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N.º 41

SESSÃO DE 18 DE AGOSTO DE 1897

Presidencia do exmo. Sr. Eduardo José Coelho

Secretarios - os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Gareia Ramires

SUMMARIO

Approvada a acta, o ar. presidente faz communicações á camara.- Lê-se o expediente. - Lança-se na acta um voto de sentimento pela morte do sr. Sousa Martins, sabio lente da escola medica de Lisboa, fazendo o seu elogio os srs. Moreira Junior, ministro da justiça (Francisco Beirão), Franco Castello Branco, Dias Costa e Marianno de Carvalho. Este sr. deputado propoz, e foi approvado, um Voto de louvor á grande commissão da subscripção nacional, a proposito da chegada do Adamastor, associando-se-lhe os

srs. ministro da justiça (Francisco Beirão) e Franco Castello Branco. - O sr. Ferreira de Almeida agradece as palavras de elogio que lhe dirigiu o sr. Dias Costa. - O sr. Franco Castello Branco manda para a mesa uma representação da freguesia de Lagoaça. - O sr. conde de Paçô Vieira apresenta um projecto de lei, sobre o subsidio devido ao palacio de crystal do Porto, sendo considerado urgente. - O sr. Marianno de Carvalho apresenta um projecto, regulando a compra de trigos nacionaes e importação dos exoticos. - A requerimento do sr. Ramires é auctorisada a commissão de fazenda a reunir durante a sessão. - O sr. Augusto Ricca apresenta um parecer da commissão de obras publicas, e manda para a mesa um aviso previo.- O sr. Barbosa de Magalhães apresenta um parecer da commissão do ultramar.- O sr. Cayola apresenta um projecto de lei.- O sr. conde do Alto Mearim apresenta uma representação da associação commercial de Lisboa. - O sr. Henrique de Mendia apresenta outra da real associação geral de agricultura, contra o monopolio da cultura da beterraba, e foz diversas considerações sobre o assumpto. - O sr. Laranja apresenta um projecto de lei. - O sr. Correia de Barras manda para a mesa um parecer da commissão de fazenda. - O sr. Leopoldo Mourão apresenta uma representação do conselho director da associação de classe dos empregados do commercio, do Porto. - O sr. Queiroz Ribeiro apresenta um projecto de lei, sobre a linha de Valença a Monsão. - O sr. Catauho de Menezes apresenta uma representação de contribuintes da ilha da Madeira. - O sr. Luiz José Dias requer varios documentos.- O sr. Teixeira de Sousa apresenta um aviso previo.

Na ordem do dia conclue-se a discussão do projecto de lei n.º28, que auctorisa o governo a rever as circumscripções administrativa o judicial, e que é approvado, fallando sobre elle os srs. Oliveira Matos, Barbosa de Magalhães, Simões da Cunha, Frederico Laranjo e Avellar Machado.-Approvam-se tambem o projecto de lei do subsidio ao palacio de crystal do Porto, e o de isenção de direitos a alguns materiaes importados pelas irmãsinhas dos pobres. Aquelle não tem discussão, e sobre este fallam os srs. Mello e Sousa e Frederico Ramires (relator).

Abertura da sessão - Ás duas horas e quarenta minutos de tarde.

Presentes á chamada, 46 srs. deputados. São os seguintes: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Simões dos Reis, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto César Claro da Ricca, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Conde do Alto Mearim, Conde de Paço Vieira, Eduardo José Coelho, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, João Abel da Silva Fonseca João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Monteiro Vieira de Castro, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Simões Ferreira, José Adolpho de Mello e Sousa, José Bento Ferreira de Almeida, José da Cruz Caldeira, José Maria de Alpoim de cerqueira Borges Cabral, José Maria Barbosa de Magalhães, José Mona de Oliveira Matos, José Maria Pereira de Lima, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Lourenço baldeira da Gama Lobo Cayola, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Pinto de Almeida, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo du Carvalho, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alvaro de Castellões, Antonio Tavares Festas, Bernardo Homem Machado, Conde de Burnay, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Silveira Vianna, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Ressano Garcia, João de Mello Pereira Sampaio, Joaquim Ornellas de Matos, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Augusto Correia de Barras, José Dias Ferreira, José Frederico Laranjo, José Joaquim da Silva Amado, José Luiz Ferreira Freire, Luiz José Dias, Sertorio do Monte Pereira e Visconde da Ribeira Brava.

Neto compareceram á sessão os srs.: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Augusto José da Cunha, Conde de Idanha a Nova, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco de Castro Mattoso da Silva Corte Real, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jacinto Candido da Silva, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Antonio de Sepulveda, João Joaquim Izidro dos Reis, Joaquim Saraiva do Oliveira Baptista, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Malheiro Reymão, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Affonso de Espregueira, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Visconde de Melicio.

Acta - Approvada.

O sr. Presidente: - Participo que o sr. ministro da marinha me encarregou de fazer saber á camara que não póde hoje comparecer á sessão por haver assignatura e por outros motivos de serviço publico. Não deixará, porém, s. exa. de comparecer na proxima sessão, ámanhã, se a

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isso não se oppozer algum motivo de serviço publico imprevisto.

Tenho tambem a communicar que fui procurado por duas commissões: uma, delegada do centro socialista occidental, para me entregar uma representação contra as medidas de fazenda, e outra delegada da associação do classe dos manipuladores de phosphoros lisbonenses, para igualmente me entregar uma representação pedindo para que seja protegida a sua classe e para que seja excluida a manipulação do phospboro branco.

Era harmonia com os desejos dos signatarios de ambas as representações, consulto a camara sobre se permitte que ellas sejam publicadas no Diario ao governo, visto se encontrarem redigidas em termos convenientes e respeitosos

(Foi auctorisada a sua publicação.}

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da marinha, remettendo os documentos referentes aos navios Pedro Nunes e Pero de Alemquer, pedidos pelo sr. deputado Ferreira de Almeida.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Por decreto de 24 de outubro de 1895 foi alterada a divisão das assembléas eleitoraes do circulo n.º 59 (sabugal), mudando as sédes de algumas e ficando um sete o numero d´ellas. Porém, é certo que as sédes de algumas das assembléas ficaram muito proximas, coma são na do Sabugal e Quintas, sendo compostas de freguezias que se acham muito distanciadas.

Para quem conhece a localidade, a divisão feita pelo decreto de 24 de outubro parece ter obedecido só a um capricho da occasião, com o mais completo desprezo pela commodidade dos povos, quando estes sejam chamados a exercer os seus direitos de cidadãos. As anomalias são de tal ordem, que algumas freguezias proximas da séde de uma assembléa estão condemnadas a ir votar é séde de outra assembléa situada a muitos kilometros de distancia.

Este estado de cousas demanda uma providencia tendente a facultar a todos o accesso á urna na occasião eleitoral, tanto para a eleição de deputados como para as eleições camararias, e n´este sentir tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei!

Artigo 1.° O circulo eleitoral n.° 59, Sabugal, é dividido para o effeito eleitoral em sete assembléas.

Art. 2.° A primeira assembléa ficará constituida das seguintes freguezias: Sabugal, Quadragaes, Rendo e Santo Antonio, com séde no Sabugal.

A segunda pelos seguintes: Castelleiro, Bemdada, Sertelha, Moita, Malcata e Santo Estevão, com séde no Castelleiro.

A terceira pelas freguezias de Lomba, Pousa Folles, Penalobo, Aguas Bellas e Quintas de S. Bartholomeu, com séde em Pousa Folles.

A quarta das freguezias de Aldeia Velha, Forcalhos, Lageosa, Aldeia do Bispo e Foios, com séde em Velha.

A quinta das freguezias de Rapola do côa, Villa do Toro, Valle das Eguas, Badamallos, Vallongo, Cerdeira e Seixo do côa, com séde em Rapola do Côa.

A sexta das freguezias de Alfaiates, da Ponte, Rebolosa, Villa Maior e da Ribeira, com séde em Alfaiates.

A setima das freguezias do Souto, Nave, Villa Boa, Ravina, Ruiraz, Bismula e Valle de Espinho, com séde no Souto.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 16 de agosto de 1897. = O deputado, Manuel Telles de Vasconcellos.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Projecto de lei

Senhores: - O decreto com força de lei de 20 de agosto de 1892, que reorganisou o serviço de obras publicas do ultramar, alem da necessidade de modificar as condições de admissão do pessoal, obedeceu as exigencias financeiras, que reclamavam reducções das despezas publicas. Em presença de taes exigencias, julgou o governo que poderia alterar, mesmo com respeito a quaesquer direitos adquiridos, os vencimentos das differentes classes de pessoal.

Não muitos assim foram attingidos por aquelle decreto; mas foi-o de facto, posto que não de direito, o conductor de 1.ª classe das obras publicas da provincia de Moçambique, Francisco Correia Leotte.

Basta expor as condições em que se encontrava, á data do decreto de 20 do agosto de 1892, este funccionario, para que se reconheça a justiça com que elle reclama.

Sendo conductor auxiliar no ministerio das obras publicas, foi nomeado por portaria do ministerio da marinha o ultramar de 30 de novembro de 1876 para servir em commissão na provinda de Moçambique, onde serviu até 1880.

Por portaria de 4 de agosto de 1882 foi depois nomeado conductor de 1.ª classe do quadro das obras publicas da dita provincia, tendo o ordenado annual de 600$000 réis e a gratificação de 1:320$000 réis. É certo, pelas rasões já expostos, que o alludido decreto não resalvou os direitos adquiridos, mas ha uma diferença essencial entre a situação do referido funccionario e os demais que tiverem reducções nos seus vencimentos e aos quaes se refere o artigo 38.° do mesmo decreto. A d´aquelle estava por assim dizer garantida, e não podia elle deixar, em vista da disposição do artigo 37.°, de ser mantido no serviço nas condições em que se encontrava, o que não succedia com os outros empregados das obras publicas.

Os vencimentos fixados nas tabellas juntas ao decreto deviam pois entender-se para os que de futuro fossem nomeados o não para os que se encontrassem nas condições do conductor Leotte.

Mas não tem sido assim interpretado o decreto, e este conductor só tem sido abonado dos vencimentos marcados na respectiva tabella do decreto de 20 de agosto de 1892.

Injusto na verdade seria não reparar uma omissão, ou antes a falta do um esclarecimento da lei, porque se não póde suppor, ainda não deixando de attender ao pensamento de reducção de despezas que presidia á redacção do decreto, que houvesse o proposito de cercear vencimentos a um empregado que estava devidamente encartado, que tinha todos os requisitos da lei para exercer o logar que desempenhava, e que de accordo com o proprio decreto de 1892, não podia ser tirado de logar que desempenhava.

Convem ainda notar, mais ainda, fixar a injustiça da reducção de vencimentos feita ao conductor Leotte, que, durante largos annos, prestou excepcionaes serviços no ultramar, sendo incumbido de differentes commissões que lhe valeram elogios officiaes, como se vê dos documentos que elle juntou ao seu requerimento.

Por todas estas considerações, tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São mantidos ao conductor de 1.ª classe do quadro das obras publicas do ultramar, Francisco Correia Leotte, os vencimentos que percebia antes do decreto com força de lei de 20 do agosto de 1892, devendo ser-lhe abonada a differença que deixou do receber desde então até hoje.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 16 de agosto de 1897.= Izidro dos Reis.

Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões do ultramar e de fazenda.

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O sr. Moreira Junior: - Sr. presidente, é com os lagrimas nos olhos e com a dôr a torturar-me o coração que tenho o dever, tristissimo dever, de participar á camara a noticia que ha pouco me foi transmittida, da morte de um dos mais lucidos, se não o mais lucido e peregrino talento, da figura mais sympathica e de um dos caracteres mais puros do quantos têem esmaltado a medicina portugueza.

A morte do dr. Sonsa Martins, meus senhores!

O brilhantismo da sua intelligencia formosissima, a grandeza da sua estatura moral, o affecto profundo, o enthusiasmo caloroso que Sousa Martins soube despertar em quantos a conheceram, são bem sabidos, porque nada se ignorava sobre esse homem, que é a gloria mais subida da sua classe e uma das honras mais proeminentes da nossa desgraçada terra, que na crise que atravessâmos, profundamente angustiosa, vê ao mesmo tempo desapparecerem os filhos que pelo talento mais o nobilitaram. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Sr. presidente, é com o espirito perturbado e com o coração esmagado pela dôr que tenho de proferir algumas palavras sobre aquelle homem verdadeiramente superior, talento assombrose, cuja palavra era uma maravilha pela fluencia torrencial e pela galharda envergadura que a caracterisava. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Sabio, na accepção mais ampla do termo, elle era o trabalhador infatigavel e constante que sabia profundar todos as descobertas mais vigentes dos tempos que correm e lhes avultava o alcance com a intuição poderosissima da sua phantasia deslumbrante. (Muitos apoiados.)

Mestre, elle era o enlevo, de quantos o escutavam embevecidos na regencia da sua cadeira; era o idolo dos que o seguiam na sua clinica hospitalar, em que nitidamente revelava os dotes primorosissimos de observador sagaz, que elle possuia.

Orador, era o mais notavel de quantos tenho ouvido. A sua palavra arrastava, seduzia, era um encanto, tinha todos os primores, todos os tons, possuia todas as vibrações dos oradores geniaes.

Gigante da palavra, assombrava pela alteza das concepções, mas extasiava tambem pela fórma elegantissima dos seus discursos, soberbos no conjuncto, levantados o primorosos na idèa. (Vozes:- Muito bem, muito bem.)

Caracter diamantino, limpido como o crystal de rocha, a ninguem rebaixou jamais, tamanha era a sua superior e magnanima generosidade.

Pois, este grande homem, morreu!

Morreu este homem, cujo talento deslumbrava, e cujo verbo torrencial sabia explendir todo o brilho da sua fecunda intelligencia e todos os dotes da sua alma formos!
Este homem, que soube adejar como aguia por todas as instancias do saber humano, este homem morreu. Foi uma perda irreparavel, uma perda nacional; por isso, sr. Presidente, creio que não será de mais que na acta se consigne um voto de sentimento, em que se consubstancie o sentimento que nos anima e a dôr profunda que nos esmaga. ( muitos apoiados em ambos os lados da camara.)

O Sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Sr. presidente, acabo de ser dolorosamente surprehendido pela infausta noticia da morte do illustre professor, o sr. dr. Sousa Martins, que era uma gloria nacional.

A camara comprehende que não é n´esta occasião que se póde commemorar condignamente este doloroso acontecimento, nem eu sou a pessoa mais auctorisada para fazer o elogio funebre e historico do fallecido professor; mas comprehende tambem a camara que, sendo o unico membro do governo que se acha presente, me devo associar, viva e dolorosamente, ás palavras proferidas pelo meu illustre collega n´esta camara, o illustre deputado o sr. dr. Moreira Junior. .....

Conheci muito de perto Sousa Martins para que possa deixar esquecer na sombra, n´este momento, a sua memoria.

Por isso, associo-me, commovido, com todo o sentimento - e tenho pena de o não poder fazer com toda a eloquencia-ás palavras do illustra deputado; e esta expressão, não só traduz o meu sentir pessoal, mas o sentir do governo.

Como deputado da nação, só me resta associar-me ao voto de sentimento proposto, e pedir á camara que o vote por acclamação.

O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente, este lado da camara associa-se convicta e completamente ao voto de sentimento proposto pelo sr. dr. Moreira Junior, e á proposta que acaba de fazer o sr. ministro da justiça.

Eu, pela minha porte, sem querer, por fórma alguma, ter a pretensão de fazer o elogio condigno e devido áquelle grande espirito, e aquelle grande caracter, e louvando-me nas eloquentes e expressivas palavras que acaba de proferir o sr. dr. Moreira Junior, quero apenas dizer que, alem de todas as qualidades que possuia aquelle prestante cidadão, e que foram por s. exa. apontadas, tinha ainda mais uma - a de ser não só dedicadissimo ao seu paiz, mas a de estar sempre prompto a honral-o com os seus serviços e com as suas faculdades quando lhe eram solicitados. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

No tempo em que dirigi a pasta do reino foi preciso realisar em Veneza uma conferencia medica para adoptar medidos preventivas contra a invasão da peste bubonica.

