvimento, o que não poderei deixar de verificar mais tarde n'esta casa, eu apresente comtudo, desde já, umas certas reflexões geraes que me suggere a discussão d'este projecto, primeiro de entre os que s. exa. apresentou este anno á camara, acompanhando o seu relatório de fazenda.
Não venho para aqui neste momento exaltar, e ficar-me-ha muito mal se o fizesse, o pensamento financeiro da administração de que tive a honra de fazer parte; bom ou mau, esse pensamento está julgado pelos poderes competentes e pela opinião publica. Parte d'elle naufragou, reconheço esse naufrágio.
Quero crer que houve rasões muito fundadas, que justifiquem os acontecimentos; inclino-me perante os factos, e, resalvando a minha opinião, sinto-me bem com a minha consciencia e tanto basta para me satisfazer. (Apoiados.) Mas bom ou mau, o meu pensamento pretendia ser um systema. (Muitos apoiados.)
Encontrei-me na situação de ter de crear immediatamente receita com que fizesse face a um deficit, não se nas despezas extraordinárias como nas ordinárias, de uns poucos de milhares de contos.
N'estas condições, tive em verdade de recorrer a expedientes extremos, muitos dos quaes eu mesmo era o primeiro a condemnar em principio, porque, com certeza, se não tossem as condições extraordinárias em que n'aquella occasião se encontravam as finanças do nosso paiz, eu nunca poderia ter visto com bons olhos o imposto que lancei sobre o carvão, nem iria sobrecarregar um género colonial orno o café, já bastante onerado, com mais uma elevação de direito, nem emfim lançaria mão de muitas outras providencias que apresentei e que teria posto de banda se, como disse, a força das circumstancias a isso me não tivesse obrigado.
Mas, sr. presidente, preciso tambem tornar saliente que, se lancei mão de taes expedientes, procurei a par disso pensar no futuro. (Apoiados.)
Entendi que das contribuições directas devia e podia tirar se, com mais igualdade no sacrificio que se pede a todos os contribuintes, uma receita muito maior, e lancei as bases de uma reforma da contribuição predial, que ha de se for cumprida á risca, dar avultada receita ao paiz e contribuir principalmente para que se organisem as finanças municipaes e districtaes, sem a boa ordem das quaes o problema financeiro se torna de impossivel resolução. (Apoiados.)
Isto por um lado; não deixei comtudo de pensar tambem na questão das pautas, a que ha pouco se referiu o sr. relator da commissão. Em resposta a s. exa. apresentarei mais uma vez perante a camara as rasões por que não pude levar por diante e desde logo a reforma das pautas.
É verdade que encontrei adiantado, ou quasi concluido, um trabalho para organisar o qual o meu antecessor, o sr. António de Serpa, tinha nomeado uma commissão de homens aliás muito competentes, que chegaram mesmo a proceder a um inquérito industrial, o qual os habilitou a formular, até certo ponto com conhecimento de causa, as bases de uma reforma pauta.
E incontestável que o trabalho dessa commissão introduzia um melhoramento sensivel na nossa legislação fiscal. A pauta que se propunha importava, porém, uma diminuição de receita calculada em 400:000$000 réis.
O illustre relator da commissão não póde ignorar este facto. Sabe que elle imperava tanto no animo do ministro da fazenda dessa epocha, e dos cavalheiros que compunham a commissão, que nasceu dahi o pensarem em elevar os direitos sobre o tabaco as proporções a que mais tarde subiram, para compensarem d'esse modo o desfalque consideravel que se esperava nas receitas publicas.
Ora, sr. presidente, quando eu entrei para o governo, pude reconhecer, que de todos os trabalhos devidos á illustrada commissão e ao ministro que a presidia, este cavalheiro tinha aproveitado unica e exclusivamente a elevação dos direitos sobre o tabaco, pondo de lado a pauta; e annullando assim inteiramente a compensação ao prejuizo dos 400:000$000 réis que se antevia como diminuição nos rendimentos aduaneiros.
Similhante compensação estava, pois, de antemão aproveitada, e servira, pela esperança de uma elevação da receita, não só como meio valioso de attenuar apparentemente o déficit confessado no relatório do sr. ministro da fazenda de então, mas ainda como instrumento muito real e positivo de determinar uma avultadissima antecipação do despacho, a qual ajudou o governo a viver até á data em que não póde

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deixar de succumbir perante as difficuldades do problema financeiro.
Ora, eis ahi tem v. exa. e a camara uma das rasões por que não pude aproveitar os trabalhos d'essa commissão. A outra, a que por seu lado s. exa. se referiu, era a proximidade das negociações que iam encetar-se para a renovação do tratado com a França.
Se não pude realisal-a, preoccupou-me sempre a necessidade de reformar a nossa pauta. Nunca imaginei possivel, é certo, que desde já nos pudessemos pôr a par da legislação espanhola n'este particular.
A Hespanha ganhou muito com a legislação de 1869: mas uma grande revolução, uma profunda alteração politica que houve n'aquelle paiz e que tornaram possivel a dictadura que um energico e illustrado ministro o sr. Figuerola aproveitou para levar por diante aquella reforma.
Mais tarde, debaixo do ponto de vista fiscal, a Hespanha colheu grandes resultados d'essa providencia, mas a não serem as circumstancias anormaes, em que foi promulgada, a Hespanha estaria hoje muito longe dos direitos aduaneiros que ali imperam.
Entre nós, em 1879, uma reforma similhante teria sido impossível, e absolutamente impraticável.
