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SESSÃO NOCTURNA DE 16 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

Antonio Teixeira de Sousa
Julio Antonio Lima de Moura

SUMMARIO

Entra-se logo na ordem da noite, continuando a discussão do bill na especialidade. - Termina o seu discurso, comedido na sessão diurna, em defeza do projecto, o sr. Elmano da Cunha, que se occupou, em especial, do decreto sobre liberdade de imprensa. - O sr. ministro da instnicção publica apresenta uma proposta de lei, organisando a secretaria e serviços do ministerio a seu cargo. - Combate o projecto do bill, apreciando em especial os decretos dictatoriaes n.ºs 2, 3, 4 e 5, e justificando diversas emendas, que manda para a mesa, o sr. Francisco de Medeiros. - O sr. Carrilho apresenta o parecer da respectiva commissão, sobre o orçamento geral do estado para 1890-1891. - Tomam parte no debate sobre o bill, a favor, o sr. Cardoso Pimentel, que sustenta uma moção de ordem e um additamento, e contra, o sr. Roberto Alves, occupando-se ambos, em especial, da parte juridica dos decretos dictatoriaes. - Fica o sr. Roberto Alves com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Abertura da sessão - Ás nove horas da noite.

Presentes á chamada 76 srs. deputados. São os seguintes: - Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Moita Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Ennes, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Aulunio Maria Pereira Carrilho, Antonio Costa, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Augusto Cariou de Sousa Lobo Poppe, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto José Pereira Leite, Barão de Paçô Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Carlos Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Conde de Villa Real, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo de Jesus Teixeira, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Gabriel de Freitas, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jacinto Candido da Silva, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Marcellino Arroyo, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vascoccellos, João Pinto Moreira, João Simões Pedroso de Lima, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Arnorim Novaes, José Bento Ferreira de Almeida, José Domingos Ruivo Godinho, José Estevão de Moraes Sarmento, José Julio Rodrigues, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria de Sousa Horta e Costa, Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel Vieira de Andrade, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro Victor da Costa Sequeira e Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Antonio Maria Jalles, Arthur Hintze Ribeiro, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Eduardo Abreu, Emygdio Julio Navarro. Fernando Mattozo Santos, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Frederico Ressano Garcia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, João Cesario de Lacerda, Joaquim Simões Ferreira, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, José Elias Garcia, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Luiz Ferreira Freire, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Greenfield de Mello, José Monteiro Soares de Albergaria, Julio Antonio Luna de Moura, Luciano Cordeiro, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Pinheiro Chagas e Visconde de Tondella.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Antonio Baptista de Sousa, Antonio José Arroyo, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Maria Fuschini, Augusto Ribeiro, Bernardino Pereira Pinheiro, Conde do Côvo, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Severino de Avellar, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João de Barros Mimoso, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Machado, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Frederico Laranjo, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Latino Coelho, José Maria dos Santos, José Paulo Monteiro Cancella, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Manuel Affonso Espregueira, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão, na especialidade, do projecto de lei n.° 109 (bill de indemnidade)

O sr. Presidente: - Continua no uso da palavra, que lhe Ficou reservada da sessão diurna, o sr. Elmano da Cunha.
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O sr. Elmano da Cunha: - Pouco acrescentarei ao que na ultima sessão disse a proposito de dictadura e dictaduras, causas e remedios d'ellas.
Digo como os illustres ex-ministros srs. Navarro e Francisco Beirão.
«É tempo de pôr um ponto final n'esta fórma de governar. É preciso uma reforma profunda nos nossos costume politicos.»
Substituirei apenas os costumes politicos por costumes parlamentares.
Sr. presidente, entrando na especialidade do debate direi, que mal comprehendo os clamores n'esta casa levantados contra a nova lei de imprensa.
Eu sempre pensei, e melhor pensei desde 20 de março de 1868, que a lei de imprensa não passa de um simples regulamento sobre o exercicio de uma liberdade em relação com outras tão sagradas como ella.
Com effeito, sr. presidente, segundo os artigos 359.° 360.° do codigo civil, que todos os partidos votaram alegremente como obra prima, que é, são direitos originarios e fonte e origem de todos os outros - o direito de existencia e o direito de defeza, e o direito de liberdade.
O direito de existencia, diz o artigo 360.°, não só comprehende a vida e integridade pessoal do homem, mas tambem o seu bom nome e reputação, em que consiste a sua dignidade moral.
O direito de defeza, segundo o define o artigo 367.° consiste na faculdade de obstar a violação dos direitos naturaes e adquiridos.
O direito de liberdade deve ser tal qual o define o artigo 361.°, o livre exercicio das faculdades intellectuaes, comprehendendo pensamento, expressão e acção.
Finalmente, ao que vejo do artigo 363.°, o direito de expressão e livre, emquanto d'elle se não abusar em prejuizo da sociedade ou de outrem.
Do que tudo concluo, sr. presidente, que não pode ha ver liberdade alem do direito que a limita; que o direito envolve necessariamente duas idéas de relação, relação com todos os outros direitos, que com essa liberdade se exercem na mesma sociedade, e com a obrigação de se respeitarem.
Permitta-me v. exa., sr. presidente, que use de uma comparação que mais ao vivo exprima a idéa que faço d'estas cousas, que a paixão politica parece querer desvirtuar, a tanto leva e arrasta!
Suppondo que em um vasto oceano emerge uma pequena ilha, a que chamarei a liberdade de imprensa, está claro que ella pode estender-se a sua vontade emquanto não encontrar outras ilhas, quero dizer outros direitos, a um dos quaes chamarei - bom nome e reputação.
A ilha da liberdade de imprensa tem, pois, de parar na linha em que se encontrar com a honra particular, ou se assim não succeder ha de feril-a ou subvertel-a por força.
Este facto já não constituo direito nem liberdade; mas constituo sómente abuso de liberdade e abuso de direito.
De fórma que, sr. presidente, a peregrina theoria das liberdades, consideradas cada uma isoladamente, lembra-me o congresso dos deuses, que por terem todos iguaes e absolutos direitos, acabaram por dissolver o parlamento, dissolver a sociedade e passarem á historia.
Ora, quer v. exa. saber, o que era entre nos a liberdade de imprensa?
Genuina e correctamente um direito novo, o direito de diffamar quasi impunemente. (Apoiados.)
Durante vinte e quatro annos de fôro e de exercicio do meu emprego de contador na terceira vara civel de Lisboa, tem-me passado pelas mãos milhares de processos por abuso de manifestação de pensamento.
Posso affirmar a v. exa. e a camara, que raro será aquelle em que se não julgue provada a attenuante de provocação por injuria pela imprensa ou outro meio; raro
aquelle em que o offendido se não queixe amargamente da benevolencia do juiz para com o offensor.
D'aqui tenho concluido, sr. presidente, que não existe liberdade cujo uso seja mais difficil, nem mais facil o abuso; que similhante liberdade se exerce entre nós por uma fórma vergonhosa e indigna, e que os mesmos que d'ella usam por essa fórma, se consideram aggravados pela lenidade das penas applicadas aos que os insultaram, injuriaram, diffamaram ou calumniaram.
De modo que, ou se vae perdendo entre nós o sentimento de toda a dignidade, o que é grave, e deve intervir o legislador; ou vae chegando o momento em que e tal e tão geral o mal-estar, que approxima da revolta, quando não da revolução.
A lei de imprensa actual era, pois, absolutamente necessaria.
Para a imprensa digna e illustrada, a verdadeira evangelisadora dos tempos modernos, a que corrige nobremente, a que critica sensatamente, a que ensina e a que illustra, para essa qualquer lei será excellente, nenhuma seria ainda magnifica; para a outra, a que se deprime e avilta, deprimindo, aviltando o denegrindo a mesma virtude austera, a que viola a consciencia, o fôro intimo, as intenções, o santuario da familia, a vida particular do cidadão que trabalha, pondo-o ao raso do cidadão que delinque, para essa qualquer lei será pessima, e nenhuma seria ainda peior, porque ficaria então sujeita a todos os arbitrios do poder, e a todas as arbitrariedades da policia. (Muitos apoiados.)
O decreto dictactorial responde, pois, a uma verdadeira necessidade publica. (Apoiados.)
A instituição do jury e uma instituição desacreditada; não quero com isto dizer que não seja uma conquista, mas considero-a uma conquista para guardar, para casos excepcionaes e para melhor tempo, como o vinho generoso que só se depura e torna excellente depois de velho.
Tenho noticia de duas condemnações por cinco votos contra quatro.
O illustre advogado o sr. Holtreman, ha pouco fallecido, tinha noticia de dois réus absolvidos a sorte, que o mesmo é dizer ao acaso.
De ordinario e só um dos jurados quem absolve ou condemna, o mais illustrado ou o mais auctorisado. Servi em dois turnos de jurados, e posso affirmar a v. exa. que o jury absolveu uns e condemnou outros réus pela exposição que lhe fiz das provas escriptas e oraes.
Ha jurados que dormem e ha alguns que se alimentam decentemente, em pleno tribunal.
Se o julgamento por um juiz singular tem senões, os jurados são ainda mais impressionaveis.
Tenho visto condemnar e absolver por motivos e influencias singelamente politicas. A consciencia e uma grande luz, quando esclarecida: quando em trevas, limita-se a uma palavra.
Finalmente, os julgamentos que não deixam os fundamentos escriptos do seu voto, escapam a toda a responsabilidade, porque escapam a toda a critica.
Cada jurado descarrega metade da sua responsabilidade no seu vizinho da esquerda e a outra metade no da direita, o, em conclusão, nenhum jurado é responsavel.
Ha decisões absolutorias julgadas iniquas, e o que é mais grave ainda, ha decisões condemnatorias julgadas igualmente iniquas.
Conservem, pois, a famosa conquista como uma reliquia; como tal não lhe contesto o valor.
Eu por mim, grande innocente ou grande culpado, preferiria ser julgado por um juiz singular togado, com recurso para um tribunal collectivo.
Exponho uma opinião em presença dos factos; cada qual guarde a que tem.
Em materia de recursos sigo o meio termo. Acho inutil e perigoso o recurso do despacho que manda responder em

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audiencia. É um meio muitas vezes de illudir o julgamento, e escapam-se muitos réus por esse mero expediente. Se póde dar-se um ou outro caso em que seja plausivel o recurso, e isso menos perigoso do que o systema contrario. Não digo á camara todas as rasões que tenho para justificar o meu voto, mas a verdade e que tenho algumas rasões para as ter.
Em todo o caso, e como esta questão de legislação e uma questão experimental, mormente em materia penal, será bom experimentar antes de condemnar em termos absolutos e por virtude de uns principios, cuja preoccupação muitas vezes não permitte a liberdade de uma providencia necessaria e rasgadamente franca.
Esqueceu-me referir-me a uma apreciação de um insigne jurisconsulto a proposito de censura theatral.
Eu sei perfeitamente que o senso esthetico não e o mesmo em toda a gente, e ás vezes parece faltar a homens de alto valor intellectual, como faltaria a José Estevão, se elle detestasse a musica. Mas ha um senso esthetico geral, irreductivel, rebelde a analyse, e indocil a todos os argumentos, que não soffre, sem que o sacuda, um mau gosto excepcional.
O theatro ou moralisa e instrue ou preverte. Uma menina bem educada aprende mais em meia hora de theatro do que na leitura de cem romances.
As figuras ao vivo têem esse particular inconveniente; e ninguem tem realmente obrigação de ser mais decente e virtuoso do que o tempo em que vive, e os exemplos que recebe. Eu comprehendo a nudez nos climas quentes; nos frios e nos temperados ha uns decoros a guardar, que ao legislador nunca ficou mal affirmar.
Eu sou muito peccador, serei; mas poderia asseverar ao illustre jurisconsulto a que me refiro, se elle aqui estivesse, que nunca tomei o meu banho na presença de um creado, nem ainda velho.
São feitios. Este é o meu.
Pelo que respeita ás caricaturas de homens publicos, tambem tenho a minha opinião, e cada qual vê as cousas segundo os olhos que tem.
Eu creio que as multidões ainda precisam de deuses, e os deuses que se exibem no palco expondo-se ao ridiculo e a gargalhada dos mortaes, creio que não ficam inteiramente invulnerados, sejam elles deuses progressistas, ou sejam regeneradores e ainda republicanos.
Não tomo mais tempo á camara. Disse.
Vozes : - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção

A camara, convencida de que os decretos promulgados em dictadura, correspondem, nas suas providencias especiaes, ás necessidades da nação, approva os mesmos decretos a passa a occupar-se de outro assumpto. = Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa.

