SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1886 611
despedir em massa individuos que se suppunham já permanentemente ao serviço do estado.
Se não houver que se lhes dar, ficarão addidos...
(Áparte.)
Pois, se se admittem com o caracter provisorio, era melhor que desde logo se désse bons resultados, então viria á camara uma medida definitiva, que n'esta casa ninguem deixaria de votar.
Tanto mais que o sr. ministro da fazenda, tendo de apresentar no anno proximo ao parlamento uma reorganisação da fazenda publica, conforme prometteu, facilmente n'essa occasião encontraria meio de apresentar a este respeito uma proposta definitiva.
Aqui está o motivo por que eu não posso conceder ao governo a auctorisação contida n'este projecto de lei.
Eu, sr. presidente, disse ha pouco que era incredulo a respeito dps effeitos
Da proposta de lei patrocinada pelo sr. Mariano de Carvalho, que a salvou do naufragio da herança do sr. Hintze Ribeiro.
Parece-me effectivamente que este projecto, correspondendo aliás a uma aspiração que eu applaudo, não ha de produzir os resultados praticos que d'elle se esperam. E isto por uma rasão, que vou apontar á camara, e que com certeza o sr. ministro da fazenda não desconhece.
Facilitando-se a cobrança do imposto industrial, por meio de recebimento domiciliario, estou persuadido de que mais algumas sommas entrarão nos cofres publicos; mas creio ainda assim, que a divergencia entre a verba da contribuição liquidada e a verba da contribuição cobrada ha de manter-se sempre em Lisboa de um modo muito acentuado
É que esta divergencia não se suprime apenas com o aperfeiçoamento nos methodos de cobrança.
E quer v. exa. saber porque?
Quanto a mim, e póde ser que me engane, mas a experiencia o demonstrará, o defeito principal não está nos methodos da cobrança; está mais no lançamento, ou para melhor dizer, na materia collectavel.
O defeito principal, e o futuro o demonstrará, está nas matrizes. Mais do que ninguem, o sr. ministro da fazenda, que conhece maravilhosamente o mechanimo administrativo eleitoral em Lisboa, está no caso de comprehender a rasão por que nas matrizes ha sujeitos ao imposto muitas centenas e talvez milhares de individuos meramente ficticios, ahi introduzidos apenas com fins eleitoraes, para contrabalançar o suffragio independente da capital.
Todos os dias se accusam gravissimas fraudes nos nossos recenseamentos, que necessariamente trazem comsigo fraudes identicas na confecção das matrizes.
Qual é o principal motivo determinante d'estas fraudes?
É, torno a repetil-o, o de organisar um corpo eleitoral ficticio, que está sempre á disposição d'aquelles que conhecem os segredos e os escaninhos d'estes documentos officiaes.
Não será esta uma das causas, se não a principal, por que tão grandes differenças se encontram entre a contribuição liquidada e a arrecadada?
A contribuição liquidada é calculada pelas matrizes, ou directamente, ou, como na contribuição industrial, por intermedio dos gremios. É a que devia ser, se as matrizes fossem verdadeiras.
A contribuição arrecadada, pelo contrario, é em grande parte a real, isto é, a contribuição paga pelos individuos authenticos. A differença principal entre as duas contribuições, desnecessario é dizel-o, significa o que não foi pago pelos contribuintes ficticios, incluindos na matriz pela corrupção eleitoral.
De modo que, por mais que se faça, por mais que se procure ir ao encontro do contribuinte, para que elle de ao estado aquillo que elle deve, o mais que se póde conseguir é reduzir a percentagem da divida, com relação aos contribuintes existentes; com relação porém, aos que meramente figuram, como fraude, na matriz e nos recenseamentos, claro está que nada se conseguirá!
Deixo estas considerações á camara, e ao sr. ministro da fazenda, para que pesem bem e investiguem até que ponto o factor que acabo de mencionar, e que considero de maior importancia, explica as enormes differenças que todos nós podemos ler no orçamento geral do estado e no relatorio que precede o projecto de lei que se discute.
Eu não ignoro que ha sempre uma certa quebra dos impostos liquidados para os arrecadados, em todos os paizes, e quaequer que os impostos sejam. Mas, quando as differenças chegam a attingir 33,25 por cento, como aconteceu com a contribuição industrial em Lisboa no anno de 1883 a 1884, é necessario que
admittamos a intervenção de causas estranhas ás que de ordinario fazem abater o rendimento de todos os impostos.
Este projecto não é, pois o remedio para os factos anormaes que no relatorio se apontam. O principal remedio está n'uma refundição completa dos methodos por que se elaboram os decumentos officiaes que servem de base para o lançamento dos impostos.
Não é a primeira vez que n'esta casa se fazem referencias aos factos que eu agora apontei; o que é novo, me parece, é a approximação entre esses factos e a anormal cobrança de uma das nossas contribuições directas.
No entretanto, esta approximação era natural, por ser a unica que satisfactoriamente explica o que de outro modo se nos afigura enygmatico. E senão, um proximo futuro dirá quem se engana.
Termino, portanto, declarando que não me parece que a cobrança domiciliaria seja o sufficiente remedio para evitar os males do que soffre entre nós a contribuição industrial.
Por outro lado, não me parece tambem que se possa dar ao governo auctorisação para organisar permanentemente um serviço, que até a propria commissão confessa que vae ser meramente uma experiencia.
Se o governo acceitasse, eu não teria duvida em mandar para a mesa um additamento, limitanto o praso da auctorisação a dois annos.
Tenho dito.
sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho: O illustre deputado concorda com o pensamento do governo e com a opinião da commissão, de que o pensamento da lei é bom, santo e justo, considerado debaixo do ponto de vista dos principies liberaes.
Effectivamente, trata-se de facilitar, sob este aspecto, ao contribuinte, e sobretudo ao contribuinte pobre, o pagamento das suas contribuições por um modo suave, em pequenas prestações, sem perda de horas de trabalho, andando nas repartições de fazenda a solicitar o favor de lhe receberem o dinheiro.
S. exa. sabe, que em Lisboa ás vezes, em certas, epochas do anno, quasi que é preciso metter empenhos para se pagar uma contribuição que se deve ao estado. (Apoiados.)
Debaixo do ponto de vista dos principios liberaes, dos bons principios liberaes e democraticos, de que s. exa. é tão apostolo como eu, o projecto que se discute não póde deixar de ser approvado; (Apoiados.) debaixo do ponto de vista fiscal, é que s. exa. não acredita na effficacia do projecto, e não acredita, porque entende que a differença consideravel que existe entre a liquidação e a cobrança da contribuição, provém mais de motivos politico-eleitoraes do que de motivos fiscaes.
Ora, devo dizer ao illustre deputado, que se a sua apreciação fosse completamente exacta, nós deviamos dar graças aos deuses, por serem tão perfeitos os costumes na naxima parte do reino, aonde essa differença entre a liquidação e a cobrança é pequena comparativamente com Lisboa.