Mas olhando para o futuro, já que as estreitezas de momento não consentiam proceder de outra forma, julguei que ao menos seria conveniente lançar as bases de uma contribuição geral que, depois de acceita pelo paiz, podesse servir mais tarde, quando a fazenda publica estivesse regularisada, ou, pelo menos, em situação menos difficil do que aquella em que se encontrava, como base de largas reducçães muito particularmente n'esses direitos fiscaes a que o illustre deputado ha pouco alludiu, e entre os quaes eu mencionava especialmente um, que constitue um direito pesadissimo onerando um genero destinado ao consumo do pobre, o bacalhau.
Eu não suppunha que teria de fallar hoje sobre este projecto, aliás teria trazido á camara os dados necessarios para demonstrar qual tem sido, nos ultimos annos, a importação d'esse genero, recordo-me, porém, que o direito que o onera tem produzido:

Em 1881.... 674:000$000
Em 1882.... 660:000$000
Em 1883.... 582:000$000
Em 1884... 603:000$000

Devendo notar-se que esse direito é de 33 1/2 réis por kilogramma, e que o valor official do genero importado não chega em alguns casos a 70 réis por kilogramma, representando assim o direito uns 50 por cento ad valorem, não fallando na taxa complementar de 2 por cento que o vem sobrecarregar.
Não digo por minha parte que o valor officialmente declarado não esteja baixo, quero crer que o está e bastante, mas quando o direito não seja de 50, mas sim de 40 ou mesmo de 30 por cento, nem por isso deixa de ser onerosissimo.
Pergunto se de um unico elemento da alimentação do pobre se póde assim extorquir sem gravame para cima de 600:000$000 réis? Isto não é grave? Isto não faz pensar? (Apoiados.)
Por minha parte estou perfeitamente de accordo com o illustre deputado o sr. Fuschini nas consideraçães que fez ha poucos dias n'esta casa, no sentido de que o peso dos impostos indirectos sobre a população de Lisboa é enorme, e quasi não tem parallelo com o que onera qualquer das outras cidades da Europa.
Não digo isto, no momento em que conheço quanto é grave a situação financeira, para vir aqui lisongear paises ou suscitar esperanças.
Imagino que não poderão attribuir-me um similhante intento.
Ainda ha poucos dias, e o sr. ministro da fazenda pôde apresentar testemunho d'isso, eu dei uma prova bem clara de que não sou dos que procuram lisongear as massas com a perspectiva de esperanças que ellas não podem de prompto realisar.
Por consequencia creio bem demonstrado que não venho aqui levantar paixões.
Venho simplesmente, e posso fazel-o, dizer: reflecti, senhores, que o sangue do povo de que estamos assim dispondo.
Quando sobre os generos de primeira necessidade recaem direitos n'esta proporção, é necessario ser cauteloso nas despezas, (Apoiados.) É necessario não vir apresentar pedidos de auctorisações parlamentares, sem definir bem o que essas auctorisações importam com respeito ao dispendio dos dinheiros do povo. (Apoiados.)
Creio ter dito o sufficiente para demonstrar até que ponto me preoccupava uma futura reforma das pautas, e uma larga reducção nos direitos fiscaes.
Mas não se limitara o plano financeiro do governo de que fiz parte a lançar as bases de uma profunda transforção da contribuição predial, e com a creação do
imposto de rendimento a dispor o terreno para essa futura reforma pautal.
Um outro ponto havia que eu tinha em mira muito particularmente.
Consistia elle em introduzir a ordem na contabilidade publica, em acabar de vez a prestigiditação exercida por meio dos algarismos, para que não jogassemos com os números, vós e nós, de ambos os lados da camara, todos emfim, na imprensa e no parlamento, e para que, por tal forma se realisasse o desideratum de habilitar a opinião publica a saber a verdade, a conhecer as responsabilidades e a destrinçar quem administrava com economia, não para constituir com esse facto um titulo de gloria, porque não basta para ganhal-a o simples cumprimento de um dever, mas para que cada um tivesse a consciencia de que podiam ser patentes para todos os esforços seguros e verdadeiros feitos com o fim de zelar a applicação dos dinheiros publicos. C Apoiados.)
Esse era o roeu empenho, n'elle puz toda a minha diligencia.
E felizmente n'essa parte o meu pensamento foi salvo.
A lei de contabilidade publica já permitte hoje que todos possam fazer idéa exacta de qual é a situação da fazenda nacional; e tanto assim é que no relatorio que o sr. ministro da fazenda trouxe á camara este anno já s. exa. não avançou, nem podia avançar, certas proposições que formulara no relatorio do anno passado, proposições que não combati, porque não tinha então um logar n'esta casa, mas contra as quaes protesto, porque, pela maneira como foram apresentadas, e com isto não attribuo quaesquer intenções reservadas ao sr. Hintze Ribeiro, podiam deduzir-se da leitura cUaquelle documento consequ?ncias que realmente não representavam a apreciação rigorosa dos factos.
Mas caido o gabinete progressista, o que aconteceu posteriormente?
Veiu gerir a pasta da fazenda um homem que todos aqui respeitam e consideram como um dos nossos primeiros estadistas, um cavalheiro que concentra em si toda a auctoridade de um distincto e experiente homem d'estado.
Esse cavalheiro veiu á camara por essa occasião e declarou terminantemente que estava na intenção inabalavel de acabar por uma vez com o deficit.