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Mando para a mesa uma proposta de lei para ser auctorisado o governo a organisar, sob certas bases, a secretaria e respectivos serviços do ministerio da instrucção publica e bellas artes.
Vae publicada no fim da sessão a pag. 675.
O sr. Francisco de Medeiros: - O discurso do sr. Elmano da Cunha causara-lhe uma impressão tão agradavel na sua parte rhetorica, como lhe parecera demasiadamente inquinado de facciosismo politico.
Não corria o tempo azado para facciosismos de qualquer especie. Eram enormes as difficuldades que nos obsidiavam e o paiz, attentando muito n'estas nossas luctas partidarias reflectindo no seu profundo mal estar, composto de desenganos politicos e de difficuldades economicas; vendo uma das nossas colonias em perigo perante a rapacidade insaciavel da nossa fiel alliada, e em cheque o prestigio de Portugal no ultramar, por virtude do descredito que nos ia de vir da consummação do prepotentissimo attentado contra os nossos direitos, o paiz talvez diga com mortal desalento o que o imperador romano dizia, nas vascas da agonia extrema, ao presenciar as disputas dos medicos em volta do seu leito - Vós disputatis et ego morior! (Vozes: - Muito bem.)
Não ia o tempo para facciosismos politicos, e sim para termos muito juizo e muito patriotismo, todos nos, eleitores e eleitos, governo e parlamento, monarchicos e republicanos, a fim de se poder com o esforço commum, conjurar os males que affligem a patria, que é de nós todos. Apoiados.)
Atravessâmos um periodo terrivel da nossa historia nacional. Ninguem podia prever as difficuldades novas com que ámanhã teriamos de luctar, pois que a situação do paiz era extremamente critica e melindrosa; e, por isso, talvez
como nunca fosse chegado o momento de todos os partidos politicos, preterindo e esquecendo antigos aggravos, fazerem uma concentração patriotica das suas forças, não para serviço dos srs. ministros d'esta ou d'aquella aggremiação politica, mas em favor do paiz, para defeza dos seus direitos mais sagrados e dos seus interesses mais legitimos.
Menos paixão partidaria, e completa devoção civica. (Apoiados.)
Parecia-lhe que estava invertida a discussão do presente projecto, pois que alguns oradores, quando se tratara da generalidade, tinham discutido a especialidade, e agora, que se tratava d'esta, outros oradores só tratavam da generalidade. Pela sua parte, restringir-se-ia a materia da especialidade, referindo-se rapidamente a alguns dos decretos dictatoriaes, emanados do ministerio da justiça. Nas mas considerações tomaria como orientação os mesmos principios de justiça com que na vida judiciaria costuma inspirar-se, ao proferir as suas decisões. (Apoiados.)
Era velho e dedicado amigo pessoal do illustre ministro da justiça; tivera sempre pelos seus altos merecimentos a mais profunda admiração e pelas suas distinctissimas qualidades pessoaes a mais affectuosa estima; mas nada d'isto o inhibia de apreciar liberrimamente os seus actos publicos. Amicus Plato, sed magis amica veritas.
Concordava em geral com as disposições preceptivas dos decretos n.ºs 2, 3, 4 e 5 de 29 de março ultimo; mas accentuaria as suas divergencias em algumas das propostas, que mandava para a mesa.
Começava por propor que ficasse sem effeitoo artigo 2.° do decreto n.° 2 que revoga o artigo 8.° da lei de 15 de abril de 1886. N'este artigo estatue-se que nos processos correccionaes, se o réu entender que o facto imputado não é prohibido nem qualificado crime por lei, pode interpor aggravo, com effeito suspensivo, do despacho que o manda responder em juizo. Achava justo que tal recurso fosse mantido como uma garantia individual, que em nada contraria o interesse da sociedade na repressão do crime. (Apoiados.)
Juiz de direito, nunca elle, orador, votaria, como legislador do seu paiz, uma medida qualquer, que inhibisse as partes legitimas de recorrerem dos seus despachos. Os recursos eram bons para todos e em todos os casos. (Apoiados.) Parecia-lhe anarchico estar hoje a revogar sem necessidade as leis de hontem; e dizia - sem necessidade - porque não sabe que o artigo 8.° da lei de 15 de abril de 1886 haja produzido maus resultados na pratica. E se elle não se tornou inconveniente para os interesses publicos, não devia ser revogado com damno dos accusados, que só com o facto do julgamento soffrem já um vexame, a que devem ter direito de se poupar, quando o facto de que são arguidos, não e prohibido pela lei criminal.
O legislador tem obrigação de attender ao meio em que governa, e não fazer e desfazer leis a capricho. Ora do

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Nosso meio não é que o referido artigo 8.º da lei de 1886 se tornasse prejudicial aos interesses publicos.
Tinha já ouvido dizer que tal recurso era meia absolvição do accusado e produzia demora no julgamento, quando convinha que ao delicto se seguisse logo a respectiva punição.
Tambem desejava toda a brevidade rasoavel no julgamento dos réus; mas a rasoavel, para que a brevidade excessiva não ferisse nenhum direito e nenhum interesse legitimo. Demais: os recursos não são meios de absolvição, são defensa de direitos; e se querem preoccupar-se tanto com a rapidez dos julgamentos, então a logica obriga a pedir a celeridade do despotismo e os julgamentos sem fórma nem figura de juizo. (Apoiados.)
Que mal faria ao governo o artigo 8.° da lei de 1o de abril de 1886? Era elle inquestionavelmente uma garantia individual, e, pelo facto de o ser, devia sómente ser abolido, quando se mostrasse prejudicial aos interesses publicos.
Estavam ali os representantes do paiz para fazer tudo o que fosse rasoavelmente necessario a manutenção da ordem publica, que é condição essencial e imprescindivel para o exercicio de todas as liberdades; mas, ao parlamento liberal de um paiz, que ainda é livre, cumpria sustentar tambem todas as liberdades individuaes, que não fossem um perigo social, como o não é esta de que se tem occupado.
Applaudia a crenção do processo correccional, intermedio entre a policia correcional e o processo ordinario; e, fazendo-o, estava dentro do credo do seu partido. Era esse o pensamento do decreto de 10 de dezembro de 1852 e o intuito de uma proposta de lei apresentada ao parlamento em 13 de maio de 1870 pelo illustre estadista, respeitavel e respeitado chefe do seu partido, o sr. José Luciano de Castro.
Verdade era que com a adopção d'esse processo intermedio, o jury deixava de intervir no julgamento de todos os crimes a que correspondam penas correccionaes; mas o lucido relatorio de que o sr. José Luciano fez proceder a alludida sua proposta, mostrava quanto havia de inconveniente e do perigoso em sujeitar ao jury o julgamento dos crimes de menor gravidade.
Elle, orador, não era contra o jury, uma vez organizado como devia ser; mas a experiencia tinha lhe mostrado que essa instituição, como ella é actualmente, não da garantias de boa administração de justiça no julgamento dos crimes leves. Sejamos liberaes, acrescenta o orador, mas não nos deixemos arrastar pelas exaltações da liberdade. A quem legisla, cumpre attender ao meio em que governa. (Apoiados.)
Com relação ao artigo 5.° do decreto n.° 2 propunha a substituição da palavra applicadas pela palavra applicaveis.
Segundo a determinação d'este artigo, era opinião geral que, sempre que o juiz applicasse ao réu uma das penas declaradas no mesmo artigo, qualquer que fosse, a pena applicavel ao crime, não se podia recorrer da sentença.
Se, assim fosse, o artigo 5.° do decreto n.° 2 seria uma arma terrivel contra os réus e contra a sociedade. Contra os réus, porque não poderiam recorrer de uma sentença injusta na condemnação ou no quantitativo da pena; contra a sociedade, porque, imposta uma pena demasiadamente branda aos criminosos convictos, ficava ella inhibida igualmente de reclamar perante os tribunaes superiores a repartição de uma injustiça, que a feria nos seus mais legitimos interesses. Arma terrivel para os proprios juizes, que tantas vezes seriam ahi malsinados de crueldade feroz ou de brandura escandalosa.
Em negocios de organisação judiciaria, a melhor lei será aquella que deixar menos arbitrio aos juizes; e serão dos melhores juizes os que menos usarem ou mais prudentemente usarem do arbitrio, que as leis lhes confiram. (Apoiados.)
Elle, orador, como juiz, não teria duvida em admittir o recurso da sentença em que impozesse aos réus qualquer das penas mencionadas no artigo 5,° citado, quando no crime fosse applicavel pena mais grave do que qualquer d'ellas; e para, isso prevalecia-se da portaria de 2 de julho de 1884, assignada pelo actual sr. ministro da justiça, explicativa do caso analogo do artigo 3.° da lei de 14 de junho de 1884, tambem da iniciativa do mesmo illustre ministro. Mas a sua opinião não é a geralmente seguida em face do artigo 5.° do decreto n.º 2; e por isso tem como absolutamente necessaria a substituição proposta.
Entendia que não convinha ficar nas mãos dos juizes aquella arma de dois gumes, embora elle, orador, não desconfie de si, e tenha inteira confiança nos seus collegas da magistratura judicial. Deseja isto com a mesma boa vontade que tem de que lhes seja igualmente tirada a ingerencia em causas de recrutamento, mas de recenseamentos eleitoraes, e emfim, em todas aquellas que respeitem inteiramente a politica, que sendo como é, apaixonada e egoista, por via de regra se insurge sempre contra os que a firam, embora o façam com justiça. (Apoiados.)
Tambem propunha uma substituição ao artigo 6.° do decreto n.° 2, tendente a fazer julgar o crime de diffamação, nos casos do artigo 408.° do codigo penal, e todos os crimes de abuso de liberdade de imprensa, por um tribunal collectivo. Esta proposta é assignada tambem pelo seu querido amigo o sr. Emygdio Navarro.
Parecia-lhe que a adopção d'esta proposta, que aliás não contrariava fundamentalmente o pensamento de decreto, seria uma garantia de boa administração de justiça criminal e um motivo de trauquillidade para alguns sobresaltos, que causou a reforma no sentido de subtrahir inteiramente ao jury o julgamento dos crimes de abuso da liberdade de imprensa. Achava conveniente e opportuno transigir com esses sobresaltos que, mesmo quando não fossem inteiramente fundamentados, eram sempre dignos de consideração. (Apoiados.)
Parecia-lhe tambem que os juizes dos tribuhaes administrativos dos districtos deviam ser equiparados nos vencimentos aos juizes de direito de 3.ª classe. A camara resolveria na sua alta sabedoria, como melhor lhe parecesse, tendo em vista a justiça, que assiste aquelles funccionarios e as circumstancias da fazenda publica, sendo, em verdade, tão incontestavel aquella, como é certo serem estas bem difficeis.
Chamava ainda a attenção do parlamento para, outra das suas propostas; é a que contem um additamento ao artigo 3.° do decreto n.° 5 de 29 de março.
Applaudia o pensamento e a contextura d'esse decreto que creou e regulamentou a instituição dos juizes auxiliares. Satisfazia-se com elle uma impreterivel necessidade do serviço judicial em Lisboa e Porto, assim como o illustre ex-ministro da justiça, o sr. Francisco Beirão, seu distincto correligionario e amigo, já quizera attender a essa necessidade com a instituição dos juizes instructores, que errava na sua excellente proposta de reforma judicial. Mas, se elle, orador, applaudia esse decreto, entendia do mesmo modo que era preciso dar competencia aos juizes dos districtos criminaes de Lisboa e Porto para, em complemento do corpo de delicio, procederem a qualquer diligencia que entendessem, necessaria para o descobrimento da verdade, parecendo-lhe que de contrario d'isto poderiam resultar inconvenientes graves.
Se o corpo de delicto, que é a pedra angular do processo criminal, fosse do juiz auxiliar para o juiz do districto criminal, ou deficiente ou irregular, era indispensavel que essa deficiencia fosse supprida, e a irregularidade emendada. (Apoiados.)
Depois de apresentar muitas outras considerações, terminou o orador dizendo que fazia votos para que não houvesse mais dictaduras em Portugal. Aquillo de que mais se carecia, no seu entender, era de respeito as leis, que é