Dirigi-me a Sousa Martins, que tão brilhantemente tinha representado o nosso paiz no congresso que anteriormente se reunira, a pedir-lhe que nos desse a honra de representar Portugal n´essa conferencia. Já então a sua saude não era boa, e evidentemente a perda de tempo representava para elle uma perda de interesses; pois, não obstante isso, immediatamente aquelle grande clinico e aquelle grande patriota se poz á disposição do governo, com as condições que ao mesmo governo aprouvesse, para representar o paiz.

Nunca Portugal, em qualquer circunstancia identica, foi nem mais digna, nem mais eminentemente representado do que n´aquella occasião. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

A perda, pois, de uma tão grande individualidade é uma perda nacional, e por isso associo-me, e commigo todo este lado da camara, (Apoiados da esquerda.) quer ao voto proposto pelo sr. dr. Moreira Junior, quer á proposta do sr. ministro da justiça, para que esse voto seja

camara, considero como approvado por acclamação o voto de sentimento proposto pelo sr. dr. Moreira Junior.

O sr. Dias Costa: - Sr. presidente, mal pensava eu, ao pedir a palavra, que havia de ser surprehendido com a triste noticia que ha pouco foi communicada á camara, e que enche de luto o paiz.
Sr. presidente, era um profundo admirador de Sousa Martins, porque admirava n´aquelle homem, não só a grandeza do seu saber, mas a grandeza do seu caracter.

Uma grande qualidade brilhava no coração d´aquelle homem, o amor ao seu paiz, como muito bem accentuou o illustre leader da opposição.

D´esse amor deu grandes provas, e uma d´ellas foi, servindo, na commissão da subscripção nacional, que acaba de entregar ao governo o primeiro cruzador da marinha real, um navio que representa, não só uma força da nossa esquadra, mas tambem uma parte elevada do coração e do sentimento nacionaes. (Apoiados geraes.)

Sr. presidente, o meu intuito, ao pedir a palavra, era para recordar á camara que n´uma hora bem angustiosa para a nação portuguesa um grupo de cidadãos, sem distincção de côr politica, nem de hierarchia social, animados pelo sentimento do santo amor á terra querida, se reuni-

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ram para angariar meios de defeza, que tanto escasseavam n´aquelle momento.

D´esse grupo fazia parte Sousa Martins, a quem já se prestou homenagem pelos seus serviços relevantes.

Resta agora cumprir um dever impreterivel de gratidão agradecer á commissão da subscripção nacional e a todos aquelles que concorreram com o seu subsidio, grande ou pequeno, n´uma benemerita congregação de esforços, em que se agruparam não só o augusto chefe do estado, mas os cidadãos mais humildes.

Justo é, pois, que nós, como representantes da soberania nacional, consagremos o nosso agradecimento a esta commissão, que logrou ver realisada a sua tarefa, que devia ter sido ingrata, e que felizmente n´esta assembléa está representada pelo meu amigo o sr. Ferreira de Almeida, que teve ensejo, pela vastidão dos seus conhecimentos technicos e pela sua dedicação por tudo quanto interessa ao bem do paiz, (Apoiados.) de concorrer poderosamente para a resolução d´aquelle illustre grupo de cidadãos, de se dar preferencia á construcção de cruzador, que representa, sem duvida, um elemento valioso da defeza maritima portugueza.

Deve ser muito agradavel a este lado da camara ouvir que um da membros do governo, o nobre ministro da guerra, tomou parto activa nos trabalhos da commissão, e que por isso merece a gratidão de nós todos. (Apoiados.)

Quando se trata de prestar o nosso reconhecimento a cidadãos tão dedicados ao paiz, entendo que se devem pôr de parte, por exemplo, quaesquer dissidencias politicas, embora os partidos devam estar separados pelos seus programmas de governo.

Portanto, julgando interpretar os sentimentos da camara, proponho que se consigne na acta das suas sessões um voto de profundo agradecimento á commissão da subscripção nacional e a todos os subscriptores que concorreram para a acquisição dos navios já entregues e de outros com que se vae dotar o paiz. (Vozes: - Muito bem.)

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Sr. presidente, pedi a palavra para me associar, em meu nome e por parte do governo, á proposta que acaba de fazer, o meu illustre amigo, o sr. Dias Costa, propondo um voto de louvor á illustre commissão da subscripção nacional e a todas os seus subscriptores.

O sr. Franco castello Branco: - Sr. presidente, associo-me por parte da minoria á proposta apresentada pelo sr. Dias Costa, e declaro que muito folguei em ouvir as palavras merecidas e de inteira justiça por elle dirigidas a um dos mais illustres membros d´este lado da camara, que pelo seu trabalho tanto concorreu para o estudo das bases do concurso para a acquisição do navio que a subscripção nacional acaba de entregar ao estado.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara, considera-se approvada por acclamação a proposta apresentada pelo sr. Dias Costa. (Apoiados.)

O sr. Franco castello Branco: - pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação dos habitantes da freguezia de Lagoaça, pedindo para ficarem pertencendo ao concelho e comarca do Mogadouro.

Estes cidadãos, vendo que o governo tinha aberto uma especie de concurso para receber as reclamações dos povos, em relação á divisão administrativa e judicial, que foi decretada pelo governo de que fiz parte, vem agora, perante a camara, que está discutindo uma auctorisação para que o governo possa levar a fim essa grandissima obra da revisão da circumscripção administrativa, apresentar a expressão do seu voto.

Como já disse, trata-se de uma representação dos habitantes da freguezia de Lagoaça, pertencente ao antigo concelho de Freixo de Espada á Cinta, mas hoje desannexada, que pedem para não voltar a pertencer ao antigo concelho.

N´essa representação, sobre a qual peço a v. exa. que queira consultar a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo, se desenvolvem as rasões do pedido feito pelos habitantes d´aquella freguezia.

Existe uma verdadeira desharmonia entre elles e os habitantes da séde do antigo concelho, de modo que, se a freguezia fosse novamente annexada a Freixo, seria ir não só de encontro á vontade dos povos, e contra os legitimas interesses da administração, mas de encontro aquillo que a prudencia e o bom senso aconselham para evitar conflictos.

Hontem fiz uma pergunta ao sr. presidente do conselho a este respeito, e s. exa. respondeu-me por uma fórma vaga, louvando-se na proposta que será apresentada.

No emtanto faço justiça ao caracter e lealdade de s. exa., para acreditar que n´este caso, como em muitos outros, não quererá violentar a vontade dos povos, para satisfazer á vontade dos caudilhos das luctas eleitoraes, ou de quaesquer outros interesses partidarios.

Foi auctorisada a publicação da representação no Diario do governo.

O sr. Ferreira de Almeida: - Sr. presidente, vejo-me embaraçado no uso da palavra.

O sr. Dias Costa, apresentando ao parlamento um voto de agradecimento á commissão da subscripção nacional, pelos seus serviços, e em especial pela offerta do cruzador Adamastor, entendeu dever englobar-me no numero dos individuos que ali prestaram o seu trabalho por dever patriotico, e por minha parte, por dever de profissão.

Sr. presidente, associado como estive mais ou menos a esses trabalhos, mal pareceria que, tendo ou logar n´esta camara, não me levantasse para, sem procuração para isso, e sem pretender mesmo por este facto dar-me as honras de representar essa commissão, agradecer em nome d´ella o voto consignado na acta; e mal pareceria ainda, porque por circumstancias intercorrentes eu me tinha separado da commissão da subscripção nacional em fevereiro de 1896.

E certo que a acquisição de um cruzador derivou de proposta minha, para este fim apresentada na primeira reunião de subscriptoros convocada nela commissão executiva. E certo que a commissão executiva da subscripção nacional me nomeou para todas as commissões technicas, que foram encarregadas de preparar as informações e todos os trabalhos até se resolver a acquisição do navio e a celebração do contrato. Eu pela minha parte não tenho de receber agradecimentos, porque fiz aquillo que o dever me impunha (Votes: - Muito bem), quer como cidadão portuguez, quer como official da armada.

Portanto, fique o voto, que eu acompanho, para a dedicação da commissão. E creia a camara que então, como ministro, e agora aqui, o unico sentimento que me inspirou e inspira, absoluta e completamente, quaesquer que sejam as interpretações que se queiram dar aos meus actos, e o tempo me fará justiça, foi e é o cumprimento do meu dever. (Vozes:- Muito bem.)

E vem ad rem agora ainda dar umas explicações á camara para justificar a minha maneira de proceder, lendo alguns trechos de um livro inglez.

Eu tenho aqui analysado a administração naval.

Repito que o meu objectivo é pôr um evidencia todos os males de que enferma esta administração, todas as necessidades de que ella carece, para que os males se removam e as necessidades sejam satisfeitas.

Um jornal disse que me era facil fallar aqui, porque não tinha pessoa da profissão que me respondesse. Esta maneira de dizer significa que eu abuso da boa fé da camara, vindo apresentar proposições e factos que seriam menos exactos ou menos justificados, e é por esse facto que eu uso agora da palavra para dar esta satisfação á camara; e consiste ella em que tudo quanto eu tenho dito em referencia a factos e apreciações de quaesquer commissões de serviço mais ou menos individualisadamente, pelas ra-

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sões que já dei de não querer imputar á corporação a responsabilidade d´esses factos, se não fossem exactas na sua essencia absoluta, essa jornal ou jornaes que me accusam de eu ter aqui facilidade em fallar por não ter quem responda, teriam já necessaria e fatalmente explorado esse thema discutindo-o e criticando-o por todas as fórmas. Mas nada d´isso têem feito, limitando-se apenas a invectivas pessoaes mais ou menos dissimuladas; portanto, desde que na imprensa se procura fazer a invectiva pessoal e não a discussão e analyse das palavras, a camara tem a prova cabal de que as minhas accusações são verdadeiras; não têem discussão possivel, e por consequencia não tenho abusado da sua boa fé. (Apoiados.)

Mas porque a alguns espiritos possa parecer menos regular que eu desvende este mal para lhe procurar o devido correctivo, alem de ter já em sessões anteriores citada Lockroy e as suas criticas á marinha franceza, a respeito do qual podem dizer-me que é um paisano é que n´isso tinha desculpa, apesar de que todos os elementos de que se serviu lhe terem sido fornecidos por altas sumidades da marinha franceza, - tenho aqui presente o livro do vice-almirante Hamilton, que foi cinco annos ministro da marinha, em que, fazendo o estudo sobre a organisação do almirantado inglez, o precede de uma nota historica, a que eu vou fazer algumas referencias, que mostram que, como eu, procedia pela mesma fórma em Inglaterra o lord conde de S. Vicente, que occupou o logar de ministro da marinha de 1801 a 1804. Eão teve alle duvida em declarar ao paiz todos os desmandos e desregramentos que se deram na marinha ingleza para serem devidamente corrigidos, propondo ao mesmo tempo medidas importantes tendentes a fazer uma profunda reorganisação n´essa marinha.

Os seus trabalhos não vingaram, todos então e só trinta annos depois é que estavam completados por sir James Graham. Mas, sr. presidente, para se ver que então se fazia o que eu faço, agora, bastará ler alguns trechos que se contêem n´este livro, para conhecer que não o prendia esta mal entendida consideração de classe, para tornar evidentes os desmandos a fim de que elles se corrigissem, quando muitos entendem que devem ser abafados para que não se deslustre a corporação, como se qualquer corporação podesse ser passiva dos erros de alguns que a compõem!

Diz, por exemplo, lord S. Vicente, escrevendo de Cadiz a lord Spencer, então ministro da marinha, a 27 de agosto de 1797:

Tenho a certeza de que a administração naval está corrupta até á medulla.

Mas não pára aqui. Sendo ministro, procurou, fazer varios inqueritos, de que resultou ser despedido muito pessoal, e apurar o procurador geral que as depredações nos aprovisionamentos navaes não eram inferiores a £ 500:000 por anno.

E acrescenta o vice-almirante Hamilton :

A corrupção na administração, o exagero nas despezas e a indolencia eram conhecidas de lord conde S. Vicente antes de occupar o logar de ministro.

Tal qual como cá e como succedeu commigo!

Dizia lord S. Vicente em 1801:

Só uma limpeza radical nos arsenaes os libertará dos vicios e da corrupção que os devora.

Fazendo a descripção do caracter d´este lord, a quem a Inglaterra deve, pela sua coragem, tenacidade e perseverança, ter hoje organisados os seus serviços navaes, diz sir Hamilton:

Lord S. Vicente reformara a disciplina na marinha, e melhorara a organisação dos navios e da esquadra, e era dotado de uma energia inflexível que lhe dava forças para luctar contra o espirito irrequieto do pessoal dos arsenaes, e do que já dera provas contra o espirito sedicioso do pessoal da esquadra. Juntava á energia do seu temperamento uma austera integridade que lhe dava, sem duvida, um tom severo e por vezes uma maneira, de proceder um tanto rude e violenta, mas que o elevou acima ao nivel de grande numero dos seus contemporaneos e lhe facilitou arcar com as dificuldades da administração que lhe foi confiada.

A severidade com que lord S. Vicente denunciou os abusos existentes supprimiu a relaxada inspecção dos arsenaes, mettendo em processo os ladrões e os ineptos, o vigor com que desmascarou os negocios illicitos e atacou interesses que deshonestamente desfructava certa gente; o modo expedito com que applicava os- castigos; acarretou-lhe uma violenta tempestade de odios e invectivas desapiedadas que será difficil igualar.

Pitt, que succedeu ao ministerio de que lord S. Vicente fazia parte, e de quem era inimigo, deixou-se levar pelos odios dos expoliadores demittidos e pela sucia desvergonhada que soffrêra a acção da inflexibilidade do conde de S. Vicente, e tentou compromettel-o perante a camara, attribuindo-lhe a decadencia em que as cousas se achavam, quando elle é que a veiu desvendar. Caiu S. Vicente com o ministerio Addington em maio de 1804, sendo perseguido por uma tempestade de injurias virulentas e grosseiras, que se tornaram publicas n´um pamphleto extraordinario.

Os amigos de lord S. Vicente responderam mais tarde com uma brochura ao dito pamphleto, tendo por titulo: Administração ao conselho do almirantado sob a presidencia do conde de S. Vicente.

Desanima-se realmente diante d´estes factos historicos, vendo maltratados os indivíduos que, cheios da melhor vontade, pretendem que as cousas entrem em ordem e em regimen normal! Mas o desanimo dependo tambem da disposição do caracter que o indivíduo tem; e declaro que não recuarei a despeito de todos os males, de todas as injurias e apreciações injustas que se me foçara em virtude do papel que me impuz, de tornar patente ao paiz e á camara, qual o estado decadente da nossa marinha, não só em relação ao material, como já mostrei, mas tambem em relação ao pessoal e sua administração, sendo á responsabilidade antiga e de muitos.

Veja, pois, a camara, que as referencias que tenho feito e as que tiver ainda de fazer, obedecem a esta unica orientação,- a de pôr bem evidente, bem patente, o mal, para que elle se extirpe radicalmente.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma serie, de erratas a um discurso que proferi na sessão de 15, entre ellas a do summario que diz que quem abriu o debate foi o sr. Marianno de Carvalho, quando o debate foi aberto por mira.

Dê-me v. exa. ainda licença que me refira a um discurso meu, de uma das sessões passadas, quando eitei que em 1896, tendo sido lançado um navio ao mar, no estaleiro de Gronville, fôra a pique.

O navio virou-se, depois de apparelhado. Conta esto caso o Figuro de 22 de janeiro de 1896.

O navio chamava-se Jacques, era de 2:600 toneladas, e o caso deu-se ás nove horas da manhã de 21 de janeiro.

Parecerá extraordinario este complemento da noticia que dei, mas é para que a todo o tempo, quem quizer verificar a referencia, poder saber de onde ella é originaria e que não é invenção minha.

Tenho dito.

O sr. Marianno de Carvalho: - Chego tarde para me associar á manifestação feita em termos eloquentes pelos srs. dr. Moreira, ministro da fazenda, João Franco e Dias Costa; por isso pouquissimas palavras direi.

Considero um dia de luto nacional aquelle em que se perdeu um homem de tanta valia como o dr. Sousa Martins. (Apoiados.)

