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SESSÃO NOCTURNA DE 31 DE MAIO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretários os exmos. srs.

José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral
Francisco José Machado

SUMMARIO

Não houve expediente e entrou-se logo na ordem da noite; continuando a discussão, na especialidade, do projecto n.º 98, auctorisando o governo a concluir por empreitadas geraes, no praso de dezoito annos, a rede das estradas reaes e districtaes. Continua com a palavra, que lhe ficou reservada da sessão de dia, o sr. Elias Garcia, que apresentou propostas.- Julga-se discutido o artigo 1.° por um requerimento do sr. Santos Crespo, e é approvado, retirando o sr. AntonioMaria de Carvalho a sua proposta. - Entra em discussão o artigo 2.°, e usa da palavra, apresentando propostas, o sr. Avellar Machado.

Abertura da sessão - Ás nove horas da noite.

Presentes á chamada 68 srs. deputados. São os seguintes: - Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Cândido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio da Fonseca, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Goes Pinto, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Freitas Branco, Francisco de Barros, Francisco Matoso, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Soares de Moura, Sá Nogueira, Candido da Silva, João Pina, Franco de Castello Branco, Santiago Gouveia, João Arroyo, Correia Leal, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Jorge ONeill, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, José Castello Branco, Pereira e Matos, Elias Garcia, Laranjo, José de Napoles, Alpoim, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Júlio Pires, Julio de Vilhena, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marianno de Carvalho, Miguel Dantas, Pedro Victor, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz e Visconde da Torre.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Campos Valdez, Gomes Neto, Mazziotti, Pereira Carrilho, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Matoso Santos, Francisco Beirão, Francisco Ravasco, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Oliveira Martins, Alves de Moura, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Figueiredo Mascarenhas, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro e Visconde de Silves.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Pereira Borges, Tavares Crespo, Jalles, Simões dos Reis, Urbano de Castro, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Pires Villar, Cardoso Valente, Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Alves Matheus, Oliveira Valle, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Santos Reis, Abreu e Sousa, Mancellos Ferraz, Manuel d'Assumpção, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Pedro Diniz, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 98, na especialidade, auctorisando o governo a concluir, por empreitadas geraes, no praso de dezoito annos, a rede das estradas reaes e districtaes.

O sr. Presidente: - Tem a palavra, para continuar o seu discurso, o sr. Elias Garcia.
O sr. Elias Garcia: - Sr. presidente, as observações que fiz na sessão da tarde com o intuito de justificar as substituições que proponho aos artigos 1.° e 2.° do projecto de lei que se discute, são, em minha opinião, ponderosas.
No artigo 2.° consigno o principio de que o plano da viação accelerada e o da viação ordinaria sejam estabelecidos por lei e que as alterações n'estes planos só por lei possam ser feitas.
Proponho esta substituição, porque nas nossas leis sobre estradas desde a de 1843, vem annexo a ellas o plano das estradas. Se em 1843, em 1850 e em 1862 se entendeu que devia ser assim, não me parece que devamos hoje proceder de modo differente.
Portanto, entendo que é de absoluta necessidade que o poder legislativo approve o plano das estradas já para que procedamos como os legisladores que nos antecederam, já para que não se observe o facto que já notei, de ter a extensão em kilometros das estradas reaes variado desde 1864 até 1886.
Pelo que respeita às estradas districtaes, não acontece assim porque a lei de 1862 estatue um processo especial para organisar os planos d'essas estradas.
E póde dizer-se que estatuido na lei um certo processo, as regras para a determinação dos traçados das estradas districtaes estão estabelecidas em lei e portanto o governo não tem arbitrio absoluto, e deve regular-se pelas indicações que a lei lhe suggere.
Mas desde que estamos ameaçados de ver passar para cargo do estado as estradas districtaes, entendo que é occasião de estabelecer tambem em lei o plano das estradas districtaes; e aqui está a rasão por que eu proponho esta substituição e supprimo a parte em que se diz:
"N'estes planos não se incluem os pequenos lanços de serviço para as estações de caminhos de ferro. Porque me parece que fatalmente se deve comprehender assim; e nem se deve imaginar um projecto geral de viação em que actualmente estejam estabelecidos os lanços para o serviço das estações de caminhos de ferro.
Por consequencia, supprimo esta parte por duas rasões; em primeiro logar pela rasão que já disse, e em segundo logar porque se diz "pequenos lanços", e eu não sei se ha aqui alguem que seja capaz de dizer o que são pequenos lanços.
Pequeno até se diz que é o nosso paiz em relação á Europa. Portanto, é um lanço de estrada; se é pequeno, não sei.

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A substituição que proponho ao § 2.° do artigo 2.° é a seguinte:
"§ 2.° As condições technicas das estradas, serão estabelecidas na conformidade da legislação em vigor.
Consigno que fiquem em vigor as condições technicas estabelecidas pela legislação actual; e parece-me mesmo isto desnecessario, porque o que está na legislação e não é revogado, está em vigor.
O que desejo principalmente é supprimir a ultima parte do § 2.° que diz: attendendo-se para as primeiras ao que preceitua a portaria de 10 de setembro de 1886.
Direi que me parece estranho em uma lei o fazer-se esta referencia a uma portaria e sobretudo quando essa portaria não é outra cousa mais do que a execução da lei de 1862; não foi a portaria, foi a lei de 1862, que muito claramente diz no seu artigo 9.°:
"A largura das estradas de primeira e segunda ordem entre os fossos, não será maior de 8 metros, nem menor de 6 metros, dentro de cujos limites o governo, ouvido o conselho de obras publicas, fixará a largura de cada estrada ou de cada secção de estradas, segundo as necessidades da circulação.
Este preceito é muito salutar, muito mais comprehensivel, muito melhor porque se diz que as estradas de 5, 6, 7 ou 8 metros de largura, hão de ser estabelecidas segundo as necessidades da circulação.
Isto está estabelecido em lei. A portaria a que se refere este projecto de lei é uma portaria publicada no anno passado, mas em virtude da disposição da lei citada, não ha rasão absolutamente nenhuma para deixar esta referencia á portaria de 1886.
Supprimo por isso esta ultima parte.
A respeito do artigo 1.°, tambem supprimo as palavras "praso de dezoito annos". Como se chegou a este praso de dezoito annos?
Eu peço licença para dizer aos meus collegas quer da maioria, quer da opposição, que fizeram os calculos, e de certo eu não os faria melhor, que não os acompanho, porque não concordo com s. exas.; e realmente surprehendeu-me ver calcular o praso para se construírem as estradas pelo modo por que aqui se annunciou. Por exemplo: considerou-se o modo de fazer estradas d'esde 1851 até hoje como um processo; e o que aqui se propõe como processo diverso; e para se mostrar quanto custa este processo e quanto custou o outro, que se fez? Tomou se a extensão das estradas construidas n'aquelle periodo e disse-se, custaram tanto, dividida essa importancia por tantos kilometros, o custo kilometrico é tal. Agora o que custarão para o futuro? Não sei.
O sr. ministro das obras publicas, ou o da fazenda, tinham calculado 4:500$000 réis como custo kilometrico para as estradas reaes e 3:000$000 réis para as estradas districtaes; as commissões de fazenda e obras publicas, disseram-nos terem apresentado um projecto que era exactamente igual á proposta do governo, e o sr. ministro da fazenda, em um dia disse que o preço do kilometro de estradas reaes, em relação ao numero de kilometros que havia a construir, dava a importancia do custo d'essas estradas, e sommada com o custo que por igual processo se obtinha para as estradas districtaes, esta somma ou importancia era exactamente a mesma que resultava do numero de kilometros a construir de estradas reaes e districtaes, pelo preço medio kilometrico adoptado.
Mas é certo que no dia immediato dizia s. exa. que, se não era exactamente o mesmo, era proximamente o mesmo.
Mas, quer seja exactamente o mesmo, quer seja proximamente o mesmo, o que é certo é que o systema de calcular o preço por que sairam as estradas nos ultimos trinta annos, parece-me pouco rasoavel, porque é necessario agrupar convenientemente os elementos para o calculo, e para isso servem as estatisticas e a boa critica applicada aos elementos que ellas fornecem.
Não ouvimos nós o sr. Oliveira Martins dizer que houve estradas que custaram um certo preço e que houve estradas que custaram muito mais?
Ninguem dirá portanto que o preço kilometrico das estradas até hoje construidas, seja o que por tal modo determinamos, e que por ellas nos devamos regular.
O sr. ministro da fazenda insistiu tanto num facto, que eu acceito-o.
Não disse s. exa. que as estradas do Algarve tinham custado 10:000$000 réis, 12:000$000 réis, 15:000$000 réis e 20:000$000 réis por kilometro?
Como se póde tirar uma media do custo das estradas n'estas condições?
Como se póde dizer que as estradas custaram um certo preço sem excluir primeiro o que indevidamente foi lançado á conta d'ellas ou o que foi despendido com o pretexto d'essas obras?
Como poderemos chegar n'estes termos a conhecer o que ellas custaram?
Não sei, mas não é de certo pelo methodo empregado pelo governo e adoptado pela commissão.
Todos nós sabemos que ha um certo numero de obras que têem carregado com umas certas despezas que não lhes dizem respeito.
Por exemplo: o arco da rua Augusta.
Se se perguntar o que elle custou, não só sabe, porque á conta do arco da rua Augusta se lançaram muitas despezas que com elle se não fizeram.
E isto ha de acontecer sempre que se façam despezas de que se não queira que appareçam as contas.
V. exa. sabe que se fizeram despezas com o casamento do Principe Real.
Parece-me que ninguém põe em duvida que se fizeram essas despezas.
É uma cousa evidente.
Se alguem disser que estamos aqui illuminados por este gaz e que elle não custa nada, ninguem o acredita, porque todos sabem que este gaz que aqui nos illumina custa dinheiro; e, por consequencia, se se disser que elle é de graça, ninguem de certo acredita.
O mesmo acontece com respeito às despezas feitas por occasião do casamento do Principe Real.
Não sabemos se são grandes ou pequenas; o que, porém, sabemos, é que fatalmente havia de haver uma despeza para isso.
O que só deve entretanto suppor, é que essa despeza está dissimulada em alguma parte: ou nas despezas de caminho de ferro, ou nas despezas de portos, ou nas despezas de estradas, agricultura ou despezas diversas. Seja o que for.
E naturalmente, se alguma vez se vae estudar algum d'estes ramos de serviço, ha de por lá encontrar-se uma verba muito avultada, e com certeza dir-se-ha que se gastou muito n'esse anno.
Ha de dizer-se a respeito d'esta despeza, o que o sr. ministro da fazenda disse a respeito das estradas do Algarve: custaram muito dinheiro, mas não se fizeram.
Por consequencia, sr. presidente, já se vê que este systema não é o mais apropriado para calcular o preço das estradas.
Eis, portanto, a rasão por que eu não me regulo por este preço, e supprimo o.
Igualmente não me regulo pelo praso de dezoito annos, porque o próprio sr. ministro da fazenda disse que as estradas não se farão em dezoito annos e que se podem talvez fazer em menos.
O sr. Pedro Victor disse que o preço kilometrico das estradas baixava fatalmente s. exa. fez os calculos, bons ou maus, d'isso não trato, e o sr. ministro da fazenda disse: - Supponhamos que é assim, o que acontece? E que se construe em menos de dezoito annos.
Logo, como o nobre ministro suppõe que o praso mar-