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uma condição impreterivel de ordem publica, assim como a dictadura e sempre um processo politico de má raça. Desejava ver o poder forte e respeitado, quer elle fosse exercido pelos seus amigos politicos, quer pelos seus adversarios; mas esse respeito só elle conseguiria quando acatasse religiosamente as leis. A força do governo só lhe podia resultar da justiça dos seus principios e da correcção dos seus processos. Fóra d'isto era edificar na areia.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados de todos os lados da camara.)
(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
Leram-se na mesa e foram successivamente admittidas as seguintes:

Propostas

Proponho que o § unico do artigo 1.° do projecto seja alterado, de modo a consignarem-se n'elle as seguintes modificações:
1.ª Fica sem effeito o artigo 2.º do decreto n.° 2, respeitante a organisação do processo criminal. = Francisco de Medeiros.

2.ª No artigo 5.º d'este decreto n.° 2, fica substituida a palavra - applicadas - pela palavra - applicaveis - e no § unico do mesmo artigo as palavras - a contravenção, ou a transgressão da postura, ou regulamento municipal - ficam substituidas pelas palavras - ou á contravenção. = Francisco de Medeiros.

3.ª O artigo 6.° e § 1.° do mesmo decreto n.° 2, ficam substituidos assim:
Artigo 6.° O crime de diffamação, nos casos previstos no artigo 408.° do codigo penal, e todos os crimes de abuso de liberdade de imprensa, serão julgados por um tribunal collectivo, composto em Lisboa dos três juizes dos districtos crimiaaes, se a pena applicavel for alguma das mencionadas no artigo 3.° d'este decreto, e dos tres juizes auxiliares, se a pena applicavel for alguma das mencionadas no artigo 1.° do mesmo decreto; no Porto, dos dois juizes dos districtos criminaes e um dos auxiliares, alternadamente no primeiro caso, e dos dois juizes auxiliares e um dos districtos criminaes, alternadamente no segundo caso; nas outras comarcas, do juiz de direito e dois dos seus substitutos pela ordem da nomeação. Ao tribunal presidira sempre o juiz que for competente para os termos preparatorios do julgamento, depois da formação do corpo de delicto, sendo a fórma do processo a que corresponder ao crime, segundo a pena applicavel.
§ 1.° Nos casos previstos no artigo 408.° do codigo penal, em que e permittido ao réu provar a verdade dos factos imputados, um decreto especial regulara os termos do processo para se obter essa prova, observando-se, porém, a tal respeito o disposto na legislação vigente emquanto esse decreto não estiver em vigor, e logo que o réu declare que pretende provar a verdade dos factos imputados, será o processo remettido em Lisboa e Porto ao juiz do respectivo districto criminal. = Francisco de Medeiros = Emygaio Navarro.

4.º No fim do artigo 12.° do decreto n.° 3, respeitante a organisação dos serviços da administração da justiça, ficam acrescentadas as seguintes palavras - a de conservador de registo predial. = Francisco de Medeiros.

5.ª O referido artigo 12.° do mesmo n.° 3 e additado com o seguinte:
§ 4.° Os juizes que tiverem mais de sessenta annos do idade com mais dez de serviço effectivo nas ilhas adjacentes, como juizes de direito ou agentes do ministerio publico, com excepção dos subdelegados e conservadores privativos do registo predial, serão promovidos directamente, se assim o requererem para alguma das relações do continente, quando hajam a passar da primeira a segunda instancia, e se a vaga se der na relação dos Açores, ficarão elles addidos a qualquer d'aquellas relações até poderem ser collocados no quadro effectivo d'ellas. = Francisco de Medeiros.

6.ª Ao artigo 13.° d'este decreto n.° 3 fica acrescentado o seguinte:
§ unico. E reduzido de quinze a dez annos o tempo de serviço effectivo, de que se falla no artigo 29.° do decreto com força de lei n.° 1 de 17 de julho de 1886. = Francisco de Medeiros.

7.ª O n.° 3.º do artigo 17.° do referido decreto n.° 3 fica redigido assim:
Na comarca do Porto o juiz da primeira vara substituirá o da segunda, este o da terceira, e este o da primeira; e, na falta ou impedimento de mais de um juiz, o que não poder ser substituido por aquella fórma sel-o ha por um dos quatro substitutos nomeados annualmente nos termos do n.° 1.º deste artigo. = Francisco de Medeiros.

8.ª No fim do artigo 19.º do decreto n.° 3 ficam acrescentadas aã seguintes palavras - e todos elles, excepto em Lisboa e Porto, são competentes para procederem a corpos de delictos por crimes e contravenções occorridas nos seus respectivos districtos, assim como lhes ficam pertencendo todas as mais attribuições que pertenciam aos juizes ordinarios. = Francisco de Medeiros.

9.ª No artigo 1.° do decreto n.° 4, respeitante aos vencimentos dos juizes ficam acrescentadas, adiante das palavras - juiz de 3.ª classe - as seguintes - e juizes dos tribunaes administrativos dos districtos. = Francisco de Medeiros.

10.ª No artigo 1.° citado d'este decreto n.º 4 ficam supprimidos os dois ultimos periodos que se referem aos juizes dos tribunaes de commercio de Lisboa e Porto. = Francisco de Medeiros.

11.ª Ao artigo 3.° do decreto n.° 5, respeitante aos juizes criminaes auxiliares e dos districtos criminaes de Lisboa e Porto e acrescentado o seguinte:
§ unico. Poderão tambem os juizes dos districtos criminaes, em complemento do corpo de delicto, proceder officialmente ou a requerimento da parte a qualquer diligencia, que julgarem necessaria para o conhecimento da verdade. = Francisco de Medeiros.

O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer sobre o orçamento geral do estado para o anno economico de 1890-1891, tanto na metropole como nas provincias ultramarinas.
Mandou-se imprimir.
O sr. Cardoso Pimental (sobre a ordem): - Em conformidade do regimento mando para a mesa a seguite moção:
«A camara, considerando que todos os decretos dictatoriaes, e em especial os decretos sobre reunião, associação e imprensa, respeitam, mantêem e garantem a liberdade individual, e satisfazem ás necessidades sociaes que de ha muito reclamavam a promulgação d'aquelles decretos, e satisfeita com as explicações do governo, continua na ordem da noite.»
Sr. presidente, e a primeira vez que tenho a honra de levantar a minha voz n'esta casa, e se eu não posso contar com os meus recursos, que são nenhuns, conto muito com a benevolencia de v. exa. e da camara.
O illustre orador que me precedeu, que e um distincto jurisconsulto e muito respeitado como magistrado, o sr.