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714 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A tudo o que disseram os illustres deputados que me precederam quero accentuar que Sousa Martins, ao seu enorme talento, á sua grandissima e verdadeira sciencia, da qualidades do seu coração, reunia ainda uma que não foi aqui mencionada: era a sua grande modestia, propria da verdadeira sabedoria.

Sei por experiencia propria que varios governos, regeneradores, progressistas e eclecticos, offereceram a Sousa Martins o fazer parte da camara dos deputados ou mesmo o ser nomeado par do reino, ao que elle respondia sempre que só vivia para a sciencia e para a caridade, estando prompto a servir a sua patria. Não quiz nunca acceitar quaesquer honrarias, nem mesmo a honraria tão alta como era a dignidade de par do reino.

O sr. João Franco: - Apoiado.

O Orador: - Estimo muito ouvir o apoiado de v. exa., o que mostra que talvez fosse um d´aquelles que lhe offereceram logar no pariato ou na camara dos deputados, e a que elle preferiu o sacrificio em prol da sua patria.

Dito isto, vou mandar para a mesa um projecto de lei regulando o regimen dos cereaes em Portugal. Como deputado antigo, não me illudo sobre o seu destino; entretanto pedirei ás illustres commissões de fazenda, de agricultura e do commercio e artes que estudem este assumpto como deve ser, e com a possivel brevidade.

O regimen dos cereaes, genero de alimentação publica, não existe hoje em Portugal com fórma legal, porque reina o mais completo arbitrio e o favoritismo mais mal qualificado, com enorme prejuizo para a economia nacional, para o lavrador, para o consumidor e para as fabricas de moagem. E preciso acabar com isto de uma vez.

Falla-se muito em não exercer dictadura, quando todos os dias se está exercendo a do arbitrio, que é a peior de todas.

Não quero ser mau propheta, mas estou convencido de que, se o regimen em vigor continuar, ainda este anno, dentro de poucos mezes, teremos em Lisboa uma crise de alimentação publica, por causa do pão. A situação actual é absolutamente intoleravel e insustentavel.

Não quero dar como melhores nem como boas as disposições do meu projecto; mas desejo que as côrtes votem alguma cousa, que seja lei a final, pela qual todos se rejam e a todos se applique.

Mando para a mesa o projecto.

O sr. Francisco Reunires: - Peço a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se permitte que a commissão de fazenda se reuna durante a sessão, para dar parecer sobre um projecto de lei da iniciativa do sr. conde de Paçô Vieira.

Foi concedida a auctorisação pedida.

O sr. Correia de Barros: - Mando para a mesa um parecer da commissão do ultramar sobre a proposta do governo, estabelecendo principios e regras para a construção de obras publicas nas provincias ultramarinas.

O sr. Ricca: - Mando para a mesa um parecer da commissão de obras publicas, baseado no estudo de dois projectos de lei que foram presentes á mesma commissão, tendentes a melhorar a situação demasiado injusta e precaria dos distribuidores telegrapho-postaes do continente do reino e ilhas adjacentes.

Aproveito o ensejo, com permissão de v. exa., para, nos termos do regimento, mandar para a mesa um aviso previo, em que declaro desejar interrogar o nobre ministro das obras publicas ácerca das suas idéas com respeito ao projecto fixando o quadro dos engenheiros e conductores.

O sr. Barbosa da Magalhães: - Mando para a mesa o parecer das commissões do ultramar, guerra e legislação criminal sobre a proposta de lei n.° 45-C, ácerca da applicação da legislação da justiça militar nas provincias ultramarinas.

O sr. Cayola: - Mando para a mesa um projecto de lei permittindo aos actuaes officiaes da armada, habilitados com o curso do engenheria hydrographica, passarem á situação de commissão especial, creada pela lei de 14 de agosto de 1892, quando assim o requeiram.

O sr. Conde de Alto Mearim: - Mando para a mesa uma representarão da associação commercial de Lisboa, submettendo á approvação do parlamento o parecer da sua secção colonial, ácerca da proposta de lei para o exclusivo da fabricação do assacar de beterraba.

Estando esta representação concebida em termos correctos, peço a v. exa. consulte a camara se consente que ella seja publicada no Diario do governo.

O sr. Henrique de Mendia: - Ao mandar para a mesa uma representação da real associação de agricultara contra a proposta do governo, relativa á concessão de um monopolio e privilegio da fabricação de assucar de beterraba, não vae antecipar a discussão d´esta medida, mas quer frizar o facto verdadeiramente notavel de que, sendo a real associação de agricultura a mais legitima representante da agricultura nacional, é justamente esta associação que, sem se offuscar com a grata miragem que o sr. ministro da fazenda lho offerece no seu relatorio e proposta, vem representar contra aquella medida.

Não discute se financeiramente a proposta a que se refere, dando logar á antecipação de 9:000 contos de réis sobre uma importante receita do estado, não constitue grave e serio perigo.

Não se detém a mostrar quanto aquella medida, restringindo a transformação em assucar da canna sacharina colonial e favorecendo, ipso facto, a fabricação do alcool d´aquella procedencia, principal concorrente dos nossos vinhos no ultramar, vae prejudicar a agricultura da metropole. Não emitte a sua opinião sobre se o monopolio que se propõe sem concurso, é possivel dentro da legislação em vigor; mas, sob um ponto de vista mais restricto, demonstra em primeiro lugar que os preços consignados na tabella da base 7.ª do projecto não podem dar lucros ao cultivador da beterraba em Portugal, mas nem ainda, na generalidade dos casos, para os gastos culturaes. E se a cultura se torna, ipso facto, economicamente impossivel e os interesses do monopolista se não consubstanciam com os interesses do productor, fica simultaneamente aberta a porta para a importação de beterraba estrangeira, materia prima para uma industria estrangeirada, verdadeira parasita, e apenas de utilidade para minorar a crise dos cultivadores de beterraba na Allemanha, hoje em precarias condições. Veriamos ainda similliante industria servir principalmente á fabricação de melaços e sua distillação, concorrendo ao mercado, com grave prejuizo da viticultura nacional, com alcooes baratos e eminentemente toxicos, em prejuizo do alcool de vinho.

Chama, pois, a attenção do governo, da camara e das commissões respectivas, para o documento que tem a honra de enviar para a mesa, e que, superiormente pensado e admiravelmente deduzido, merece, por este facto, e por dimanar de tão distincta e competente associação, o estudo e a attenção de todos.

Pede ao sr. presidente a fineza de consultar a camara sobre se permitte a sua publicação no Diario do governo.

Foi auctorisada a publicação.

O sr. Laranjo: - Mando para a mesa um projecto de lei.

O sr. Correia de Barros: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

O sr. Queiroz Ribeiro: - Mando para a mesa um projecto de lei relativo á linha ferrea de Valença a Monsão.

O sr. Leopoldo Mourso: - Mando para a mesa uma representação dos empregados no fabrico de refinação de assucar contra a respectiva proposta de lei.

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SESSÃO N.º 41 DE 18 DE AGOSTO DE 1897 715

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º28, que auctorisa o governo a rever a divisão das circumscripções administrativas e judiciaes approvada nos termos da carta de lei de 21 maio de 1886 e do decreto de 20 de junho do mesmo anno.

O sr. Oliveira Mattos: - Sr. presidente, vejo-me n´este momento bastante embaraçado para poder usar da palavra. A minha natural deficiencia de recursos intellectuaes como orador, é augmentada com a dolorosa impressão causada em meu espirito pela inesperada e horrorosa noticia, que acaba de nos surprehender tão desagradavelmente da morte de Sousa Martins, e pela sentida manifestação, respeitosa, profundamente triste e impressionante, que a camara vem de prestar á memoria do grande e inolvidavel extincto, que acaba de desapparece !..

A merecida homenagem prestada ha pouco áquelle illustre homem de sciencia, honra e gloria da nossa patria, brilhantemente feita por tão distinctos oradores, e especialmente pelo nosso talentoso collega, sr. dr. Moreira, pondo em relevo as altas qualidades que o tornavam notavel e querido, calou fundo na minha alma, que por elle tinha um sincero culto de estima e consideração; porque eu era seu amigo e admirador, venerando-o pelo seu saber, pela sua vasta illustração, pelo seu grande talento, pela sua inexcedivel bondade, pela attrahente grandeza das suas raras e brilhantissimas qualidades de espirito, tendo tido numerosas occasiões, quer como amigo, quer como seu doente, de apreciar os primores da sua alma maganima e generosa, para todos que precisassem do seu consolador auxilio, ricos ou pobres!...

As minhas relações de amisade e de profunda admiração com o illustre morto, que todos pranteâmos, são antigas; datam de mais de vinte e cinco annos, dos bons tempos da mocidade, e fizeram-se e radicaram-se na minha alma como na minha memoria, por um sympathico e admiravel acto da sua vida então praticado, que de certo muitos dos seus admiradores ignoram, mas que vale bem a pena conhecer n´este momento, porque é mais uma nota caracteristica dos seus grandes merecimentos, pelo que tomo a liberdade de em poucas palavras o contar á camara.

Haverá vinte e cinco annos, pouco mais ou menos, que um outro professor tambem muito distincto e talentoso, collega de Sousa Martins, na escola medica de Lisboa, seu condiscipulo e amigo e chamado tambem Martins, mas Boaventura Martins, pouco tempo depois de terminar a sua formatura e de ir a um concurso de lente da mesma escola, em que ficou approvado, tomando posse da sua cadeira, foi quasi que repentinamente victimado por uma cruel cegueira, que o não deixou continuar a exercer os suas funcções de lente, retirando-se, por isso, para fóra de Lisboa por conselho dos seus collegas, para ver se no descanso, e tranquillidade da vida do campo, poderia tirar algum proveito do tratamento encetado, e achar alguma consolação para o seu espirito inconsolavel e desesperado pela grande e subita desgraça que o ferira.

Pois, sr. presidente, Sousa Martins, que fôra condiscipulo e era amigo do infeliz Boaventura Martins, desprotegido de fortuna, quasi pobre e condemnado a uma irremediavel cegueira; Sousa Martins, que tambem não era rico, no começo da sua carreira medica, luctando com as difficuldades com que luctam todos aquelles que, apesar de terem talento, precisam de trabalhar para abrir uma carreira que lhes garanta no meio social a que tem direito, pelos seus meritos e pela sua actividade sempre em exercicio, ia ao Bussaco, tão longe da capital e das suas occupações clinicas e escolares, duas vezes por semana, visitar o seu amigo, medical-o, levar-lhe conforto e consolo, procurando na sua boa alma, descrente da cura, palavras de esperança que tranquillisassem a grande e perigosa preoccupação moral do doente, fazendo-lhe ao mesmo tempo applicações medicas em que tentava os ultimos recursos da sciencia, mais para o animar, do que na esperança de lhe restituir a vista.

Esta piedosa e santa romagem semanal, com tanto sacrificio e tão pontualmente executada, durante mezes, como eu presenciei, mostra perfeitamente, o quanto a alma de Sousa Martins tinha de generosa, boa e humano, em rasgos de abnegação praticados com tanta caridade, desvelo e desinteresse, como o que venho de relatar.

Datam de então, sr. presidente, as minhas relações de amisade, o meu grandioso culto de affecto e respeito por aquelle illustre homem, os meus profundos sentimentos de admiração, pelo seu bello talento, como pela sua bellissima alma! (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Associo-me, portanto, e bem do coração, ao honroso voto do sentimento que a camara prestou a sua immaculada memoria, no que não fez mais do que cumprir o seu dever; porque Sousa Martins, era um d´esses gigantescos vultos que engrandecem a patria e a humanidade, e hoje, sr. presidente, vão rareando nas sciencias, nas artes, na industria, no commercio, em todos os ramos da actividade social, os grandes homens de raro merecimento e da estatura genial de Sousa Martins, (Apoiados) por todos os lados que se encare a sua assombrosa individualidade!

Bom é que tributemos sinceras e honrosas homenagens a quem a ellas tenha jus, como preito aos que as merecem e incentivo aquelles que estudam, trabalham e luctam para se engrandecer, honrada o honestamente, seguindo o nobre exemplo de Sousa Martins, porque elle foi um verdadeiro exemplo vivo, para a sciencia, para a humanidade, para o trabalho e para a honra, inexcedivel e digno de imitar-se!

Associo-me pois, repito, bem do fundo da minha alma e com sincera mágua, ao voto de sentimento d´esta camara á inmorredora memoria d´aquelle grande homem, que tanto no paiz como no estrangeiro honrou o seu nome e a sua patria, e cuja morte representa uma grande perda, nacional!...

Sr. presidente, ditas estas ligeiras palavras em cumprimento de um dever que me era grato, porque recebi favores clinicos e provas de estima, de Sousa Martins, peço desculpa á camara do tempo que lhe tomei, e é ainda sob a tristissima commoção que domina o meu espirito, que posso a entrar na ordem do dia, para o que tão pouco disposto me sinto, mandando para a mesa a minha moção, que justificarei, e é a seguinte:

(Leu.)

Sr. presidente, depois do brilhante discurso do nobre chefe do governo, respondendo ao do illustre leader da opposição, o sr. Franco Castello Branco, e respondendo tão franca e lealmente sem tergiversações nem duvidas, a todas as considerações e perguntas que lhe foram feitas, como é sempre proprio da hombridade e caracter do illustre e honrado presidente do conselho, que clara e dignamente apresenta, defende, e sustenta com denodo e independencia, as suas idéas e as suas opiniões de estadista e de principal responsavel pelos actos do governo, este debate podia encerrar-se, dando-se por muito bem findo; porque tudo que depois d´isso se dissesse, não seria mais que vir em reforço da opinião e affirmações do sr. presidente do conselho, que destruindo por completo os reparos e considerações apresentadas pela opposição, justificou plenamente a approvação do projecto, como tambem o fizeram os outros oradores, que brilhantemente sustentaram a necessidade d´elle ser transformado em lei.

Os fracos e desarrasoados ataques que d´esse lado da camara foram dirigidos contra o projecto, desfizeram-se com rasões tão convincentes e irrespondiveis, e por tal fórma, que eu me absteria de entrar no debate, se uma rasão muito especial, ligada aos interesses geraes em que elle se inspira, me não obrigasse a isso, no cumprimento do meu dever, como depois explicarei.

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716 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mas antes de entrar propriamente n´essa parte especial do assumpto a tratar, permitta-me v. exa. e a camara, que eu vá respondendo em breves mas energicas objecções de protesto, que se me offerecerem dizer, ao que d´aquelle lado da camara se tem dito, não só na opposição feita a este projecto, mas ainda a outras considerações que se têem feito, e doutrinas que se têem expendido, que eu teria combatido, se tivesse tomado a palavra na altura em que ellas se fizeram; porque estou extraordinariamente surprehendido e muito admirado, com a desorientação de certas idéas que aqui se têem expendido por parte da minoria, e com certas opiniões extravagantes e censuraveis apresentadas em animações solomnes pelo seu illustre leader e ex-ministro da situação passada, sr. João Franco, a quem cabe a maior e mais pesada das grandes responsabilidades nos actos do governo de que s. exa. fez parte.

Uma das cousas que mais me surprehendeu, e não direi que me indignou, porque já me não indigno muito facilmente com os politicos e com as cousas da nossa triste política, por mais extraordinarias e até disparatadas que sejam ou pareçam, porque a nossa mesquinha política, como ella se tem feito, antiga e moderna, e como se vae revelando dia a dia, nos proprios debates d´esta casa, é de molde a que de nada a gente se surprehenda e admire, tal é o desvairamento das paixões e a cegueira dos homens a quem cumpria melhoral-a...

O sr. Franco Castello Branco: - Apoiado.

O Orador: - Folgo muito que s. exa. me apoie, mas d´aqui a pouco talvez não faça o mesmo, quando eu provar que me não refiro aos homem do governo de hoje, mas aos de hontem, aos quaes s. exa. pertence, aos que mais culpas têem do estado a que chegámos, aos que por mais largo tempo têem governado...

Tal é o desvairamento, dizia eu, a que têem chegado os homens publicos, os que mais tempo têem occupado o poder, como que esquecidos dos seus deveres e responsabilidades passadas, como governo, e presentes, como opposição, preoccupando-se mais em alargar e dotar a sua clientella partidaria, aggravando a desgraçada situação publica, do que em melhoral-a, tendo ainda para cumulo de audacia a triste coragem de vir aqui fazer declarações e affirmações, tão inconvenientes como ridículas, que precisam e merecem ser combatidas e até castigadas, como attentatorias, offensivas mesmo, para o systema constitucional, e deprimentes para o parlamento que tão desprestigiado tem sido nos ultimos tempos!

