592 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
cialmente a substituição do n.° 4.° do artigo 539.° do codigo civil, em materia de prescripção.
Este n.° 4.° dispõe, que as dividas de mercadores a retalho, por objectos vendidos a individuos, que não são mercadores, prescrevem por espaço de um anno.
Pede-se a substituição d'este artigo, com o fundamento de que é insufficiente este praso para que os commerciantes credores possam, n'esta qualidade, garantir os seus direitos e haveres.
A este respeito mando tambem para a mesa um outro projecto de lei, que submetto á apreciação da camara, o qual é concebido n'estes termos.
(Leu.)
Vou tambem expor succintamente os motivos, que para mim justificam a representação e o projecto.
Sr. presidente, a carta de lei de 1 de julho de 1867, que approvou o codigo civil, determinou, no artigo 7.°, que uma commissão de jurisconsultos seria encarregada de receber, colligir, e enviar ao seu destino todos os esclarecimentos e reclamações que dissessem respeito ao melhoramento da legislação civil, e que ao mesmo tempo servissem para resolver as difficuldades que elle tivesse apresentado na sua execução durante os primeiros cinco annos.
Os decretos de 13 de fevereiro de 1868 e de 27 de janeiro de 1870 constituiram e organisaram esta commissão, regulando tambem o respectivo serviço.
A maior parte dos membros d'esta commissão são hoje fallecidos.
Vão já decorridos dezesete annos, depois da vigencia do codigo civil, e não me consta que tenham dado entrada na secretaria da justiça quaesquer trabalhos, em ordem ao fim da lei de 1867.
É porém, fora de duvida, e a experiencia o tem mostrado, que muitas disposições do codigo civil estão reclamando reforma urgente: umas por incompletas e inefficazes, e outras por injustas e confusas.
Haja vista á deficiencia do codigo em materia de aguas e servidões.
O capitulo successões apresenta anomalias e confusões perigosas.
Á parte algumas providencias legaes e regulamentares, em materia de registo, tudo o mais se conserva no mesmo estado, apesar de os competentes reconhecerem a necessidade de aperfeiçoar a legislação civil, que, apesar de tudo, é uma das primeiras da Europa.
Está n'este caso o n.° 4.° do artigo 539.° do codigo civil.
Este artigo estabelece o praso de um anno para a prescripção das dividas dos commerciantes de retalho.
Sr. presidente, aproveitemos tambem n'esta questão as lições da experiencia, deduzida da observação das tradições, costumes e genio do povo para que se legisla.
Sem este criterio as reformas jamais serão efficazes e viaveis. As theorias sem possibilidade pratica já hoje não têem os foros e regalias scientificas. A sciencia é a expressão da verdade. E a verdade é o verificavel, o real, e não o abstracto, a não ser no mundo da subjectividade.
Quem tiver observado de perto, na vida do fôro, ou no movimento da vida commercial, as normas praticas que regulam, consuetudinaria e imperiosamente, os phenomenos tão complexos da vida commercial, não póde duvidar, um momento sequer, de que o praso de um anno para a prescripção das dividas de commercio a retalho é insuficiente para garantir os direitos dos commerciantes, e só dá logar a abusos e immoralidades.
A justiça e a moralidade completam-se. São dois modos de ser, solidarios do mesmo principio supremo, que regula a vontade humana na realisação do bem livre.
Entre o commerciante de retalho e os seus freguezes não póde deixar de haver da parte d'aquelle a maior tolerancia e condescendencia para com os seus devedores, não só pelo que respeita á extensão das vendas a credito, mas principalmente quanto aos prasos do pagamento.
Se obrigarmos os commerciantes, especialmente os de pequeno trato e os que principiam a sua carreira, a cumprirem o preceito do artigo 539.° do codigo civil, sob pena de perdimento dos seus direitos, será impossivel o commercio de retalho.
Será possivel intentar, dentro do anno e em todos os annos, um sem numero de acções, ou lançar mão dos meios caros e ruidosos que faculta o artigo 552.° do mesmo codigo para a interrupção da prescripção?!
O valor das dividas não daria; para a decima parte das despezas, afóra os lucros cessantes.
O consumidor, sendo coagido, póde pagar; mas não voltará ao estabelecimento.
Concorre logo ao que for mais tolerante, que os ha sempre, não por conveniencia do seu mister, mas porque muitos commerciantes não duvidam fazer concorrencia immoral aos commerciantes dignos, visto que nem sempre cogitam n'um futuro honrado e leal á sua classe!
Quantos commerceiam, sem capacidade pessoal e sem credito? Pois não são ás vezes os menos afreguezados!
Nas vendas por atacado ha garantias e elementos de prova mais efficazes; mas, no negocio a retalho, a venda a credito é a fórma commum d'estas transacções, especialmente pelo que respeita aos objectos de consumo.
Se o commerciante não tiver uma certa condescendencia com os seus devedores, em breve ficará abandonado o seu estabelecimento.
O devedor de consumo está sempre mal disposto, em regra, contra o commerciante credor.
Circumstancias alheias á sua vontade, ou habitos arreigados de má administração, perturbam-lhe o espirito, a ponto de descobrir sempre mais intenções no credor, que, no uso do seu direito, lhe pede a satisfação dos seus compromissos.
Se o pretexto da lei os poder salvar, não duvidam estes devedores trocar o valor moral do seu nome, por um acto de legalidade que, immoralmente, os desliga da responsabilidade material!
Infelizmente, é esta a realidade dos factos e a corrente dos costumes, contra os quaes o legislador não póde arcar de frente e de momento.
Ha poucos dias ainda, dizia o nobre ministro da fazenda, no relatorio de uma das suas propostas relativa ao pagamento domiciliário e mensal, que o meio mais pratico de augmentar a cobrança dos impostos era ampliar as facilidades de pagamento.
Pois eu, applicando este salutar principio á questão sujeita, direi que a ampliação do praso da prescripção para as dividas dos mercadores a retalho facilita o seu pagamento e garante melhor o direito dos credores.
Parece me, pois, que o praso de tres annos será sufficiente para este fim.
O devedor, que durante tres annos, e ácerca da mesma divida, tem recebido provas de tolerancia, por parte do seu credor, não póde já queixar-se com rasão plausivel; e só o fizer, a opinião sensata não o applaude, e nem o credor póde já ser taxado de exigente.
Tambem, durante este praso, o credor poderá, sem grave inconveniente, interromper a prescripção pelos meios que lhe faculta o artigo 552.° do codigo civil.
Por esta fórma garantem-se os direitos do credor, sem se aggravar a situação dos devedores. A equidade é a lei suprema do commercio, que não se sujeita, pela sua feição caracteristica, aos rigores e fatalidade das prescripções stricti juris.
São estas as considerações, que me parecem justificam a justiça d'esta representação e a dos projectos de lei que apresento, e cujo pensamento poderei explanar melhor, quando venham á tela da discussão,