Declarou s. exa. então, por mais de uma vez, que o desequilíbrio orçamental ou terminava completamente, ou não acabava nunca, que era necessario sacrificar ao pensamento da sua total extincção todas e quaesquer consideraçães de outra ordem; que todos os expedientes de governo, que todos os actos ministeriaes e do parlamento, se deviam subordinar escrupulosamente a essa idéa.
Queria o sr. Fontes vincular o seu nome a esse facto;

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era, para assim dizer, o testamento político que desejava fazer perante o paiz, e com que queria terminar a sua larga carreira publica.
A insistancia com que s. exa. asseverava estes seus intuitos, traduzia-se nos adverbios que lhe saeam em tropel dos bicos da penna com que traçava o seu relatorio. O inabalavelmente, o irrevogavelmente, o infallivelmente viam-se passo a passo, linha a linha n'esse seu trabalho.
Não apresento, dizia s. exa., um systema completo de reforma tributaria, porque estou ha pouco tempo gerindo a pasta da fazenda e entendo que é necessário accudir immediatamente á situação do thesouro e acabar de vez com o cancro do déficit.
Para conseguir esse resultado, aqui estão estes expedientes.

ão constituem um systema, acrescentava s. exa. não se apoiam em principios scientificos, nem se explicam á luz das theorias, mas têem a grande vantagem de serem productivos e de nivelarem finalmente os nossos orçamentos.
É certo que dentre esses expedientes um houve que foi productivo. O addicional de 6 por cento sobre todas as contribuições geraes do estado não podia deixar de render, e rendeu effectivamente, só por si, quantia superior a réis 900:000$000.
Mas os outros?
Onde estão os 490:000$000 réis que se esperavam do imposto do sal?
Onde estão os centos e centos de contos de réis que se esperavam da aguardente?
Fez-lhes o melancólico commentario, entoo-lhes o de profundis solemne, o sr. Hintze Ribeiro no seu relatório de 1883! (Riso, apoiados.)
Se eu imaginasse que havia de fallar hoje, estaria mais habilitado a mostrar com algarismos, mesmo com relação a outros projectos de s. exa. que não têem sido tão debatidos, e aqui vou dar força ao sr. Carlos Lobo d'Avila na
sua argumentação de ha pouco, estaria habilitado, repito, a mostrar com algarismos quanto eram mal fundadas as esperanças de s. exa. com relação a esses projectos.
Elevou s. exa. por exemplo o direito sobre o chá, de 600 a 800 réis por kilo, elevou o direito sobre o assucar de 80 a 90 réis. Lamento não ter neste momento á minha disposição os algarismos que provam o decrescimento deplorabilissirno que se tem dado, em virtude dessas elevações, no despacho d'aquelles dois generos.
O sr. Carrilho: - No assucar não ha decrescimento.
O Orador: - Ainda hoje estive confrontando os algarismos; e nas notas tachygraphicas do meu discurso poderei introduzir os que se derivam do exame das estatisticas que estão publicadas e que chegam até novembro de 1884 faltando as de dezembro desse anno que eu computei em igual importância aos despachos de Novembro, no que não pode haver engano apreciável.
V. ex.ª sabe quanto convem nas estatisticas comparar medias, e não os resultados de um anno para outro: é isto tanto mais indispens?vel nesta occasi?o, quanto as providencias financeiras do sr. Fontes fizeram com que houvesse larga antecipação de despachos, e de receita, e portanto o despacho de um anno influiu sobre o do anno immediato.
Tomando, pois, tres periodos, cada um de tres annos, prova-se, se não me enganei nos calculos, alias faceis de verificar, que houve um decrescimento importantissimo no despacho do chá e muito sensivel no de assucar.
(Interrupção.)
É exacto o que s. ex.ª diz; a minha mem?ria trahia-me: não houve decrescimento no assucar despachado, mas o que houve foi decrescimento e muito grande na progressão em que o consumo d'esse género augmentava todos os annos, e tão sensível foi que, se bem me recordo, do primeiro oeriodo de três annos para o segundo houve um acréscimo de perto de 10:500 quintaes; e do segundo triénio, por influencia do aggravamento dos direitos, para o terceiro, esse acréscimo foi apenas de pouco mais de 6:000 quintaes.
Nota. - Os algarismos a que acima se faz referencia são os seguintes:

[Ver tabela na imagem]

Já se vê por aqui quanto eram falliveis os cálculos de augmento de receita, ou como foram comprados á custa de um infeliz retrahimento no consumo.
E tambem é patente como taes expedientes podem apenas servir para attenuar o deficit nos relatorios, asseverando-se que o chá dará 53:000$000 réis, 90:000$000 réis o assucar e até 30:000$000 réis a reforma da moeda de bronze, que só os devia produzir no fim de cinco annos dando despeza, e avultada a principio.
Mas, sr. presidente, foi decorrendo um anno. Chegou 1883, e veja v. exa. a extraordinaria habilidade com que aquelle cavalheiro nos traçou então um brilhante quadro da situação economica do paiz, como, abandonando aridas considerações fiscaes nos veiu fallar na construcção de não sei quantos milhares de kilometros de caminho de ferro, do movimento dos bancos, da importancia das letras descontadas, dos depositos realisados; desviando assim a attenção da camara e do paiz da apreciação da resultados da famosos expedientes financeiros
votados em 1882, até que tornando-se de todo o ponto impossivel deixar de apreciar o que elles valiam, o que vimos nós todos e o que succedeu?
Entregar o sr. Fontes a pasta da fazenda ao secretario de estado que a está actualmente gerindo.
E por seru lado que apresentou esse cavalheiro pouco tempo depois á camara?