Quero referir-me, sr. presidente, á declaração feita com tanta solemnidade e apparato, como bem representada arrogancia e indignação, pelo illustre leader da minoria, que em seu nome e no do partido regenerador, quando se votou ha pouco e importante projecto de lei n.° 21, n´um momento de irritação - de irritação não direi bem, porque é quasi esse o estado permanente do nervoso orador, devido ao seu fogoso e bravo temperamento tanta vez manifestado - mas n´um momento, emfim, de apaixonado desafogo e talvez já de patriotica e abrasadora saudade pelas cadeiras ministeriaes, por que tanto suspira e tanto lhe custaram a largar, declarou: que em voltando ao poder, elle ou os seus amigos politicos, não respeitariam em nada a obra d´este governo, principalmente no que o referido projecto tivesse de relação com quaesquer creações, nomeações ou promoções, de empregos ou de funccionarios, ou de augmentos de despeza provenientes da sua execução, annullando por completo o que agora se fizesse, que nenhum effeito nem valor teria, pouco se importando com direitos adquiridos.

Ora, sr. presidente, esta affirmação do illustre ex-dictador, que se me afigurou precipitada, leviana e inconveniente, feita contra uma deliberação soberana d´esta assembléa, que faz as leis do paiz que a todos cumpre respeitar, precisa de ser contraditada e com energicos protestos, por esto lado da camara! Precisa de ser combatida como offensiva dos nossos direitos de legisladores, e repellida dignamente como uma humilhante ameaça que se faz, revelando já a intenção o proposito de uma nova e mais perigosa dictadura regeneradora!

É preciso, pois, protestar, e bem alto e com firmeza contra tão insolita declaração, para que se não pense que a deixamos passar sem os reparos de condemnação que ella merece. (Muitos apoiados.)

O sr. João Franco disse, noto v. exa. e a camara, que, quando amanhã fosso governo, desfazia tudo! Isto é, o bravo ex-dictador voltará aos seus antigos processos, saltando a pés juntos por sobre as leis, rasgando a constituição, revolucionando e anarchisando todos os serviços publicos!

Mas, o mais interessante é o ámanhã, do sr. Franco Castello Branco! Parece que s. exa. já pensa em ser governo ámanhã, ámanhã ou depois, quando ainda ha tão pouco tempo e com tão triste notoriedade, sem opposição parlamentar, deixou os bancos do governo! Parece que s. exa. falla assim, como quem quer dar a entender que dispõe dos sêllos do estado, e que quando quizer, como parece que tambem uma vez declarou pouco depois da sua queda, em uma reunião da maioria, segundo os jornaes disseram, voltará os conselhos da corôa, não pondo sequer em duvida que será elle e o seu partido os chamados a succeder ao actual governo; tal é a consciencia que tem dos seus merecimentos e de tão bem ter administrado o paiz.

Ora, que s. exa. tenha esta ambição, para animar a sua numerosa clientella partidaria já irrequieta e insoffrida, e para satisfazer a sua vaidade de sabio estadista e de grande dictador, comprehende-se e admitte-se mesmo; mas que declare abertamente á camara, sem escrupulos nem receios, ameaçadoramente, que, quando for governo desprezará as leis, nada respeitará, e destruirá por completo tudo que os outros tenham feito, não acatando em nada o que for executado á sombra de qualquer projecto discutido o approvado em côrtes, isso é que se não comprehende, que se não admitte o que se não póde nem deve tolerar, sem Vivos protestos! É forte de mais! (Apoiados.)

As extraordinarias declarações do sr. João Franco, tão levianamente feitas, equivalem a uma esperançosa promessa á mencionada clientella, para que se não descontente, de que tudo será desfeito o substituido. E o mesmo que dizer-lhes:

Esperem, não desanimem, que em breve hão de voltar a ser servidos. Eu cá estou, contem commigo.

Não acho nem correcta, nem valiosa, nem digna de consideração, mesmo como promessa a amigos, a declaração de s. exa., que não póde ter o valor e significação que pretendeu dar-lhe, e que só valo e póde ser tomada como inconveniente e apaixonado desabafo.

Porque o sr. Franco Castello Branco, quando for governo, se o tornar a ser, e sabe Deus quando, não póde nem deve, nem ha de fazer o que quizer, como senhor absoluto e mandador d´este reino, mas sim aquillo que a lei lhe determinar e permittir que faça; porque a sua imperiosa vontade de dictador e as suas irrisorias imposições, não hão de ser nem lei nem norma de governo a que o paiz se sujeite facilmente.

Não é pois provavel, nem admissivel, que s. exa. revogue tudo, espesinhando direitos sagrados justamente adquiridos á sombra d´aquella lei, ou de outras que se tenham promulgado, saltando affrontosamente por cima da representação nacional e das suas respeitaveis deliberações.

Não se assustem pois os funccionarios que dignamente cumpram o seu dever, e a quem as leis confiram quaesquer direitos ou vantagens adquiridos no exercício das suas funcções, porque esses legitimos direitos estarão bem garantidos e hão de ser inviolavelmente respeitados. Ninguem o duvide!

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SESSÃO N.º 41 DE 18 DE AGOSTO DE 1897 717

Lavro pois bem alto o meu protesto contra a maneira como o sr. franco Castello Branco entendeu dever fazer uma declaração, a meu ver tão inconveniente como subversiva, dos bons principios por, que nos regemos, qual foi a de que não respeitaria uma lei do paiz; lamentando que o nobre ex-ministro do reino da situação passada, manifestasse tão despreoccupadamente o censuravel proposito em que está, de voltar, se para isso tiver ensejo, aos seus antigos e odiosos, processos governativos de dictadura, de perigosas reformas, de tildo anarchisar, suspender, supprimir, eliminar, confundir e, baralhar, sem honra nem proveito para a nação, como ahi se fez em quasi quatro annos, n´um ominoso e nefasto governo de que o illustre estadista foi alma!

É realmente para lamentar e de arrepiar os cabellos, o ver como s. exa., tão depressa esquecido dos tristes e desastrosos resultados da sua obra e dos seus amigos, no paiz e no estrangeiro, esteja já nos bancos da opposição fazendo um tal programou; não de vida nova, como se devia esperar, mas de vida antiga, da velha e abominavel vida ingloria da dictadora, das violencias, dos esbanjamentos injustificaveis, dos revoltantes favoritismo a aos amigos e compadres. Vida que tantos e tão energicos protestos levantou na opinião publica em todo o paiz, ferido nas suas liberdades, vilipendiado nos seus direitos, escarnecido nas suas esperanças, ludibriade nas suas reclamações, empobrecido cá dentro e desacreditado lá fóra. Vida de atribulações e amarguras, que n´uma prolongada agonia de opprobios, deu a morte mais desgraçada que n´unca se viu, ao governo de que s. exa. era a mais forte columna, amparado, pela, totalidade de uma camara aonde nem sequer opposição havia..(Apoiados.)

Sr. presidente, feitos estes reparos, e considerações, e lavrado o meu protesto, com o desassombro que costumo na manifestação das minhas opiniões, passo a responder e a combater outras do illustre deputado da opposição, o meu antigo amigo e patricio, o sr. Luciano Monteiro, que não vejo presente, mas a quem muito considero para na sua ausencia dizer cousa que lhe possa ser desagradavel, e que é, como todos reconhecem, uma das palavras mais faceis e vibrantes, e dos talentos mais provados da opposição, tendo conquistado n´esta camara, e muito merecidamente, um alto e distincto logar que lhe dá direito ao respeito de todos os seus collegas, e por certo lhe reserva um futuro honrosissimo nas fileiras do partido que honra.

Na discussão do mesmo projecto, a que me referi, s. exa. com muito ardor e coragem aconselhava o governo, naturalmente em seu nome e em nome d´esse lado da camara, (dirige-se á opposição) a que, para arranjar receitas sobrecarregasse a propriedade, pois que a contribuição predial podia ser ainda muito mais elevada; que rendia apenas cerca de 3:000 contos de réis, o que era pouco, uma vergonha, é que havia muitos proprietarios, dos mais ricos do paiz, que não pagavam o que deviam pagar, e que se o governo quizesse, podia facilmente fazer uma remodelação predial no sentido de augmentar esse imposto, porque havia ainda muita materia a collectar, e era a propriedade rustica e urbana, a unica que ainda podia e devia contribuir com mais rendimento para: o thesouro...

Teve o meu illustre collega, o sr. Luciano Monteiro, a franqueia de declarar que não era proprietario, o que aliás era desnecessario, logo se subentendia, e que tinha as suas economias em papeis de credito e collocadas de fórma, que a medida que augmentasse o imposto predial, não iria feril-o nos seus interesses, nem nos de tantos outros contribuintes, que Já não podiam pagar mais.

Protesto, sr. presidente; contra tal idéa, que não póde nem deve ser acceite pelo governo!

Eu sou um modesto proprietario provinciano, que vive honrada e economicamente dos parcos rendimentos dos seus bens, sem ter talher á generosa mesa do orçamento, nem pertencer a direcções, conselhos administrativos ou fiscaes, subsidiados, de bancos, emprezas, companhias ou syndicatos, commissariados regios ou advocacias, com ligações mais ou menos directas com os governos; um dos mais obscuros, mas tambem dos raros politicos, que isto podem dizer, com independencia e sem receios nem temores.

For experiencia propria sei e conheço bem, as grandes difficuldades com que lucta a propriedade em geral, sebrecarregada como está com tantos e tão pesados onus que indirectamente a vão ferir, não fallando já da crise agricola que atravessamos e que lhe aggrava as lamentaveis circumstancias.

E se n´esta camara se não levantam muitas vozes de proprietarios e agricultores, pedindo providencias e protecção para si e para a sua classe, é porque, e creio que isso é um defeito e um grande mal, essa respeitavel, independente e trabalhadora classe, não está aqui bem representada como devia estar, por maior numero de proprietarios e agricultores, para defenderem energicamente os seus interesses, tão desprezados por todos os governos.

O sr. Presidente: - Peço a v. exa. que seja o mais resumido possivel cingindo-se á discussão do projecto.

O Orador; - Esta materia está em harmonia com a minha ordem de idéas, na resposta que estou a dar aos oradores que me precederam, apreciando devidamente o que disseram, não me parecendo estar fóra da ordem, na defeza das minhas opiniões.

O sr. Luciano Monteiro aconselhava com entusiasmo ao governo, que augmentasse a contribuição predial, que era um bom meio e facil para arranjar dinheiro, sem precisar de recorrer a outros expedientes mais perigosos; mas esqueceu-se de que o governo que s. exa. tanto apoiou, e que caiu por falta de dinheiro, de credito, e de expedientes e recursos, viaveis para o arranjar, tantas difficuldades entrou em augmentar, pouco que fosse, a contribuição predial, que, tendo ordenado o sr. Fuschini, o ministro da fazenda que depois publicou o celebre livro, uma especie de inqueritos prediaes em varios pontos do paiz, e só para predios de um certo e subido rendimento collectavel, creio que de mais de 100$000 réis, elles levantaram em toda a parte taes protestos e reclamações, e tão vehementes, que o governo e o sr. Fuschini, se viram obrigados a promptamente suspender esses taes inqueritos, que se dizia cautelosamente serem mais um ensaio para o principio do cadastro da propriedade nacional, a organisar, do que uma sondagem para ver se a propriedade podia pagar mais, como querem os que a não tem nem cultivam.

Pois o tal ensaio, apesar de se declarar inoffensivo, foi logo posto de parte as primeiras resistencias, dizendo-se até que os ministros preponderantes n´esse ministerio, alijaram menos lealmente Sr. Fuschini, por causa mesmo d´esses inqueritos e do pensamento do augmento do imposto predial que fazia parte do seu plano de reformas.

Ora, sr. presidente, protesto energicamente contra a idéa a affirmativa baseada em falsas apreciações e calculos errados, de que a propriedade possa e deva pagar mais, achando pouco leal e nada patriotico nem acceitavel, o conselho da opposição, que ella não pôde nem quiz tomar para si quando governo!

A propriedade paga muito! Porque, se bem contarmos todos os impostos indirectos e alcavalas que sobre ella incidem, segundo os melhores calculos, temos uma somma de cerca de 10 a 11 mil contos de réis, e não só os 3 mil e tantos, a que erradamente se referiu o ilustre deputado.

Portanto, exigir aos proprietarios um gravame a mais com que elles de certo não podem, nem acceitarão, quando a agricultura está passando por uma tão dolorosa crise, como se vê pelas muitas reclamações que todos os dias fazem os proprietarios e lavradores na imprensa e

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mesmo no parlamento, queixando-se amargamente da sua má e precaria situação e pedindo as repartições de fazenda a annullação de contribuições, por sinistro e diminuição de rendimento, parece-me que é um expediente odioso e inadmissivel, que não póde ser nem será adoptado pelo actual governo, que tenho a honra de apoiar!

O sr. Luciano Monteiro disse que conhecia proprietarios grandes, que não pagam ao thesouro o que deviam pagar, das suas enormes propriedades que amanhavam e de que tiravam grandes rendimentos, e citou até o facto de um grande proprietario que tinha mandado pôr milhares de bacellos que muito vinho produziam, e que a sua diminuta collecta não correspondia áquillo que realmente devia pagar. Mas se esse condenavel abuso existe, a favor de ricos proprietarios que se conhecem, e que com prejuizo do estado e desigualdade para os contribuintes pobres, não pagam o que devem, porque é que o sr. Luciano Monteiro, não recommendou instantemente ao governo que defendeu e apoiou, que cumprisse o seu dever, ordenando que as repartições competentes os obrigassem a pagar o que deviam e era justo pagassem?!

E que naturalmente, esses abastados proprietarios, tambem serão abastados influentes eleitoraes, e talvez por isso mesmo inviolaveis e incollectaveis...

Pois eu peço ao governo, que mandando averiguar, porte é facil, por um inquerito especial feito nas localidades pelos escrivães de fazenda dos respectivos concelhos a que pertencem esses proprietarios, os force a pagar tudo o que deva ser, fazendo cessar o escandaloso favoritismo, se o houver para que fiquem igualados na contribuição predial aos pequenos contribuintes, que pagam, tudo á risca e pontualmente, e não só o que devem, mas muitas vezes hem mais do que podem, não havendo para elles contemplação do especie alguma!...

Protesto, pois, contra a isenção revoltante que se diz existir e de que gosam, com manifesta tolerancia dos governos o da empregados de fazenda, os taes grandes potentados a quem as leis não abrangem, e que se escapam pelas largas malhas da rede fiscal, tão apertada para os pequenos, para os que não são influentes, nem ricos proprietarios (Apoiados.)

Portanto, acompanho n´este ponto e apoio calorosamente as considerações de s. exa., para que se essas monstruosas desigualdades existem, como se affirma, ellas desapparaçam quando antas, pura não darem logar a que os contribuintes miudos justificadamente se revoltem contra o modo desigual, vexatorio, iniquo e rigoroso mesmo, para uns, e generoso para outros, como se distribuem os encargos, protestando e com razão, contra a nenhuma equidade com que são lançados e cobrados os impostos prediaes, acabando-se por uma vez com mais exemplos e patronatos perniciosos e revoltantes, que offendem a justiça e a moral !... (Apoiados.)

Sr. presidente, em resposta ao nobre presidente do conselho, no projecto que está em discussão, usou da palavra pela primeira vez n´esta camara, um dos mais novos deputados, o sr. Adolpho Guimarães.