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cado na lei, em vez de ser de dezoito annos, póde ser menor, entendo eu que não se diga o praso. E a rasão é clara. Na lei está marcado o praso de dezoito annos; o sr. ministro da fazenda presuppoe que a construcção se possa fazer em menos, e eu presupponho que se póde lazer em mais. E, como se não sabe se ha de ser em dezoito annos, em menos de dezoito annos, ou em mais, não se diga nada, para não se dizer uma cousa, que não se ha de cumprir.
O sr. Saraiva de Carvalho, no seu projecto identico ao que se discute, dizia que a construcção estaria prompta no fim de sete annos. Se se ler uma lei muito antiga, de 1843, ver-se-ha n'ella: "Todos os portuguezes pagarão, durante dez annos, uma certa contribuição para as estradas.- Quer dizer, que ao cabo de dez annos não pagavam mais, porque estavam promptas as estradas; mas assim não succedeu. Se percorrermos a nossa legislação antiga, encontramos muitas prescripções como esta. E como a nossa obrigação é legislarmos de modo que essa legislação seja verdadeira e comprehensivel de todos, e que não sirva para illudir o paiz, é por isso que eu, em vez de marcar o praso de dezoito annos, e para estar de accordo com as emendas que faço posteriormente, completo o artigo d'este modo:
"A rede de estradas, a cargo do estado, será construida por administração ou empreitada, nos prasos successiva e annualmente designados.
E justificarei depois a rasão por que me parece que a verba deve ser successiva e annualmente determinada.
O artigo 3.° comprehende diversos paragraphos; e n'este artigo está designado o preço kilometrico das estradas, está designada a forma por que ha de ser feita a empreitada, e está designado o principio de que os estudos hão de ser feitos pelo governo, assim como tambem está igualmente designado o principio de que um quarto da verba annual é applicada á conclusão das estradas a que faltem menos de 10 kilometros para a sua conclusão.
Eu modifico completamente esta parte do projecto. Deixo no projecto o que n'elle encontro de rasoavel, e tiro de lá tudo que julgo que não é bom nem indispensável. O que é capital neste artigo, para mim, é que os estudos não sejam feitos pelos empreiteiros, e sim pelo estado, porque esta é a única garantia, que eu tenho, de que os estudos serão bem feitos, e de que o estado saiba com uma certa segurança qual é o custo real e verdadeiro da via que se ha de construir. Se esta garantia não é tão absoluta, que nós a possamos inteiramente acceitar e jurar n'ella, comtudo é aquella que, na minha opinião, inspira maior confiança, e com certeza mais confiança do que se os estudos forem feitos pelos empreiteiros.
Portanto, applaudo a illustre commissão por ter inserido este principio no projecto, cousa que tinha esquecido ao auctor da proposta, ou pelo menos tinha deixado que os empreiteiros podessem fazer os estudos, e que até mesmo os pagassem, a tanto por kilometro, quando porventura não os fizessem. Adopto, pois, este principio, e não podia portanto deixar de o consignar na substituição que apresento ao artigo 3.°
Depois estabelece-se aqui o principio das empreitadas, e diz-se que estas empreitadas podem ser feitas de modo que o pagamento d'ellas venha a effectuar-se dentro do praso de três annos, mas a liquidação do pagamento deve fazer-se sempre em todos os annos por forma que nunca exceda a verba de 1.600:000$000 réis, que é a que se destina por anno para as estradas, na conformidade d'este projecto.
Mas, sr. presidente, aqui diz-se que um quarto d'essa verba é destinado á conclusão das estradas a que faltem menos de 10 kilometros. Portanto, n'estas empreitadas que houver de fazer, é indispensavel primeiramente conhecer quaes são as estradas que ha no paiz, a que faltem menos de 10 kilometros para estarem concluidas. Logo, eu tiro dos 1.600:000$000 réis uma quarta parte, e ficam réis 1.200:000$000, porque os 400:000$000 réis ficam captivos para as estradas a que faltem menos de 10 kilometros.
Ora, as estradas a que faltem cerca de 10 kilometros, suppondo que o kilometro custe 3:600$000 réis, a conclusão d'ellas, custará 36:000$000 réis. Portanto, dez estradas a que faltem menos ou cerca de 10 kilometros absorvem pouco menos dos 400:000$000 réis, e assim não podemos em cada anno fazer mais do que completar dez estradas a que faltem 10 kilometros.
Se os srs. ministros aproveitassem os elementos que têem á sua disposição e quizessem esclarecer-nos com esses elementos, e não só esclarecer-nos, como tambem esclarecerem-se a si proprios, naturalmente diziam-nos: entre as estradas que estão para concluir ha tantas às quaes faltam 10 kilometros.
De duas uma: ou existem muitas, ou existem poucas, ou não existe nenhuma. Era bom que o governo dissesse, para saber o que é este quarto, que é muito ou pouco; eu mesmo não sei. Isto é uma maneira de calcular em que eu não posso acompanhar os calculadores, (Apoiados.) porque de mais a mais, insistindo no ponto em que ha pouco disse, não me conformo com o período de dezoito annos, já porque póde o preço baixar e concluir-se a rede mais depressa, já por outras rasões.
O sr. ministro calcula o numero de kilometros que ha a construir no continente e nas ilhas, quer para estradas reaes, quer para estradas districtaes, e diz por consequência quanto hão de custar. Mas s. exa. que achou no projecto de 1880, do sr. Saraiva de Carvalho, tanta cousa má; podia lá encontrar uma que era incontestavelmente melhor, que era boa, porque lá fez-se o que era natural.
Nós temos, como diz o relatorio do sr. ministro da fazenda, o numero de kilometros construídos até 30 de junho do 1886; vamos entrar em julho de 1887, isto é, decorreu já um anno, e quanto se terá construido n'este anno. Não sei.
Mas o sr. Saraiva de Carvalho no seu projecto calculava o que estava construido, o que estava em construcção e o que se completaria nesse anno, o dizia quanto faltava para construir.
Ora era natural que o sr. ministro fazendo os calculos referidos a junho de 1886, com respeito a estradas reaes, e a julho de 1886 com respeito a estradas districtaes, nos dissesse, antes de começar o anno em que se podia executar o projecto, quantas estradas estariam construidas. (Apoiados.)
Poderá pensar-se que é cousa pouca? Não é.
Por exemplo. Em 1884, segundo diz o Annuario estatístico, a extensão das estradas reaes construidas era de 4:174 kilometros, e estavam em construcção 297, em estudo 800 e faltavam por estudar 913 kilometros.
Com respeito a estradas districtaes, estavam construídos 2:616 kilometros, em construcção 653, em estudo 976 e faltava estudar 4:610 kilometros.
Não fallo agora das estradas municipaes, que é uma cousa importantissima e a que me referirei n'outro logar.
Nas ilhas, com respeito a estradas reaes, estavam construidos 386 kilometros, em construcção 28; e com respeito a estradas districtaes e reaes vejamos qual é a differença.
Em 1884 estavam construidos 4:174 kilometros. Em 1866 tinhamos 4:694, isto é, uma differença de 500 e tantos kilometros, ou duzentos e tantos kilometros por anno.
Por consequencia, devemos supprimir este anno o numero correspondente.
Com respeito às estradas districtaes, em 1884 havia 2:616 kilometros construidos, e em 1886 a extensão construida era de 2:880, e portanto cento e tantos kilometros por anno.
E em 30 de junho estavam em construcção 267 kilo-

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metros de estradas districtaes; actualmente não sei quantos estão.
Na sessão da tarde notei que as estradas reaes haviam crescido de 1864 para 1884, e de 1884 para 1886.
Pois com as estradas districtaes succede o contrario; succede que em 1884 o numero de kilometros das estradas districtaes a construir, em construcção, em estudos e por estudar, era de 8:855 kilometros; mas em 1886 a rede de districtaes, segundo o relatório do sr. ministro da fazenda, é de 8:500 kilometros!
Isto ha de ter uma explicação e provavelmente uma explicação plausivel; e se não é plausivel, é uma explicação que se encontra na nossa legislação.
Em certas e determinadas occasiões as localidades fazem exigencias aos governos, e vimos mesmo aqui, por occasião da reforma administrativa do municipio de Lisboa, que a junta geral do districto de Lisboa influiu sobre o governo e disse desde que me tiraes os recursos da cidade de Lisboa, pagae tambem algumas das estradas que estão a meu cargo e passem para estradas reaes! Foi o que succedeu.
A estrada que era districtal passou para cargo do estado, para real! Portanto, com respeito a estradas districtaes, póde succeder que se apresente o phenomeno que notei, exactamente diverso do que se deu com as estradas reaes, desde 1864 até hoje.
Sr. presidente, não me preoccupo com este preço das estradas, tanto como se preoccupam os meus illustres collegas.
O que está escripto aqui neste projecto, se não é irrealisavel, eu não sei como ha de realisar-se; pelo menos para mim é irrealisavel.
Vou ver se me posso fazer entender n'este ponto.
Aqui diz-se que será a construcção feita por empreitadas. Por consequencia temos nós 1.600:000$000 réis, mas temos um quarto d'estes 1.600:000$000 réis destinados a completar as estradas a que faltam menos de 10 kilometros; ficam pois 1.200:000$000 réis.
Diz-se que vamos empregar um processo novo, para construir rapidamente, quer dizer economicamente, porque á rapidez da construcção sempre corresponde a economia.
Disse-se aqui, e disse-se uma verdade, que uma das rasões por que o custo das estradas encarecia, era a disseminação das obras.
Isto é elementar, mas a disseminação era certos casos é inevitavel, é inexoravel. (Apoiados.)
Não podemos deixar de considerar as cousas como ellas se impõem.
Dizer que as estradas num paiz, que todo contribue para ellas, se hão de construir de forma que ellas se façam em toda a parte ao mesmo tempo, e com toda a rapidez, é realmente impossIvel. A disseminação ha de fatalmente fazer-se. O que póde ser é maior ou menor. E a prova é esta.
Diz-se no § 1.° do artigo 3.° que as empreitadas poderão ser adjudicadas por uma duração até tres annos.
O que quer isto dizer? É que se pretende fazer uma empreitada que possa ser adjudicada por forma que haja de completar-se a obra no praso de tres annos, e por consequencia desde que se diz que ella póde ser completada em tres annos, o que equivale a dizer que ha de ser paga a terça parte do custo d'ella em cada anno, é evidente que não é natural que o empreiteiro realise num anno o que lhe foi adjudicado para elle completar em tres.
Mas diz-se aqui que póde ser uma empreitada completada em três annos e que ella deve ser feita por estradas completas, por zonas ou por grandes lanços.
Estrada completa póde ser uma estrada grande ou pequena. Lanços de estradas, tambem não sei o que seja. Se se marcasse a extensão em kilometros, sabia-se. Mas aqui está uma referencia que nos diz alguma cousa com respeito á grandeza das empreitadas, porque se diz que as estradas, hão de construir-se de modo que a empreitada que abranja estrada completa, ou grandes lanços, ou zonas, seja subdividida em outras empreitadas, de forma que cada uma d'estas empreitadas em que é dividida não exceda o valor de 25:000$000 réis.
Por consequencia, 25:000$000 réis quantos kilometros são? (Apoiados.) A tres contos e tanto são uns 7 kilometros.
Ora, o que se póde dizer é que a estrada deve ser posta em praça, de forma que as empreitadas em que se ha de dividir a grande empreitada comprehendam a extensão de 7 kilometros. (Apoiados.)
O que se diz aqui? Diz-se que será posta em praça ou empreitada por estradas completas, com as suas subdivisões, por quaesquer lanços grandes, tambem subdivididos, correspondentes aos 25:000$000 réis, e diz-se: "no caso de ir á praça a estrada em empreitada completa, e com as subdivisões, se o preço dado para todas as empreitadas parciaes for igual ao da grande empreitada que as comprehende, será preferido o das empreitadas parciaes". É evidente que, sendo as empreitadas parciaes preferidas, quando o preço é igual ao da grande empreitada que as abrange, é porque se considera como melhor o systema das empreitadas parciaes. Se o preço d'esta for inferior, com mais rasão se accentua a preferencia d'este systema.
Supponhamos, embora não seja clara a idéa do que será uma zona de estradas, que foi posta em praça tal zona, comprehendendo uma grande empreitada que ha de ser completada em três annos, e que está dividida em troços ou empreitadas de 25:000$000 réis e que sendo o preço de todas estas igual ao da completa, se prefere a construcção em empreitadas do valor de 25:000$000 réis.
Se, por exemplo, em vez de uma empreitada de réis 250:000$000 réis ha dez empreitadas de 25:000$000 réis, a completar em tres annos, e as empreitadas de réis 25:000$000 são de 7 kilometros, cada empreiteiro parcial, com uma estrada de 7 kilometros para construir em tres annos, construe em cada anno pouco mais de 2 kilometros.
Aqui tem uma zona em que estão comprehendidas umas poucas de estradas e das quaes, em virtude deste processo, não se construe em cada anno senão 2 kilometros em cada empreitada parcial. É isto dissiminação ou não? É fatal a dissiminação.
Não me parece pois que este processo evite o mal que se pretende remediar. Não sou inclinado às grandes empreitadas.
N'este paiz ha uma lei, e de tempo em que se era menos cuidadoso nas leis.
Na lei de 1850 prohibia-se expressamente que se fizessem as estradas por uma empreza unica. Já n'esse tempo se fazia isto, quer dizer, já se suppunha que não era bom systema o construir estradas por uma só empreitada, embora fosse bom concentrar os trabalhos, não era bom concentral-os até ao ponto de haver um empreiteiro que fizesse todas as estradas.
E talvez haja na nossa historia alguns subsidios, que podiam bem justificar a rasão, por que os nossos homens publicos condemnavam este systema; mas se fosse preciso ainda um argumento para condemnar, não ia a outra parte senão a este proprio projecto, porque aqui diz-se: que se póde fazer uma grande empreitada de uma estrada completa, mas ha de dividir-se esta grande empreitada em pequenas empreitadas de 7 kilometros ou de 25:000$000 réis.
Eu digo, se efectivamente na praça as pequenas empreitadas obtem o mesmo preço da grande empreitada que as abrange, qual é o systema melhor?
Diz-se que se preferem as de 25:000$000 réis, logo é porque esse systema é o melhor, e se é melhor não ha que escolher outro. Isto é elementar.

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Pois se tenho uma cousa melhor para que hei de ir procurar outra, na contingencia de ser peior?
Portanto a minha substituição reduz-se ao seguinte:
"Artigo 3.° Nenhuma estrada ou lanço de estrada será construido sem que previamente tenham sido feitos, por conta do governo, os respectivos estudos.
§ 1.° Na adjudicação em praça de cada empreitada, não será, em regra, o valor desta excedente a 2:500$000 réis.
"§ 2.° As obras de arte orçadas em mais de 12:000$000 réis, não se comprehenderão nas empreitadas.
O que proponho está de accordo com o que se encontra n'este artigo e seus paragraphos, e só ponho de parte o que aqui está e que é desnecessario.
Porque os estudos são feitos pelo governo, não é necessario fixar o preço kilometrico. Adjudicação em pequenas empreitadas. Este processo é effectivamente o melhor, como até o diz a illustre commissão, por consequencia adopto-o.
A idéa de que as obras de arte sejam exceptuadas d'aquellas empreitadas tambem a adopto, porque é effectivamente boa.
Sobre este ultimo ponto affigura-se-me que deste modo, é rigorosa, completa e perfeita a traducção do pensamento do governo.
Como se consignou no projecto, póde influir mais ou menos nos espiritos e dar margem a opiniões mais ou menos favoraveis e a calculos, como vimos aqui apresentar.
O sr. ministro da fazenda disse aqui uma cousa boa, com a qual concordo e que, sem querer agora disputar prioridades, direi que já em tempo aqui eu disse isso mesmo, mas em occasião em que s. exa. não estava de accordo comigo.
Por exemplo, eu tenho sempre por habito e costume discutir n'esta camara a resposta ao discurso da coroa; nunca deixei de a discutir.
Entendo que ao abrir-se o parlamento e ao apresentar-se o governo, é dever restricto dos partidos liquidar a situação politica immediatamente em relação aos actos por elle praticados.
Foi sempre essa a minha norma do proceder, e a maioria terá talvez estranhado que eu este anno não tivesse tomado parte no debate.
Mas o sr. ministro da fazenda era d'esta opinião? Não.
Nem o partido de s. exa., nem o partido regenerador eram d'essa opinião; estes partidos têem opiniões diversas da minha, a respeito da resposta ao discurso da corôa.
Entendem esses partidos que a resposta ao discurso da corôa, é apenas um cumprimento á coroa. Eu não entendo assim. E não é porque eu queira ser menos attencioso para com o chefe do estado, não; é porque neste ponto partilho a opinião que já partilhara o maior orador d'esta casa, José Estevão Coelho de Magalhães, quando dizia que este paiz gastava, muito tempo a fazer cumprimentos, fazendo muitos cumprimentos que não era necessario fazer.
Eu entendo que no debate da resposta ao discurso da corôa se liquida a questão politica, embora se aguarde para depois em outras occasiões o levantal-a, se se oferecer ensejo favorável; aparte essas questões, os debates devem correr serenamente, cooperando cada um com as suas luzes para esclarecer o debate, podendo assim realisar-se o que o sr. ministro da fazenda diz que se realisa lá fora, isto é, não vir a toda a hora, em qualquer incidente levantar-se questão politica, como se tem visto (Apoiados.) quer da parte do partido regenerador, quer da parte do partido progressista. Não os censuro por isso, mas não os acompanho. Tenho-os visto proceder assim ha muitos annos, mas não me tenho compromettido a acompanhal-os, porque cada vez me confirmo mais na opinião de que esse processo não é rasoavel nem plausivel.
Eu comprehendia que essas questões politicas se levantassem uma ou outra vez, mas que não se suscitassem a toda a hora, a todo o instante, em relação a todos os projectos; e a todos os assumptos de administração, porque assim só se prejudica a administração e damos um tristissimo documento do nosso atrazo. (Apoiados.)
Ha muitas occasiães, estou disso convencido, em que o governo todo desejaria acceitar muitas das indicações da opposição, e não as acceita por se dizer queseria uma quebra politica. (Apoiados.) Eu condemno estes processos. Não tinha duvida em acceitar uma idéa que se amoldasse com a minha opinião. Viesse ella d'onde viesse, dava-lhe o meu voto, se a achasse boa, como a combateria igualmente se a achasse ruim. (Apoiados.)
Entendo que em certas questões póde acontecer que dentro de cada partido haja divergencias, e, por exemplo, até mesmo no seio do proprio gabinete. (Apoiados.)
Pois O sr. ministro das obras publicas não citou hoje o facto que succedeu em França com relação á questão cerealifera? Ali as difficuldades eram tão grandes no corpo que constituia o governo, que se saiu um pouco fora das regras usadas n'aquelle paiz e teve de se declarar a questão aberta no seio do proprio governo.
Este procedimento foi applaudido por uns e condemnado por outros. Houve quem dissesse que o governo fizera bem em declarar a questão aberta perante o parlamento, e houve quem dissesse que o governo tinha obrigação de ter opinião, porque o regimen parlamentar força os ministros a tel-a sobre os assumptos que se discutem.
E não me admira que em França succedesse isto, porque já aqui tenho dito que em outros paizes o regimen parlamentar está mais adiantado.
Na epocha que vamos atravessando o regimen parlamentar está tambem passando por transformações, e a nossa obrigação é pensar sobre o modo por que devemos proceder em presença d'ellas.
Nós vemos o que actualmente está succedendo em França, e digo isto sem receio que as minhas palavras perturbem as boas relações internacionaes, e devemos aproveitar o que vemos nos outros paizes para o transplantar para o nosso. Eu entendo que o que for bom se deve transplantar, mas não o que for mau. Não sou d'aquelles que entendem que se deve transplantar para cá tudo o que se faz no estrangeiro, e sim só o que for conveniente.
Nós vemos que a França se achou em embaraços pelo que respeita á maneira de organisar o orçamento, querendo a commissão de fazenda que o governo apresentasse mais economias e respondendo os ministros que não podiam apresental-as.
Os radicaes do parlamento francez diziam: nós queremos o regimen parlamentar em toda a sua pureza; não queremos a assembléa transformada em convenção, desejâmos que o governo traduza fielmente o pensamento da maioria da camara, que tenha a coragem de o sustentar, e de o pôr em execução; e se não tem essa coragem deve sair do seu logar.
A commissão de fazenda não impoz um projecto ao governo, porque o seu mandato não é imperativo. Disse: assim como nós não podemos receber o mandato imperativo dos nossos eleitores, tambem não é licito que os ministros o recebam.
Eu respeito a consciencia de todos os homens, e não acceito o mandato imperativo de ninguem.
Os governos têem obrigação de se inspirarem no pensar e de conhecerem qual é o pendor dos seus correligionarios politicos; têem obrigação de pensar bem sobre se as propostas que levam ao parlamento se podem ajustar com o pensamento dos seus correligionarios; se podem proceder assim, bem, e se não podem caem nobremente.
Se eu condemno o mandato imperativo de todos sobre um só, não posso deixar de condenmar o mandato imperativo de um sobre todos.
Portanto, comprehendo que n'estas condições, n'este estado, o regimen parlamentar soffra certos empuxões mas quando todos trouxerem para este regimen o fructo do