Eu quero ser justo para com s. exa., e por isso apresso-me em dizer que lhe era impossivel proceder de outra forma, por muito vasta que seja a sua intelligencia, e bem tive por mim occasião de a apreciar, quando s. exa. me
fazia uma opposição intransigente, e não poupava recursos para me combater em todas as questões, a todos os momentos com uma tenacidade e insistencia verdadeiramente para admirar.
Não me surprehende, pois, repito, que apesar d'esses extraordinarios recursos s. exa. não podesse no fim de tão poucos mezes apresentar ao parlamento um systema financeiro, limitando-se a emendar os projectos e corrigir os desastres do seu antecessor, e bem assim a solicitar uma auctorisação para reformar as alfandegas, e outra para levantar nos mercados uma importancia effectiva dos 18.000:000$000.
Assegurou-nos, porém, v. exa. que limitando-se a providenciar de prompto sobre alguns pontos de administração

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se reservára para pensar maduramente na solução do prblema financeiro, e este anno vir, de um modo mais detido, apresentar-nos idéas definidas sobre o nosso systema tributário, que a opinião de s. exa., como na do seu antecessor, carecia de alterações e de reformas.
Chega 1885, decorridos quasi dois annos, ou pelo menos anno e meio, da gerencia da pasta da fazenda pelo sr. Hintze Ribeiro, e todos esperavamos que surgisse finalmente a luz e vissemos alguma cousa que representasse um pensamento geral financeiro. Mas, em logar d'isso, s. exa. apenas nos deu um relatorio, a cuja redacção mais ou menos litteraria eu presto a minha homenagem, sem querer com isso comparal-o á phrase pura, castiça e tão genuinamente portugueza do padre Manuel Bernardes, a quem ha pouco se alludiu, mas relatorio em que se não descortina uma idéa sequer sobre os nossos mais urgentes melhoramentos financeiros.
O que eu vejo nesse documento, e logo nas primeiras phrases, é uma censura severa, diria quasi, se não fossem as rectas intenções de s. exa. a que faço inteira justiça, uma provocação á opposição (Apoiados,) de quem se assevera estar accintosamente creando difficuldades, offendendo o credito por effeito das cores negras com que descreve a situação financeira, e causando assim os embaraços com que o governo lucta.
Vejo em seguida a este preambulo uma exposição geral de muitos factos, aliás interessantes, mas, pensamento financeiro, nenhum.
Havia, porém, dois pontos que desde logo podiam e deviam chamar a attenção de s. exa. Pois não será indispensavel, como ha pouco dizia, regularisar sem demora a situação financeira dos municipios, e mesmo dos districtos? (Apoiados.)
Pois nãs podemos continuar indefinidamente este systema que tem levado a camara municipal de Lisboa, por exemplo, a empenhar todos os seus rendimentos, chegando até, ao que se diz, a querer agora empenhar os rendimentos dos proprios cemiterios, pois que, segundo se affirma, até o campo dos mortos serve de base a operações financeiras?
Pois a cidade de Lisboa, tão onerada como está com toda a especie de impostos, indirectos e directos, poderá porventura supportar indefinidamente esses aggravamentos de percentagem successivos, que na junta geral do districto se vão lançando annualmente, e que constituem um onus pesadissimo imposto á capital em beneficio exclusivo dos concelhos ruraes que a cercam? (Apoiados.)
Pois não era já legitima e justificada a insistencia com que o ministro do reino em 1881, e meu collega, o sr. José Luciano de Castro, que vejo ao meu lado, interpretando o pensamento de todo o governo, mostrava já n'essa epocha a necessidade de pôr termo immediato a um tal estado de cousas? (Apoiados.)
Este facto é de tal importancia que, a não ser que s. exa. se demore muito pouco no poder, eu desde já prevejo que ha de ter necessidade de propôr providencias para accudir a essas difficuldades e embaraços, com que lucta particularmente a administração municipal de Lisboa, e para evitar que esse município que tem levantado milhares de contos de empréstimos, se veja amanhã na impossibilidade absoluta de administrar por ter empenhado todos os seus bens e rendimentos, e s. exa., sob pena de ver reflectir esse descrédito sobre o estado, terá então de intervir com sommas muito grandes, e gravíssimo sacrifício do thesouro.
Governar é prever. É, pois, necessario que s. exa. tenha previsão para que se não deixe surprehender por factos d'esta ordem.
Governar não é viver de expedientes de momento, não é apresentar relatorios que nada dão ao thesouro, e nem se quer deixam antever os perigos muito reaes que nos ameaçam.
Governar não é dispor as cousas por fórma que se suponha que ámanhã, quando esses perigos forem maiores, outros pilotos terão benevolência bastante para levar o barco a bom porto, depois de v. exas., por qualquer motivo, terem desapparecido do poer, tendo, comtudo, o cuidado de mais tarde lhes lançar em rosto a responsabilidade de quanto se possa fazer para melhorar a situação da fazenda. (Apoiados.)
Sr. presidente, ainda ha poucos momentos ha um discurso do illustre ministro Leon Say, não só distincto pelo seu talento e pela eminência da sua posição social em França, mas ainda mais porque representa uma das glorias scientificas que muito honram a sciencia económica. Era um discurso proferido em 1883, na defeza do orçamento perante o senado em França.
Alludia n'elle, Leon Say, á accusação que lhe tinham feito de ter esquecido as lições do seu illustre antepassado, e mostrava que estava de accordo com as idéas economicas d'aquelle escriptor, e bem assim com as do grande estadista, do libertador da França, do homem eminente que se chamou Adolfo Thiers. "Com elle aprendi, disse Say, quaes são os deveres, as qualidades essenciaes de um ministro da fazenda.