Permitta-me o meu illustre e antigo amigo, que eu sinceramente o felicite, como já hontem o fiz e quando aos mais collegas, pela sua brilhante estreia, que é promettedora de um futuro auspicioso na sua carreira parlamentar, pela facilidade de palavra que manifestou, e pelos bens muitos conhecimentos que tom e ha de revelar auxiliando os nossos trabalhos com a intelligencia e probidade de caracter que eu sempre lhe admirei, e foi reconhecida, nas funcções do cargo publico que muito bem desempenhou; porque, se hoje o sr. Adolpho Guimarães, é unicamente um honesto e laborioso proprietario, tendo abandonado um pouco a advocacia, em que em Coimbra, a nossa terra, fez muito boa figura, foi por algum tempo um funncionario publico muito distinto, no exercicio do logar de delegado de procurador regio, em comarcas importantes do paiz, (Apoiados) e cumpriu por tal fórma os seus deveres e com tanta illustração, zêlo e competencia, que se impoz ao respeito e á consideração, não só dos magistrados superiores da justiça, mas tambem á de todos aquelles que tiveram a fortuna de o terem por representante do ministerio publico, deixando na carreira que voluntariamente abandonou um bom nome e fama, mantido nos actos officiaes e nas relações particulares. (Apoiados.)

Felicito, pois, o meu velho amigo e patricio; e embora esteja em campo politico diverso do seu, e discorde de muitas das suas opiniões, não lhe regateio, com inteira imparcialidade, a justiça e louvor que merece.

E uma opinião em que ou desde já discordo da de s. exa. e que me parece que manifestou extemporaneamente, é na desagradavel referencia que s. exa. fez á proposta de lei sobre a liberdade de imprensa; proposta apresentada hontem á ultima hora a esta camara e lida pelo illustre ministro da justiça, e que não estando ainda em discussão e sem que s. exa. tivesse tido tempo de a estudar, lhe fez impensados criticas tendentes a amesquinhal-a, sem aguardar a occasião opportuna do projecto estar em discussão, para então o combater e criticar com inteiro conhecimento, apresentando-lhe as emendas que entendesse convenientes, discutindo-o placida e serenamente, depois de o estudar e apreciar como mereço.

Não! S. exa. preferiu atacar immediatamente com precipitação e sem fundamento justificado, pretendendo condemnal-a desde logo, porque era ministerial, uma proposta que mal conhecia, que não teve tempo para conhecer senão pela rapida leitura que d´ella se fez, ou pela errada e injusta noticia que d´ella deram jornaes, que na sua desvairada paixão, tudo combatem e acham mau!

É pessima a orientação politica, de que tudo o que vem do governo é mau e se deve combater a torto e a direito,

Mas desgraçadamente, é isso o que automaticamente se tem feito d´esse lado da camara, a todas as propostas do governo, ou da maioria!

Não se espera que ellas sejam estudadas detidamente, para poderem ser apreciadas e discutidas.

Atacam-se com furia logo de entrada na sua apresentação, e condemnam-se immediatamente a priori, e acham-se más e pessimas, sem se lerem e estudarem, até quasi que sem saber de que tratam! (Apoiados.)

E assim é que logo passa da falsa e apaixonada atmosphera partidaria do parlamento, para a da imprensa, que essas propostas são detestaveis, ruinosas, inadmissiveis, prejudiciaes aos interesses da nação, lançando-se sobre ellas, de animo leve, sem fundamento algum, a pecha do descredito ou da suspeição, para que as guerreiem abertamente tentando inutilisal-as, sem as substituirem por outras melhores, incitando contra ellas a opinião publica.

Foi assim, por este processo tão condemnavel, que o illustre deputado que tem recursos para poder usar de outros mais correctos e sensatos, pretendeu estabelecer uma errada e falsa opinião, nas considerações que tão precipitada como injustamente se dignou fazer sobre a proposta, de lei de imprensa, apresentada pelo illustre ministro da justiça !

Esta proposta, que ha de ser estudada, apreciada e largamente debatida como o assumpto o merece, que póde ter defeitos e precisar de aperfeiçoamentos, tem pelo menos, quando não se lhe queira reconhecer outro valor, o de ser melhor que a actual do sr. Lopo Vaz, porque estabelece o principio do jury; e o de ser tambem o cumprimento honrado e digno de uma promessa feita ao parlamento e ao paiz, pelo governo de que faz parte o illustre e sabio ministro que a apresenta. Cumpre-se o que se prometteu ! (Apoiados.)

Não se faz como fez o governo e partido regenerador, que tendo o sr. Hintze Ribeiro, na apresentação do seu ministerio ás côrtes, promettido apresentar a reforma da

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lei de imprensa, como uma das primeiras e mais argentes, faltou redondamente e por tanto tempo, a essa promessa e declaração do seu programma de governo !

Isto deve estar na memoria de todos, e principalmente na dos que até sem e conhecerem já querem atacar e condemnar o projecto apresentado.

O sr. Presidente: - Lembro ao sr. deputado, que o projecto que está em discussão é o da revisão das circumscripções administrativas e judiciaes, e aquelle de que v. exa, está fallando não está em discussão.

O Orador: - Peço licença para muito respeitosamente dizer a v. exa. que eu não estou a discutir o projecto, mas apenas e muito ligeiramente, responder ás erroneas considerações que sobre elle fez, apreciando-o injustamente; o sr. Adolpho Guimarães, a quem estou a responder, e a quem não foi estranhado na occasião, que s. exa. fallasse e dissesse o sufficiente para o censurar e tomar odioso.

O Sr: Presidente: - Mas esse projecto não está em discussão e sim o outro para que v. exa. tem a palavra ha ordem do dia.

O Orador: - Eu já disse a v. exa. que estou a responder ás observações feitas pelo sr. Adolpho Guimarães sobre um assumpto de que elle se occupou, e isto não só pela consideração que s. exa. me., merece, mas tambem pelo dever que me obriga, de em abono da rasão e da verdade, restabelecer os factos, rebater a opinião errada que s. exa. emittiu, e destruir as injustas e falsas apreciações e mau conceito para o projecto e para o ministre e governo, que d´ellas se derivaram e estão correndo lá fóra como verdadeiras.

Como sou e primeiro orador a fallar na ordem de dia, depois que aqui foram feitos taes considerações, que precisam ser destruidas como merecem, para cessar a má, a impressão que causaram, com desdouro para nós todos, corre-me o direito e a obrigação de o fazer, parecendo-me, salvo o devido respeito, que v. exa. não péde nem deve tolher-me esse direito e dever, de que não atrasei nem abusarei.

O sr. Presidente: - V. exa. é que não póde, nem deve fallar sobre esse assumpto, porque não está em discussão.

O Orador: - Eu parecia-me estar ao meu direito. V. exa. não chamou o sr. deputado á ordem do dia, quando elle analysava indevida e acrimoniosamente é projecto da; liberdade de imprensa, e parece-me que o meu direito é igual para justificar a defeza, salvo o devido respeito que tenho por v. exa. e pelo logar que tão distinctamente occupa.

O Sr. presidente: - Está em equivoco. Eu tambem o chamei a elle á questão, e desde o momento em que o chamei a elle, não consinto que o sr. deputado continue a fallar sobre o projecto de lei de liberdade de imprensa,

O Orador: - Não pretendo contrariar as determinações d v. exa. nem discutir n´este momento o projecto de lei sobre liberdade de imprensa; o meu unico fim, porque é o meu dever, era aclarar a verdade confundida e protestar contra o que se disse de menos exacto e desconsiderador para a proposta do sr. ministro da justiça, que muito o honra, sobretudo quando finda o seu relatorio, por declarar, que acceita e estima quaesquer emendas opiniões que tendam a melhorar o seu trabalho, que modestamente não reputa isento de defeitos e deseja ver aperfeiçoado e completo com a cooperação da camara.

O sr. Presidente: - Continuo a dizer muito solenemente ao sr. Deputado, que o que está em discussão é o projecto da revisto das circumscripções administrativas e judiciaes.

O Orador: - Muito bem; por obediencia ao illustre presidente, que talvez, por um, escrupulo demasiado e excesso de imparcialidade, que eu comprehendo e respeito, e em cumprimento do regimento, deixo n´este momento sem mais resposta e sem a merecida correcção as desarrosca das inconvenientes considerasses feitas pelo meu collega e amigo sr. Adolpho Guimarães, sentindo muito que no espirito da camara e no da opinião publica possa ficar de pé o mau effeito erradamente por ellas produzido; reservando-me todavia o direito de protestar, e promettendo desde já voltar largamente ao assumpto responder cabalmente, quando aqui estiver em discussão na ordem do dia o respectivo projecto, que, para honra do sr. ministro da justiça, repito, foi apresentado em cumprimento de uma promessa que lealmente se cumpre, como é do brio do partido progressista, muito ao contrario do que fez o partido regenerador, faltando ao que prometteu pela bôca do sr. Hintze Ribeiro quando apresentou ao parlamento os seus collegas do governo e o seu programma político. O partido, progressista differe muito do regenerador! Cumpriu, como costuma, a sua promessa, o que não fez o regenerador!... (Apoiados.)

Dito isto, e visto que mais não posso dizer, não querendo desgostar o nobre presidente e meu respeitavel amigo, passe a occupar-me do projecto em discussão na ordem do
Dia...

O illustre orador, a quem mais directamente tenho a honra de responder, o meu illustre collega o sr. Baião, a quem muito considero, e que por honra do convento e dever da sua posição politica, teve de atacar o projecto, não addusiu rasões algumas de valor pelas quaes provasse, ou sequer demonstrasse, o não obstante o seu talento e saber, que o projecto era prejudicial aos interesses publicos, attentatorio dos bons principios do direito e da justiça, ruinoso e contrario ás reclamações dos povos que pretende beneficiar. Nenhum dos seus argumentos foi de natureza a poder modificar a opinião, do governo e da camara, ácerca da indiscutivel utilidade do projecto, que vae satisfazer as instantes reclamações das localidades a quem aproveita e é destinado. E nem mesmo fere ou diminue a importancia e rasão de ser do projecto, o tão repetido e principal argumento do sr. Baião, do augmento de despeza, que é inexacto, em nome das economias de que s. exa. se mostra denodado campeão.

É de notar, sr. presidente, que só agora, tão tarde a fóra do poder, chegue ao illustre e poupado partido regenerador a febra dos economias! O zêlo e cuidado pelas despezas publicas chega a ser irrisorio, em tão conspícuos esbanjadores! Quando se apresenta n´esta camara qualquer medida da iniciativa governamental ou da maioria, um dos lados por onde ella é immediatamente atacada com vehemencia, sem estudo, nem criterio sensato, é o do augmento da despeza; porque na sabia opinião de s. exa. parece que toda a despeza é improductiva, e pretendem embaraçar a acção do governo com pretextos de mal entendida economia quando a sua vida foi sempre de largos e condenaveis esbanjamentos e favoritismo, como seria facil exemplificar. Este consciencioso escrupulo, que agora tanto se quer evidenciar, a proposito de todos os actas de administração, mal se explica e menos tem auctoridade e rasão de ser, por parte de um partido e de um governo, que, em menos de quatro annos de administração publica, augmentou as despezas do estado em mais de 12:000 contos de réis, como provam as contas publicadas!

Então quando tão economico, sabio e moralisador partido governava, parece que não havia escrupulos, nem receios do augmento das despezas, que cresciam consideravelmente e algumas bem desnecessarias, para proveito da tal numerosa clientela dos felizes. Apparecem todos agora; só agora accordou a adormecida consciencia das economias e da compaixão pelos contribuintes! E em vez de se apreciarem e discutirem patrioticamente os projectos e de se apresentarem emendas acertadas, acceitaveis, rasoaveis, tendentes a melhoral-os e a contribuir para o seu aperfeiçoamento, inspiradas unicamente no bem publico, pretendem cercear a acção governativa, enfraquecel-a, crear-lhe peias inadmissíveis, ecoimando de más o

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ruinosas todas na medidas apresentadas, levantando sobre ellas suspeições injustificaveis e desleaes, que fomentem o descredito dos ministros, fomentando o das instituições, de que se apregoam paladinos.

Agora é que se levantam todos os escrupulos! Agora é que as cautelas são poucas! Agora é que as despezas são assustadoras! Agora só é que se tem dó do paiz!

Até aqui não havia escrupulos, nem receios, nem era preciso pensar em economias!

Quando deixaram os quadros dos serviços publicos cheios, tendo-se feito muitas nomeações illegaes e desnecessarios quando se contavam por centenas os interinos, os auxiliares, ou adjuntos e os addidos, deixando-se á porta de todos os ministerios e especialmente do das obras publicas uma enorme e longa cauda de empregados, que nem de aqui a dez annos poderá ter collocação no serviço effectivo; quando se cortavam grossas fatias para determinados afilhados, que ganhavam a 12, a 18 e a mais contos da réis por anno; quando se despendiam rios de dinheiro n´um grande jubileu de commissões e viajatas ao estrangeiro; quando, emfim, se permittiam negocios que revoltavam a opinião publica, como os do Cazengo e outros, então não se pensava em economias, não era preciso! O paiz estava muito rico! (Apoiados.)

Agora é que se pensa n´ellas! Agora é que se diz ao governo que economise! Que administre bem para não gastar ! Como se fosse possivel, por mais economias que se fizessem, deixando mesmo todo a morrer de fome, remediar de prompto o grande e quasi irremediavel mal causado por tantos erros de pessima administração, de mau governo, de tantos esbanjamentos e loucuras, de tão gravou erros políticos, economicos e financeiros, que por isso e por outras circumstancias lamentaveis, nos levaram á tristissima situação que o actual governo encontrou e á qual pretende acudir.

Protesto contra esta fórma por que v. exas. apresentam, aã questões e combatem o governo, pretendendo illudir o paiz e querendo mostrar que agora, mas só agora, se arvoram em estrenuos defensores da economia e da moralidade; nas verdadeiros Catões políticos, muito honestos e escrupulosos, mas não trepidando um momento em, a proposito de tudo, malsinar as intenções patrioticas do actual governo, não culpado das dificuldades herdadas com que lucta, guerreando accintosamente todas as suas propostas, aqui apresentadas.

Portanto, não é exacto, permitta-me o illustre deputado a quem respondo que lh´o diga, o que acaba de affirmar á camara, quando tão vehementemente pretende atacar o projecto em discussão, pelo lado fraco da economia.

O governo, com a approvação d´este projecto, não augmenta em nada a despeza do estado, não sobrecarrega os contribuintes, de quem s. exa. agora tem dó, com imposto ou contribuição alguma especial, e não póde servir amigos nem empregar gente, como s. exa. erradamente suppoz. (Apoiados.)

V. exa. sabe muito bem, e a camara igualmente, que apesar de se tentar collocar todos os empregados addidos que existiam nos repartições publicas, e fóra d´ellas, com vencimentos reduzidos, é tal o seu numero e por toda a parte e em todos os ramos do serviço publico, graças ao governo transacto, que não foi isso possível, nem o será ainda tão cedo, mesmo com a restauração dos concelhos.

Estavam tão atulhadas e estão os repartições, que nem d´aqui a muito tempo poderão entrar no quadro do serviço effectivo todos os que a isso aspiram e têem direito. Ha repartições em que a empregadagem era tanta, sem haver que lhe dar a fazer, que foi mandada para suas casas com um terço, com dois, ou com metade dos seus ordenados; e em casa continuam a nada fazer, mas vencendo e recebendo sempre, muito ou pouco, á espera que os chamem aos seus logares para lhes dar trabalho!

N´estas tristes condições estão por esse paiz fóra, entre outros, muitos escrivães de fazendo, com bastantes annos do serviço, esperando a collocação a que tinham direito e de que foram esbulhados pela arbitraria, injusta e iniqua suppressão dos concelhos, dictatorialmente feita, sem que ninguem a pedisse, para maior honra e gloria do sr. João Franco, o grande reformador e dictador-mor d´estes reinos.

É de toda a justiça attender as reclamações d´esses e outros muitos empregados, que foram brutalmente feridos e reduzidos quasi á miseria pela injustificavel suppressão dos seus concelhos, e que não podem deixar de ser collocados nos seus logares, não havendo por isso vagas para amigos...

Ora, v. exa., que agora tanto fallam em economias e ao mesmo tempo tanto lamentam a situação dos pobres empregados publicos; v. exa. que todos os dias, quando isso lhes convem, dizem que elles estão reduzidos á miseria, que não sabem como podem viver, o que efectivamente é verdade, porque muitos estão mal remunerados e a vida está cada vez mais cara e difficil; v. exa., repito, não se lembram de que foi justamente o governo do seu partido, appoiado por v. exa., e sem opposição, quem lhes aggravou a triste situação, lançando alguns na miseria com a tal medida salvadora da extracção dos concelhos e comarcas onde elles tinham os seus empregos?! (Apoiados.)