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Seu trabalho e da sua experiencia, e forem firmes na defeza dos seus principios, eu creio que de todos esses embates na de sair mais tarde ou mais cedo o que eu considero a verdade; póde succeder que não triumphemos hoje, mas triumpharemos ámanhã.
Certas apreciações determinadas por um espirito partidario estreito e futil, não servem para ninguem; unica e simplesmente o que podem é collocar os homens publicos em situação contradictoria de um anno para o outro.
Defendem hoje com calor uma opinião, e d'aqui a dois ou três mezes ou dois ou tres annos são obrigados a combater o que defenderam.
O que é conveniente é que todos façamos diligencia para cooperar quanto possivel com as nossas forças para a boa governação.
Já aqui se disse: o governo governa, mas todos devemos governar e todos governamos; e quanto mais governam todos menos governa o governo; e quanto menos governa o governo, menos desacerta.
Vou completar as minhas idéas, pondo de parte o que está aqui consignado com respeito ao projecto por zonas, por uma rasão muito simples; eu não comprehendo bem, e digo mesmo não só não comprehendo bem, mas nem o sr. relator da commissão, que é um espirito muito lucido, nem o sr. ministro da fazenda, que é igualmente um espirito tambem muito lucido, foram capazes de fazer perceber bem á camara o que era esta disposição relativa á construcção por zonas.
Ninguem entendeu o que isto era, porque de mais a mais s. exas. trataram de dizer que este preço kilometrico é o preço por que hão de fazer-se todas as estradas, mas não se póde comprehender que n'essas zonas o preço medio kilometrico haja de ser por força de 3:600$000 réis.
O que occorre a todos, é que o pensamento da commissão e do governo, principalmente o do governo, quando adoptou o projecto da commissão, era... que do numero de kilometros que haviam de ser contruidos, e da despeza que devia fazer-se com a construcção d'estes kilometros, havia de resultar o preço medio de 3:600$000 réis.
Mas perguntou alguem: estes 3:600$000 réis são fixados, por exemplo, para o lanço que se põe em praça para a empreitada?
E tanto assim é, que o sr. Fuschini, que ninguém dirá que não seja um espirito penetrante, disse aqui com muita rasão que não entendia isto e disse mais que isto não se podia realisar.
Já se tinha explicado que o preço kilometrico de réis 3:600$000 era o medio. Este preço resultava de que umas estradas custavam menos e outras custavam mais. Dizer que haviam de custar fatalmente 3:600$000 réis era um absurdo de tal ordem que ninguem podia acreditar que viesse num documento d'estes.
Por consequencia, pergunta-se: quando se vae pôr em execução um lanço, ha de succeder que o numero de kilometros d'este lanço dê a media de 3:600$000 réis? Quando é uma estrada completa ha de dar-se a condição de que o preço medio kilometrico desta estrada seja 3:600$000 réis?
Quando se fizer n'uma certa região uma estrada qualquer, o preço de toda a empreitada dividido, pelo numero de kilometros, ha de dar 3:000$000 réis?
Isto é que é preciso saber, porque o processo aqui indicado é inexequivel.
S. exas. hão de estar lembrados de que na camara franceza, quando o sr. Freycinet apresentou o seu grande projecto de melhoramentos e obras, disse que, desde que se apresentava um projecto até que a primeira enchadada entrava na terra, mediavam tres e quatro annos. A camara espantou-se toda e disse: "Pois é possivel que votemos um projecto e que só daqui a quatro annos é que comece a executar-se?" O sr. Freycinet não se perturbou e disso serenamente:
Pois os srs. não sabiam isto? Isto é fatal.
Pois imaginam que votando um projecto, no outro dia comece a executar-se? Estão perfeitamente enganados.
Por isso é que eu digo que se deve attender a que no nosso paiz são tão varias as condições de construcção pelo que respeita ao processo de construcção, ao relevo do solo numas regiões differentes das outras, aos operarios, ao material e aos meios da sua conducção, que naturalmente, assim como entre nós ha caminhos de ferro que custam 10:000$000 réis ou 12:000$000 réis, como disse o sr. Oliveira Martins, e eu digo-lhe que tambem custam 70:000$000 réis e 80:000$000 réis; assim como succede isto em relação aos caminhos de ferro, succede tambem o mesmo em relação às estradas.
Por consequencia, esta maneira de querer estabelecer o preço medio do kilometro das estradas em relação a uma certa e determinada area, parece-me muito difficil. E quanto a mim confio mais, uma vez que os estudos sejam feitos pelo governo, porque elle não ha de querer exceder a importancia e ha de desejar fazer uma estrada nas condições technicas que devem ter construccões de tal ordem, confio mais n'isto, digo, do que n'estas prescripções que são letra morta e de que ninguem ha de fazer caso. Daqui a vinte annos quem for fazer os calculos não acha este preço kilometrico.
De mais a mais como é feito este trabalho, esta divisão das estradas que hão de constituir zonas? Por forma que seja absorvida a verba que está aqui determinada.
Nós temos retrogradado muito; temos retrogradado e parece-me que estamos ameaçados de retrogradar mais.
Já aqui se disse alguma cousa a este respeito, mas eu vou frisar ainda mais este ponto, para fazer perceber bem a minha idéa.
Tinhamos as estradas reaes a cargo do estado, as estradas districtaes a cargo dos districtos e segundo as leis de viação em vigor, os recursos para a construcção das estradas districtaes e municipaes eram votados annualmente pelas juntas districtaes e camaras municipaes; no orçamento do estado votavam-se os recursos para as estradas reaes, e subsidios para as outras.
O que é que tem acontecido n'este paiz? E que ao estado nunca chega o que tem: as verbas que se votam nunca chegam para completar as obras para que são destinadas.
O que tem acontecido e exactamente isto. Pelo que respeita a estradas districtaes não acontece assim, porque em virtude das leis de descentralisação, nós vimos multiplicar extraordinariamente no paiz a viação districtal.
E quanto á viação municipal ha muitos annos que se observa no paiz uma cousa singular, e é que os governos vem dizer que não têem dinheiro para estradas, e os municipios têem dinheiro e não os deixam fazer estradas. Isto é o que succede no nosso paiz, e se só fosse contar em algum paiz que verdadeiramente se regesse pelos principios constitucionaes, ninguem o acreditava.
Não está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque se estivesse talvez me respondesse com o que se passa na Turquia; pois s. exa. é muito versado na legislação da Turquia.
Não sei o que se passa na Turquia, mas sei o que se passa nos paizes constitucionaes, nos paizes governados por instituições liberaes, e se se disser que no nosso paiz succede isto, que os municipios têem dinheiro e não lhes deixam fazer estradas, e os districtos fazem estradas ou não fazem, e essas são á custa do estado, e ao estado nada chega, pergunto, este estado não carecerá de remédio? Não estará isto mesmo a pedir a attenção dos srs. ministros para que se não dê o facto singular de haver falta de trabalho, havendo dinheiro para se fazerem obras?
Tem acontecido haver crises de trabalho entre nós, em que o numero de braços abunda sem haver em que os occupar, e o governo anda á busca de solução para dar trabalho a esses individuos.

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Em 1868 houve uma crise de trabalho. O governo quiz attender a essa crise, porque o governo só se lembra do Santa Barbara na occasião em que v. exas. sabem, e para se attender a esta crise o que succedeu? Havia meios nos cofres do diversas municipalidades sem applicaçõ; e uma commissão de que fiz parte, e custou-me isso ser apontado como socialista pelo sr. ministro da fazenda, recommendou ao governo de então que applicasse o dinheiro que estava á disposição das camaras municipaes para estradas municipaes, e que emprehendesse algumas obras uteis em Lisboa: querem saber o que fez o governo a respeito de estradas? Ficou tudo na mesma; não resolveu nada a respeito de estradas. E em Lisboa tratou de concertar conventos.
O governo só pensara nas eleições em Lisboa. A tendencia dos nossos governos é esta.
Ora pergunto eu, não seria bom, os processos velhos, visto termos um governo, e uma camara, que parecem desanuviados com respeito a certa tendencia ultramontana, porque nós vimos aqui, e estimo muito que esse facto se d'esse, que uma proposta do nosso collega o sr. D. José de Saldanha, embora traduzisse o pensamento de s. exa., que eu respeito muito, rejeitada por uma enorme maioria d'esta casa.
Eu folguei com isso, porque estamos assim libertos de ordens religiosas.
E não podia duvidar-se de que fosse por diante tal proposito, apesar da admiração do sr. ministro dos negocios estrangeiros pelas missões, por que felizmente s. exa. está muito só, e não sei qual seria a camara que votasse, segundo os seus desejos.
Como esta camara não tem a feição ultramontana, e deve ser principalmente inclinada ao estudo das questões positivas, pergunto eu se não seria melhor que ella empregasse a sua boa vontade na resolução dos serios problemas da governação; em vez de tratar-se de problemas que não são uteis.
Disse eu, que nós temos de certa maneira retrogradado, e é verdade.
Como é que se lança um imposto neste paiz?
Votada, por exemplo, a lei da contribuição predial, o que se faz?
Vae o imposto às juntas geraes de districto para que façam a distribuição pelos concelhos, e depois vae a contribuição passando por differentes corporações para que a divisão se faça o mais equitativamente que for possivel.
Quer dizer emprega-se toda a boa vontade para se conseguir uma divisão do imposto com a possivel igualdade.
Mas uma despeza o que é?
Uma despeza equivale a um imposto. Quando se vota uma despeza, isso equivale a votar um imposto.
Aquelles que votam uma despeza imaginando que ella é gratuita estão enganados. Votar despeza é votar imposto.
Ora, digo eu, se nós fazemos toda a diligencia para que uma contribuição seja equitativamente distribuida, porque é que esta despeza de 1.600:000$000 réis, que equivale a um imposto, ha de ser distribuida pelo governo como elle entender, sem que o parlamento tenha a menor intervenção no assumpto ?
O governo dispõe d'esta quantia a seu talante, distribue-a segundo as suas affeições politicas, segundo a sua vontade, segundo os seus caprichos; divide-a como quer e não como deve, a julgar pelo que disseram os srs. ministros das obras publicas e da fazenda.
Pergunto eu, isto é supportavel?
Pois ha de um parlamento dizer a um governo: aqui tem 1.600:000$000 réis, distribua-os como quizer?
O que ha de acontecer depois:
Chega-se um deputado ao ministro e diz: faça-me o favor desta estrada; chega-se outro e diz: faça-me o favor desta outra estrada.
O lado direito ha de ter todas as estradas, e o lado esquerdo nenhuma. Mesmo do lado direito uns hão do ser filhos e outros enteados.
Isto póde ser? Isto é serio? Isto é digno?
Eu pergunto se isto é digno, não só para a maioria mas para os proprios ministros.
S. exas. podem tolerar esta situação? Não se vexam disso mesmo que fazem? O que acontece depois? Se percorrermos as estatisticas o que vemos?
O Annuario estatistico publicou um trabalho curioso, muito conhecido em diversos paizes, e de que se fez uma applicação ao nosso. É, porém, bom que elle continue e se aperfeiçoe.
Pois fez-se um calculo a respeito da rede de estradas, que nós tinhamos, quer reaes, quer districtaes, quer municipaes.
Fez-se o calculo das estradas que havia em relação ao numero de habitantes. Ora a unidade do numero de habitantes é 1:000.
E o que se vê nesse Annuario?
Por exemplo em dezesete districtos vê-se que, em relação às estradas reaes o numero de kilometros construidos é de 1:007, por 1:000 habitantes, isto é, 1 metro por habitante.
Esta é a media; succede, porém, o que muitas vezes succede, que esta media tem uns desvios enormes, desde onde? Desde um districto em que ha 437,5 metros por 1:000 habitantes, até outro em que ha 2:000,2 metros.
Isto é, ha um desvio de 1 para 5.
Em relação á população, o desvio é enorme. Vamos ver agora em relação á área.
Por exemplo, a media do numero de metros de estrada construido por cada kilometro quadrado é de 46,6; mas nos districtos do continente, que são 17, esta media apresenta desvios de 12 metros a 132, isto é, quasi de 1 para 12.
Quer em relação á população, quer em relação á área a viação está distribuida com uma desigualdade pasmosa.
Diz o sr. Oliveira Martins: Mas esta distribuição não póde igualar-se completamente. De certo que não. (Apoiados.) Mas qual é o meio de chegarmos a esta igualdade, que é effectivamente o nosso desideratum? De certo que a igualdade, que é o nosso desideratum, é que cada um se governe, como melhor entender, e despenda n'aquillo que quer, não despendendo no que não quer. É necessario que, tendo o pleno uso de suas faculdades, gaste muito quem tiver bens de fortuna; quem não os tiver não gaste. Este é o verdadeiro principio da descentralisação. Cada população, cada districto, cada municipio, cada grupo de cidadãos, faz as despezas que entende; proporciona essas despezas aos seus recursos e às suas necessidades. Gastem muito ou gastem pouco conforme entenderem. Aquelles, que podem, façam diligencia por acrescentar os seus recursos; façam diligencia por poupar na applicação d'elles. Pensa alguém que se assim succeder ficam uns pobres e outros ricos? Suppõe v. exa. que os ricos contribuem para os pobres? E o sr. Oliveira Martins receiava, que nós ferissemos a unidade nacional, por fazer esta descentralisação? Está enganado. Não são os ricos que contribuem para os pobres. Os ricos gastam tudo em sua casa e dão muito pouco para os pobres. Mas o principio dessa solidariedade, que eu desejaria muito que fosse estabelecida, não seria quebrado por nós estabelecermos a administração d'este modo, fazendo que cada um governo segundo os seus recursos; porque, quando a alguem sobejasse muito, acudiria a outro a quem faltasse; mas em todo o caso não se dava a desigualdade revoltante, que se dá na applicação da despeza e na distribuição do imposto.
Quer v. exa. saber o que se dá, por exemplo, nas ilhas? E eu não me alargo muito em considerações a respeito das ilhas, porque estão aqui muitos illustres deputados representantes d'essas ilhas, e que com certeza muito melhor do que eu podem defender os interesses dellas. Mas nas ilhas,