"E aprendi o que? Qual é, em verdade, o primeiro dos deveres de um ministro da fazenda?
Muitas vezes tem sido citado este facto na camara dos dignos pares, particularmente pelo meu bom e honrado amigo, que tenho o prazer de ver n'este momento, o sr. Carlos Bento da Silva.
"A primeira condição em um ministro da fazenda é a ferocidade; e dizia Thiers para mim, exaltando-se um pouco: "vós não tendes a ferocidade necessaria!"
Ora esta condição de ferocidade, que significa apenas o valor para negar o augmento irreflectido das despezas, e o prurido dos melhoramentos de que ordinariamente se acham possuidos todos os ministros, que não têem de curar dos meios necessarios á sua realisação, essa ferocidade não a tem o sr. Hintze Ribeiro.
Perdeu o direito a manifestal-a, com os seus precedentes da pasta das obras publicas, avolumando despezas e emprehendendo obras de uma utilidade relativa mais do que contestavel, e que em todo o caso podiam perfeitamente muitas d'ellas ser adiadas sem nenhum inconveniente.
"Mas acrescentava, Leon Say - a outra qualidade que Thiers considerava primordial no cumprimento dos deveres de um ministro da fazenda é o amor da ordem e da clareza na contabilidade, condição essencial para que todos possam conhecer a verdade.
"A exposição d'esta, ou a veracidade, é finalmente a terceira d'essas condições impreteriveis em um secretario de estado dos negocios da fazenda."
Ora, e seja isto dito em boa paz, os relatorios do ministro da fazenda actual e do seu antecessor nem sempre têem sido modelos dessa completa veracidade, indispensavel para que o paiz saiba ao certo a situação em que se
acudir a essas dificuldades e embaraços, com que lucta e encontra e possa em presença de grandes males cobrar alento para fazer face aos encargos que pesam sobre elle e conservar assim o seu nome honrado.
Eu, sr. presidente, quando me encontrei na situação de s. exa. , e tive de escrever, por exemplo, o relatorio de fazenda de 1880, procurei inspirar-me, unica e exclusivamente nesse amor intenso pela verdade. Não me animou ao traçar esse documento, assevero-o com a voz da consciencia, nenhum sentimento de odio ou de animosidade, conforme hoje injustamente se asseverou em outro logar. Appello para quantos me conhecem de perto, e que digam esses se eu nutri nunca sentimentos de odio ou de rancor ainda mesmo contra os meus inimigos, ainda mesmo contra aquelles que mais possam ter-me offendido, que mais fundo me tenham cravado no coração o punhal, que me tenham feito experimentar dores mais cruciantes e mais amargas!

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Pois, sr. presidente, nem contra esses conservo odios, não abrigo rancor contra ninguem. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
No relatorio que escrevi, repito-o, inspirou-me sómente o respeito pela verdade, e o amor pelo meu paiz. Póde a paixão politica vir descortinar hoje esse sentimento de rancor atravez das linhas que escrevi, contra similhante accusação protestará, porém, e felizmente a imparcialidade estrangeira e protesta acima d'ella a minha consciencia.
Referi-me á imparcialidade de estrangeiros. Vou explicar-me a tal respeito. Os meus trabalhos como ministro da fazenda e o meu relatorio foram apreciados, entre outras pessoas, pelo ministro da Inglaterra em Lisboa e pelo secretario da legação ingleza.
Os documentos que ambos escreveram a esse respeito estão publicados no Blue-brok, o Livro azul distribuido em tempo ao parlamento inglez; e entre outras apreciações que ali se fazem, e que me não cumpre referir á camara, lê-se o seguinte:
«O merecimento do relatorio financeiro do sr. Barros Gomes consiste emquanto a mim em elle haver exposto serenamente mas sem receios qual era em realidade a situação financeira do paiz, em haver no meio de iradas declamações e de recriminações partidarias tratado das questões pendentes por uma forma perfeitamente objectiva e circumscripta aos negocios em si (thorougly objective and business-like manner) e em ter indicado a verdadeira direcção na politica financeira que ao paiz cumpre seguir.»
E mais adiante:
«O sr. Barros Gomes é um homem ainda novo, e ministro pela primeira vez. Foi chamado a ganhar as suas esporas em momento bem critico na historia financeira do seu paiz, e que em taes circumstancias elle diligenciasse mais a sã efficacia e a sobriedade do que o armar ao effeito, deve-lhe ser tido em conta como motivo do grande louvor.»
E na conclusão do seu trabal o disse o ministro inglez:
«Meramente sob o ponto de vista da manutenção do credito publico, a exposição sem reservas e animosa da situação feita pelo sr. Barros Gomes mais deve inspirar confiança do que desalento.»
Por seu lado o secretario Dudley Saurin terminava a desenvolvida noticia que enviara para Londres do seguinte modo:
«Tem o ministro o merito do haver talvez pela vez primeira de ha annos a esta parte, apresentando ao paiz uma exposição clara da situação. Sem exagerar as dificuldades, exprimiu a convicção que o estado actual das cousas, não poderia sem risco subsistir um dia mais que fosso. Accredita nos recursos do paiz, mas sob condição que o espirito publico consinta em sacrificios... Resta saber se o paiz, uma vez accordado do seu paraiso de loucos (paradise's fool) se limitará a depor armas o ver os encargos da divida, que hoje constituem 55 por cento do rendimento ou 13 scheliings por cabeça, leval-o gradualmente á banca rota, ou cobrará animo para cooperar, etc»
E devo dizer á camara que nos documentos a que me refiro se faz a par d'isto inteira justiça, e se presta homenagem aos altos merecimentos politicos, ás qualidades pessoaes do actual sr. presidente do conselho, ao brilhante exito da sua política financeira em 1852, á qual se attribue a restauração do credito que permittira levantar posteriormente sommas tão colossaes, e a iniciativa aos progressos materiaes do paiz, não podendo nunca repetir se demasiado que esse progresso era devido ao «brio (élan) e temperamento sanguineo d'aquelle ministro».