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Francisco de Medeiros, começou o seu discurso declarando que o tempo não vae bem para facciosismos. Folgo muito com esta declaração de s. exa., e lamento que esta sua affirmativa não esteja em harmonia com os discursos pronunciados pelo seus collegas do lado esquerdo da camara. (Apoiados.)
E uma triste verdade a que disse o sr. Medeiros, que a tempo não vae bem para facciosismos, porque quando vemos as nossas colonias atacadas e o nosso dominio colonial ameaçado, devemos todos reunir-nos n'um pensamento commum, qual o da defeza da patria e de nossos direitos. (Apoiados.)
Mas não posso tambem deixar de lastimar do fundo da minha alma, que, não obstante ver aquelle lado da camara explodir em patriotismo, ouvir fallar em todos os seus discursos em nome d'esse patriotismo, não posso deixar de lastimar digo, que venha accusar-se o governo, e principalmente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque em vinco mezes ainda não pôde resolver um asssumpto tão importante e melindroso, um assumpto que traz compromettidos os nossos brios de portuguezes, um assumpto a que anda tão ligada, acorrentada a nossa dignidade, um assumpto que durante quatro annos a proposito de resolver-se, tanto se complicou e comprometteu!
Mas, sr. presidente, se eu vejo que d'aquelle lado da camara, (o esquerdo) constantemente, e em nome do patriotismo, se ataca o governo porque ainda nada fez, segundo dizem os illustres deputados, porque ainda não nos deu explicações ou ainda não nos disse qual o estado da questão, porque ainda não nos declarou que estivesse ella resolvida; e, se eu vejo que os illustres deputados d'aquelle lado, nos seus discursos, simplesmente têem attendido ao pensamento unico de se dar uma solução a esta desgraçada pendencia, sem se lembrarem de indicar um unico meio que devamos adoptar para esta solução se obter, como e que se justificam as palavras do sr. Medeiros quando vem dizer-nos que não era esta uma occasião para facciosismos politicos?
Eu entendo que todas as opposições d'esta casa se deviam unir a maioria, e, discutindo, apresentar cada uma d'ellas as suas idéas e os seus alvitres, para, collocando-se ao lado do governo, o auxiliarem, em nome da dignidade e do patriotismo, na resolução do conflicto que temos com a Inglaterra.
E, porém, isso que exactamente se não tem feito.
O que eu tenho visto e que d'aquelle lado se tem feito facciosismo em todos os discursos e em todos os incidentes que se têem levantado, sem se attender ás circumstancias da occasião, sem se attender a opportunidade das discussões, sem nem ao menos se attender ás nossas proprias conveniencias, deixando-se de attender ainda a que nós, pelo nosso estado de fraqueza, (bem pungente e di-zel-o) não podemos arrostar frente a frente com uma nação poderosa, como e a Inglaterra, que nos expolia.
O que eu vejo e d'aquelle lado da camara, em nome do facciosismo, que o sr. Medeiros reprova, não se attender como já disse, ás conveniencias da occasião, porque vejo levantarem-se a cada momento incidentes que não só são inopportunos, mas ainda são contrarios á defeza dos nossos direitos, e á boa, acertada e digna resolução do nosso conflicto.
Mas deixemos estas considerações, visto que o nosso fim hoje não e averiguar se o governo têem ou não andado bem, e se as circumstancias que se deram e ainda existem justificam desculpar-se ou não o procedimento do governo com relação á dictadura, por quanto este assumpto já esta perfeitamente resolvido, já transitou em julgado, depois que a camara votou a generalidade do bill. (Apoiados.)
Hoje só nos resta apreciar se as disposições que se comprehendem nos decretos publicados satisfazem ou não ás conveniencias sociaes, mantêem os nossos direitos e respeitam a nossa liberdade individual.
É isto a que nos temos de restringir na discussão.
Não passarei a responder por emquanto, ao illustre deputado o sr. Medeiros, illustre parlamentar que me precedeu no debate, sem primeiro tocar, ainda que de levo, porquanto não desejo ser extenso, sobre o decreto que regulou a liberdade de imprensa.
Eu vi que d'aquelle lado da camara se atacou, e com toda a vehemencia o decreto, dizendo-se que elle cerceava em absoluto a nossa liberdade!
Ataca-se o governo por que e retrogrado e nos impelle por este caminho ao perfeito despotismo; diz-se d'aquelle lado da camara, que não ha no decreto publicado, liberdade de imprensa.
Não obstante, porém, os argumentos empregados pelos illustres oradores da opposição, sustentando estas doutrinas, não posso deixar de affirmar muito terminantemente, com toda a minha convicção, que essa liberdade existe como existiu e ha de continuar a existir.
E senão vejâmos.
Vou procurar demonstrar com as proprias disposições do decreto, que a liberdade de imprensa subsiste e que o governo nas suas disposições a manteve.
Eu poderia comprehender que o decreto cerceasse a liberdade de imprensa, se em logar de se seguir nessc mesmo decreto o systema de penalidades que n'elle se segue, se obrigasse o individuo ou individuos que pretendessem publicar o jornal ou o livro a censura previa, isto é, que o decreto em logar de estar redigido da fórma como se acha, fosse redigido segundo e a molde da lei de 17 de dezembro de 1794, alvará de 30 de julho de 1795, aviso de 16 de fevereiro de 1803, e mais proximamente, do decreto de 6 de março de 1826 que restabelecia a censura previa nos termos da lei de 17 de dezembro do 1794 e do alvará de 30 de julho de 1795.
Isto e que se poderia dizer, que era cercear a liberdade de imprensa, isto é que eu não admittiria de fórma alguma e reprovaria com toda a força das minhas convicções.
Mas não obstante d'aquelle lado da camara se censurar o governo por ter coarctado com o decreto a liberdade de imprensa, eu não pude deixar de admirar-me, quando d'aquelle mesmo lado da camara se levantou ha dias um orador, o sr. Baptista de Sousa, rejeitando quasi em absoluto as disposições consignadas n'aquelle decreto e apresentando um projecto que o modificava ou melhor o substituia, e no qual se dispunha que a qualquer individuo, que pretendesse publicar um jornal, fosse exigida a caução de 4:000$000 reis!
Então quem e que pretende cercear a liberdade de imprensa, somos nós, admittindo o systema de penalidade, que se admitte no decreto, ou e o illustre orador em nome da opposição, exigindo tão extraordinaria e absurda caução? (Apoiados.)
Pois eu, n'esta parte, estou então ao lado do sr. Elias Garcia, que não admitte de fórma nenhuma qualquer caução para liberdade de imprensa.
Eu tambem não a admitto, e o governo não a admittiu nem a exigiu no decreto de que nós estamos occupando.
Mas se o governo não reconhecesse a liberdade de imprensa, regularia elle a responsabilidade, apresentaria elle n'esse mesmo decreto os artigos que regulam essa responsabilidade?
Pois quando e que se viu haver responsabilidade sem liberdade?
Pois então quando e que se viu que o homem possa ser responsavel, sem ser livre?
Sr. presidente assente e acceite o principio tão brilhantemente demonstrado por Basttia, ao contrario do que sustentaram Hobes, Rousseau, Montesquieu, Puffendorf e outros philosophos, que o homem nasceu na sociedade e para a sociedade, que esta é o instrumento necessario ao seu

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desenvolvimento individual, eu não posso deixar de admittir que entre os individuos que n'ella vivem, os interesses se chocara, não poucas vezes se contrapõem occasionando conflictos.
Ora, sr. presidente, sendo assim, e não podendo nós admittir, perfilhando a energica expressão de Aguassean, uma sociedade acephala, temos forçosamente de admittir um poder, um governo devidamente constituido e organisado que tenha alem de outras a alta missão de proteger o exercicio dos direitos individuaes, derivados das relações de individuos para individuos e regular ainda a responsabilidade do individuo para com a sociedade, para com o proprio poder pelas obrigações que resultara das relações dos homens entre si, e com a mesma sociedade, com o poder e com o estado.
E o governo no decreto de que estamos tratando não fez mais do que satisfazer a esta imperiosa e inadiavel necessidade de ha muito reconhecida.
O governo não coarctou a liberdade, o governo o que fez, como já disse, foi regular a responsabilidade. O governo não quer que deixe de haver liberdade, mas tambem não quer que haja abusos do liberdade, (Apoiados da direita) que haja a licença. Que se reprima o abuso sem se coarctar a liberdade, (Apoiados da direita.) e o que todos nós, em nome da moralidade e da justiça, não podemos deixar de querer tambem.
Ouvi ainda dizer que o governo tinha atacado pela base o § 3.° do artigo 145.º da carta constitucional, e ouvi ate invocar o artigo 570.° do codigo civil.
Analysando as disposições do decreto parece-me que em nada ellas atacam, em nada contrariam a disposição do 3.° do artigo 145.°, nem mesmo a disposição do artigo 570.° do codigo civil, antes me parece que as disposições do decreta de que nos estamos occupando, completam não só aquelle paragrapho mas ainda o referido artigo do codigo civil, porquanto se diz no final do § 3.° «comtanto que haja de responder pelos abusos que commetter no exercicio d'esse direito nos casos e pela fórma que a lei determinar».
Em vista disto parece-me que e obvio para quem estiver de boa fé, não poder deixar de concluir-se que as disposições do decreto não fazem mais do que satisfazer a ultima parte d'aquelle paragrapho, regular as responsabilidades d'aquelle que exorbitar no exercicio legal e justo do direito de liberdade de imprensa.
Eu ainda admittiria que d'aquelle lado da camara se achasse exagerada a responsabilidade imposta, mas o que não admitto, como já disse, e que se diga que a liberdade foi coarctada.
Podia admittir ainda o dizer-se que não se devia chamar aos tribunaes o editor, sem primeiro se chamar o auctor, ou que a responsabilidade não devia recair conjunctamente sobre ambos.
A lei de 17 de maio de 1886, no artigo 7.º, impunha a responsabilidade ao auctor, e só na falta d'este ao editor, e n'esta parte a lei era muito similhante a lei belga que determina:
(Leu.)
Emfim, na Belgica, na Italia pela sua lei de 1848, e na Suissa em alguns cantões, entre elles o de Zurich, segue-se emquanto a responsabilidade por abusos de imprensa o systeraa da responsabilidade successiva.
Na Allemanha e na Austria segue-se o systema da applicação da pena por negligencia, com relação ao editor, impressor, vendedor, etc., isto é, quando o editor e chamado na falta do auctor, não e condemnado pelo delicto de imprensa, mas por não poder indicar ou denunciar o nome do auctor, quando tinha esse dever.
A França, pela lei de 19 de maio de 1819, seguiu o systema da responsabilidade solidaria. Esse systema foi alterado pela lei de 29 de julho de 1881. N'este paiz, como na Inglaterra, o primeiro e unico responsavel era o editor, e até em França não se póde obrigar a tornar conhecido o auctor. Assim, como disse, a responsabilidade cae sobre o editor, e só na falta d'este é que passa para o impressor, distribuidor, vendedor e affixador.
Vemos, portanto, que em qualquer d'estas nações que apontei, se reprime o abuso da liberdade de imprensa; o systema, porém, diverge um pouco de umas para outras, pois que vemos ser, n'umas responsavel o editor, n'outras o auctor, e na falta d'estes o impressor, vendedor, etc.
Entre nós, pelo decreto que estamos analysando, a responsabilidade recáe não só sobre o auctor, mas sobre o editor; isto é, o auctor e editor são punidos! como auctores do crime, e só na falta d'estes a responsabilidade vae recair sobre o dono da typographia, vendedor, etc.
Será esta disposição mais consentanea com a rasão, com a logica e com os bons principios de direito criminal?
Parece-nos que evidentemente é, e senão vejamos.
Aparte de não poder eu admittir que o auctor não seja obrigado a fazer-se conhecido, porque eu iria mais longe e perfilharia n'esta parte a opinião de Holzendorf, um dos representantes mais illustres da opinião liberal em Allemanha, que exigia que todos os artigos fossem assignados pelo seu auctor, parece-me que o systema seguido pelo nosso decreto e o mais rasoavel e concernente com os principios liberaes.
Nos crimes de abuso de liberdade do imprensa temos a distinguir dois elementos essenciaes: o escripto incriminado e o facto da publicação; ora, correspondendo a cada um d'estes elementos um agente, ao escripto a pessoa do auctor, a publicação a pessoa do editor, não posso deixar de admittir que, tanto um como outro, são causa do delicto, porque para elle contribuiram principal e directamente, e assim não podem deixar de ser reputados como auctores do mesmo delicto.
É isto o que se harmonisa com os bons principios e com a rasão, é isto ainda o que expressamente se acha consignado com a maior clareza no § 1.° do artigo 20.° do nosso codigo penal.
Mas poder-se-ia objectar dizendo-se, que, em vista de tal doutrina, o dono da typograpaia, etc., deviam ser considerados pelo menos cumplices, e assim conjunctamente processados e condemnados.
N'esta parte eu perfilho a opinião de Prevost-Paradol, que affirma ser tal responsabilidade, alem de absurda, oppressiva, exceptuados os casos em que ella se torna indispensavel, e é quando não e conhecido nem o auctor, nem o editor.
E com relação ao vendedor, distribuidor, etc., são obvios os motivos da sua responsabilidade no caso consignados no decreto e por isso e para não cansar a camara nada direi.
Parece-me ter demonstrado que este decreto segue os bons principios de direito criminal. Mas, sr. presidente, quando nenhum motivo scientifico ou juridico tivessemos para demonstrar as alterações feitas por este decreto a lei de 1866, tinhamos a experiencia de vinte o quatro annos que nos estava mostrando a improficuidade das suas disposições e reclamando a urgencia que havia de a reformar.
E o que se tem visto e que depois da publicação d'aquelle decreto o numero dos jornaes não tem diminuido, pelo contrario se annuncia que outros vão apparecer, o que se tem, porém, notado, e que a sua linguagem se tem modificado e educado, com o que muito tem ganho a moral publica.
Agora passarei a fazer algumas considerações acerca da falta de intervenção do jury nos julgamentos dos crimes por abuso de liberdade de imprensa.
Lendo e analysando as disposições do decreto que trata da correccionalisação e combinando-as com as do decreto que acabo de apreciar, eu vejo que o jury deixou de influir no julgamento dos crimes de liberdade de imprensa, porquanto as penas são todas inferiores a seis mezes de prisão e ainda mesmo que assim não fosse pelas disposi-