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a desigualdade é realmente pasmosa e revoltante. Nas ilhas succede que a media por 1:000 habitantes é de 987 metros de estradas; mas os desvios vão desde 90 metros até 2:010 metros. De maneira que 1:000 habitantes nas ilhas têem 90 metros, emquanto que outros 1:000 têem 2:515. Quer dizer que os que têem 2:515, estão melhor do que; os de cá.
O sr. Augusto Montenegro: - Mas v. exa. disse ha! pouco que alguns de cá tem 1 metro, logo ainda estão peior do que os de lá.
O Orador: - Peço perdão. Eu disse que a media dos districtos no continente era de 1:000 metros por 1:000 habitantes, 1 metro por habitante, mas 90 metros por 1:000! habitantes está muito abaixo.
Eu disse que a unidade adoptada no Annuario para a população era de 1:000 habitantes, e que a unidade da área era de 1 kilometro quadrado. Ora nas ilhas, por kilometro quadrado ha a media de 120 metros; mas os desvios vão desde 14 até 247 metros.
E uma desigualdade revoltante! (Apoiados.)
Mas quer v. exa. saber o que succede, por exemplo, em dois districtos do continente?
Vamos a ver o estado em que se encontra a viação relativa á população, e á area nesses districtos, e comquanto elles contribuem pelos impostos. Por exemplo, vamos ao continente e achamos em um districto por 1:000 habitantes, 965 metros, e em outro 1:131 metros de estradas; em relação á area n'estes mesmos districtos ha em um d'elles por 1 kilometro quadrado 12 metros, e em outro 132 metros, isto é 12 para 132.
Vejamos n'estes dois distrietos o que acontece em relação aos impostos.
Servindo-me dos elementos que vem no Annuario estatistico, em relação a annos analogos a este vemos, por exemplo, que o districto que tem 12 metros de estradas por kilometro quadrado, paga de contribuição predial 103:807$825 réis; e que o districto que tem 13 metros por kilometro quadrado, paga 179:442$700 réis, isto é, não chega ao dobro.
Mas não nos contentemos com o imposto predial; vamos ao imposto de registo e encontrámos que aquelles districtos que têem por kilometro quadrado estradas na extensão de 12 para 132, paga 53:175$218 réis aquelle, e 149:442$700 réis este; de imposto industrial 24:933$759 réis o primeiro, e 39:335$437 réis o segundo; de imposto sumptuario, o primeiro 3:481$234 réis, e o segundo 2:364$734 réis.
Isto é que é singular.
O que tem menos estradas é o que paga mais. Onde ha mais estradas parece que devia haver mais carruagens; pois é exactamente o contrario. Quer dizer, o que tem 132 metros por kilometro quadrado, paga pouco mais de 2:000$000 réis, e o que tem 12 metros por kilometro quadrado, paga mais de 3:000$000 réis.
Pelo que respeita ao imposto de renda de casas, o primeiro, o que tem 12 metros, paga 9:543$264 réis, e o outro paga 10:336$676 réis.
Quer dizer, pelo que respeita ao imposto de renda de casas, pagam sensivelmente o mesmo.
Os que têem uma viação mais extensa do que outros dez vezes ou ainda alem, pagam de imposto só o dobro e raras vezes o triplo.
O que ha de acontecer em relação aos addicionaes lançados pelas juntas geraes, e que têem por base os impostos directos? Se isto succede com os impostos directos, com os addicionaes succede naturalmente de duas uma, ou não se têem lançado proporcionalmente, e então estarão desigualados os diversos districtos, ou alguns por exemplo têem feito baixar a base para augmentar o addicional, porque tambem acontece isto, haver alguns que pagam muito pouco de base e muito de addicional.
Para não cansar a camara não leio os elementos estatisticos que tenho aqui,
Por ahi se poderia ver qual a condição em que se achava a viação districtal. Ora, para acabar com isto, ou pelo menos, se não para acabar, para minorar os inconvenientes do arbitrio do governo, da sua boa ou má vontade, proponho que distribuamos a verba das estradas no parlamento; então é natural que se inspire o parlamento das necessidades de cada provincia, porque estão aqui os seus legitimos representantes, ou pelo menos, os que como taes se consideram, e na execução do plano se estabelecerá melhor a extensão de kilometros, que se ha de construir em cada provincia.
Isto não é novo. Já o fez o parlamento.
E acabou porque? Porque era mau Não; porque bom é; acabou porque v. exa. sabe que numa camara nem todos usam muito da palavra, e até um grande numero dos srs. deputados nem sempre vê com bons olhos aquelles que usam muitas vezes da palavra.
Por consequencia, ha um certo numero d'elles que usam da palavra e usam n'esta ou n'aquella questão, e muitas vezes têem de captar, por qualquer modo, a benevolencia, dos seus collegas, que não gostam muito de largos discursos; e, pela parte que me pertence, apesar de não ter cansado muito a attenção da camara n'este armo, por hoje, pelo menos, peço desculpa.
Mas porque acabou? Em annos successivos se executou a distribuição das estradas no parlamento, mas chegou um anno em que, ao apresentar-se o projecto da distribuição, depois de ser lido pelo sr. secretario, pediram a palavra 80 srs. deputados, que eram tantos quantos estavam sentados nestas cadeiras! Este facto honra as nossas tradicções parlamentares.
Diz-se às vezes que as maiorias são mudas e muitas vezes as opposições apreciam desfavoravelmente as maiorias por essa mudez. Pois, sr. presidente, quando não tenha outra virtude este systema que proponho, tem o grandissimo merito de obrigar todos a quebrar o silencio. Todos hão de pedir a palavra! (Hilaridade.)
Foi isto que aconteceu e póde acontecer ainda. Mas ainda bem que aconteça para não estranharem uns aos outros o usarem da palavra.
É um expediente que, ainda que não tenha senão esta vantagem, eu o aprecio muito, porque eu, sr. presidente, e meus collegas, não gosto muito de fallar.
Eu não gosto muito de fallar aqui. Mas gosto muito de ouvir fallar, e muitissimo de ouvir fallar bem. E quando alguem falla bem pouco me importa que seja meu amigo ou meu inimigo. (Apoiados.)
A influencia que a palavra tem sobre o meu espirito é enorme, porque não ha nada neste mundo que eu admire mais do que a palavra, (Apoiados.) e não acredito que nada seja mais poderoso para influir nas sociedades e revolucional-as do que a palavra.
O silencio incommoda; mas quando ouço outras palavras com as quaes eu não posso comparar-me de modo algum, entendo que devo guardar silencio.
Mas n'esta casa do parlamento é bom que todos os eleitores saibam como falla o seu deputado para verem a energia e o fervor com que elle pleiteia em favor da sua terra. (Apoiados.)
Eu podia agora contar uma anecdota, mas não o faço.
Vozes: - Conte, conte.
O Orador: - São só duas palavras. Eu estava ha muitos annos no Minho, em Vianna do Castello, e o parlamento n'essc anno tinha durado muito tempo, creio que até julho ou agosto, talvez como este anno. Eu estava á mesa com alguns cavalheiros que eu conhecia, e tinha chegado um cavalheiro que fallava muito.
Perguntei: Quem é este cavalheiro?
Responderam-me: É o deputado de tal circulo.
Era o representante de um dos circulos proximos.
Eu não quero dizer o nome do circulo porque não carecia de mais nada para se saber quem era o deputado.

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(Hilaridade.) Eu assistia satisfeito a ouvir o que elle dizia que tinha dito na camara.
Fez um discurso enorme para contar o que tinha dito. (Hilaridade.)
Isto mostra que um deputado ao voltar para a provincia, para o seio dos seus eleitores, tem uma grande satisfação em dizer que fallou muito. (Hilaridade.)
Eu disse: nunca ouvi este senhor, nem o conheço; porque eu nunca o tinha ouvido. (Grande hilaridade.)
Eu nunca o ouvi fallar, mas elle falla muito. (Hilaridade )
Ora, isto o que prova é que elle tinha grande satisfação em dizer às pessoas que ali estavam, algumas das quaes eram seus eleitores, que elle fallava muito; mas quer elle tivesse fallado, quer não, como elle tinha dito que tinha fallado, é o que lhe agradava. (Hilaridade.)
Por isso é que eu digo que com as estradas forçamos os deputados a fallar ou pelo menos a pedir as estradas para os seus circulos, o que é de grande vantagem, e alem d'esta vantagem a distribuição das estradas ha de ser feita com mais justiça e mais racionalmente e em condições muito melhores, porque não serão feitas então só pela vontade dos ministros e por solicitações mais ou menos humilhantes por parte dos deputados.
Antes quero que v. exa. se veja na situação embaracadissima, em que naturalmente se ha de encontrar, quando todos pedirem ao mesmo tempo a palavra; e tambem não será preciso saber qual ha de ser o primeiro, porque todos se inscreverão. E não haverá materia discutida, porque todos hão de querer fallar. (Riso.)
Por isso eu opto por este systema; e faço uma proposta n'esse sentido e pedirei que a illustre commissão e o governo a attenda, ou completamente, ou pelo menos de alguma forma.
Como já me alarguei mais do que desejava, vou ver se com summa rapidez indico quaes são as minhas propostas de substituição a estes artigos.
Os artigos 4.°, 5.° e 6.°, proponho que sejam eliminados.
Já v. exa. vê que é uma simples proposta e digo em quatro palavras a rasão porque proponho a eliminação deste artigo.
Diz o artigo 4.° e seu paragrapho:
"As empreitadas serão adjudicadas em hasta publica, precedendo concurso por trinta dias pelo menos.
"§ único. Os direitos e obrigações do estado e dos empreiteiros serão regulados segundo as clausulas e instrucções que na data do concurso vigorarem para as empreitadas e respectivos contratos.
Isto está regulado entre nós pelas clausulas e condições das empreitadas ou pelos regulamentos da administração de obras publicas.
Por consequencia, entende-se, que o que lá está se executa, e é escusado pol-o aqui na lei.
O artigo 5.° do projecto diz:
"São obrigados os empreiteiros, quando o governo assim lho exija, a escolher até metade do seu pessoal technico entre os engenheiros e conductores ao serviço do ministerio das obras publicas, commercio e industria, abonando-lhes os vencimentos, gratificações e ajudas de custo em vigor n'aquelle ministerio ao tempo da abertura do concurso.
Proponho a eliminação d'isto, e tambem sou engenheiro, (Apoiados.) e por isso não se estranhará que o diga.
Mas realmente collocar o governo na situação de obrigar os empreiteiros a receberem engenheiros ao seu serviço e pagar-lhes como o estado, não sei o que diga a tal respeito, não é agradavel nem para o governo, nem para os empreiteiros, nem para os engenheiros. Por causa d'elles é que eu proponho a eliminação d'este artigo.
Elimino o artigo 6.°, porque no artigo 1.° se diz que proponho que se póde fazer a construcção por administração.
Segue-se o artigo 7.° A este artigo proponho que se substitua o do projecto da commissão pela proposta do governo.
N'este ponto sou mais ministerial do que a própria commissão. Cousa singular.
E para que se veja a maneira porque eu encaro a questão. Encaro a questão sem me preoccupar nem com o governo, nem com a opposição. (Apoiados.)
Com respeito á opposição regeneradora, por exemplo, tambem o sr. ministro da fazenda disse que ella na sua historia tinha o contrato Langlois. Ha muitos que estão hoje com os srs. ministros que tambem tinham esse contrato na sua historia. Também não me preoccupo n'esta questão que considero inteiramente alheia á politica; nem com a opposição, nem com o governo, nem com a commissão; a minha opinião pende para o lado que é melhor, e n'este ponto a opinião que acho melhor é a do governo.
O projecto diz:
"Artigo 7.° Fica expressamente prohibida a construcção por conta do estado de estradas não incluidas no plano geral, de que trata o artigo 2.° d'esta lei, municipaes ou quaesquer outras, quer seja por adiantamento ou por qualquer outra forma, com excepção dos pequenos lanços de accesso a estações de caminhos de ferro.
Já disse hoje que este projecto me parecia mais de fazenda do que de obras publicas.
E aqui é que se vê bem que é do sr. ministro da fazenda a proposta de lei que diz assim:
"Artigo 11.° Fica expressamente prohibida a construcção por conta do estado de estradas não incluidas no plano geral, de que trata o artigo 2.° d'esta lei, ou que derem accesso a estações de caminhos de ferro, assim como de estradas municipaes, ou de quaesquer outras, quer seja por adiantamento ou por qualquer outra forma.
Exactamente o que quero é que não se faça senão o que está na lei e que o arbítrio do governo não entre em cousa alguma, que se não intrometia em estradas municipaes, para com isso alterar a genuidade do suffragio eleitoral. Mas o que é que se diz aqui?
"... com excepção dos pequenos lanços de accesso a estacões de caminhos de ferro.
Se o sr. ministro das obras publicas fica com este arbitrio, nós temos pequenos ou grandes lanços para as estações de caminho de ferro espalhados por todo esse paiz de uma maneira espantosa.
Ora isto não desejo eu, porque estes pequenos lanços dão em resultado um caminho de ferro feito em lanços, porque muitos poucos fazem muito.
Admitto portanto o principio do projecto do governo que me parece melhor, e se o governo se queixar de mim, parece-me que o faz com injustiça.
Do artigo 8.° com os seus paragraphos que são cinco proponho a eliminação.
Eu ouvi encarecer aqui este artigo ao sr. Oliveira Martins. Foi s. exa. quem aqui disse palavras as mais conceituosas, como s. exa. costuma sempre dizer, com respeito a este assumpto, porque respondendo ao sr. Pereira dos Santos, que notara a falta de plano com respeito á viação accelerada, disse s. exa.: "como o sr. Pereira dos Santos deseja muitos caminhos de ferro, aqui tem s. exa. este artigo, que lhe dá quantos s. exa. quizer".
Ora o sr. Oliveira Martins enganou-se; o que o sr Pereira dos Santos queria era um systema de caminhos de ferro estudado, e tanto o queria estudado, que notara ao sr. ministro das obras publicas o elle ter, não sei com que fundamento, ordenado o estudo de muitos caminhos de ferro, sem nexo, sem systema e sem pensamento. Ora, era evidente, que o sr. Pereira dos Santos não podia ter no seu pensamento um systema de caminhos de ferro formado de troços espalhados por todo o paiz, e por conse-