Pois deviam lembrar-se, e não combater accintosamente um projecto que remedeia esse mal!

Supprimiram-lhes os concelhos e as comarcas, esbulharam-nos dos seus logares, lezaram-n´os nos seus legitimos interesses, depois de terem pago os respectivos direitos de merca pela lotação de um certo rendimento, e mandaram-nos, ou para suas casas com metade ou pouco mais dos ordenados, morrer de fome e as suas familias, ou fazer serviço como addidos nas repartições de concelho ás ordens de outros e sem remuneração alguma que os compense do que se lhes tirou.

Escrivães de fazenda ha, sr. presidente, dos extinctos concelhos, que estão reduzidos a receber ao todo, de ordenado mensal, 16$600 réis, com que hão de viver decentemente e as suas respectivas familias!

A lei que os condemnou, sem motivo, a tal miseria chega a ser um crime!

Não sei que forte rasão economica, de boa política ou administração, possa ser defendida e respeitada, quando assim fere tão ornamente funccionarios publicos que bem cumpriram o seu dever, e que ao cabo de quinze, dezoito e vinte annos de serviço, como eu conheço alguns, são postos fóra dos seus logares, lesados, prejudicados, espoliados em nome de uma barbara lei imposta unicamente
pelo capricho irascivel de um político, de um dictador, ambicioso de nomeada e com a monomania das reformas!

Oro, é a isto, a estas grandes medidas com que se lança gente á miseria e se amotinam os povos, feridos nos seus interesses locaes e nos seus direitos seculares, que v. exa. chamam economias?! Que pobres economias! Que desastrados e infelizes estadistas e reformadores os que as concebem e mandam executar!

E ousam combater este projecto!

Pois v. exas. não vêem, não querem ver, como o governo vae cumprir, como sempre o tem feito, o decreto com força de lei que regala a admissão e preferencia dos addidos, não faltando ao seu dever, nem pretendendo anichar amigos, como injustamente disse o sr. Baião?!

Com a execução d´este projecto não se criam empregos que não tenham de ser dados em primeiro logar aos addidos que eram empregados nos extinctos concelhos; e ainda se não empregam todos; porque, por mais vagas que haja, repito, o partido regenerador deixou uma cauda tão grande de addidos á porta dos ministerios e em todas as repartições publicas, que não é nos annos mais proximos que se póde acabar com ella !

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Não se combata, pois, um projecto que tem unicamente por fim satisfazer as constantes reclamações dos povos, em nome da moralidade ou da economia!

Não se póde nem se deve fallar em economias por parte do partido e governo regeneradores! Essa palavra na bôca dos srs. deputados da opposição, representa uma cruel ironia e um pungente sarcasmo, senão uma offensa para o paiz, que tão escandalisado foi com os monstruosos esbanjamentos do ultimo governemos mais revoltantes e censuraveis de que ha memoria! (Apoiados.)

Mas não é proposito meu fazer, retaliações...

Continuemos no assumpto.

Quer v. exa. saber o que hontem me escrevia um desafortunado escrivão de fazenda, addido, de um dos concelhos extractos? Pergunta-me se effectivamente os concelhos serão restabelecidos, alguns ou todos, como é de inteira justiça para os povos e para os empregados. Diz-me que está addido a uma repartição de fazenda districtal e que o seu vencimento mensal é tão parco e mesquinho, que não chega para as necessidades mais urgentes da modesta sustentação da sua familia, mulher e sete filhos!

E isto no fim de vinte annos de serviço!

E como este infeliz, ha muitos mais, os das camaras e administrações de concelho.

É preciso, é urgente acabar com taes vergonhas, que ficam mal ao estado e que se não podem desculpar.

Quando este projecto outras vantagens não tivesse, que tem realmente e muitas, e a principal é satisfazer ás numerosas representações que ao governo têem sido dirigidas, pedindo, a restauração, da concelhos, bastava a justificai-o plenamente a collocação do pessoal desempregado, posto fora dos seus logares e inhumanamente lançado á miseria!

Não quero dizer, que a odiosa obra do sr. João Franco, da suppressão dos concelhos, que tantos protestos levantou, mereça por igual ser toda condemnada; e concelhos haverá que não possam nem devam ser restaurados. Entendo mesmo que ella se deverá respeitar no que possa ter de aproveitavel e justo. E tanto é esse o pensamento do governo, que o nobre presidente do conselho, disse que sé prometteria a restauração d´aquelles que, em primeiro logar o reclamassem, e em segundo, que provassem estar em condições desaffogadas de vida e independencia, não indo fazer a restauração em geral, a torto e a direito, só por mero prazer de reformar, como parece foi feita a supressão..

Que mais querem v. exa.?

A obra gigantesca que immortatisou o sr. João Franco, como reformador, a ponto de um illustre deputado dizer, que por ella ha de ficar na historia... na historia do Alcaide, ficará de pé, do que tiver de rasoavel ninguem lhe tocará!... Concelhos que não estiverem nas condições ou todas é que não reclamem a sua restauração, ficarão como S. exa. o immortal dictador os deixou; porque este governo e o nobre ministro do reino, não têem a monomania das reformas.

O dever dos governos, e principalmente dos governos liberaes como o actual, é governar com a vontade dos povos e acatando a sua opinião e reclamações, que tem obrigação de attender. É isto o que o governo quer e deseja: reformar, mas com proveito e a contento do paiz, que reclama essas reformas e as julga boas e indispensaveis, para destruir outras que não pediu, que não reclamou, que reputa más e prejudiciaes aos seus interesses. (Apoiados)

O governo não vae destruir o que está feito, nem por capricho político de inutilisar o que outros fazem, nem para, ostentar vaidades de grande reformador, que não tem. Vae desfazer a reforma regeneradora do sr. João Franco, unicamente no que ella tem de defeituosa, e cumpir o seu dever attendendo á vontade dos povos, que contra ella se insurgiram desde que ella apareceu, em numerosas e energicas representações!

O governo não norteia os seus actos por mesquinhos interesses de política partidaria, nem faz ou desfaz reformas, para exhibir e alardear força!

Não; o que pretende é administrar e governar com a opinião publica, e n´este ponto, como em todos os mais, emendar o que a experiencia tenha mostrado que é nocivo aos interesses publicos e carece de ser modificado, no sentido de se melhorar, em harmonia com as indicações e, preceitos constitucionaes. (Apoiados.)

É o que succede com as restaurações dos concelhos e comarcas, tão instantemente solicitadas ao governo pelos interessados.

Não se vão crear concelhos nem comarcas de novo, para arranjar empregos a partidarios, para contentar a clientela progressista, que ainda ninguem enxergou, a não ser o sr. João Franco, talvez pelo costume em que está de attender a sua!..

O sr. presidente do conselho foi bem claro e explicito na sua franca e lealissima declaração, que escuso repetir, bastava isso para que d´esse lado da camara, correspondendo-se a tão correcta e digna, attitude, e ás explicações dadas, se não devesse levantar uma palavra de opposição a este projecto, que não tem nem serve nenhuns intuitos politicos, como está cabalmente provado, e que não é mais do que uma satisfação a reclamações fundamentadas e justas.

Mas a opposição não o entende assim: e parece-lhe acertado e patriotico e estar a guerreal-o fortemente, fingindo não estar convencida da verdade, obedecendo ao tal excesso de partidarismo, que eu não perfilho nunca, e que é um grande defeito da nossa política das opposições, acharem que tudo que vem do governo é mau e deve ser , combatido e rejeitado, com o que não concordo.

Insistiu o illustre orador que me precedeu, em que o projecto se deveria pôr de parte, por que ia sobrecarregar pontal fórma os povos, que elles ficavam em muito peiores circumstancias; e acrescentou, que era essa uma das rasões, a economica, porque não lhe dava o seu apoio! Eu Já provei a s. exa. que o seu argumento, das economias, não tinha rasão de ser, era nullo, e que o projecto não sobrecarregava tal, nem o thesouro, nem os povos a que aproveita, havendo como ha os addidos para collocar, nas administrações dos concelhos, nas camaras e nas repartições de fazenda, e ha-os em grande numero, como já disse.

Não se fazem nomeações novas, não se collocam amigos, não entram afilhados para logares adrede inventados, como s. exa. injustamente suppõe e receia.

Não! Hão de entrar e entram em exercício effectivo, os addidos a que a lei dá a preferencia, porque no consulado do actual governo, é bom dizel-o bem alto para que todos, o saibam, a camara e o paiz, ainda se não fez um unico despacho que não fosse rigorosamente aos termos da lei, o que dantes não succedia! (Apoiados.)

Desafio esse lado da camara a que me preve e contrario. Todas as nomeações que se têem feito obedecem, correcta e imparcialmente, ao estricto cumprimento da lei! Nem mesmo os mais modestos legares d´esse numeroso exercito do sêllo que se herdou da situação passada, e em que se têem dado vagas, têem sido preenchidas, senão por addidos! E o que se faz legal e dignamente pelo ministerio da fazenda, aonde ha um ministro de pulso forte, intelligente, energico e activo, um infatigavel trabalhador, corajoso e inflexivel no cumprimento do seu dever, tem-se feito igualmente pelos outros ministerios, honra seja feita aos nobres ministros! (Apoiados.)

São outros os tempos! Agora, respeitam-se e comprem-se as leis! (Apoiados.)

As suspeitas do sr. Baião, e os seus receios, de que a approvação d´este projecto, auctorisando o governo a rever as circumscripções administrativa e judiciaria, restaurando os concelhos extractos, obedece a intenções de poli-

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tica partidaria e no pensamento reservado de beneficiar amigos, são infundadas, injustas e offensivas mesmo, depois das affirmações que d´este lado da camara se tem feito.

O projecto, como já disse, tem unicamente em vista satisfazer as reclamações justissimas dos povos, e ao mesmo tempo, visto que isso é possivel, as dos pobres funccionarios publicos, que têem fome, e que foram victimas de uma prepotente arbitrariedade que os feriu, sem que elles praticassem falta alguma que merecesse tão cruel castigo!

D´esses pobres empregados, que a crueldade cega e desvairada, da mais ominosa e revoltante dictadura que se tem feito, lançou na miseria! E emquanto elles eram assim offendidos nos seus direitos adquiridos, espoliados dos seus logares por uma iniqua e odiosa medida, que ninguem exigiu, que nenhum beneficio publico produziu, outros funccionarios de alta categoria, os magnates, os grandes, os premiados com a sorte grande da favores ministeriaes, ganharam rios de dinheiro em pingues ordenados, em commissões rendosas fabulosamente remunerados, como se o paiz estivesse a nadar em riqueza e o thesouro a trasbordar do dinheiro! (Apoiados.)

É necessario que se diga isto (Apoiados) aqui, bem claro e alto, para que se não falle inconvenientemente em moralidade e se levantem suspeitas, a proposito da discussões como a d´este projecto, o que é inadmissivel!

Quem não póde responder a estes argumentos e a accusações verdadeiras, de factos que se não podem negar e que tão condemnados foram pela opinião publicas, e que são de hontem, não lança a luva aos seus adversarios, e não irrita o debato escusadamente! Não provoca a rememoração de lamentaveis e desastrosos acontecimentos, que seria melhor esquecer, e que são da inteira e pesada responsabilidade do partido que s. exa. acompanha. (Apoiados.)

Portanto, o illustre deputado não podia, nem devia, sem contar com minha justa indignação, levar a discussão d´este tão simples e honesto projecto, para esse lado da economia e moralidade, que elle em cousa alguma póde offender ou se quer ensembrar de levo... É preciso cautela com as palavras; e ainda mais com as suspeições, a proposito de tudo e de todos, para que não tenha de ouvir o que se não quer o é desagradavel...

Disse o sr. Baião, que seria melhor aproveitar o dinheiro a despender com a execução d´este projecto, na creação de hospitaes para pobres, nos concelhos ou comarcas a restaurar, porque em algumas localidades os não havia, o que o que era um grande mal, e assim se empregariam bem melhor as sommas a gastar.

É uma triste verdade, o que o illustre deputado disse. É certo que algumas localidades que podem a restauração dos conselhos que lhe supprimiram não têem hospitaes, o bom o e util e humanitário seria que os tivessem. Mas s. exa. parece esquecer, que em primeiro logar, o projecto em discussão, não acarreta despezas algumas para o thesouro; o estado, não despende sommas a mais; não ha augmento do despezas publicas pela sua execução. As localidades, pedem, requerem, exigem, que se lhe dê o que tinham o se lhes tirou, sem rasão, e são ellas que despendem e têem de pagar, o que for preciso, para a satisfação das suas reclamações de interesse local. O estado, e governo, nada tem a contribuir, a pagar.

Em segundo logar, muitos concelhos e comarcas têem já os seus hospitaes, e têem as suas misericordias, que umas sustentam enfermarias para doentes pobres, outras concorrem, com verbas para os hospitaes já creados, aonde sejam recebidos os doentes pobres da localidade. E em terceiro logar, a insignificante importancia a gastar pelas localidades com a restauração dos concelhos é tão pequeno, que sommada a de todos os concelhos a restaurar, não daria a quantia precisa para um hospital, se quer, creia v. exa. isso, que é facil do demonstrar!

Sr. presidente, disse o sr. João Franco, e heroico inspirador da monstruosa dictadura e auctor e defensor da sua reforma administrativa, concelhia e comarcã, que tantos protestos levantou, que a sua obra reformadora não se inspirou em pensamentos politicos os intuitos de interesse partidario, e que só attendeu aos do paiz. Eu não quero malsinar as intenções do ex-dictador da pasta do reino, e alma ... forte da situação passada; posso mesmo acreditar as declarações de s. exa. de que não o movesse nenhum intuito político ou partidario, e menos ainda, como se disse, o de castigar certas localidades rebeldes aos seus carinhos eleitoraes e dos seus amigos.

Não me repugna acreditar que ao fazer a reforma, pensasse tambem nos interesses do paiz, quero fazer-lhe essa justiça; mas o que é certo, é que errou, e que a sua obra saiu má, pessima, detestavel; e a tal ponto, que desde logo levantou vivas reclamações e protestos, organisando-se uma grande e respeitavel commissão de resistencia que se transformou em poderosa assembléa, para defender e sustentar os interesses feridos das localidades! E até me inclino mais a crer, que s. exa. faria a sua grande reforma mais pela espectaculosa idéa que o domina, quando está no poder, de manifestar força e energia de feroz estadista, a sua constante preoccupação, do que mesmo por qualquer outra rasão. As manifestações de temperamentos nervosos, inflammaveis, como o de s. exa., são perigosas em homens publicos, e traduzem-se muita vez em caprichos e resoluções de uma temeridade e desacerto, que toca as raias do incrivel!

O sr. João Franco, já tinha feito uma larga dictadura, que o engrandeceu aos seus proprios olhos e dos seus amigos, embora o paiz inteiro a censurasse com energia e violencia; quiz fazer tambem uma larga e profunda e demolidora reforma, a que ficasse ligado o seu nome como sendo do primeiro reformador do paiz, quem já era o seu primeiro dictador! Assim, entendeu que supprimir concelhos a torto e através ferindo-os na sua autonomia e interesses loções, era uma estrondosa medida, que lhe daria renome, embora ella não obedecesse a nenhum plano sensato, a nenhum melhoramento de serviços publicos, a nenhuma reclamação justificada, e até a nenhum intuito politico ou partidario, como s. exa. declarou!

Mas a que princípios obedeceu então esta decantada reforma, que ninguem quer, e que de toda a parte se pede e representa ao governo, desfaça e inutilise, por inacceitavel, injusta e prejudicial? E se não foi a intuitos políticos, mas unicamente aos de beneficiar os povos, por, que é que elles rejeitam tenaz e formalmente, e não querem nem acceitam esse beneficio, protestando por todas as formas contra elle? E se o sr. João Franco, fez uma reforma, que a ninguem contentou, sem intuitos políticos partidarios, como e porque é que agora os attribue ao governo, que para satisfazer as reclamações dos povos se vê obrigado a desfazer a sua bella obra? (Apoiados.)