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ções de um dos artigos d'aquelle decreto o jury deixava de intervir logo que as penas não excedessem a prisão correccional.
Deixando de intervir o jury n'aquelles crimes diz-se que não se respeitou uma das primeiras garantias do cidadão, mas eu sobre este assumpto que terá sido já tratado brilhantemente, simplesmente direi que conheço o jury, mas o jury das aldeias, completamente analphabeto.
Conheço o jury que vae para o tribunal sem se importar com o que lá se passa e que não poucas vezes e em crimes de pouca importancia dá o seu veredictum sem consultar a sua consciencia, mas sim influido pelo pedido do primeiro influente da localidade; conheço o jury que, sendo composto de pessoas que não são instruidas, lavradores em geral não muito abastados, mais encaram as suas obrigações de jurados como um onus, um quasi imposto, do que como um dever civico.
E assim eu tenho muito mais confiança nos juizes illustrados, dignos, probos e honestos como são os que hoje temos, pois que a nossa magistratura é composta actualmente de pessoas intelligentes, honradas e sabias que dão as melhores garantias e que fazem honra ao nosso paiz.
Eu tenho mais confiança no julgamento dos crimes de que nos estamos occupando feito pelos juizes do que no feito pelo jury.
Alem d'isso e ainda com relação ao jury, temos a opinião publica a mostrar-nos a pouca confiança que actualmente está depositando n'elle, e senão vejâmos.
Nós temos no codigo do processo civil a faculdade de submetter as questões ao jury, e quantas vezes as partes deixaram de confiar no juiz da comarca para recorrer ao jury?
Por outro lado ha outro facto tambem palpitante e que não deve passar desapercebido.
Nós vemos que em grande numero de comarcas da provincia os agentes do ministerio publico estão promovendo processos de policia correccional, por crimes a que corresponde pena superior a seis mezes de prisão, e com tudo quantas excepções de incompetencia se têem apresentado? Nenhumas ou quasi nenhumas.
Agora passarei a responder a algumas considerações feitas pelo illustre deputado que me precedeu, o sr. Medeiros.
S. exa. disse que para os crimes de liberdade de imprensa queria um tribunal collectivo, o qual devia ser composto de tres juizes. Não me repugna a idéa de s. exa., só acho uma grande difficuldade ou deficiencia na sua proposta. Que em Lisboa e Porto se forme este tribunal collectivo, perfeitamente de accordo, pode fazer-se; mas como havemos de formal-o nas outras comarcas da provincia onde ha imprensa, e só ha um juiz?
Do juiz sei eu que pode ser formado. E os outros dois membros quem são? Os substitutos? Nem em todas as terras temos substitutos illustrados e á altura de poderem julgar, porque não ha bachareis formados em direito.
Pela reforma de um dos decretos da dictadura, e já antes d'isso, nós viamos que a substituição dos juises era incompativel com a advocacia e em algumas terras só são bachareis em direito os que advogam nas comarcas, e apparecem como substitutos o medico, o pharmaceutico e o proprietario que nunca estudaram direito, nem podem saber o que seja julgar.
Como havemos de entregar então a estes individuos o julgamento de uma causa, quando elles, por falta de conhecimentos juridicos, hão de ser dominados pelo juiz da comarca, porque não têem força para se opporem á sua opinião? Vejo, portanto, uma grande difficuldade em se formar o tribunal em todas as terras fora de Lisboa e Porto, e a ter de formar-se com o juiz e substitutos, não lhe acho vantagem alguma, não acho que possa dar os resultados que o illustre deputado teve em vista ao formular a sua proposta.
O illustre deputado o sr. Medeiros ainda no seu discurso se referiu ao artigo 5.º do decreto, que trata do julgamento d'estes crimes em policia correccional, e deseja s. exa. que a palavra «applicada» seja substituida pela palavra «applicavel». Ora, eu entendo que era escusada a modificação, em vista das disposições da propria letra do artigo 5.°, que diz:
(Leu.)
E a minha affirmativa parece-me poder justificar-se com a differenca que ha entre applicada ao crime, ou applicadn no réu. Se a lei dissesse: applicada ao réu, não podia restar duvida alguma de que era a pena applicada pelo juiz na occasião do julgamento, mas, applicada ao crime, é evidente que se não pode entender senão a pena que a lei communica, e sendo assim, cá temos a pena applicavel e não applicada. (Apoiados.)
Alem d'isso, se o fim das portarias é explicar as leis, o sr. ministro da justiça já expediu uma portaria no sentido explicativo, dizendo que pelas palavras «pena applicada», se devia entender «pena applicavel pela lei, e não pelo juiz». N'estes termos, parece me que a substituição estava feita. Entretanto, como é questão de simples mudança de uma palavra, eu realmente não posso deixar de dizer que, estando já a idéa consignada no decreto, não vejo inconveniente algum em que se diga «pena applicavel« em vez de «pena applicada». (Apoiados.)
O illustre deputado ainda se referiu ao recurso, desejando que este fosse admittido no principio, isto é, quando o individuo implicado no crime fosse citado para responder em audiencia de policia correccional, elle podesse recorrer, quando entendesse que o facto arguido n?io era criminoso. Eu só acho um inconveniente no restabelecimento d'esta doutrina, e é que quando o particular tenha de promover um processo, o individuo que tem sempre motivo para entender que o facto não é criminoso vem com o recurso, introduz no processo a chicana, que leva muito tempo a resolver. (Apoiados da direita.)
Aqui está, pois, um processo em que o individuo é injuriado, e a final é quasi por assim dizer condemnado, porque tem de sujeitar-se ás despezas, que todos sabemos serem importantissimas, de um processo complicado e moroso. (Apoiados da direita.)
Não vejo, pois, grandes vantagens em tal recurso.
Nos pelas idéas do sr. Medeiros vamos a ter tres tribunaes collectivos. O tribunal collectivo de primeira instancia, o de segunda instancia e depois o supremo tribunal. É quasi uma redundancia.
Desde o momento que ha a faculdade de recorrer do juiz singular para o collectivo não vejo realmente grande vantagem em que se restabeleça a doutrina do decreto de 1886, como s. exa. quer.
Ainda o sr. dr. Medeiros apresentou uma proposta para que aos juizes de paz, na sede das comarcas, se dêem attribuições para a formação dos corpos de delicto; mas depois referindo-se aos juizes auxiliares teve suas duvidas ácerca d'esta instituição, porque nos disse, que tendo estes juizes a seu cargo a formação dos corpos de delicto, quem nos diz que não possa haver deficiencias n'estes? e como se não podem reformar depois porque os juizes não têem competencia para ordenar a reforma, podem realmente dar-se casos em que a justiça não possa proseguir no seu verdadeiro caminho para a averiguação da verdade.
Ora se este caso se não dá precisamente para os juizes de paz, porque os juizes de direito podem mandar reformar os corpos de delicto, é certo que sendo os juizes de paz completamente analphabetos, sem conhecimento algum de direito, nos crimes importantes, como os ha, não podem elles saber dirigir os peritos nem as pessoas que interveem nos corpos de delicto para que estes fiquem perfeitos, possam satisfazer a todos os requisitos da lei.
Se o juiz do paz pode mandar proceder a todos os corpos de delicto, e se os corpos de delicto de facto perma-

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nente, depois de subirem para o juiz de direito, são por estes mandados reformar, e se os vestigios têem desapparecido como não poucas vezes póde acontecer, como se hão de reformar?
E se estes vestigios não poucas vezes importantissimos e precisos, deixarem de existir, com a demora que ha na reforma do exame do corpo de delicto, como ha de a justiça poder em taes casos averiguar a verdade?
(Interrupção.)
Não é o bom senso do juiz de que aqui se trata agora, tratâmos de organisar uma lei precisamente clara, e que não fique com defeitos e sujeita a arbitrios.
E se assim é, eu entendo que os corpos de delicto, nos crimes a que corresponda pena correccional podem ser incumbidos aos juizes de paz, mas aquelles a que corresponda pena maior, só devem ser feitos pelo juiz de direito.
(Interrupção.)
Eu bem sei que s. exas. não querem trabalho, mas sei, porque sou advogado, as difficuldades com que se lucta; porque posso affirmar que dos juizes de paz que tem de fazer os corpos de delicto nem um, me parece, que haverá com as devidas habilitações para poderem satisfazer as exigencias da lei; e depois, muitas vezes os criminosos lançam mão d'esta deficiencia e d'esta incuria para fazer annullar os processos, e isto, se os vestigios não têem desapparecido, e não se deixaram de promover os processos por falta de elementos para os promover, quando era facil fazel-o se se tivesse procedido regularmente ao corpo de delicto, se a estes tivessem assistido pessoas competentes.
Portanto, parece-me ser preferivel dar aos juizes de paz nas sédes das comarcas attribuições para formarem os corpos de delicto nos crimes a que corresponde a pena correccional, devendo nos crimes de pena maior essas attribuições recair só nos juizes de direito.
E, para não cansar a camara e para não tirar tempo a outros oradores que se acham inscriptos, termino aproveitando a occasião de mandar para a mesa um additamento que fui encarregado de apresentar, pelo muito distincto membro d'esta casa, o sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, não o apresentando s. exa. por ter tido urgente necessidade de sair da sala.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção

A camara, considerando que todos os decretos dictatoriaes, e em especial os decretos sobre reunião, associação e imprensa, respeitam, mantêem e garantem a liberdade individual, e satisfazem ás necessidades sociaes que de ha muito reclamavam a promulgação d'aquelles decretos, e satisfeita com as explicações do governo, continúa na ordem da noite. = Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel.
Foi admittida.
Leu-se mais a seguinte:

Proposta
Additamento:
Decreto n.° 3 de 29 do março de 1890:
Artigo 12.°, § 2.° Para o effeito da concessão do terço e da aposentação, será em todo o caso levado em conta aos magistrados judiciaes, alem do tempo do serviço effectivo nos cargos e funcções a que se refere o paragrapho precedente, o de magistrado do ministerio publico exercido antes de pertencerem á magistratura judicial, o de juizes do ultramar, ou de juizes municipaes e tambem o tempo de serviço effectivo no exercicio de funcções administrativas e conservadores. = Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel.»
Foi admittida.