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quencia a resposta de s. exa. não podia satisfazer o sr. Pereira dos Santos. E se este cavalheiro tivesse usado da palavra, responderia muito melhor do que eu ao sr. Oliveira Martins.
Mas o sr. Oliveira Martins, apresentando este argumento sustentou, permitia me a phrase, a idéa mais estravagante que podia occorrer, não digo a um engenheiro nem a um administrador, mas a qualquer cidadão!
Ora imagine v. exa. o que está n'este projecto. Faz-se um estudo de estradas e depois diz se; estas estradas põem-se em praça por empreitadas e diz-se:
"Fica o governo auctorisado a dar como subsidio de construccão a quantia orçada para qualquer estrada de longo percurso, comtanto que não exceda a base kilometrica fixada no artigo 3.° ao empresario ou empreza que se proponha construir, em substituição d'ella, um caminho de ferro em leito proprio, como tracção a vapor, sempre que, ouvidas as estações competentes, o governo julgue conveniente a substituição.
O que me admira, é que haja um governo que acceite esta auctorisação!
Estou persuadido de que s. exa. o sr. ministro naturalmente não tenciona cumprir esta lei; talvez se dê o mesmo que aconteceu com o ministerio dos negocios de agricultura.
O que occorreu primeiro ao sr. presidente do conselho, foi vir aqui e dizer-nos, que tencionava crear um ministerio de agricultura.
Eu tive a ingenuidade de applaudir essa idéa. A opposição regeneradora, que era então maioria, combatia-a, mas eu não. Eu dizia que não era nem podia ser contrario á idéa da creação do ministerio de agricultura, da creação do ministerio que tratasse das cousas agricolas, fabris e commerciaes, que tanto importava a creação de um ministerio que tratasse do trabalho nacional. Entendia eu que era necessario encarregar alguem de cuidar superiormente de duas cousas, das quaes emquanto se não cuidar, quer o sr. ministro da fazenda trabalhe muito, quer não, certamente não se resolverá a questão financeira, e essas duas cousas são a instrucção e o trabalho. Sou, portanto, propugnador da creação dos dois ministerios, da agricultura e da instrucção.
Quero o desenvolvimento intellectual do paiz, assim como o desenvolvimento agricola e fabril, o que poderá talvez conseguir-se quando houver na administração superior dois homens, um que se compenetre bem das necessidades intellectuaes do nosso paiz, e outro d'aquellas a que é indispensavel satisfazer para que tenhamos uma viação accelerada que jogue bem com a viação ordinaria
e esta com as communicações marítimas e fluviaes, e todas com a producção, para que não succeda haver estradas sem haver productos que se transportem por ellas, ou haver productos sem haver estradas por onde possam ser transportados.
O estado de desequilibrio é o peior de todos. (Apoiados.)
Mas isto não se póde conseguir sem que o governo seja intelligente e trabalhador.
É necessario que os governos, os governadores civis, os administradores do concelho, as auctoridades, emfim, que todos nós levemos os nossos concidadãos a pensarem assim e quando isso succeder todos os cidadãos poderão contribuir para o desenvolvimento da prosperidade nacional, aliás podemos estar aqui a clamar, a chamar todos os cidadãos a cooperarem comnosco, que elles permanecerão silenciosos, descrentes, ou sem saberem, sem se quer poderem mesmo entender o que nós dizemos.
O jornalismo é sem duvida uma boa escola para escriptores e polemistas, mas não para administradores. Haja vista o primeiro escriptor da nossa terra.
Esse jornalista ao sentar-se nas cadeiras do poder disse que projectos tinha escripto de muitos, mas apresental-os é que era difficil.
E o que fez? Não fez nada.
Como disse o sr. Carlos Lobo d'Avila esteve dois mezes a estudar e ao cabo de dois mezes veiu a saber uma cousa e é que não sabia nada.
Mas o sr. ministro das obras publicas que já está algum tempo no ministerio e habituado a olhar para as questões de estradas e de caminhos de ferro, ha de reconhecer bem que estas palavras que aqui estão no projecto "fica o governo auctorisado a dar de subsidio... não hão de passar daqui.
Pois traça-se o plano das estradas que poderá comprehender estradas reaes e districtaes, e depois auctorisa-se o governo a, em um grande lanço de estrada real ou dis-trictal, substituir esse lanço por um caminho de ferro.
Em que terra se faz isto!
Quando agradar, mette-se entre duas secções de estradas reaes um caminho de ferro! Vae-se daqui para o interior da Beira e num bocado de estrada de 50 ou 60 kilometros mette-se um caminho de ferro!
Isto, sr. presidente, é a negação do principio estabelecido hoje, de que os caminhos de ferro não se devem estabelecer sem ser conhecida a zona tributaria d'esse caminho de ferro.
Os caminhos de ferro hoje é preciso estudal-os sob o ponto de vista não só do seu traçado, mas tambem sob o ponto de vista de conhecer qual ha de ser a zona tributaria d'esse caminho de ferro, e evitar que succeda que um caminho de ferro vindo entroncar com outro, fique uma parte de um d'esses caminhos enforcada.
Succede isso, por exemplo, com o caminho de ferro de Torres a Alfarellos e á Figueira, que enforca o caminho da Beira, ligando-se com elle na Pampilhosa e na Figueira; de onde resulta que os passageiros podem seguir para o seu destino servindo-se de uma ou outra companhia, por um ou outro lado.
Estão as duas companhias em lucta, guerream-se uma á outra, dizendo aos passageiros "venham por aqui, que é mais barato", e o que acontece é que as companhias enfraquecem e depauperam-se.
Na França, por exemplo, estudam-se os caminhos de ferro não como linhas, mas como redes, obedece-se a este principio, porque quando os caminhos de ferro se acham n'estas circumstancias, quando uma linha se vem metter n'outra, enforcando-se, esse caminho de ferro não póde subsistir.
Os governos têem obrigação de olhar por estas questões que exigem um estudo cuidadoso.
Quando ha doudos ou especuladores que fazem uma cousa mal feita, quem perde é o estado, porque os doudos não pagara, os especuladores tambem não, e quem tem de pagar é o estado.
Quem póde imaginar que se possam fazer caminhos de ferro nestas circumstancias e por este systema? Pensam talvez que se póde organisar uma companhia de caminho de ferro como se organisa uma companhia de trens ou diligencias n'uma certa extensão?
Isto que aqui está no projecto deve ser d'aqui tirado.
N'este ponto eu confio no sr. ministro das obras publicas; emquanto s. exa. estiver n'aquellas cadeiras, isto não se fará. Depois de s. exa. dali sair é possivel que alguem o faça, porque como não é bom, é muito provavel que não esqueça; se fosse bom naturalmente esquecia.
Proponho a eliminação do artigo e paragraphos.
E eu a querer resumir e sem o poder conseguir. Peço desculpa á camara.
O artigo 9.° é o que trata da questão financeira. Para mim este projecto não é outra cousa mais do que um expediente financeiro, mas digo como o sr. Oliveira Martins, é um expediente que se póde acceitar. Pela minha parte não o condemno, (não o censuro.

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O expediente o que é? Se eu o quizesse explicar pelo modo por que o explicou o sr. Pinheiro Chagas, talvez isto desagradasse ao sr. ministro da fazenda; mas não faço isto, porque já está muito bem explicado pelos meus collegas do lado esquerdo da camara.
Imagino que o sr. ministro da fazenda pensou em equilibrar os orçamentos de receita e despeza e creio tambem que este desejo o tem tido todos os ministros da fazenda. Não ha nenhum que não desejasse equilibrar os orçamentos, e creio mesmo que já alguns têem dito que o têem equilibrado, mas isso não passou de bons desejos.
Portanto, o sr. ministro da fazenda desejou equilibrar o orçamento, e occorreu-lhe reduzir a verba que estava no orçamento do ministerio das obras publicas consignada para estradas.
Afigurou-se-lhe que, havendo uma lei de dictadura, em virtude da qual veiu tambem para cargo do estado a viação districtal, tudo isto dava em resultado um despendio de 1.100:000$000 réis; porque, effectivamente até agora, andava por 740:000$000 réis a despeza com as estradas reaes, e d'esde que o governo tomasse a si as estradas districtaes, porque a verba para ellas no orçamento passava de 400:000$000 réis, o resultado era que do orçamento se eliminava uma verba de mil cento e tantos contos de réis. Por consequencia, s. exa. tinha assim um orçamento mais equilibrado.
Occorreu-lhe uma cousa que já se tem feito n'este paiz, e que ha de ser applicada a outras verbas, porque um tal pensamento ha de futuro ser bem aproveitado.
Não o contrario. Mas o que me parece bem é fallar com toda a franqueza, e não que o sr. ministro da fazenda chegue aqui e nos traga um projecto fallando de muita cousa a respeito de estradas que, como acabo de dizer não serve para nada, que não ha de ter realisação nenhuma e que depois venha architectar uma operação financeira para attender a certas necessidades.
Imagine v. exa. que o sr. ministro da fazenda pegava no orçamento e que tirava delle os 700:000$000 réis e depois lançava no orçamento apenas o encargo correspondente a um emprestimo desses 700:000$000 réis, e dizia-se encargo do empréstimo de 700:000$000 réis durante todo este anno.
Nós temos gasto em estradas, recorrendo ao credito em geral, como s. exa. disse, ha muito tempo; então recorramos de uma maneira clara, que ninguem fique em duvida, ao credito para as estradas na quantia que se entenda indispensavel para este anno, auctorisemos o governo, pelos meios convenientes, para levantar os meios necessarios para esta despeza. Isto é muito melhor do que estar a fazer emprestimos pequenos de 1.600:000$000 réis, com typos de 4 1/2, 5, ou 5 1/2.
Eu tenho ouvido dizer muitas vezes que é conveniente a uniformidade de typos, e outras vezes dizer que é bom mudar de resolução ao sabor das praças, outras vezes que quando se vae á praça se escolhe o typo do papel. Por consequencia, para que havemos de estar dezoito annos, até ao século XX, até 1904, a levantar una emprestimo com um só typo, como se isso fosse com relação a dois annos? Mas ainda com relação a dois annos, alguem póde dizer que d'aqui a dois annos esta lei existirá? Não virá o sr. ministro propor a alteração desta lei?
Não ha lei que dure dezoito annos neste paiz. E eu proponho:
"Artigo 3.° Para occorrer às despezas resultantes d'esta lei, será consignada no orçamento annual a verba correspondente, ou o encargo do respectivo emprestimo, no caso de se adoptar este meio.
Quer dizer, deixo a maxima liberdade ao parlamento para votar annualmente esta despeza; deixo ao parlamento a deliberação de em cada anno votar a verba que for necessaria. Assim resolvo conforme as circumstancias; mas estar a resolver segundo as circumstancias durante dezoito annos, é proceder menos acertadamente.
Eu não proponho cousa que comprometia o governo. O governo fica exactamente na situação que deseja, que é libertares d'este encargo este anno, se entender conveniente. Com respeito á questão technica não o embaraça o estabelecer, na minha opinião, aquillo que se me afigura por melhor.
E supprimo o artigo 10.° O artigo 10.° diz o seguinte:
"No orçamento do estado para o anno economico de 1887-1888, será incluida em artigo especial a verba de 80:000$000 réis para subsídios a estradas municipaes e respectivas pontes.
Isto é uma verba orçamental, e uma verba orçamental não precisa lei anterior.
Não vamos até lá. Não vamos até ao ponto de que, com respeito á maneira de organisar o orçamento, às verbas orçamentaes devam ser decretadas por lei.
Já basta que as outras verbas sejam decretadas por lei.
Que as verbas orçamentaes sejam decretadas por lei, não comprehendo.
Aqui diz-se:
No orçamento do estado para o anno de 1887-1888.
Mas tanto é n'este anno como nos outro, e por consequencia eu tiro este artigo, que está a pejar a lei sem necessidade.
O sr. Carrilho: - Mas é necessario incluir averba uma vez no orçamento. Se vier uma lei de meios e essa verba lá não estiver, o governo não póde pagar a despeza.
É necessaria uma auctorisação parlamentar expressa, sem que o governo não póde fazer a despeza.
O Orador : - Quando nas observações que fazemos temos a felicidade de deparar no caminho com o sr. relator do orçamento, é isso sempre uma difficuldade.
Pois o illustre relator não tomou a extravagante liberdade de dizer que, se não votámos este artigo, não se póde metter esta verba no orçamento!
Pois esta verba não é uma verba orçamental?
(Aparte do sr. Carrilho.}
Não diga isso, para que se não supponha que está fallando numa casa de ignorantes.
Tem-se feito referencias á lei do orçamento.
O sr. Carrilho: - E lei ou não é lei.
O Orador: - É lei durante o anno.
O sr. Carrilho: - É por isso mesmo que ahi está o artigo.
O Orador: - Isto não serve para cousa alguma. Não serve senão para que o illustre relator do orçamento, o sr. Carrilho, diga que é preciso.
Não é preciso para cousa alguma. É uma verba orçamental, e não póde ser outra cousa.
A contabilidade não é uma cousa para se mover unicamente á vontade de quem está á testa d'ella.
Pois póde alguém entender que um paiz se póde governar tendo uma burocracia que nem sempre é intelligente e que é teimosa, que não é lucida e que muitas vezes é... nem eu quero dizer o nome.
(Aparte do sr. Carrilho.)
Eu estou no meu direito.
Se s. exa. mo quizesse tirar...
Eu estou perfeitamente no meu direito. Mas não é d'isso que se trata.
Oh! sr. presidente! N'este paiz têem-se insinuado umas certas idéas, realmente estapafurdias! O que, porém, é para admirar, é que se tolere, mesmo no parlamento portuguez, o desplante inaudito com que um certo numero de individuos se impõem, sem possuirem nenhum titulo para e impor.
Em primeiro logar, o que se diz em toda a parte do mundo, é que a base do systema representativo, é a votação annual do imposto. Mas inventa-se uma repartição de