Ora qui tem pois v. exa. como num documento escripto imparcialmente por estrangeiros se diz que o ministro de 1880 apesar do verdor dos seus annos de então, verdor que infelizmente hoje já não existe, só se inspirou em um sentimento, no desejo de dizer a verdade ao seu paiz, sem ferir nem melindrar ninguem, sem assumir um qualquer aspecto politico ou partidario. Nunca me referiria a este facto se não fosse o desejo de provar quanto são injustos os que me suppõem animado de sentimentos tão baixos, desconhecendo, ou querendo desconhecer, que o meu fim unico era inspirar ao paiz a convicção da gravidade da situação em que se encontrava, e com elle a consciencia de que tinha um dever a cumprir. (Apoiados.)
Releve-me a camara esta digressão inspirada por factos recentes.
Continuando agora serenamente na apreciação dos trabalhos do actual sr. ministro da fazenda, direi que procurei em vão, tambem no relatorio d'este anno, um pensamento geral de administração financeira.
Já me referi á necessidade urgente de organisar as finanças municipaes e districtaes.
A esse respeito não nos diz s. exa. uma unica palavra.
Vou referir-me agora á pauta no que respeita apenas á sua simplificação.
E uma perfeita verdade, e eu confirmo o que disse ha pouco um illustre deputado que vejo presente, quando citou o exemplo da pauta hespanhola, e poderia acrescentar da allemã ou da ingleza, por exemplo.
Esta pauta constituo um volume tão pequeno, que se póde, sem difficuldade, trazer no bolso da sobrecasaca, emquanto que a ultima edição da pauta portugueza fórma tres volumes d'este colossal formato (indicando um dos volumes da pauta.}
Não é só a pauta, bem o sei, mas com ella todas as resoluções complicadissimas que acompanham aquelle documento e são indispensaveis para a sua applicação.
Admiro muito, por minha parte, a difficuldade e o trabalho que devem ter os empregados das alfandegas em manejar tal documento, e sem querer com isso dar-me foros de muito intelligente, creio poder affirmnar que sempre deveria ter mais alguma facilidade em lidar com elle do que a terão muitos d'esses empregados a quem se não exigem habilitações scientificas de ordem superior, pois, ainda assim, vejo-mo muitas vezes quasi completamente incapaz de caminhar n'aquelle dedalo de resoluções e de interpretações do conselho das alfandegas, ou por entre as variadissimas decisões tomadas pelos empregados e estações fiscaes de categoria superior.
Repito, pois, que os funccionarios aduaneiros quando tenham de resolver algumas duvidas, hão de experimentar um grande embaraço e luctar com muitas difficuldades, o que tudo se traduz em demora no expediente e peias para o commercio.
Simplificar a pauta, embora mesmo conservando as taxas, ahi estava, pois, um serviço importante a prestar, e a margem para uma larga iniciativa do ministro, mas a tal respeito tambem nenhuma providencia nos é proposta por s. exa.
Passando agora a referir-me mais especialmente ao projecto em discussão, lembrarei a v. exa. que apresentei desde logo á camara a rasão principal porque não podia dar-lhe o meu voto.
Entendo que os parlamentos não podem, sem abdicar das suas faculdades, votar auctorisações desta ordem.
Há, nas bases que acompanham o projecto, muitas disposições que são identicas ás que se encontram no projecto por mim formulado, e que reputo indispensaveis para se proceder á reorganisação do serviço fiscal, mas entendo que a. s. exa. cumpria, mais que tudo, trazer á camara a definição dos quadros, e a limitação da despeza a realisar, porque só assim nós poderiamos saber com quanto virá este projecto onerar o thesouro.
Não tenho confiança politica no ministerio, tenho, porem, muito respeito pelo caracter do sr. ministro da fazenda, e muita sumpathia pelas suas intenções que considero boas; devo acrescentar tambem que me inspira plena e absoluta confiança o funccionario superior que hoje está á frente do serviço das alfandegas.

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E se o illustre ministro tivesse muitas culpas, teria, a meus olhos, resgatado uma grande parte d'ellas com a nomeação que fez d'aquelle cavalheiro para cargo tão importante.
Folgo que seja elle que tenha de collaborar no caso desta auctorisação, mas isso não impede que eu, como deputado da nação, venha queixar-me da falta dos esclarecimentos, que deviam acompanhar o pedido da mesma auctorisação.
Sr. presidente, eu tenho receio d'esta faculdade illimitada no direito de aposentar.
Quando cheguei ao ministerio da fazenda, encontrei ali um principio do uso da auctorisação que tinha sido conferida ao sr. Antonio de Serpa, para aposentar empregados fiscaes, applieando-se assim parte dos 150:000$000 réis que se haviam votado para augmento na despeza com a fiscalisação.
Encontrei já aposentados grande numero de empregados fiscaes superiores.