O sr. Roberto Alves:- Disse que a considerar apenas o seu interesse pessoal desistiria de tomar parte no debate, tão desfavoraveis lhe são as circumstancias, em que o acaso lhe deparou o ensejo de discutir na especialidade o projecto do bill de indemnidade. Que a camara, fatigada já por uma discussão, em que cerca de vinte dos seus oradores mais distinctos analysaram o projecto e os decretos dictatoriaes, mal poderia, a não ser por um extremo de benevola sympathia a que elle, orador, não tinha direito, dispensar-lhe attenção ao cabo de um dia gasto em duas sessões longas e trabalhosas. Que, não podendo abandonar por vontade propria o posto que pela inscripção tinha, promettia ao menos a brevidade, que as circumstancias recommendavam.
Que o orador que o precedêra se referira largamente á liberdade de imprensa, que reputava intacta apesar do decreto dictatorial de 29 de março; que elle, orador, pospondo este assumpto, já largamente discutido, a outros que mais merecem esclarecer-se na discussão da especialidade, observava apenas ao illustre deputado e á camara, que não esperava quaesquer restricções á liberdade de discussão pela imprensa, pelas reuniões ou pelo theatro, propostas por um governo presidido pelo sr. Serpa Pimentel.
Affirmou que n'este assumpto partilhava completamente as idéas, que, como publicista, eram as do nobre presidente do conselho. Em 1881 o sr. Serpa Pimentel, n'um livro primoroso, capitulava o governo representativo essencialmente como o governo da discussão, e sustentava que não o podia haver sem discussão liberrima. A imprensa livre era pouco para o illustre publicista; exigia tambem a discussão liberrima, que com a independencia dos poderes e a igualdade civil constituiam a base e o fundamento do governo representativo. A eleição popular e as garantias individuaes, o jury e a dualidade das camaras, e a independencia municipal eram para o sr. Serpa apenas consectarios inevitaveis do principio de liberrima discussão.
Que elle, orador, tinha em 14 de janeiro n'estes artigos da fé de publicista uma garantia, que reputava segura, aos actos do estadista; mas examinando os decretos de 10 de fevereiro e de 29 de março, constatava que a profissão da fé do publicista era o programma, nove annos antecipado, dos erros do estadista.
Eleição popular? Que este principio mal podia hoje ler-se na historia constitucional portugueza; as bayonetas affrontaram-o impunemente em Penafiel e Bragança; a fraude viciou-o completamente em Estarreja e em Mirandella; a violencia e a corrupção foram impotentes, apesar de não terem limites, nas Caldas da Rainha, e onde se presumiu necessario um golpe violento de intimidação collectiva, esse golpe deu-se, dissolvendo-se illegalmente a primeira corporação municipal do paiz.
Observou que nem o principio da dualidade das camaras legislativas se salvou; deu-se um passo mais para confundil-as na sua origem e na sua composição, e para annullar a diversidade das suas funcções indispensavel no governo representativo. O governo não se contentou com fazer eleger a parte electiva da dos pares pelo suffragio universal; ainda foi mais longe reduzindo o numero das sessões e o rendimento necessario para a elegibilidade.
Notou que, sendo tres as fórmas da liberrima discussão, foram tres os decretos, que a peiaram: o de reunião, o dos theatros e o da imprensa.
Que applaudia as providencias, que tendessem a tornar effectivas as responsabilidades, comtanto que n'essas providencias não houvesse perigo maior que nos abusos da liberdade, e comtanto que á sombra da responsabilidade se não suffocasse a propria liberdade.
Que havia ahi, a par da legitimidade juridica da repressão, a questão politica da sua utilidade; e que muitas vezes a inopportunidade politica da repressão penal sobrelevava a consideração da responsabilidade juridica.
Em 1881 o sr. Serpa professava como principio o que agora tem de expiar como um erro, e o maior, da sua vida politica. Em 1881 escrevia o chefe do governo estas

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palavras, que hoje não poderia, por sua culpa, escrever com verdade:
«Quando na França republicana a policia e os tribunaes inquietam e perseguem as manifestações do pensamento monarchico, e em Portugal, na Italia e na Belgica nem a policia nem os tribunaes se incommodam com as manifestações do pensamento republicano, eu concluo, que pelo menos na pratica e nos paizes do continente e da raça latina a monarchia constitucional é mais do que a republica favoravel á liberdade, ao governo de discussão e á applicação dos principios de sciencia social.»
Quem escreveu isto, quer dizer, o illustre chefe do governo, deve hoje, depois dos decretos de 29 de março, ser uma de duas cousas: incoherente ou... republicano.
O orador referiu-se em seguida aos attentados da dictadura contra a independencia dos poderes, contra a igualdade civil e contra o jury.
Disse que continuava a fazer pela synthese politica formulada pelo sr. Serpa a relação dos seus erros governamentaes, observando que se dirigia de preferencia ao illustre presidente do conselho, porque a elle cabia principalmente a responsabilidade da politica geral do governo.
Lembrou que a carta constitucional, sanccionando em principio a independencia do poder judiciario, deixára á legislação organica o desenvolvimento d'esse principio por um systema de garantias, que os homens publicos d'este paiz trataram de desenvolver inspirados sempre na maxima de Guizot: «que entre a politica e a justiça todo o contacto é fatal; approximando-se da justiça a politica condemna-se; approximando-se da politica é a justiça quem se suicida.»
Na nossa historia constitucional acha-se facilmente o fio d'essa tradição, que tendia a robustecer a independencia do poder judiciario. Iniciada apenas com o artigo 91.° da novissima reforma judicial em 1841, vieram continual-a sem interrupção as leis de 1848 e 1844 sobre a classificação das comarcas, as leis de 1855, 1856 e 1862 sobro promoção, as leis de 1848, 1849, 1855, 1864 e 1870 sobre aposentação e ainda os decretos de 1865, 1866 e 1869 sobre os concursos para dar ingresso na carreira do ministerio publico, onde vão recrutar-se os magistrados judiciaes. Observou que toda essa legislação era caracterisada por um pensamento uniforme, o de limitar o arbitrio ministerial quanto á situação dos magistrados.
Asseverou que nos decretos, que dictatorialmente reorganisaram o poder judiciario, dominou precisamente o principio opposto; o governo não poupou nenhum dos meios que a invenção lhe suggeriu, para deixar a magistratura n'uma dependencia do poder executivo, que a deprime e a exauctora.
Supprimiu a eleição dos juizes de paz, que passam a ser simples delegados do poder executivo, senão agentes da politica governamental; reservou-se para o governo sob uma forma indirecta e insidiosa a faculdade de crear comarcas. E sobre este ponto o orador notou, que, sendo reprovavel, mas franca e honrada, uma disposição que claramente facultasse ao governo a creação de comarcas, o artigo 8.° do decreto n.° 3 de 29 de março usava um expediente tão censuravel como compromettedor da dignidade do poder e ridiculo na sua pretensão a illudir o parlamento e o paiz. Dizia-se n'aquelle decreto, que «só por lei poderiam ser creadas comarcas nos julgados, que não forem sédes de julgados municipaes.» A hypocrisia d'esta formula esconde, sob a falsa apparencia de respeito pelo poder legislativo, a faculdade para o governo de crear comarcas, onde ha julgados municipaes.
O governo não pediu mais, porque é isso quanto lhe basta para a obra de corrupção politica, que tem entre mãos.
O orador declarou que a proposta, que faz sobre este assumpto, não visa a obter a approvação parlamentar nem a adhesão do governo; tende apenas a accentuar o protesto, que faz, contra esta invasão das funcções da camara e contra a dissimulação, que o governo usou. (Apoiados.))
Disse que no artigo 10.° do decreto n.° 3 o governo seguira identico systema: conservar as vantagens do arbitrio sob a fórma da abnegação. Por essa disposição o governo nomeia os juizes de entre os delegados com tres annos de exercicio. Fica, pois, ao governo o mais largo arbitrio de nomeação; a nomeação fica como premio possivel a todas as complacencias; a preterição como castigo certo a qualquer resistencia. O governo, como de costume, forja essa arma, declarando-a perigosa e condemnando-a. No relatorio, que precede esse decreto, o sr. ministro da justiça declara que não póde acceitar o principio de promoção proposto pelo illustre ex-ministro o sr. Beirão, promoção feita por antiguidade e merito alternadamente, porque esse principio deixa ao governo um arbitrio excessivo; por isso prefere não alterar n'este ponto a legislação vigente. Ora a legislação vigente n'este assumpto impede tanto o arbitrio ministerial, que o actual illustre ministro da justiça e auctor escrupuloso d'esse relatorio pôde nos cinco mezes da sua gerencia nomear juiz um delegado, preterindo dezoito, outro preterindo trinta e tres, outro cento e doze, e outro preterindo cento e dezoito. Crê que não havia mais a quem preterir, nem mais quem tivesse titulos tão notorios á antecipada promoção (Apoiados.)
O orador propõe um additamento e uma substituição a este artigo. O additamento visa a reparar uma injustiça odiosa, assegurando aos magistrados ultramarinos a sua collocação na magistratura do reino, quando tenham direito a ella pelas leis especiaes; a substituição estabelece a antiguidade como principio exclusivo da promoção dos magistrados do ministerio publico aos cargos da magistratura judicial.
Observou que o governo, tratando sempre de reservar-se o mais amplo arbitrio e de influir no poder judiciario, fica auctorisado a escolher os juizes auxiliares de Lisboa e Porto entre os de qualquer classe. Esta latitude dá margem ao governo para proporcionar a qualquer juiz de 3.ª classe, com vencimento que não póde exceder l:000$000 réis, uma magistratura retribuida com 1:500$000 réis e ainda com a vantagem de ser collocado em Lisboa ou Porto, podendo ahi servir todo o tempo, que teria de passar em comarcas de 2.ª ou 3.ª classe! Ora elle, orador, pensa que nos juizes, por decoro d'elles proprios, se deve evitar tanto a dependencia como a suspeita de gratidão; e a natureza das funcções, que a respeito de crimes, que interessam directamente ao estado, vão pertencer a estes juizes, aconselha maior cautela com tudo o que possa compromettel-os na opinião publica.
O orador sustentou que o artigo 20.° do decreto n.° 3, sujeitando os juizes municipaes em exercicio á eventualidade de um exame, significa a affronta mais reprehensivel á independencia da magistratura e á dignidade dos magistrados. (Apoiados.)
Similhante facto não tem precedentes na nossa historia judiciaria, nem, que elle orador o saiba, na dos outros paizes livres. A republica em França, quando julgou necessario á sua estabilidade assegurar-se do concurso leal do pessoal judiciario procedeu com arbitrio, talvez inconveniente, promulgando a lei da depuração, que permittia ao governo exonerar os juizes, que julgassem incompativeis com as instituições republicanas; mas não deprimiu a propria magistratura sujeitando os seus membros a qualquer exame. (Interrupções.}
Não trata de saber que grau occupam na magistratura; oxalá que o precedente, subindo na escala da hierarchia, não fira alguns dos que hoje o absolvem. (Apoiados.)
O orador sentiu que, não sendo magistrado, fosse a sua voz a que reivindicava a dignidade da magistratura no parlamento, onde tantos dos membros d'ella têem assento. Não censura ninguem, porque cada um é juiz das suas opi-