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Contabilidade, de que fazem parte orçamentologos; e essa repartição, ou antes, esses orçamentologos fazem leis que satisfaçam á sua vontade. Isto é inaudito! O que, porém, mais me admira é que sejam os proprios ministros os primeiros a supportar tal cousa! Para infelicidade nossa, temos actualmente um ministro que se senta nos bancos do poder, e que, apesar de ser um homem distincto e illustradissimo, supporta tal cousa. Entre os varios periodos porque este paiz tem atravessado, ha um conhecido por uma entidade historica.
Quando se tratava de fazer um orçamento, diziam os ministros: quem ha de fazer isto? Respondia-se: ha de ser o Florido. (Riso.) Isto é da historia. E porque é que o Florido, uma entidade historica que, desde que nasci, logo comecei a ouvir fallar della, era para tudo tido e havido? A camara sabe que, geralmente, os ministros acham-se sempre embaraçados quando se trata de fazer o orçamento. Eu não sei como os Floridos de hoje são supportados; mas o que é certo, é que o Florido de então era preciso. José da Silva Carvalho, Rodrigo da Fonseca e outros homens eminentes, quando se achavam embaraçados para fazer o orçamento, recorriam ao Florido. (Riso.) Florido vinha, e dizia-lhes:
"Como querem v. exa. o orçamento? Com deficit ou com saldo?"
Rodrigo da Fonseca, e mesmo outros ministros diziam então:
"Como, orçamento com deficit ou com saldo? Pois nós estamos tão embaraçados, isto vae tão mal, e havemos de ter orçamento com saldo?" (Riso.)
Respondia então o Florido:
"Sim, senhor; póde-se arranjar tudo de maneira que se faça um orçamento com saldo, ou com deficit, como quizerem. (Riso.)
E, sr. presidente, não havia Revolução de Setembro, não havia Restauração da carta, que deitasse abaixo o Florido. (Riso.)
No tempo de D. Miguel, não havia orçamentos, porque se não, haveria tambem por força um Florido! (Riso.) Ora, nós estamos ameaçados de outro Florido. (Riso.)
Actualmente elle insinua-se com todos os ministerios. Hoje está no poder um ministerio progressista, temos um Florido. (Riso.)
Ámanhã vem um ministerio regenerador, temos novo Florido. (Riso.) Outro dia póde vir D. Miguel (o que não é provavel); mas póde vir a republica, e eu estou quasi a dizer que então teremos ainda um Florido... (Hilaridade geral.)
Portanto, sr. presidente, eu supprimo este artigo, porque, sendo a verba orçamental só para este anno, nós a introduziremos no orçamento; e no anno seguinte o parlamento introduzirá no orçamento a verba que for necessaria para subsídios às estradas municipaes.
Proponho tambem a suppressão do artigo 11.°, que diz o seguinte:
"O governo dará annualmente conta às cortes do uso que fizer das auctorisaçoes conferidas nesta lei, e publicará os regulamentos necessários para a sua execução."
Com respeito á publicação dos regulamentos necessarios para a execução da lei, o artigo é inutil, porque o governo tem a attribuição de publicar os regulamentos necessarios para a administração. Portanto, é escusado este artigo, e alem disso póde servir de pretexto para se não executar a lei, dizendo-se que falta o regulamento. E a proposito, eu conto tambem á camara uma historia.
No congresso de 1837 havia um cavalheiro muito illustrado, e que depois foi ministro, e que se sentava ao pé de um provinciano, de muito bom humor, um homem como deviam ter sido os de 1836. Pois esse deputado illustre, e que mais tarde foi ministro, pedia a palavra muitas vezes, para. perguntar a um certo ministro por que rasão não executava uma determinada lei. O ministro respondia-lhe, e o deputado arguia-o em termos fortes.
Succedeu, porém, que esse deputado foi nomeado ministro, exactamente para a pasta d'aquelle a quem tinha tantas vezes interrogado por causa da tal lei. O tal provinciano, passado algum tempo, disse para um seu collega vizinho da bancada: "Ora vou perguntar a fulano por que rasão elle não executa aquella lei, que por não ter execução tantas vezes interpellou o seu antecessor. Vamos a ver o que elle me responde. Pediu a palavra, e fez a pergunta ao ministro. Sabe v. exa. o que respondeu o ministro? Levantou-se e disse: "Estou completamente habilitado para responder á interrogação do illustre deputado. A rasão por que não executei ainda essa lei, é porque falta o regulamento. Então o deputado disse: "Ora essa! Então o senhor estava sempre a perguntar ao seu antecessor por que rasão não executava a lei, quando sabia perfeitamente o motivo pelo qual não se executava?"
Portanto, digo eu que é melhor que na lei não venha esta disposição; porque mais tarde, o sr. Oliveira Martins, que tem um legitimo interesse em que se façam estes caminhos de ferro, por exemplo, pergunta uma vez ao ministro por que rasão não cumpre a lei, e o ministro responde-lhe que é por que falta o regulamento!
A outra parte do artigo, que obriga o governo a dar conta às cortes do uso que fizer desta auctorisação, tambem é melhor supprimil-a, porque os governos muito poucas vezes dão conta, e só as dão daquillo que bem lhes parece. Se houver alguma operação financeira, então terá de dar conta. Com respeito a estradas, tambem outras leis diziam que o governo havia de dar conta, e nunca as deu, ou rarissimas vezes. Portanto, eu proponho tambem a suppressão d'esta parte do artigo.
Creio que não será necessario inserir nesta lei uma disposição relativamente á apresentação do relatório. Quando houver um ministro que deseje elucidar o parlamento com todos os esclarecimentos existentes no ministerio a seu cargo, estou persuadido que elle satisfará á necessidade da apresentação de um relatório elucidativo e cheio de esclarecimentos sem a lei o obrigar a isso. Confio mais n'elle do que na lei, que tem sido até hoje improfícua e inefficaz a este respeito.
Concluo, propondo a suppressão deste artigo e o acrescentamento de um novo, que traduza a idéa que eu acabei de apresentar.
É o seguinte:
"Será votada annualmente pelas camarás a distribuição da verba destinada á construcção de estradas, consignando-se na tabella correspondente quaes das estradas comprehendidas nos planos approvados devem ser construidas.
Mando para a mesa as minhas propostas.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)

Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas

Substituição ao artigo 1.°:
A rede de estradas a cargo do estado será construída, por administração ou empreitada, nos prasos successiva e annualmente designados.
Camara, 31 de maio de 1887.= J. Elias Garcia.
Substituição ao artigo 2.°:

Proceder-se-ha immediatamente á organisação do plano geral de viação accelerada, e, em harmonia com elle, á revisão dos planos geraes das estradas reaes e districtaes, sendo ouvidas as juntas geraes dos districtos, as camaras municipaes interessadas, a junta consultiva de obras publicas, e bem assim o ministerio da guerra.
§ 1.° Estes planos serão approvados por lei, e só por lei poderão ser alterados.
§ 2.° As condições technicas das estradas serão esta-

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belecidas na conformidade da legislação em vigor. = José Elias Garcia.
Substituição ao artigo 3.°:
Nenhuma estrada ou lanço de estrada será construido sem que previamente tenham sido feitos, por conta do governo, os respectivos estudos.
§ 1.° Na adjudicação em praça de cada empreitada, não será, em regra, o valor desta excedente a 2:500$000 réis.
§ 2.° As obras de arte orçadas em mais de 12:000$000 réis não se comprehenderão nas empreitadas. = José Elias Garcia.
Substituição aos artigos 4.°, 5.° e 6.°:
Proponho que sejam eliminados os artigos 4.°, 5.° e 6.°
Camara, 31 de maio de 1881. = José Elias Garcia.
Substituição ao artigo 7.°:
Proponho que o artigo 7.° do projecto seja substituido pelo artigo 11.° do projecto do governo.
Camara, 31 de maio de 1887.= José Elias Garcia.
Substituição ao artigo 8.°:
Proponho que seja elimiriado. = José Elias Garcia.
Substituição ao artigo 9.°:
Para occorrer às despezas resultantes desta lei, será consignada no orçamento annual a verba correspondente, ou o encargo do respectivo emprestimo, no caso de se adoptar este meio.
Camara, 31 de maio de 1887. = José Elias Garcia.
Substituição aos artigos:
Proponho a eliminação dos artigos 10.° e 11.°
E que se acrescente o seguinte:
Artigo ... Será votada annualmente pelas camaras a distribuição da verba destinada á construcção de estradas, consignando-se na tabella correspondente quaes das estradas, comprehendidas nos planos approvados, devem ser construidas.
Foram admittidas.

O sr. Santos Crespo (para um requerimento): - Roqueiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga sufficientemente discutida a materia do artigo 1.°
Foi julgado discutido o artigo 1.°
O sr. Presidente: - Antes de se votar o artigo 1.° vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo sr. António Maria de Carvalho.
(Leu-se.)
O sr. Antonio Maria de Carvalho (para um requerimento): - Roqueiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte, que eu retire a minha moção.
Foi retirada a proposta.
Foi approvado o artigo 1.° salvas as propostas, que lhe diziam respeito.
Artigo 2.°
(Leu-se.)
O sr. Avellar Machado (sobre a ordem):-Mando para a mesa a seguinte substituição ao artigo em discussão.
"Artigo 2.° O governo, ouvidas as juntas geraes dos districtos, as camaras municipaes, os directores de obras publicas, e ajunta consultiva de obras publicas e minas, apresentará ao parlamento, dentro do mais curto praso, uma proposta de lei contendo as alterações que julgue conveniente introduzir no plano geral das estradas reaes e districtaes ao presente classificadas. N'estes planos não se incluem os lanços de serviço para as estações dos caminhos de ferro, cuja extensão seja inferior a 10 kilometros.
"§ 1.° O do projecto.
"§ 2.° As condições technicas das estradas reaes e districtaes, serão as que constam da legislação actualmente em vigor.
A largura typo será de 6 metros, podendo elevar-se até 8 metros em casos excepcionaes.
Só agora, sr. presidente, tarde e a más horas, me é dada em fim a palavra para entrar n'este importante debate apesar de na generalidade do projecto, mo haver iuscripto sobre a ordem e sobre a materia.
Mas esta illustre maioria, que tão preclaros engenhos possue, entende que deve frequentes vezes usar e abusar da sua força e do seu direito, abafando discussões de elevado interesse, não se preoccupando nada com o facto de estarem ainda inscriptos muitos oradores, (Apoiados.) tendo chegado até á perfeição de prorogar irrisoriamente as sessões, só para ter o gosto de as estrangular, cinco minutos depois de haver soado a hora regimental do seu encerramento, isto é, às seis horas e cinco minutos. (Apoiados.)
(Interrupção.)
Affirmo ao illustre deputado que num dos ultimos dias, havendo-se prorogado a sessão, se requereu a materia discutida às seis horas e cinco minutos, e se a sessão terminou às seis horas e vinte minutos, ou às seis horas e vinte e cinco minutos, proveiu isso da demora determinada pelas votações nominaes que se realisaram. (Apoiados.)
Não me admira nada absolutamente, que a maioria, em vez de permittir larga discussão de assumptos de altissima consideração para o paiz, prefira ouvir as larguissimas dissertações do meu amigo o sr. Antonio Maria de Carvalho, ácerca de mil cousas urgicas... já discutidas e votadas ha annos!
Tambm me não admira que a maioria goste de ouvir o sr. ministro da fazenda manifestar, durante compridas horas, a profunda sumpathia que professa pelo meu collega n'esta casa, o sr. Pinheiro Chagas, e que o sr. Marianno de Carvalho aproveite todas as occasiões para dirigir algumas amabilidades a este distincto cavalheiro. É ainda muito natural que o sr. Pinheiro Chagas, um dos mais talentosos ministros da ultima situação regeneradora, e ao mesmo tempo um dos parlamentares mais distinctos deste paiz, (Apoiados.) lhe responda pelo modo por que o sr. Marianno lhe dirige as perguntas. (Apoiados.)
Agora o que é de admirar, o que é para causar verdadeiro espanto, o que não tem explicação possivel, o que se não póde admittir, é que o sr. Antonio Maria de Carvalho, que não foi chamado á autoria, que nada absolutamente tinha com a questão, sob pretexto de discutir um projecto para que, me parece, não tem grande competencia, viesse tambem, como se diz em phrase vulgar, molhar a sua sopa, (Riso.) levando duas longas sessões a pretender demonstrar á camara que o sr. Pinheiro Chagas, quando ministro da marinha, tinha andado mal em garantir 1:200$000 réis de juro ao capital que se despendesse na construcção de cada kilometro do caminho de ferro de Ambaca, e bem assim que não deveria s. exa. abonar á companhia concessionaria o deficit que resultasse de não chegar o rendimento bruto para as despezas da exploração. (Apoiados.)
Ora veja, sr. presidente, a rasão com que nos taxa de obstruccionistas, o fundamento com que nos accusa de demorarmos as discussões, uma maioria que incita o sr. ministro da fazenda e o sr. Antonio Maria de Carvalho a discursarem quatro dias ácerca do caminho de ferro de Ambaca; uma maioria que tem a coragem de abafar a discussão do artigo 1.° deste importantissimo projecto, sobre o qual apenas tinha fallado para rudemente o atacar, com a sua elevadissima competencia, o distincto lente e engenheiro o sr. José Elias Garcia. A maioria não se levantou para lhe responder como era do seu brio; mas teve a triste coragem de votar a matéria discutida! Pertence a essa maioria um jornalista, que teve a leviandade, a imprudência, direi mesmo a insania de asseverar num jornal ministerial que um alto poder do estado havia estranhado a uma commissão de representantes do povo a morosidade dos trabalhos parlamentares, querendo de algum modo fazer recair sobre nós a responsabilidade do facto, responsabilidade que v. exa., sr. presidente, sabe perfeitamente que nos não cabe de modo algum. (Apoiados.) Somos nós que fazemos obstruccionismo, mas é o sr. ministro dos negocios estrangei-