É claro que o ministro, nos seus despachos, tem de se guiar pelas informações officiaes e pelas certidões dos facultativos que se lhe apresentam; mas é certo tambem que entre os chefes fiscaes, que encontrei aposentados, alguns havia que poderiam ainda ter continuado mais algum tempo no serviço; alguns houve até que eu tive occasião, por meu lado, de aproveitar em commissões de serviço, porque mais tarde chamei, se não official, officiosamente, alguns desses individuos, e conheci, pela collaboração que me prestaram, que a fazenda teria ganho se não tivessem sido postos de banda.
Encontrei tambem ali, entre os despachos já feitos, uma quantidade enorme de reformas de guardas.
Na presen?a dessa alluvi?o immensa de empregados, que se punham fora do serviço, hesitei e não deixai mesmo ir por diante alguns dos despachos já feitos.
Tenho, pois, grande medo, por causa do orçamento, do uso que se faz de auctorisações d'esta natureza, e tanto medo tive sempre d'ellas que no projecto, que fiz elaborar para reorganisar os serviços fiscaes, tinha em vista redimir quanto posssivel o numero das aposentações, creando para isso uma secção de serviço chamada de serviço moderado, no qual podiam ser empregado muitos fiscaes e guardas que, vantagem publica podiam já fazer for mais tarde obrigado a sair da administração, porque elle exerce este logar por commiss?o, e o projecto garante-lhe o direito de voltar para o respectivo quadro, pergunto, pois, por minha parte: não significa isto o augmento de um empregado da sua categoria na alfandega respectiva? E, se os ministros quizerem abusar desta prescripção, não podem estar constantemente a nomear administradores geraes, demittinclo-os no dia seguinte, depois de preenchida a vaga que elles deixaram na sua categoria?
Póde ser que eu me engane, mas assim é que eu entendo esta disposição.
Confesso que não estudei bastante este projecto. Effectivamento a camara que tem gasto já tres mezes em discutir antes da ordem do dia todas as questões que lhe parecem uteis, entretendo-se em divagações, que não foram sempre as mais proprias para sustentar as conveniencias parlamentares e dar uma boa direcção aos negocios, sem que o governo com isso se affligisse, vem hoje a toda a pressa discutir este projecto que foi ha pouco apresentado pelo sr. ministro, e que mal teve tempo de passar pela commissão de fazenda. (Apoiados.)
Eu estive alguns dias, que não foram mais de tres, era Samtarem a tratar dos meus negocios, um tanto descurados de ha tempos a esta parte. N'esse intervallo, de sabbado a terça feira, apresentou o sr. ministro o seu relatorio, logo em seguida reune-se a commissão de fazenda, e antes de distribuido o relatorio pelos deputados, antes de serem por estes conhecidos os documentos que o acompanham e são os indispensaveis para apreciar este projecto, discute-se e vota-se no seio da commissão.
Por minha parte e como protesto pedi desde logo ao illustre presidente da commissão, que benevolamente accedeu ao meu pedido, que de futuro fosse ao menos indicado nos avisos de convocação qual o assumpto que constituiria a ordem da noite.
Limitei-me, porém, a esse protesto, por ter forçosamente de assignar vencido, visto tratar-se de uma auctorisação, reservando me para mais tarde, o que aliás até hoje não pode realisar, estudal-o mais detidamente.
A simples leitora que d'elle fiz agora bastou-me comtudo, para justificar as reflexões que tenho apresentado.
Repito, portanto, que ha um augmento indefinido na despeza resultante d'esta disposição com respeito ao administrador geral, mas não se fica aqui. Todos os directores das differentes alfandegas são igualmente nomeados por commissão, saindo do pessoal aduaneiro e abrindo vaga immediatamente no seu quadro. Se por qualquer circumstancia esses directores não poderem continuar a exercer aquelles cargos voltarão para esse quadro, que aliás já estava preenchido, porque apenas elles haviam sido nomeados directores fôra feita a necessaria promoção para preencher esse logar.
Mas ainda há mais, e isto parece-me um verdadeiro systema. No concelho geral das alfandegas auctorisa-se a presença e effectivo serviço de um reverificador e de um verificador. Pois com relação a estes tambem o projecto diz o seguinte:
«Os verificadores ou reverificadores que fizerem serviço effectivo na secretaria do conselho, (serviço que é de commissão, a que portanto se póde dar um termo) deixarão vagos os seus logares na alfandega, onde serão devidamente substituidos, conservando todavia os direitos inherentes á sua respectiva categoria.»
Ora pergunto, com similhante systema, não será possivel, passado algum tempo, chegar á duplicação dos quadros?
Onde póde levar-nos a despeza proveniente da novidade administrativa apresentada n'este projecto?
Por minha parte entende que nas circumstancias, em que nos encontrâmos, todas as leis que votarmos devem inspirar-se no pensamento da economia.(Apoiados).
Por isso eu insistia, e insistirei nais do que nunca, em que, dizer a verdade ao paiz, e administrar com cuidado e

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com amor os dinheiros, que hoje tanto custam a pagar ao contribuinte, taes são os dois primeiros deveres dos ministros da fazenda.
O ministro francez a que alludi ha pouco, o sr. Leon Say, referindo-se ainda ao modesto monumento a cuja sombra se abrigam os restos de Thiers, e querendo reforçar melhor perante o senado o valor d'aquelles dois preceitos, acrescentava que no marmore d'esse monumento haviam sido esculpidas as seguintes quatro palavras:

Veritatem coluit
Patriam dilexit.

Prestou culto á verdade. Amou a sua patria.