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niões e do seu voto; mas affirma o direito, que tem, de justificar o seu.
Sente tambem que um acto do poder executivo melhorasse a retribuição dos membros do poder judicial; tal medida, absolutamente justa em si, é das que só o poder legislativo póde tomar sem obliterar no sentimento publico a plena confiança, que o poder judicial precisa inspirar. E notou com magua que as consequencias do facto são das que se não apagam com a absolvição parlamentar; é o caso de dizer-se: isso perdoa-se, mas não se esquece.
Occupando-se seguidamente do decreto n.° 2, que remodela o processo criminal, o orador observou que por virtude d'esse decreto ficam existindo quatro typos de processo criminal; summario para os vadios e reincidentes presos em flagrante pelos delictos de vadiagem e outros; o do policia correccional, o correccional e o ordinario. N'este ultimo o decreto não fez innovação alguma; analysa, pois, sómente os outros.
Sabe que a legislação de alguns paizes admitte uma forma especial de processo para os vadios e reincidentes, e que o decreto se conformou mais ou menos com alguns dos preceitos que em França, na Suissa e na Austria inspiraram a legislação. Mas contesta, que entre nós o estado tenha o direito de instituir uma repressão excepcional para essas classes; o estado só póde com justiça assumir faculdades tão extraordinarias, quando tiver desempenhado integralmente os deveres, que lhe cabem na reforma d'esses desherdados da fortuna e da educação, d'esses refractarios do trabalho e da honra.
A França tem, a par do seu rigor legal, sessenta e tres casas de reforma, onde estão detidos mais de nove mil d'esses individuos; trabalhos recentes demonstram que 60 por cento d'elles tinham no abandono ou na carencia de familia, e na propria incutia do estado, a causa da sua depravação. A França, facultando a reforma em sessenta e tres estabelecimentos apropriados com que despende mais de 3.000:000 de francos, tem o direito do reprimir por meios excepcionaes esses crimes, porque legitima o seu direito com a reforma subsequente dos individuos sujeitos a uma fórma de processo excepcional. A Austria promulgou em março de 1885 uma lei de repressão da vadiagem e da reincidencia, mas julgou-se obrigada por um dever de justiça a promulgar dois mezes depois uma lei sobre a creação das casas de reforma.
O orador perguntou se tem igual direito um paiz como o nosso, em que existem duas casas de reforma incompletas e insufficientes; e n'essas, uma devida apenas á sublime caridade de um benemerito a quem folgava de citar o nome - o padre Vasconcellos, fundador das officinas de S. José, no Porto. (Apoiados.)
Mas, continuou, applicar a repressão mais rapida e porventura excessivamente precipitada para enviar os vadios e reincidentes, não ás casas de reforma, que nos faltam, mas ás prisões communs, que hão de consummar a sua depravação, parece um contrasenso, offende a caridade e calca a justiça. Que succede? Expirando a pena ordinariamente leve, esses elementos voltam a entrar, mais depreciados moralmente e por isso mais deleterios, na circulação social pelas vias do crime.
O orador, insistindo, declarou que o processo summario, ao passo que, como julgava ter provado, significava uma injustiça flagrante a respeito dos vadios e reincidentes, constitue um perigo grave para todos os outros cidadãos. O decreto não admitte recurso algum no artigo 1.º combinado com o artigo 5.°, quando a pena applicavel ou applicada, seja como for, estiver dentro de certos limites; e o § 1.° do artigo 1.° parece até vedar o recurso de revista por incompetencia do processo, do juizo, ou por excesso de jurisdicção. Perguntou qual o remedio legal para o possivel abuso do processo summario:
Uma voz: - O recurso de revista.
O Orador: - Não o vejo consignado aqui; parece até excluido pelos termos do § 1.°; em todo o caso, se assim é, a proposta, que a este respeito mando para a mesa, deixará isso bem claro, como é indispensavel.
O orador examinou em seguida o principio da correccionalisação adoptado pelo decreto n.° 2. Declarou que, em principio, não lhe é adverso; sabe que a necessidade de poupar excessivos incommodos aos cidadãos com o serviço do jury, a rapidez do julgamento necessaria á efficacia da pena, e a debilidade repressiva do jury em crimes de menor importancia, aconselharam a correccionalisação de muitos crimes. Sabe tambem que a corrente contra o jury, que hoje observa aqui, não é nova; póde até dizer-se que é já velha e como tal enfraqueceu. Disse ser justo saber-se que em França, onde foi mais violenta, se manifesta ha dez annos uma corrente contraria; desde Odilon Barrot, que em 1872 defendia o jury correccional, contam-se já mais quatro tentativas parlamentares em 1881, 1882, 1883 e 1886. Uma d'ellas tem significação muito particular; partiu de Martin Feuillée, quando ministro da justiça em 1883.
Na Italia, Alianeli, um juiz da cassação de Napoles, na Austria um projecto governamental recente, na Allemanha o codigo de 1877, são outras manifestações d'essa nova corrente de idéas a favor do jury correccional.
O sr. Elmano da Cunha: - O peccado está em importarmos leis de França...
O Orador: - Mas v. exa. approva que se importe de lá a correccionalisação.
Ouvindo aqui as invectivas contra o jury não as estranha; tambem Silvela, o illustre estadista hespanhol, lhe chamava ha pouco tempo as guardas nacionaes da justiça. Tudo ouvira elle, orador, menos uma cousa, que, comtudo, reputava indispensavel considerar no debate: o texto constitucional, que entre nós consagra o principio do jury. Comprehendia que o discutissem umas côrtes constituintes; excedia a sua comprehensão, e tornava extrema a sua surpreza, que o discutissem aqui (Apoiados.)
Uma voz: - E o sr. José Luciano de Castro?
O Orador: - O sr. Luciano de Castro propunha uma reforma em 1870, que não tinha para mim, nem póde ter para v. exa., o defeito que encontro n'esta. O que eu censuro n'este decreto é o excesso a que foi levado o principio da correccionalisação e a reforma do meu illustre chefe não incorria n'esse defeito. É facil demonstral-o.
O orador provou que o governo obtivera o excesso da correccionalisação por um processo duplo: reduzindo as penas nos artigos 7.° e 8.º do decreto sobre a imprensa, e elevando os limites da competencia correccional tanto em relação ás leis vigentes, como em relação á reforma do sr. Luciano de Castro. Reduziu muitas penas sobre a imprensa, a seis mezes, o que as faz entrar na area correccional, elevou a multa, a que corresponde o processo correccional, de 500$000 réis na reforma de 1870 e de 360$000 na de 1884, a 1:000$000 réis na de 1890. Emquanto pela reforma de 1870 a pena de 51$000 réis de multa não cabe na policia correccional, pelo decreto de 1890 cabe lá uma multa de 500$000 réis! O sr. Luciano de Castro, com o seu largo espirito liberal, excluia do processo correccional todos os crimes previstos no artigo 408.º do codigo penal; são esses precisamente que o decreto de 1890 visou a deixar á competencia correccional.
Parece que a camara ainda não mediu bem o alcance do decreto; o orador observa que por elle ficam sujeitos ao processo correccional crimes de tanta gravidade como a falsificação de moeda, o homicidio e o adulterio em certos casos, as offensas corporaes com impossibilidade de trabalho excedente a trinta dias, a quebra culposa e os de abuso de liberdade do pensamento.
Notou como verdadeiramente extraordinario, que pelo decreto n.° 2, combinado com o de imprensa, possam ser applicadas penas de tal rigor, como a suspensão e suppressão de jornaes em processo correccional!
Sustentou uma proposta no sentido de ficarem perten-

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cendo á jurisdicção correccional, em materia de imprensa, apenas os crimes contra particulares, competindo o julgamento de todos os outros ao jury. Este systema, adoptado em muitos estados allemães, concilia perfeitamente os direitos individuaes com as necessidades publicas. A indulgencia do jury n'esta materia constitue até um aviso salutar e necessario aos governos representativos e adverte-os de que a opinião publica reclama uma orientação politica diversa; a indulgencia, que sob o ponto de vista strictamente juridico póde ter uma base falsa, tem um valor politico incontestavel.
O orador declarou reprovar inteiramente o cerceamento dos recursos, que faz o decreto n.° 2. O projecto de 1870 não elevava as alçadas, admittia sempre a revista por incompetencia do juiz ou do processo, ou excesso de jurisdicção, e até o aggravo das sentenças, que cabiam na alçada. O decreto de 1880 eleva as alçadas, supprime o aggravo da lei de 1886, estabelece como medida da alçada não a pena applicavel segundo a nossa tradição juridica, mas a pena applicada, e nas policias correccionaes supprime a revista, quando a sentença cabe na alçada.
Uma voz: - Creio que não.
O Orador: - Peço perdão; insisto no que affirmo fundado no final do § 1.° do artigo 1.° Em todo o caso, se os illustres deputados assim pensam, influam, como membros da maioria, para ser acceita a explicita proposta, que n'este assumpto faço.
O orador declarou que esta questão das alçadas fôra posta a toda a luz pelo illustre deputado e seu amigo Francisco de Medeiros, com cujas propostas plenamente concordava, limitando-se a recordar á camara as nobres palavras que elle deputado proferira repudiando, como juiz, uma faculdade excessiva, e que póde tambem conduzir á applicação de penas insufficientes para excluir o recurso.
Notou algumas lacunas nas disposições relativas ao novo processo correccional. Sustentou que n'esse processo não ha possibilidade de reformar um despacho de pronuncia, quando averiguações supervenientes ao lançamento d'elle induzam a necessidade legal de diversa classificação do crime e até diversa competencia de processo e de juizo; observou que as palavras de petição que se lêem no § 3.° do artigo 3.° contradizem os artigos 996.° e 674.° da novissima reforma judiciaria, justificou uma proposta para marcar-se praso para o julgamento em processo correccional dos réus, que estiverem em prisão preventiva, porque via no decreto a possibilidade de lá ficarem indefinidamente e justificou tambem outra proposta tendente a harmonisar as disposições sobre processo correccional com a lei de 15 de abril de 1886 sobre fianças, de modo que fique assente que os crimes, a que corresponde o novo processo correccional, são equiparados aos do artigo 2.° d'aquella lei.

'este ponto o orador, agradecendo a benevola attenção da camara, declarou que, por ter dado a hora, reservava para a sessão seguinte as reflexões que ainda tinha a apresentar.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Era meia noite.