Aonde estão pois, os intuitos politicos de interesse partidario, com que d´esse lado da camara ousam malsinar o projecto? Quaes são elles? Citem-os, enumerem-n´os, vamos! Ou então callem as suas infundadas asserções, cessem os seus injustos ataques ao projecto, não impeçam nem protelem com discussões inuteis e improductivas, a sua necessaria approvação! Não se perca mais tempo, sem utilidade alguma! Não se continuem a repetir argumentos, inanes, sem nenhum valor, como os que adduziu, sem offensa, o meu illustre collega o sr. Beirão,
que bem melhor podia empregar o seu tempo e o seu talento, porque o tem! E fique bem assente e demonstrado que o projecto merece e deve ser approvado; que não se lhe podem attribuir, porque os não tem, intuitos políticos partidarios; que não é feito para collocar amigos, porque são os numerosos addidos que têem de ser chamados a exercer os empregos que se estabeleçam; e finalmente, que o governo não o apresentou com a idéa propositada de desfazer a obra do governo transacto, por ser de adver-

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sarios, mas sim, porque, inspirado no bem do paiz, não podia nem devia desattender as indicações da opinião publica e as bem fundamentadas reclamações das localidades aonde se deram as suppressões. E ainda, finalmente, que o governo, não annullou como podia, e talvez como devia, a mais nefasta obra da dictadura, logo que subiu ao poder como tanto lhe foi pedido, porque respeitando as leis e não querendo seguir os exemplos condemnaveis, que censurou nos seus adversarios políticos, trouxe esta medida ao parlamento para aqui ser discutida e apreciada, depois de nomear uma commissão de cavalheiros respeitaveis, sem exclusão de cores políticas, para estudar o assumpto, tomar conhecimento das representações dirigidas ao governo e dar a sua opinião independente e insuspeita, de maneira a habilital´o a decretar o que se tenha por mais justo e rasoavel.

Isto, é bem correcto, legal e differente, do que fizeram os que hoje têem a triste coragem de combater o projecto!... (Apoiados.)

E agora, sr. presidente, vou referir-me especialmente ao assumpto para mim importantissimo, capital, por que pedi a palavra e entrei no debate d´este projecto, que defendo com toda a energia e enthusiasmo, pelos males que elle remedeia, pelas injustiças flagrantes a, que põe termo...

Eu não ouço unicamente o clamor geral dos povos que foram feridos com a iniqua, reforma administrativa, política, ou não política; ouço a mais e muito especialmente, os de uma localidade a que supprimiram a sua comarca, porque conheço pessoalmente os prejuizos, enormes que esse erro causou e a justiça que assiste aos numerosos cidadãos que, pedem e reclamam a sua restauração. E vou provar com argumentos irrespondiveis e rasões irrefutaveis, como sem interesse nenhum para o thesouro, e para o paiz, ou para os povos da localidade, se foi revoltantemente injusto, cruel, e barbaro, no exemplo que vou citar; e como longe de se fazer, um beneficio, se praticou um grave erro e monstruosa falta, quasi um crime, que tornou odiada a nefasta reforma, e odiado para todo o sempre;

0 nome do dictador que com tanta leviandade a engendrou e fez executar!

Quero referir-me, sr. presidente, á extincta comarca da Pampilhosa da Serra, que fazia parte, do circulo que me elegeu, e tenho a honra de representar n´esta camara!.

E não se diga, com visos de censura, que eu venho tratar de pequenas questões de campanario, na ordem do dia, quando se discutem projectos importantes; porque os povos do circulo de Arganil elegeram-me, muito honrada e independentemente, e aqui lhe agradeço mais uma vez, para no cumprimento dos meus deveres de seu representante em côrtes, defender os seus direitos e legitimos interesses offendidos!

Foi para isso que os nossos, eleitores nos mandaram aqui; defender os interesses da nação em geral, como seus representantes, e em especial os das localidades que nos deram os seus votos e a sua inteira confiança. Eu assim entendo e deligenciarei quanta em mim caiba para bem cumprir o que eu entendo, o meu dever, como deputado e como eleito pôr determinado circulo, não é portanto, uma simples questão de campanario, esta da extincta comarca de um da príncipaes concelhos do meu circulo; mas sim uma questão importantissima, de justiça, e moralidade, de que apreciando a como devo, e expondo-a camara, ao governo, e ao paiz, melhor se poderá fazer a justiça que se pede e a que ha todo o direito, e poderá avaliar-se pelo que succede com a extincção da comarca da Pampilhosa, o que não succederia com as outras do paiz e com a suppressão dos concelhos, como já tão brilhantemente, demonstrou o meu prezado amigo e talentoso collega, Sr. Queiroz Ribeiro. Digo a V. exa. e ao illustre leader da minoria, meu antigo e estimado collega, auctor da degola comarcã, e inimigo feroz da Pampilhosa

que se eu me guiasse n´esta questão e na defeza do projecto, por intuitos puramente políticos, de estreito partidarismo, devia querer talvez e sustentar o estado actual de cousas na circumscripção judicial de Arganil. Porque a extracção da comarca da Pampilhosa, veiu engrandecer notavelmente a comarca do Arganil, e de certo os interesses creados desde então á sombra da iniquia suppressão, se vão agora resentir o queixar, talvez bem explorados pelas accirradas paixões políticas, explodir em impetos de indignação e odio contra mim e contra o governo, se a comarca se restaurar como espero.

Pois apesar de todas essas considerações, sacrifico os meus interesses politicos locaes, e porventura os dos meus amigos e ainda, os do governo, mas não posso deixar de levantar bem alto a minha humilde voz, em favor da restauração da comarca extracta, como um dos actos de mais nobre justiça e isenção política que o governo póde praticar e com que muito se honrará!

Sr. presidente, a extincta comarca da Pampilhosa tinha sido creada por decreto de 20 de setembro de 1890, sendo ministro da justiça do partido regenerador o finado conselheiro Lopo Vaz.

Porque foi que o partido regenerador e o seu governo de ha seis annos, apoiado pelos mesmos homens políticos de hoje, solidarios nas responsabilidades de todos os seus actos, creou a comarca da Pampilhosa? Porque attendeu como devia e muito bem, ás justissimas reclamações dos povos que a pediam, e ás verdadeiras e sensatas informações officiaes de todas as auctoridades da localidade e ás superiores do districto de Coimbra, tambem regeneradoras, que lhe representaram e pediam em nome das commodidades dos peticionarios, que creasse aquella comarca. Foi como digo, o proprio governo regenerador que a creou, attendendo a ponderosas solicitações que se lhe fizeram, e não nenhum governo progressista ou extra-partidario. Satisfeitas as justas aspirações, bem fundamentadas da antiga e muito nobre villa da Pampilhosa, trataram os seus habitantes de fazer melhoramentos importantes, preparando, reconstruindo, arranjando o mobilando convenientemente, edifícios proprios e adequados á installação condigna, da sua nova comarca e dos respectivos funccionarios.

Fizeram-se, de boa vontade, avultadas despesas com que naturalmente aquelle concelho não podia, ficando sobrecarregados os seus contribuintes.

Fizeram-se mesmo grandes sacrifícios, porque havia a certeza de reverterem em favor da localidade, sendo a creação da comarca considerada, como não podia deixar de ser, como um melhoramento concedido bem definitivamente e para todo o sempre, sem as contingências variaveis de uma instituição interina, temporaria, que amanha podesse ser mudada, ou extracta, a capricho de qualquer político de ruins propositos, ou de qualquer dictador desvairado que desprezasse o direito e a justiça dos seus governados.

Foi para ter justiça, sua, na sua terra, no centro do concelho, com proveito, economia e commodidade para todos, que os povos da Pampilhosa com satisfação acceitaram todos os sacrificios e encargos que eram indispensaveis, e muitos dos quaes ainda hoje pesam sobre o seu orçamento municipal...

Depois de tudo isto, quando menos se podia esperar, de surpreza, arbitraria e iniquamente, publicou-se o decreto dictactorial de 7 de setembro de 1895, que extingue brutalmente a comarca da Pampilhosa!

Porque é que cinco annos depois da sua justificada creação e honrosa existencia, um governo do mesmo partido regenerador, supprimiu em dictadura ominosa, a malfadada comarca de que ninguem se queixára, e que muito dignamente se sustentava?!

Que forte motivo de interesse publico, que imperiosa rasão de estado foi essa que predominou no animo do violento dictador da regeneração, para que tão facilmente

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destruisse a respeitavel e bem fundamentada obra dos seus collegas dos seus antecessores, dos seus proprios correligionarios?! Foi uma exigente questão de ordem publica, de economia, de alta finança, de interesse geral, de gravas complicações internacionaes, emfim, de salvação do estado? Ou foi simplesmente por um nervoso capricho político de algum momento de mau humor, de alguma suggestionada vingançasinha partidaria?! Não sei e nem o posso comprehender e explicar! Só o auctor de tão nefasta obra o podaria fazer, e esse de certo o não faz...

Mas o que é espantoso, o que é extraordinario, o que é indigno e revolta, é ver como o atrabiliario dictador, na sua immensa furia de reformar e destruir, não trepidou em ferir desapiedadamente os direitos e interesses dos honrados e pacificos habitantes do concelho da Pampilhosa, obrigando-os novamente a voltar ao seu antigo estado de incommodidade e grandes prejuizos de tempo e dinheiro, annexando-os á comarca de Arganil!

Só quem praticamente conhecer o que ha de violento, injusto, incommodo o perigoso n´esta inqualificavel annexação, é que bom póde avaliar os enormes transtornos que ella causa, a repugnancia com que foi acceite, os energicos protestos com que é combatida, a grande opposição que se lhe fez e está fazendo!

Sr. presidente, a Pampilhosa fica á distancia de Arganil, de mais de 6 a 7 leguas antigas, que são cerca de 35 kilometros, havendo freguesias no extremo do concelho que ficam ainda muito mais longe, em que se gastam tres dias para ir e vir a pé, á cabeça da comarca! Acrescente-se a esta enorme distancia, o não haver nenhuma estrada a macdam, e a ter de se fazer todo o percurso por pessimos caminhos de serras, acidentados, asperos, intrancitaveis, cheios de corregos e despenhadeiros perigosos, especialmente de inverno, cobertos de neve e com os grandes barrancos produzidos pelas aguas dos montes, que n´alguns pontos obstruem e difficultam a passagem!

Porque o progresso, o apreciado o utilissimo beneficio da viação moderna, commoda e accelerada, ainda não chegou á Pampilhosa, não obstante o direito que a elle tem, como as mais terras do reino, que ha muito o gosam!

E é nas tristes circumstancias que estou narrando; sem viação, sem meios seguros, rapidos e faceis de communicação com a comarca do Arganil, que se condemnaram por um decreto absurdo o intoleravel, os povos da Pampilhosa, a voltar para ali, obrigando-os violentamente a penosos sacrificios, sem escrupulo algum, sem attenção nem consideração alguma pelas suas regalias e bem estar; porque é muito facil, a audaciosos estadistas do estofo do sr. João Franco, decretar e legislar em dictadura, dos seus confortaveis gabinetes, rodendos de commodidades, para localidades que não conhecem, sobre que nada sabem, e que muitas vozes nem sequer se informam com quem os possa elucidar! Por isso os erros e desacertos são tantos!...

Os grandes dictadores como s. exa., pouco se importam com o respeito devido aos direitos adquiridos, com a vontade dos povos, com a adopção de medidas equitativas, boas, justas, e aceitaveis! Como lhes é facil impor a sua vontade, ás vezes ao acaso, de um rapido traço de penna, impensado e leviano, n´um impeto audaz como os têem os inconscientes, pensam resolver uma questão importantissima que precisava de ser bem estudada e apreciada em todas as suas variantes e consequencias, e decretam monstruosidades, absurdos, iniquidades, com o desplante de quem fez uma grande obra, praticou um acto digno de louvor e elogio! E na sua vaidade de estadistas microscopicos, de dictadores insignificantes, ficam muito satisfeitos e orgulhosos!..

Só no nosso paiz é que floresce este especial genero de estadistas, que de animo ligeiro, com a mais lamentavel da despreocupações e sem pesar as responsabilidades do seu cargo e dos seus actos, se abalançam a toda a casta de reformas e violencias, ainda ás que ferem as mais sagradas liberdades publicas, fiados na tolerancia de um povo enfraquecido, cansado e como que indifferente a tudo, que lhe perdoa todos os abusos e desregramentos!

Parece-me que o pensamento do estadista, mas do que verdadeiramente o é, que faz uma reforma da ordem o grandeza da que se tem discutido, a dos concelhos a comarcas, a que me refiro, deve inspirar-se superiormente no bem dos povos, nos seus direitos e interesses, nos suas commodidades e regalias, tendo em vista não levantar protestos nem reclamações, attendendo á melhoria dos serviços e á perfeita distribuição da justiça; e antes de a decretar, antes de pôr em execução a sua nova medida, deve pesar bem e com inteiro conhecimento de causa, o seu alcance e todas as suas consequencias, em harmonia com os costumes das localidades e suas attendiveis necessidades, para não dar logar a injustiças e prejuizos irremediaveis, e para que a sua obra seja o que deve ser e se torne util, respeitada, e duradoura!

À primeira condição para ser viavel, é que satisfaça o contente todos, preenchendo os fins que a inspiraram o não levantando queixas e opposições justificadas! Mas o illustre auctor da ultima odiada reforma administrativa e judiciaria, pouco ou nada se preocupou com isso! Foi para diante, ás cegas, á valentona, nervosamente, como é do seu feitio e temperamento, sem querer attender a outra cousa que não fosse a sua desordenada vontade, mirando a tornar-se fallado e temido, pela sua força no poder! Se a reforma fosse unicamente uma questão de politiquice, talvez tivesse merecido todas as attenções, reparos e cuidados do inclito auctor, e a não fizesse, (Apoiados) tão precipitada e inconvenientemente dando os tristes resultados que se têem visto!

Emfim, o mal está feito; agora o que resta e é urgente, é ver se póde remediar, que é o essencial.

O sr. João Franco com o seu nefasto governo não trepidou em extinguir dictatorialmente a comarca da Pampilhosa. E o que venho eu pedir hoje ao governo, ao parlamento, e á commissão encarregada dos trabalhos de revisão? Venho em nome do direito que assiste áquelles povos, em nome dos seus legitimos e respeitaveis interesses feridos, das suas commodidades e regalias desprezadas, das suas vehementes reclamações desatendidas, dos seus protestos esquecidos, dos seus incalculaveis prejuízos de tempo e dinheiro a remediar, da sua vida local economica desorganisada, dos enorme sacrificios que fizeram, emfim da justiça que se lhes deve e se lhes tom negado até hoje, pedir que seja restaurada a sua comarca!

E peço e espero sr. presidente, que a illustrada camara que me ouve, apoie sem restricções o meu justo pedido, e que o governo, habilitado com as conscienciosas informações da digna commissão á qual está submettido o exame e a apreciação dos documentos respeitantes á restauração dos concelhos e comarcas, faça a justiça a que têem direito os povos da Pampilhosa, e defira favoravelmente a sua posição, visto como está bem provado, que a comarca ali se póde manter perfeitamente independente e sem difficuldade, como já se demonstrou bem evidentemente durante cinco annos!

Como esclarecimento que se podia dispensar, ainda acrescentarei: O antigo e rico concelho da Pampilhosa, um dos mais importantes e independentes do reino, cuja povoação foi elevada a categoria de villa em 1308, no reinado de D. Diniz, que lhe concedeu o seu honroso foral, tem actualmente cerca de treze mil habitantes; a sua superficie é de perto de 40:000 hectares; está dividido em dez freguezias que têem approximadamente dois mil o setecentos fogos; com os melhoramentos que realisam, acha-se actualmente dotada com os edificios publicos proprios para n´ellos se poderem instalar todos as repartições camararias, administrativas, judiciaes e de fazenda; tem estação telegraphica e de correio bem montadas e competente posta

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rural; escolas, partido medico, santa casa da misericordia; emfim, todas as condições enciaes de vida autonoma de completa independencia local, para bem poder, existir e cumprir pontualmente todos os encargos provenientes do estabelecimento e digna sustentação do concelho e comarca; isto não fallando da sua importancia agricola, comercial i industrial, que muito se tem desenvolvido nos ultimos tempos.