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ros que leva tres dias a defender a propaganda fide, e os interesses da corte de Roma em resposta às judiciosas considerações feitas .pelo sr. Dias Ferreira. (Apoiados.)
Somos nós que fazemos obstruccionismo, mas é o sr. ministro da fazenda, Marianno de Carvalho, que, a pretexto de responder ao meu illustre collega e amigo o sr. Pereira dos Santos, faz, com a sua costumada imparcialidade, a historia do partido regenerador desde 1851 até hoje, apreciando os actos deste honrado partido á luz das suas conveniências políticas. (Apoiados.)
Somos nós que fazemos obstruccionismo, mas é o sr. ministro da fazenda e o sr. Antonio Maria de Carvalho que consomem dias e dias a discutir se o sr. Pinheiro Chagas podia ou não fazer alterações nas bases do concurso para a concessão do caminho de ferro de Ambaca. (Apoiados.)
Dizia o grande estadista marquez de Pombal, que todos os homens politicos tinham o seu diabinho, que viam conctantemente diante de si, bifurcado sobre o nariz, diabinho a que attribuiam todos os transtornos que surgiam para os seus planos.
O diabinho do sr. ministro da fazenda era, haverá proximamente um anno, um droguista ou hervanario que mora perto d'esta casa, ali adiante, ao pé do Rato. (Riso.)
Questão de rivalidades. (Riso. Apoiados.)
Depois os diabinhos do sr. Marianno de Carvalho foram-se succedendo, augmentando em quantidade e qualidade, até que surgiu um, que o desnorteou completamente.
Foi o sr. Pinheiro Chagas. (Apoiados.)
Não me admirarei pois, que, a propósito ou a desproposito de qualquer assumpto, o sr. ministro da fazenda venha mais uma vez discutir o caminho de ferro de Ambaca, a moeda de cobre de Angola, a concessão das aguas de Loanda e o regulo Gungunhana.
Não estranharei ainda que s. exa. peça ao sr. Antonio Maria de Carvalho, que discuta, durante duas ou tres semanas, se os embaixadores do referido regulo eram ou não authenticos, e se deviam ou não ter sido alojados num quarto andar da rua dos Capellistas, tudo, já se vê, para cumprimento do seu mandato, e para mostrarem ao paiz o modo como zelam a causa publica. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. António Maria de Carvalho.),
V. exa. não tem que se melindrar com as minhas palavras.
Eu sei bem a grande influencia de que v. exa. gosa no paiz, e que os eleitores de muitos circulos, e especialmente os de Arouca, estavam anciosos para lhe conferirem o mandato. No emtanto sempre foi bom que o governo mandasse dizer às suas auctoridades ali o nome do illustre deputado. j
É pois natural que v. exa. mostre agora como póde e sabe, visto que lho pedem, a sua gratidão ao governo, fazendo assim à vontade aos srs. ministros (Apoiados.)
Amor com amor se paga. (Riso - Apoiados.)
Notou o sr. Antonio Maria de Carvalho que o sr. Pinheiro Chagas, que em 1880, sendo ministro da marinha, fez á concessão do caminho de ferro de Lourenço Marques, fosse agora, eleito director da companhia constructora do referido caminho de ferro.
Francamente, não posso comprehender os reparos do illustre deputado, a não ser que s. exa. quizesse ser desagradavel a algum dos actuaes ministros.
Todos os homens publicos, sem distincção de partido, reconheceram a urgente necessidade de se construir sem delongas o caminho de ferro de Lourenço Marques, assim como todos reconhecerão que muito bom senso mostraram os accionistas d'esta companhia, escolhendo para seu director um cavalheiro tão competente e illustrado, tão apto para defender os seus legitimos interesses, como é o sr. Pinheiro Chagas. (Apoiados.) Que ha digno de reparo n'isto?
Demais o sr. Pinheiro Chagas nunca aqui declarou, ao menos que me conste, que não era accionista de nenhuma companhia de caminhos de ferro, e que, emquanto militasse na politica, não seria director de companhia alguma.
E o sr. Antonio Maria de Carvalho sabe perfeitamente que houve um deputado que fez estas declarações, e que poucos mezes depois appareceu director e grande accionista da companhia real dos caminhos de ferro. Mas esse deputado não tem assento d'este lado da camara.
Ora, se uma declaração tão categorica, feita á face do paiz, não foi impedimento para que esse nosso collega surgisse director de uma companhia de caminhos de ferro, a que proposito vem os reparos de s. exa. ao meu illustre amigo o sr. Pinheiro Chagas, por ter sido livre e espontaneamente eleito director do caminho de ferro de Lourenço Marques, elle que nunca em tempo algum fez declarações a este respeito. (Apoiados.)
E já me não deveria causar admiração que o sr. Antonio Maria de Carvalho distráhia dias e dias a camara com as suas retaliações; nem o critico por isso. Está nos seus habitos, constitue o seu modo do ser politico.
Sempre nesta casa procedeu do mesmo modo, conseguindo apenas levar-lhe a palma no comprimento dos discursos o sr. Elvino de Brito, que, com o pretexto de uma interpellação ao sr. Pinheiro Chagas, ácerca do regulo de Gungunhana fallou aqui quize dias e meio; (Apoiados. - Riso) e fallou muito bem, porque conhecia o assumpto de que tratava, o que não acontece ao meu amigo o sr. Antonio Maria.
E até me consta que o sr. Elvino de Brito se propunha então a apresentar as provas como candidato á pasta da marinha. Hoje que ella se acha vaga, se o governo pozer a concurso o logar, não será s. exa. o ultimo a chegaria meta. Poucos cavalheiros ha tão versados como o sr. Elvino em assumptos ultramarinos; s. exa. tem redigido proficientemente um jornal importantíssimo, destinado a advogar os interesses das nossas províncias ultramarimas, é muito applicado e talentoso e com todos estes requisitos póde ir muito longe. (Apoiados.)
É por isso que eu dizia que s. exa. se sentia já então com forças para sobraçar a pasta da marinha. S. exa. não é marinheiro, nem mesmo de agua doce, (Riso.) comtudo logo que saia a barra, e até chegar ao ultramar, tem tempo de sobra para se instruir n'esta parte dos negocios em que ainda não é especialista. (Riso.) É tempo de abandonar o sr. Antonio Maria de Carvalho, e entrar propriamente na discussão do projecto.
Sr. presidente, o sr. Elias Garcia disse muito bem que não comprehendia o motivo por que no artigo 1.° se dizia que "ficava o governo auctorisado a concluir toda a rede de estradas reaes e districtaes"; quando não conhecia lei que auctorise o estado a tomar posse das estradas districtaes.
Eu bem sei que existe um decreto dictatorial acabando com a engenheria districtal, cuja existencia, aliás, o sr. Marianno de Carvalho considerava indispensável para o desenvolvimento d'este importante ramo de viação; mas, que eu saiba, tal decreto não teve ainda sancção legislativa. É verdade que o governo solicitou já do parlamento a absolvição para os delictos constitucionaes que praticou na ausencia das cortes; não parece, comtudo, que os srs. ministros tenham grande pressa em regularisar a sua situação, trazendo á discussão o bem de indemnidade; (Apoiados.) receiam talvez que as vestaes, como dizia o sr. presidente do conselho, que têem assento n'este lado da camara, tenham o prurido de discutir os actos do governo, e por isso se não apressam a fazer-lhes a vontade. (Apoiados.)
E s. exa. disse muito bem que, por ora, e emquanto não fossem sanccionadas as medidas dictatoriaes, ao governo sómente compete a construcção das estradas reaes.
E a pura verdade. Se ha muitas estradas districtaes que os governos construiram por sua conta, praticaram um abuso censuravel, que não póde ser tomado como norma de procedimento. Eu sei que, por exemplo, no districto de

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Aveiro muitas estradas districtaes foram feitas á custa do estado, e não só construidas, mas ainda conservadas e policiadas.
Existiu sempre uma enorme desigualdade na distribuição dos fundos orçamentaes destinados á construcção das estradas reaes, e a subsidiar o desenvolvimento da viação districtal. (Apoiados.)
No anno economico de 1871-1872, o districto de Aveiro, por exemplo, recebeu do estrado para estradas districtaes 23:000$000 réis, numeros redondos, emquanto que no mesmo periodo o districto de Beja logrou obter réis 1$540 réis! (Riso.-Apoiados.)
Ora, é claro que com 1$540 réis por junto, em cada anno, não se construe estrada alguma, ainda que a subvenção dure até á consummação dos seculos. (Apoiados.)
Mas o districto de Aveiro sempre foi dos privilegiados. Nos annos economicos de 1872-1873 e 1873-1874 recebeu este districto, respectivamente, 30:500$000 réis e 34:100$000 réis, e o de Beja 350$000 e 626$000 réis. Em resumo, e só nos tres annos a que me refiri, o districto de Aveiro foi beneficiado na partilha de fundos para estradas districtaes com 87.:600$000 réis, emquanto que o districto de Beja apenas logrou alcançar 977$000 réis!
E explica-se este facto pela excepcional importancia dos influentes politicos que nasceram no districto, ou o representam em cortes. Assim, por exemplo, é de lá o chefe do partido progressista, o actual sr. presidente do conselho de ministro; representa-o n'esta camara o chefe do partido constituinte, o sr. José Dias Ferreira, que apesar de não ter soldados, possue pelo menos a importancia de um terço de chefe; (Riso.) finalmente, dispõe ainda da influencia protectora do meu amigo o sr. Matoso Corte Real, que é também, pelo menos, meio chefe politico no districto. (Riso.)
O sr. Matoso Corte Real: - Em Aveiro têem-se feito muitas estradas sem serem á custa do governo; e se os outros districtos fizessem o mesmo haviam de ter tambem essas estradas.
Têem-se feito á custa dos municipios.
O Orador:- De accordo; algumas estradas não foram feitas á custa do governo, mas foram-no muitos, e se os outros districtos recebessem analoga protecção dos governantes muito mais adiantada teriam a sua viação ordinária.
No anno economico de 1871-1872, por exemplo, em que o districto de Aveiro recebeu do estado 23:000$000 réis approximadamente para viação districtal, os de Bragança, Faro e Vianno do Castello não receberam um real, e os de Beja, Porto e Vizeu, cada um d'elles respectivamente apenas 1$Õ40 réis, 114$950 réis e 97$710 réis! (Apoiados.}
De 1871 a 1872 recebeu o districto de Aveiro para estradas districtaes 296 contos de réis, emquanto que ao de Beja pertenceram sómente 131 contos, ao de Braga 49 contos, ao de Bragança 48 contos, etc., etc.
Contra factos não ha argumentos, e eu apenas pretendo demonstrar a maneira irregular porque são distribuidas as verbas orçamentaes com applicação a estradas districtaes, corroborando assim a opinião do sr. Elias Garcia. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Matoso Côrte Real)
Estou usando do meu direito, e que agrade quer não a s. exa. hei de dizer aquillo que entendo, e que é a expressão da verdade. S. exa. sabe que tenho pela sua pessoa a maxima consideração, e não é motivo para se escandalisar o eu fallar no districto de Aveiro, e sómente para elogiar a dedicação com que tem sido servido pelos seus filhos mais prestimosos, e pelos seus representantes em cortes.
(Interrupção do sr. Matoso Côrte Real.)
Diz o illustre deputado que o districto de Aveiro não tem sido beneficiado pelos governos; pois tomara eu que os governos auxiliassem os restantes districtos do paiz, como têem auxiliado o districto de Aveiro (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Matoso Corte Real.)
V. exa. quer ainda um exemplo frisante? Pois bem. Ninguem n'esta casa ou fora d'ella ignora que o traçado do caminho de ferro do norte...
(Interrupção do sr. Mattoso Corte Real.)
Bem; como s. exa. nega tudo e até que seja semi-chefe politico no districto de Aveiro, eu retiro a expressão e continuo. Como ia dizendo, ninguem ignora que o traçado, a meu ver, e de muitos engenheiros, bastante prejudicial, que seguiu a linha ferrea do norte approximando-se de Aveiro, foi devido em grande parte, se não completamente, á influencia do primeiro orador de Portugal, José Estevão (Apoiados.) que por tantas vezes representou dignissimamente aquelle districto. (Apoiados.)
Ora creio que ninguem ousaria dizer isto para menoscabar a sua gloria. Afiançando eu que o districto de Aveiro deve os grandes melhoramentos que tem alcançado á influencia politica de homens taes, como o sr. Dias Ferreira, que eu muito respeito e considero, como o sr. Luciano de Castro, com cuja amisade me honro, etc., -é claro e evidente que nunca poderia trazer para aqui o nome d'esses cavalheiros para lançar sobre elles um desfavor. (Apoiados.)
V. exa. sabe perfeitamente que, se um districto qualquer mandar representantes a esta camara, que não tenham uma certa importancia politica, que não sejam oradores mais ou menos distinctos, é claro que o governo os não attenderá tão facilmente nas suas exigencias, que alias podem ser muito justificadas, como se elles possuissem as condições que aponto.
Disse o sr. Elias Garcia uma grande verdade, e é que entre os proprios partidarios, que sustentam e defendem uma situação, uns são considerados filhos e outros enteados. Cada um dos membros da maioria metta a mão na sua consciencia, e diga-me depois se os ha até que não lograram ter com os srs. ministros o mais insignificante grau de parentesco. (Riso.) Ora quando o governo, mesmo para com os seus partidarios, é de uma tal desigualdade na distribuição da justiça, o que nos acontecerá a nós, ou antes aos circulos que temos a honra de representar, se d'elle apenas depender o novo plano de estradas reaes e districtaes, e bem assim a distribuição, sem peias, dos 1:600 contos annuaes que está auctorisado a gastar na sua construcção?
Disse pois muito bem o sr. Elias Garcia, e eu concordo perfeitamente com s. ex.a, que este projecto, póde servir, na verdade, de meio importantissimo de corrupção politica.
Representa nem mais nem menos, do que um poderoso auxiliar ao systema usado até aqui, dos subsidios para estradas na vespera das eleições, dos subsidios para igrejas das freguezias pouco affectas á auctoridade, e de mil concessões de toda a ordem que o governo com mão prodiga espalha por todo o paiz quando se approxima o dia em que o povo é chamado a escolher livremente os seus representantes. Ora, se juntarmos ao terrivel arsenal das armas eleitoraes a nova reforma administrativa, que deu aos agentes do sr. ministro do reino as attribuições das corporações de eleição popular, e ainda por cima o actual projecto para a construcção de estradas, é melhor chegarmos á perfeição do governe nomear por decreto os representantes... da nação. (Apoiados.)
Ainda mais. Como arma politica este projecto póde ser posto ao lado d'aquelle celebre decreto dictatorial do sr. ministro da justiça, que sinto não ver presente, decreto em que se auctorisou a crear pequenas e microscopicas comarcas, algumas das quaes foram até garantidas por escriptura publica, resalvando-se a hypothese da queda do ministerio, hypothese que felizmente se não realisou ainda e Deus permitia que se não realise por ora. É indispensavel que o paiz se convença dos beneficios que tem a esperar desta economica e moralisadora administração. (Apoiados.)
Eu sei que houve circulos para os quaes alguns dias antes das eleições se chegou a mandar dizer por telegramma:

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"Podem votar com o governo, que têem o julgado certo". E mesmo sem sair do districto que tenho a honra de representar n'esta casa, podia talvez avivar a memoria do sr. ministro da fazenda, perguntando-lhe se em Rio Maior se passou alguma cousa de edificante ácerca da creação do julgado.
Mas não farei essa pergunta; ficará para outra occasiã,
Se me tivesse chegado a vez de usar da palavra na resposta ao discurso da corôa, ou se ella me chegar na discussão do bill, tratarei então largamente estes assumptos.
Por agora limito-me a supplicar á maioria que seja generosa e não tenha sempre engatilhado um requerimento para se julgar a materia discutida.
Permitta que eu use da palavra na discussão do bill de indemnidade, para que o sr. Antonio Maria de Carvalho não tenha a crueldade de me repetir o que hontem me disse, quando, accedendo ás advertencias de v. exa. eu desisti de interromper e pedia palavra: "Interrompa-me e não se inscreva, dizia s. exa., porque são já tantas as vezes que o tem feito sem lhe chegar a palavra, que é melhor pôr de parte as recommendações da presidencia".
E creio que, realmente, era melhor que tivesse saltado por cima das observações presidenciaes, porque a discussão foi logo abafada.
(Interrupção do sr. António Maria de Carvalho.}
Eu interrompi ainda algumas vezes a v. exa. por essa occasião mas o sr. presidente lembrou-me que era melhor que me inscrevesse para responder a v. exa., e eu cumpri, como costumo, as determinações de s. exa.
Mas o sr. Antonio Maria de Carvalho aconselhou-me com uns modos taes, que me fizeram depois suspeitar que s. exa. já sabia que a discussão se havia de abafar em acto continuo, e que s. exa. estava encarregado pelo governo de tomar o tempo á camara, a fim de evitar que algum dos nossos collegas entrasse verdadeiramente na analyse do projecto.
Quem tem discutido tão importante assumpto? Na generalidade, os srs. Pedro Victor da Costa Sequeira, Pereira dos Santos e Frederico Arouca, por parte da opposição, respondendo numa estreia felicissima ao primeiro d'estes cavalheiros, o illustre relator do projecto, o sr. Eduardo Villaça, e respondeu habilissimamente, posto não conseguisse refutar os argumentos do sr. Pedro Victor, que se acham todos de pé; no emtanto s. exa. mostrou que ha de vir a ser um dos mais distinctos oradores da maioria. (Apoiados.)
Aproveito esta occasião, visto não ter podido fazel-o hontem, para felicitar o meu prezado amigo e collega, sr. Eduardo Villaça, pela sua brilhante estreia, que, se a alguem podia ter causado admiração, não foi a mim com certeza, porque, tendo s. exa. collaborado commigo por muito tempo, em trabalhos da nossa especialidade, eu posso dar testemunho da sua assiduidade extraordinaria, do seu talento superior e da sua modestia rara. (Apoiados.)
Disse, e muito bem, o sr. Elias Garcia, que não conhecia determinação alguma, pelo menos, com sancção parlamentar, que regulasse as condições a que devem satisfazei-as estradas reaes e districtaes, a não ser a carta de lei de 15 de julho de 1882, e portaria de 18 de setembro do mesmo anno, que d'ella deriva.
N'essa lei está expressamente determinado quaes as condições a que deverão satisfazer as estradas tanto reaes como districtaes, em planta e em perfil, as suas larguras, typos, etc.
Ha uma disposição posterior do sr. Emygdio Navarro que altera profundissimamente este modo de ser. Mas s. exa. ha de reconhecer que não se pode applicar o principio ahi estabelecido, com tanta generalidade,
Como demonstrou cabalmente o sr. Fuschini a questão da largura das estradas não é uma questão do capricho. Se se fizer uma estrada que tenha um largo moviniento de circulação de vehiculos de rodas, que ligue entre si pontos importantissimos, e se se lhe der apenas a largura do typo geral, fixado pelo sr. Emygdio Navarro, 6 metros, que era o minimo da legislação anterior, typo n.º 4, succederá que é absolutamente impossivel conservar essa estrada em bom estado.
Se a faxa de rodagem não tiver a largura devida, em harmonia com a intensidade da circulação, os trabalhos de conservação serão constantes e as grandes reparações que haverá a fazer não permittirão o transito pela estrada na maior parte do anno; a despeza annual excederá tambem em muito o juro do capital que seria necessario empregar para construir uma estrada com a largura conveniente, em harmonia com a circulação que por ella se faz.
É necessario, por consequencia, qne este typo geral de 6 metros, estabelecido pelo sr. Emygdio Navarro, tenha numerosas excepções, não por luxo, mas no proprio interesse do estado.
Assim como seria um grave desperdicio construir todas ou quasi todas as estradas do primeira e segunda ordem, com os typos n.º 1 e 2, assim tambem é indispensavel não cair no excesso opposto, estabelecendo, quasi que no absoluto, para todas o typo n.º 4.
V. exa. sabe perfeitamente que as condições technicas exigidas para todas as estradas districtaes, iguaes às das estradas reaes, fizeram com que muitas d'essas estradas custassem mais 1:000$000 réis e 1:000$000 réis por kilometro do que rasoavelmente deveriam custar para satisfazerem completamente às necessidades da circulação.
É, a meu ver, indispensável que sem fixar regras absolutas se deixe, em cada região, ao bom criterio dos engenheiros e das estações superiores, d'entro de certos limites, a fixação das condições technicas e da largura de cada estrada de per si.
A verdadeira economia, a economia mais real e verdadeira que se póde fazer numa estrada, é a escolha de um bom traçado.
Todas as outras circumstancias, em igualdade de condições, têem uma influencia secundaria.
A commissão diz aqui no artigo 2.° do projecto:
"O governo, ouvidas as juntas geraes dos districtos e a junta consultiva de obras publicas e minas, procederá immediatamente á revisão dos planos geraes de estradas, reaes e districtaes ao presente classificadas, decretando n'esses planos as alterações que se julgarem necessarias, não podendo introduzir n'elles novas estradas, sem que sejam supprimidas extensões pelo menos iguaes nos actuaes planos.
"N'estes planos não se incluem os pequenos lanços de serviço para as estações de caminhos de ferro.
A legislação de 1862 estabelecia que o governo quando tratasse da elaboração de planos geraes de estradas, não só ouvisse a junta consultiva de obras publicas (então conselho de obras publicas), mas ainda que sobre esses planos se abrisse um inquerito de trinta dias, ouvindo-se as camaras municipaes, as juntas geraes dos districtos e todas as pessoas ou corporações, que, d'entro d'este praso, quizessem apresentar qualquer observação sobre a materia.
O principio estabelecido no artigo 11.° da carta de lei de 15 de julho de 1862 é justo e liberal, e não o podemos nem devemos pôr de parte.
Eu desejo que o sr. relator me diga se effectivamente é intenção do governo dispensar o inquerito e deixar de ouvir as camaras municipaes, as juntas de parochia e em geral todos os interessados nas alterações que pretende introduzir no actual plano das estradas reaes e districtaes.
Se o governo não quer que sejam ouvidas as camaras municipaes, as juntas de parochia e os individuos mais interessados na questão, nos termos em que era obrigado a fazel-o pela carta de lei de 15 de julho de 1862, parece-me que nenhuma garantia existe de que elle não desat-

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tenda a vontade dos povos, para sómente se guiar pelas imposições dá politica de facção. (Apoiados.)
Eu na minha moção de substituição ao artigo 2.° proponho que o inquerito seja feito como é determinado na lei de 1862; isto é, que sejam ouvidas as camaras municipaes, as juntas de parochia e todos aquelles que queiram allegar da sua justiça, para que as estradas sigam de preferencia um ou outro traçado, em harmonia com os interesses dos povos, e não como satisfação ao capricho de qualquer auctoridade, ou influente politico.
Elaborado o plano geral das estradas pelo modo que indiquei deverá ainda o governo submettel-o á approvação do parlamento. Esta disposição, que eu proponho, é a mais liberal e a mais sensata, e evita muitas difficuldades ao governo, e não digo só a este, mas a qualquer outro que lhe succeda.
No artigo 2.° do projecto do governo reservava este para si estabelecer o novo plano das estradas reaes e districtaes ao presente classificadas, para o harmonisar com o plano geral da viação accelerada.
O artigo 2.° do projecto da commissão permitte que as alterações a introduzir nos actuaes planos possam ser determinadas por qualquer circumstancia alheia às condições geraes do plano ferroviario.
V. exas. sabem que nenhuma alteração sensata se póde fazer no plano das estradas reaes e districtaas sem que esteja previamente elaborado o plano geral da rede dos nossos caminhos de ferro. Do mesmo modo o plano das estradas municipaes deve ser subordinado aos planos da rede da viação acelerada, das estradas reaes e districtaes.
É facto que o sr. ministro das obras publicas tem mostrado em alguns dos seus actos uma arrojada iniciativa e uma vontade firme, é verdade que nem sempre no sentido dos interesses do paiz. No emtanto eu desejava muito que s. exa. concentrasse toda a sua attenção para este importante assumpto, e que antes de tratar de quaesquer alterações no plano das estradas reaes e districtaes, fizesse elaborar um plano geral bem combinado da rede dos nossos caminhos de ferro.
É agora a occasião mais azada para isso, mesmo porque este trabalho se torna absolutamente indispensável para o governo poder cumprir o preceituado no projecto de lei que se discute.
De mais, s. exa. parece que já tem idéas fixas a este respeito, ou que, pelo menos, lhe é fácil coordenar as suas opiniões de modo a poder organisar em breve espaço o plano de que se trata. Se não fora assim, de certo que s. exa. se não abalançaria a mandar estudar por esse paiz mais talvez de 1:000 kilometros de novas vias ferreas, estudos que, a não terem applicação, a não obedecerem a um systema, representariam um grandioso numero de contos de réis consumidos em pura perda.
Ora quaesquer que fossem os motivos porque s. exa. mandou fazer esses estudos, quaesquer que sejam os principios a que s. exa. subordinou esses trabalhos, é certo que elles hão de contribuir para facilitar a execução de um plano geral de viação accelerada, que eu peco a s. exa. faça concluir com a máxima brevidade.
Se s. exa. me dissesse que se compromettia a concluir este plano e que, em harmonia com elle e com os inqueritos, informações consultas a que se refere a carta de lei de 10 de julho de 1862, procederia às alterações indispensaveis no plano geral das estradas reaes e districtaes, eu não teria duvida alguma em votar ao governo uma auctorisação n'este sentido, apesar de me não inspirar confiança politica, e dispensal-o-hia de trazer os novos planos á approvação do parlamento.
E votaria a auctorisação, por me parecer que, nos termos que indico, o governo difficilmente poderia fazer politica em um tão grave assumpto de administração.
Da maneira por que a commissão de obras publicas redigiu o artigo 2.°, não me é possivel votal-o.
Não ceda s. exa. aos desejos e às solicitações dos taes nossos amigos a que s. exa. se referiu em tempo, porque esses amigos só pretendem illudir os ministros e obrigal-os a praticar actos que muitas vezes lhes repugnam e que se traduzem habitualmente na satisfação de vinganças mesquinhas, ou de ridiculas vaidades da politica local.
Se para o anno s. exa. se sentar ainda nessas cadeiras, traga á camara um plano convenientemente estudado e meditado da rede geral de caminhos de ferro, e combinado com este, o das estradas reaes, e districtaes, e finalmente o das estradas municipaes, fazendo-os acompanhar de todos os esclarecimentos, informações e consultas que hajam servido de base á sua elaboração, e creia que terá bem merecido do paiz.
Diz o ultimo periodo do artigo 2.°:
"Nestes planos não se incluem os pequenos lanços de serviço para as estações de caminhos de ferro.
Com rasão o sr. Elias Garcia fez reparo no modo de expressar da commissão.
O que são pequenos lanços? Como se traduz esta palavra em números? Não tenho duvida nenhuma em acceitar a doutrina, mas desejo que se fixe bem qual será a extensão maxima dos taes pequenos lanços.
Vozes: - Deu a hora.
O Orador: - Se deu a hora, peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Presidente: - Está levantada a sessão.
Era meia noite.

Rectificações

Na sessão de 30 de maio, pag. 879, col. 1.ª, lin. 40.º, onde se lê "nem talvez o prurido", leia-se "nem tive o prurido"; pag. 879, col. 1.ª lin. 66.º, onde se lê "eu julgo ser mais a confusão", leia-se "eu julgo ver mais a expressão"; pag. 879, col. 2.ª, lin. -19.ª, onde se lê "opposições fundamentaes", leia-se "opposições parlamentares"; pag. 880, col. 2.ª, lin. 26.º, onde se lê "e effeituo a economia de 200$000 réias leia-se "e por effectuar a economia de 200$000 réis".
Na mesma sessão, discurso do sr. Antonio Maria de Carvalho, pag. 884, col. 1.ª, lin. 40.ª, onde se lê "rendimento liquido", leia-se "rendimento bruto"; pag. 885, col. 2.ª, lin. 14.º, onde se lê "o interesse d'este será ganhar", leia-se "o interesse deste será gastar".
Na sessão de 31 de maio do 1887, discurso do sr. D. José de Saldanha, pag. 889, col. 2.ª, lin. 58.ª onde se lê "effeito", leia-se "respeito"; mesma pag. e col., lin. 72.ª, onde se lê "não tomaram", leia-se "tomaram"; pag. 890, col. 1.ª, lin. 10.ª, onde se lê "financeira; é também", leia-se "financeira. É também"; pag. 892, col. 1.ª, lin. 27.ª onde se lê "ponderar mais", leia se "ponderar mais que"; pag. 892, col. 2.ª, lin. 23.ª onde se lê "que esses paizes" leia se "que nos paizes"; pag. 892. col. 2.ª, lin. 64.ª, onde se lê "desejava", leia-se "desejaria".

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

Página 930

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