Proposta de lei apresentada n'esta sessão pelo sr. ministro da instrucção publica e bellas artes

Proposta de lei n.º 131-A

Senhores.- Em cumprimento do disposto no artigo 2.° do decreto de 5 de abril do anno corrente, que creou o ministerio da instrucção publica e bellas artes, venho submetter á vossa illustrada apreciação a proposta de lei tendente a organisar o serviço d'esta secretaria d'estado.
É certo que a fundação do ministerio da instrucção publica e bellas artes correspondeu á necessidade, desde muito reconhecida como urgente e inadiavel, de occorrer pela especialisação e autonomia dos diversos serviços de ensino e de fomento artistico ao estado de evidente atrazo da instrucção e da educação nacional.
A proficuidade da reforma iniciada com o mencionado decreto de 5 de abril dependerá, comtudo, essencialmente do acerto que presidir á organisação do ministerio, tanto pelo que respeita ás funcções que lhe forem attribuidas, como ao plano definitivo da sua estructura interna.
A primeira medida, que urge tomar desde já, como base preparatoria de uma posterior remodelação do ramo fundamental do ensino, é a de reunir no ministerio da instrucção publica e bellas artes todo o ensino official da instrucção primaria elementar e complementar, que a lei de 2 de maio de 1878, n'uma applicação rasgada do principio da descentralisação administrativa, confiou á iniciativa e direcção das camaras municipaes e das juntas de parochia. Por isso se preceitua no artigo 1.°, n.° 1.°, da presente proposta de lei, que se devolverão para o estado os serviços da creação, transferencia e conversão das escolas e cursos, casas escolares, material de ensino, nomeação dos professores, matriculas, organisação dos horarios das aulas e dos jurys dos exames dos alumnos, licenças, applicação de penas disciplinares, aposentação, pagamento dos vencimentos, e bem assim a fixação d'estes, em harmonia com a legislação em vigor.
Operada esta passagem de serviços e regulados os seus detalhes, será então ensejo favoravel para se pensar na reforma d'esta parte do ensino, que accelere o seu desenvolvimento e que proveja de remedio seguro ás innumeras imperfeições do regimen actual.
O periodo de quasi nove annos, decorrido desde que a lei de 2 de maio de 1878, com as modificações, alterações e acrescentamentos da lei de 11 de junho de 1880, principiou a ser executada, é bastante largo para se poder asseverar affoitamente que da descentralisação do ensino primario não resultaram, infelizmente, para o paiz as venturas que antevia o reformador de 1878 ao referendar aquelle, sem duvida alguma, notavel diploma legislativo.
Mais uma vez se comprovou a conveniencia de pautar os preceitos das leis pelas condições sociaes e estado de civilisação do povo para que se legisla, sem subordinar irmãmente os variados ramos da administração publica ao mesmo principio theorico.
Das leis de 1878 e 1880 não resultou nenhuma das vantagens esperadas: a generalisação e regularisação do ensino, a efficaz fiscalisação e inspecção da instrucção primaria, a severa execução dos preceitos legislativos respeitantes á nomeação do pessoal docente e edificios escolares, e o sensato aproveitamento das verbas destinadas a este ramo do ensino, são outros tantos problemas a resolver, cujas difficuldades se aggravam de dia para dia, e cuja solução se me antolha absolutamente impossivel sem a devolução para o estado dos serviços, que acima deixo indicados.
Por isso se congregam á volta d'esta idéa as opiniões dos funccionarios, que mais de perto têem estudado a nossa instrucção primaria elementar e complementar, e até os pareceres de muitas camaras municipaes.
A disposição do n.° 2.º do artigo 1.° completa o pensamento do n.º 1.° do mesmo artigo: se é conveniente, como creio, não impedir a livre iniciativa das corporações administrativas no que se refere a outros estabelecimentos de ensino e educação, quer sejam preparatorios para a instrucção primaria elementar, quer constituam institutos de caracter mixto ou irregular, urgente se torna, todavia, que a sua creação esteja em todos os casos sujeita á superintendencia directa do estado e que o seu funccionamento seja fiscalisado por delegados do poder central. De outra fórma, da falta de harmonia e de ligação entre os varios estabelecimentos de ensino nacional resultaria inevitavel-

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mente a inanidade de muito esforço e a improductividade de despezas avultadas.
O n.° 3.° do artigo l.° estatue que todas as receitas e recursos actualmente destinados aos serviços da instrucção primaria elementar e complementar e aos estabelecimentos annexos constituirão de ora ávante receitas do thesouro, que os centralisará no fundo geral da instrucção primaria.
Este preceito, consequencia logica do que fica preceituado no n.° 1.° do artigo, é hoje de facil execução.
A lei de 9 de agosto de 1888, creando os fundos especiaes de instrucção primaria e as instruções regulamentares de 27 de dezembro de 1888, que desenvolveram o pensamento da lei de 9 de agosto, assentam já no principio da concentração das receitas, como condição da sua effectidade e da completa satisfação dos correspondentes encargos orçamentaes.
A legislação de 1888 foi o primeiro signal e o reconhecimento por parte dos poderes publicos dos perigos que haveria em manter-se o regimen da desentralisação, tanto sob o ponto de vista financeiro, como sob o ponto de vista da organisação e funccionamento d'este ramo da instrucção patria.
Pelo n.° 4.° do artigo 1.° ficam dependentes do ministerio da instrucção publica e bellas artes os serviços de inventariação, guarda e exposição dos monumentos historicos nacionaes, de superintendencia sobre a sua conservação e restauração e o serviço do ensino industrial e profissional, do qual faz parte integrante o ensino commercial.
São obvios os motivos que justificam esta disposição.
Não se comprehende que andem desligadas das bellas artes as diversas especialidades do serviço administrativo que deixo apontadas, relativas aos exemplares ainda existentes da antiga arte portugueza.
E é tempo de cuidarmos em salvar os seus restos, restaurando e fortalecendo as tradições artisticas nacionaes, espalhadas aqui e alem em obras de altissimo valor.
Quanto ao ensino industrial e commercial, que constitue o apparelho mais apropriado á propaganda e vulgarisação dos processos o fórmas da arte nacional, a sua passagem para o ministerio da instrucção publica virá satisfazer uma dupla necessidade: ao maior desafogo e facilidade no estudo e resolução dos importantissimos problemas que envolve a questão do fomento industrial e commercial, sob a direcção da respectiva secretaria d'estado, acresce a conveniencia de correlacionar intimamente o ensino industrial e commercial com outros ramos do ensino, e, particularmente, com os institutos superiores de engenharia civil, pela sensata organisação das suas diversas especialidades. N'este caso a passagem do ensino industrial e profissional para o ministerio da instrucção publica representará por consequencia, não a separação de serviços indissoluvelmente ligados entre si, mas um modo indirecto de favorecer a regeneração das nossas energias economicas e industriaes, pelo desenvolvimento do nosso direito economico e a concatenação de varios ramos de ensino, que mutuamente se devem coadjuvar e completar.
O n.° 5.º do artigo 1.° fornece as bases capitaes da organisação da secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica e bellas artes, e determina o maximo de acrescimo de despeza nova, que de fórma alguma se poderá julgar exagerada.
Adoptadas que sejam as bases propostas, ficará organisada esta secretaria d'estado em condições de prestar serios e relevantes serviços á causa da instrucção nacional e da arte, sem luxo ou fausto dispensavel.
A reunião de assumptos de caracter generico por meio da secretaria geral do ministerio será completada por uma benefica separação de materias, pertencendo a uma das direcções geraes a parte do ensino primario, cuja especialisação é de evidente necessidade, e a cada uma das outras duas diversos serviços que, sem inconveniente de maior, mas antes com manifesta vantagem publica, devem ser es-
tudados e executados sob o influxo de uma direcção commum.
A secção technica, junta á secretaria geral do ministerio, desempenhará todas as funcções que exigem uma habilitação particular, e o conselho superior de instrucção publica, cuja remodelação deve acompanhar o systema de distribuição dos serviços n'esta secretaria d'estado, completará naturalmente, pelas attribuições que lhe são inherentes, o plano de organisação do ministerio da instrucção publica e bellas artes.
O n.° 6.° do artigo 1.° encerra a auctorisação precisa, dentro dos limites de uma verba modesta, para a creação da repartição de contabilidade publica, que deverá funccionar junto do referido ministerio.
Finalmente, o n.° 7.° do artigo 1.° tem por objecto acudir ao desperdicio das nossas reliquias artisticas e archeologicas, a maior parte das quaes se encontra hoje em paiz estrangeiro, graças á indifferença indesculpavel com que têem sido tratados os assumptos d'esta natureza. Fiscalisar e regular a sua exportação é prestar um culto sincero aos productos valiosos do trabalho artistico e industrial.
Taes são, senhores, muito em resumo, as rasões que me dominam ao submetter ao vosso esclarecido exame a seguinte proposta de lei.
Secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica e bellas artes, 16 de junho de 1890.=João Marcellino Arroyo.

Proposta de lei

Artigo 1.º É o governo auctorisado:
1.º A reunir no ministerio da instrucção publica e bellas artes todo o ensino official da instrucção primaria elementar e complementar com os estabelecimentos annexos devolvendo-se para o estado os serviços da creação, transferencia e conversão das escolas e cursos, casas escolares, material de ensino, nomeação dos professores, matriculas, organisação dos horarios das aulas e dos jurys dos exames dos alumnos, licenças, applicação de penas disciplinares, aposentações, pagamento dos vencimentos, e bem assim a fixação d'estes em harmonia com a legislação em vigor;
2.° A regular a creação de quaesquer outros estabelecimentos de instrucção e educação, que de futuro as corporações administrativas venham a fundar e dotar, assim como a fiscalisação do estado sobre os referidos estabelecimentos e sobre os já existentes á data da publicação d'esta lei;
3.° A regular a passagem para o estado de todas as receitas, de qualquer ordem ou natureza, actualmente destinadas por lei ou por deliberações das corporações administrativas á instrucção primaria elementar e complementar e aos estabelecimentos annexos, ou recursos que tenham essa applicação, ficando essas receitas ou recursos constituindo dotação do fundo geral da instrucção primaria;
4.° A passar para o ministerio da instrucção publica e bellas artes o serviço da inventariação, guarda e exposição dos monumentos historicos nacionaes, a surper-intendencia sobre a sua conservação e restauração e o serviço do ensino industrial e profissional, transitando para o orçamento d'este ministerio as verbas constantes do artigo 23.°, secções l.a, 2.a, 4.a, 5.ª e 6.a, artigo 24.°, secções l.a, 2.ª, 4.a, 5.ª e 6.a, artigo 29.°, secção 2.ª e artigo 30.°, secção 2.ª do orçamento do ministerio das obras publicas, commercio e industria;
5.° A organisar a secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica e bellas artes e a reorganisar o conselho superior da instrucção publica, em harmonia com as bases seguintes :
a) A secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica e bellas artes compor-se-ha de uma secretaria geral e de tres direcções geraes;
b) A secretaria geral constituirá a repartição central

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do ministerio e a ella incumbirão, alem dos negocios relativos á administração interna e expediente do ministerio, os assumptos que interessarem em geral aos diversos serviços dependentes d'esta secretaria d'estado;
c) A primeira direcção geral terá a seu cargo os serviços relativos á instrucção primaria; a segunda direcção geral os serviços relativos á instrucção secundaria e superior; a terceira direcção geral os serviços relativos ás bellas artes e ao ensino industrial e profissional;
d) Cada uma das direcções geraes será formada por duas repartições, tendo os directores geraes immediatamente a seu cargo uma d'aquellas em que se dividir a direcção geral respectiva;
e) Junto á secretaria geral do ministerio funccionará uma secção technica, composta de dois engenheiros, um architecto e dois desenhadores, servindo em commissão;
f) Não poderá ser excedida em mais de 22:000$000 réis a verba actualmente destinada á direcção geral da instrucção publica e ao conselho superior de instrucção publica;
6.° A crear a 10.ª repartição de contabilidade na direcção geral da contabilidade publica, que funccionará junto do ministerio da instrucção publica e bellas artes, supprimindo dois logares de segundo official e dois de amanuense no quadro da 3.ª repartição, e dois de amanuense na 9.ª repartição da mesma direcção geral, não podendo o augmento de despeza ser superior a 3:930$000 réis, e devendo os individuos providos nos logares supprimidos ser transferidos para o quadro da repartição a crear;
7.° A regular a exportação dos objectos artisticos, historicos ou archeologicos, não podendo o direito de saída exceder, em caso algum, 30 por cento do valor do objecto exportado;
8.° A fazer os mais regulamentos necessarios para a execução da presente lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da instrucção publica e bellas artes, em 16 de junho de 1890. = Antonio de Serpa Pimentel = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Frederico de Gusmão Corrêa Arouca = João Marcellino Arroyo.
As commissões de instrucção publica, commercio e artes e de fazenda.

O redactor = S. Rego.

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