E tambem cito latim, visto estar em moda. (Riso.)
Pedia, pois, a s. exa. que, de accordo com a citação, considerasse sempre a verdade como um dos primeiros deveres a acatar por parte de um ministro da fazenda, não se preoccupando demasiadamente com o desejo de apresentar as cousas mais risonhas do que na verdade são, embora com o perigo de crear assim uma menos exacta opinião no paiz ácerca da situação do thesouro; pedia-lhe mais que, amando a sua patria, attendesse, quanto possivel, aos pobres contribuintes, lembramdo-se que na situação em que se encontram actualmente, lhes é difficil poderem com o peso e a gloria de tantas aposentações, de tantas nomeações e com um systema tão complicado de avolumar largamente a despeza publica. (Apoiados.)
Com relação ás bases apresentadas para reorganisar a fiscalização externa, devo dizer que tem havido a esse respeito uma tal fluctuação de opiniões por parte das auctoridades mais competentes que, por meu lado, tambem tenho medo de tanta mudança e do effeito de tantas, tão variadas e successivas reorganisações.
Veiu a organisação de 1864, que foi um progresso, e determinou uma certa ordem de principios para regular a fiscalisação externa; veiu depois o sr. Anselmo Braamcamp e creou os corpos da fiscalisação no interior do paiz; posteriormente o sr. Serpa Pimentel entendeu que essa fiscalisação não era proficua e começou a disseminar os guardas desses corpos por todos os concelhos do reino, ás ordens dos escrivães de fazenda, para fiscalisarem o real de agua e serem empregados na cobrança de impostos indirectos. N'esse tempo affirmava-se que toda a attenção se devia concentrar na raia, porque o serviço interno de nada servia, e distrahia absolutamente toda a gente de um emprego util e proficuo.
A raia é que era indispensavel fiscalisar. Estudavam-se e descreviam-se as condições topographicas do terreno, qual a fórma dos valles, a sinuosidade dos rios, as montanhas que mais convinha defender, emfim uma verdadeira estrategia fiscal.
Chegando eu ao ministerio da fazenda tive, porém, de attender de prompto a algumas das prescripções da legislação que tinha augmentado os direitos do tabaco, e, sob proposta do director geral, que então era o sr. Lopo Vaz, estabeleci o serviço das rondas volantes, procedendo-se ao seu armamento, regulando-se o seu serviço, etc.
Era uma organisação provisoria, presuppondo outra definitiva, que se decretou pouco depois, reorganisando se completamente o serviço da fiscalisação externa, creando-se então tres divisões, divisão do centro, divisão do sul e divisão do norte, com muitos chefes fiscaes, com um estado maior verdadeiramente assombroso, que nessa occasião deu margem a uma larga discussão e a uma critica, nem sempre muito benevola.
Pois hoje, com espanto meu, leio n'uma das paginas do relatorio do sr. ministro da fazenda, que aquella fiscalisação da raia pouco vale só por si, o que se prova até certo ponto com o cordão sanitario, a que muita gente attribuia sem rasão, segundo parece, um augmento na receita das alfandegas, o qual cordão para nada serviu, sob o ponto de vista fiscal e que tudo está na fiscalisação no interior do paiz, a par da da raia.
S. exa. apresentou-nos com effeito uma tabella do rendimento aduaneiro nos differentes mezes em que houve e em que não havia microbio. O tal microbio que tão caro nos custou!
E oxalá, visto que fallo em tal, que dentro em pouco venham á camara as contas da despeza que se fez a proposito d'elle, e nessa parte acompanho completa e inteiramente todos aquelles que têem pedido com insistencia taes contas para se saber como e em que se consumiu a verba de quatrocentos e tantos contos de réis. (Apoiados.)
É o caso para se dizer que se não morremos da doença, estivemos quasi para morrer da cura. (Riso.)
Se chegasse cá a epidemia, creio que a receita do estado seria absorvida pelas despezas com as providencias exigidas para combater o microbio.
Oxalá, repito, que venham essas contas, porquanto o parlamento precisa absolutamente ter conhecimento d'ellas. (Apoiados.)
Seja, porém, como for, imaginei eu, e imaginámos todos, que taes despezas haveriam ao menos tido uma compensação no augmento da receita aduaneira a que dava logar o estabelecimento do cordão sanitario. Mas vemos com magua que o cordão foi para tal fim completamente inutil. (Apoiados.)
Em taes condições, na presença de semilhante fluctuação do idéas, não estou disposto a votar uma auctorisação qualquer para reorganisar pela quinta vez a fiscalisação externa, sem que veja justificada de um modo completo a natureza e os fins da nova, organisação que se pretendo dar a um tal serviço.
Como tenho visto variar tanto as idéas, quero acariar a experiencia que já possuo com aquillo que se assevera hoje, para poder votar com consciencia qualquer augmento de despeza e qualquer nova organisação que se queira iniciar.
Por todas estas rasões; como não desejo conceder uma auctorisação illimitada ao governo, que importa uma abdicação das prerogativas parlamentares; como vejo aqui a origem de uma grande despeza sem fixação limitada; como vejo que este systema de nomear empregados em commissão, preenchendo os quadros para depois reenvial-os para onde estavam antes de nomeados, importa uma despeza avultadissima que não foi culculada; e como finalmente não posso admittir que em relação a um serviço tão importante qual é o da fiscalisação externa, não venham definidas mais claramente as condições em que se vae estabelecer, concluo declarando que voto muito conscienciosamente contra o projecto em discussão. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. Franco Frazão.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje e mais o projecto n.º 13.

Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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