Mas ainda ha muito mais a ponderar, o que merece ser conhecido para ser apreciado por quem o deva ser:

Da villa da Pampilhosa á villa de Arganil, distam, como já disse, approximadamente 30 a 32 kilometros que levam a percorrer pelas serras a atravessar, nove a dez horas, a cavallo, e doze a treze a pé, succedendo que algumas freguezias as mais distantes, têem povoações que estão talvez a mais de 40 a 45 kilometros do centro e cabeça da comarca, aonde são obrigados a ir em obediencia á lei, para todos os assumptos que se relacionem com cousas de justiça. Acontece muitas vezes, que nos dias pequenos e de rigoroso inverno, as partes que têem negocios forenses a tratar ou têem de se apresentar no tribunal ás horas mareadas das audiencias para que foram intimadas, são forçadas a sair de suas casas muito de madrugada, de noite mesmo, a todo o risco, por pessimos caminhos, ou têem de ir de vespera dormir a Arganil, sujeitando-se a despezas e incommodos enormes para não faltaram e não incorrerem nas maltas e penalidades legaes. Calcule-se que pesados sacrificios fazem, e que riscos correm, quando ha tempestades furiosas no inverno, tendo de atravessar serras, cobertas de neve, as testemunhas intimadas, os jurados na epocha de audiencias geraes, os membros dos conselhos de família e as viuvas nos inventarios, e as mais partes com processos pendentes na cabeça de comarca! Por muita vez o digníssimo juiz de direito, o sr. dr. Francisco Maria Lopes de Almeida, honra da magistratura portugueza, pelo seu saber e caracter respeitado, tem de ser tolerante e generoso, por equidade e sem offensa da lei nem prejuízo da justiça, com es que mostram claramente a impossibilidade, por motivo de longo trajecto e invernias impeditivas, de cumprir pontualmente a lei, apresentando-se no tribunal á hora marcada; e em vez de applicar com rigor a lei multando-os, que seria cruel e ínhumano, é pelo contrario justo e equitativo, e allivia-os quanto póde das penalidades e castigos, que seriam injustos e revoltantes, mas que a lei permittiria.

E já que fallei em inventarios, não posso deixar de me referir ao grande prejuízo que com a longitude soffrem os orphãos e viuvas. É caro, caríssimo, todo o processo orphanologico! E a justiça, em vez de ser tutelar e protectora dos desventurados que perdem os paes e mães ou os seus parentes mais queridos, torna-se em carrasco insaciavel, que a titulo de lhes garantir os direitos e velar os interesses os, os prejudica, levando-lhes uma grande parte dos haveres do modesto casal ou das bem pequenas legitimas, em custas pesadissimas que avultam espoliadoramente pelas grandes distancias dos caminhos a contar. Ha pequenos inventarios, Sr. presidente, a quem a justiça leva mais de metade da importancia da avaliação dos bens do casal! Isto, não é justiça, é uma barbaridade e um crime!

E direi mais, esta iniquidade revoltante não succede só na Pampilhosa e Arganil, dá-se em muitos outros pontos e comarcas do paiz, graças á lei e á tabella judiciaria que tal permitte, e á liberdade de interpretação a que ella se presta. E tendo sido tantas as queixas que se têem levantado, é triste dizel-o, ainda se não deu providencia alguma para remediar este mal, que é gravíssimo e muito prejudica aos orphãos e viuvas a quem a lei e a justiça devem protecção e amparo. Peço ao nobre ministro da justiça, que na sua alta sabedoria e desejo de attender reclamações justas, não esqueça este importante ponto a reformar nos serviços de justiça, como é urgente, já que os seus antecessores para vergonha sua nada fizeram de proveitoso emendando erros tantas vezes apontados.

Sr. presidente, a hora está quasi a findar e eu não quero abusar mais da benevolencia da camara, que tão obsequiosamente me tem dado a sua attenção, e por isso, seguindo as minhas considerações, terminarei dizendo: que é indispensavel que o governo ouvidas as informações da commissão encarregada de apreciar as reclamações dos povos contra a ultima reforma administrativa e judiciaria, faça inteira justiça aos que a têem e restitua sem demora aos da Pampilhosa a sua supprimida comarca, a que têem todo o direito, como me tenho esforçado em demonstrar e fica bem indubitavelmente provado; pois não quero que se possa dizer que em assumpto de tanta monta, o seu humilde e modesto representante n´esta camara, não empregou todos os meios legaes e dignos ao seu alcance, para no cumprimento do seu dever, sustentar e defender energicamente, uma causa tão justa e nobre como é a que estou tratando.

Em minha consciencia eu faltaria ao que entendo o meu honrado dever, se não apelasse com toda a dedicação este projecto do governo, se não levantasse aqui a minha voz como acho dos protestos que têem feito os independentes cidadãos que me elegeram, contra a usurpação injustificada e arbitraria de que foram victimas, e se não pugnasse intemeratamente para que fossem respeitados os seus direitos e attendidas as suas reclamações. (Apoiados.).

Sabemos todos muito bem, e até a opposição, quanto a approvação do projecto interessa, sem intuitos politicos as localidades a que é destinado e vae beneficiar, attendendo ás representações de tantos povos; e em especial, interessa-me e muito a mim, porque se relaciona com o meu circulo, como hontem interessou ao meu amiga o sr. Queiroz Ribeiro, que tão brilhantemente defendeu os interesses dos seus conterraneos. Porque, é preciso distinguir bem, isto não são o que se costuma chamar parlamentarmente, questões de campanario; são questões de justiça e de direito, muitissimo importantes, de vida ou de morte para as localidades n´ellas envolvidas, e que merecem e devem ser apreciadas e resolvidas (Apoiados) pela camara e pelo governo, da melhor fórma que se entenda e a discussão apure; mas de fóram a satisfazer cabalmente as indicações e as justas exigencias da opinião publica, e em especial, dos povos que se queixam pedem e esporam ser attendidos! Não é favor que se lhes faz, é justiça! E justiça a que tem direito quando a nós se dirigem para que lh´a defendamos como seus legítimos representantes!...

Parece-me pois, ter apreciado devidamente as considerações feitas pelos oradores que me precederam, e especialmente as do sr. Baião a quem tive a honra de responder, restando-me apenas dizer-lhe á boa paz, que o seu argumento contra o projecto, de que Passos Manuel, só de uma assentada extinguira quinhentos concelhos, emquanto que o sr. João Franco se limitara a cincoenta e por varias vezes, é de uma coragem assombrosa e digna de melhor sorte! ... Fazer n´este logar comparações entre os actos políticos e administrativos do grande patriota, do eminente estadista, do popular e rasgadamente liberal, Passos Manuel, um dos mais gigantescos vultos da nossa historia política contemporanea, e o sr. João Franco, o dictador de hoje, é, sem offensa para ninguem, de fazer rir... A memoria do grande liberal do Porto, que perdoue o confronto do sr. Baião como lh´o deve perdoar o bom senso do grande dictador do Alcaido, que alias tem merecimentos para ser apreciado, tem precisar de comparações que o amesquinhem...

E tendo assim findado as minhas considerações e respostas, ficam destruidos por completo, as futeis rasões que a opposição tão fracamente adduziu, mais por dever de officio, por amor da arte e desejo de combater-tudo o que provém do governo, que por convencimento de que o projecto não seja bom, parecia-me que se podia encerrar e dar por findo o debate, approvando-o sem mais perda de tempo, visto que está bem provado, que elle não é po-

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litico, não prejudica o paiz, não augmenta as despezas publicas, não offende os direitos de ninguem, e satisfaz inteiramente as reclamações dos povoa que representaram no governo pedindo justiça! (Apoiados.)

Vou terminar.

Não me quero alongar em mais considerações que são de todo o ponto desnecessarias, e agradeço penhorado á camara os immerecidos apoiados com que me honrou e o ter-me ouvido com tanta attenção; não que ou a merecesse, mas porque de certo a mereceu e a impressionou o assumpto que tratei. E sinto profundamente não poder incluir n´este Agradecimento o illustre leader da opposição, e meu antigo e estimado collega o sr. João Franco, a quem tantas vezes tive que referir-me por ser elle a alma... forte do governo transacto, porque s. exa., entretido com a sua escripturação, parece que não me quiz dar a honra de me ouvir...

Vozes: - Muito bem. Muito bem.

O Sr. Franco Castello Branco. - V. exa. está enganado, eu podia repetir-lhe, palavra por palavra, o seu discurso, porque o ouvi e dei-lhe attenção; estava escrevendo em um trabalho urgente de notas que de todo não podia largar, mas ouvi.

O sr. Laranjo: - Mando para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

Requerimento

Requeiro a v. exa. se digne consultar a camara sobre se consente que a sessão seja prorogada até se votar o projecto de lei em discussão. = O deputado, José Frederico Laranja.

Foi approvado.

O Sr. Ramires: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto apresentado pelo sr. conde de Paçô Vieira.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que este parecer entre desde já em discussão.

Admittida a urgencia, foi o projecto approvado sem discussão.

Era o seguinte

PARECER N.°52

Senhores. - A vossa commissão de fazenda, estudando com o maior cuidado o projecto de lei apresentado pelo deputado, o sr. conde de Passo Vieira, entende que elle deve merecer a vossa approvação, pois que não é licito que o governo, devendo ser o primeiro a dar exemplo de seriedade e cumprimento aos seus contratos, quando a segunda das partes contratantes em nada tiver faltado aos que a ella foram prescriptos, proceda por fórma opposta.

E se é certo que póde ser desculpavel n´um momento angustioso do thesouro adiar por força das circumstancias o cumprimento de um certo numero de deveres, não é menos certo que esse adiamento sine die, não póde estabelecer-se como norma de proceder sem desprestigio para o estado.

Por todas as rasões, é de parecer a vossa commissão, de accordo com o governo, que deveis approvar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E restabelecida, para ser paga á sociedade do palacio de crystal portuense, a datar do anno economico corrente, a annuidade de 6:000$000 réis, de que tratam as cartas de lei de 19 de junho de 1866 e 16 de maio de 1878.

$ unico. A annuidade a satisfazer, no presente anno economico, será considerada para todos os effeitos como a 17.ª a que o thesouro é obrigado.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de fazenda, 18 de agosto de 1897. = Marianno de Carvalho = Teixeira de Vasconcellos =
Leopoldo Mourão = F. Dias Costa - Barbosa de Magalhães = José M. de Alpoim = M. Moreira Junior = Frederico Ramires, relator.

O sr. Presidente: - Continua em discussão o projecto de lei n.° 28.

O sr. Barbosa de Magalhães (relator): - Por parte da commmissão mando para a mesa o seguinte

Addittamento ao artigo 1.º

$ 1.° Nos concelhos cuja constituição for alterada pela restauração de outros, e nos concelhos restaurados, o governo nomeará, nos termos do $ 4.° do artigo 17.º do codigo administrativo, commissões para exercerem na funcções das camaras municipaes até á eleição d´estas, a que se procederá no praso de quarenta dias, marcado no $ 2.° do mesmo artigo.

O $ unico do artigo 1.° passa a ser $ 2,°.= Barbosa de Magalhães, relator.

Lido na mesa, o additamento entrou em discussão juntamente com o projecto.

O Sr. Ferreira da Cunha: - Antes de entrar no assumpto para que pedi a palavra, permitta-me v. exa. e permitta-me a camara que ou aproveite esta occasião, pois talvez outra não tenha, para agradecer ao meu illustre amigo e distincto parlamentar, o sr. dr. Teixeira de Sousa, as amaveis expressões que me dirigiu na séssão de antes de hontem, quando, tão digna e energicamente repellia as injustas insinuações e apreciações feitas pelo sr. Alpoim á camara transacta, á qual me honro de ter pertencido.

Cumprido este agradavel dever, vou, sr. presidente, entrar no assumpto para que pedi a palavra, promettendo ser o mais breve e conciso possivel nas considerações que tenho a fazer, porque não desejo cansar a attenção da camara com palavras inuteis, visto que estão irremediavelmente condemnadas todas as medidas do governo transacto, como aqui foi terminante e categoricamente declarado pelo sr. Alpoim, e consta do extracto da sessão de 14 do corrente, á qual, por motivos justificados não pude assistir.

Sr. presidente, o projecto em discussão já deu logar a que tres illustres membros d´este lado da camara fizessem sobre elle largas considerações, a que por seu turno responderam o nobre presidente do conselho de ministros o e os illustres deputados os srs. Queiroz Bibeiro e Oliveira Matos.

O sr. presidente do conselho, respondendo ás considerações feitas pelo meu nobre amigo e distinctissimo parlamentar o sr. Franco Castello Branco, ácerca da opportunidade da, auctorisação pedida pelo governo, apresentou como principal argumento, para justificar a proposta de sua iniciativa, o seu modo de pensar e de ver differente do Sr. Joãs Franco.

O Sr. Franco Castello Branco entendeu conveniente supprimir alguns concelhos; o sr. presidente do conselho julga necessario restaurar os mesmos concelhos; aquelle é apologista do progresso, este ama os processos simples e rotineiros; o sr. João Franco, no seu vasto plano administrativo, quiz dar mais vida, mais força, mais desenvolvimento, mais garantias e maiores regalias ás administrações locaes; o sr. José Luciano prefere vel-os definhar o morrer de anemia, vergando sob e peso de encargos superiores as suas forças economicas e financeiras, sem prestigio, sem auctoridade, sem vantagens algumas para a vida local.

O sr. Queiroz Ribeiro, condemnando aspera e cruelmente a suppressão dos concelhos decretada pelo sr. João Franco, advogou, com um fervor que muito o honra, a restauração do concelho que lhe foi berço, onde é querido e amado por todos e onde viram a luz do dia os filhos

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SESSÃO N.º41 DE 18 DE AGOSTO DE 1897 727

queridos da sua alma. Bem haja o sr. Queiroz Ribeiro, e faço votos para que os seus conterraneos, que tanto o estimam, redobrem de carinhos e attenções para com tão prestante e illustre cidadão.

Coube por ultimo a vez ao meu amigo o sr. Oliveira Matos que, com igual enthusiasmo e fervor, defendeu os interesses do sempre nobre e leal concelho de Pampilhosa, onde deseja ver restabelecida a comarca.

Ora eu, sr. presidente, que não sou natural de concelho supprimido, mas que represento um circulo, do qual fazem parte algumas freguezias de um concelho n´aquellas circunstancias, e que represento, portanto um concelho engrandecido, qual é o concelho de Alcobaça, se seguisse a norma e a orientação dos illustres deputados, a que venho de referir-me, de certo condemnaria a priori a auctorisação pedida, porque ella irá tirar ao concelho de Alcobaça todas ou algumas das freguezias pertencentes ao extincto concelho de Porto de Moz, cujo restabelecimento já hontem aqui nos foi indicado pelo Sr. Queiroz. Ribeiro como indispensavel e necessario.

Pois, sr. presidente, a minha ordem de idéas é inteiramente diversa.

Não approvo o projecto em discussão, mas não o condemno porque da sua execução possa resultar a restauração d´este ou d´aquelle concelho, a alteração d´esta ou d´aquella circumscripção administrativa. E entretanto, sr. presidente, tenho a convicção intima de que a condemnação do projecto está na sua approvação.

É da approvação do projecto em discussão que ha de ressaltar a importancia, da supressão dos concelhos decretada pelo sr. João Franco; ella que ha de encarregar-se de fazer a apologia e a glorificação d´aquella medida, ha tanto tempo reclamada e reconhecida por todos os que de perto conhecem as difficuldades com que luctam as administrações municipaes, que, ainda á custa dos maiores sacrificios dos Seus municipes, não podem promover e fomentar os beneficios e melhoramentos locaes; (Apoiados.)

Eu bem sei e reconheço, Sr. presidente, que não ha, nem é facil haver, uma municipalidade que, apesar de todas as suas difficuldades financeiras e economicas, venha de seu motu proprio pedir ao poder central que a aggregue a outra municipalidade, embora, reconheça não poder satisfazer as suas mais instantes necessidades.

E foi por isso que o sr. João Franco ou o governo transacto, quando decretou a sua reforma administrativa e a revisão da circumscripção territorial, declarou no relatorio que precede o decreto de 2 de março de 1895 que era preciso acudir ao mais urgente.

E agora pergunto eu ao illustre relator do projecto e meu amigo o sr. Barbosa de Magalhães que vejo presente, qual a rasão ou o intuito, com que s. exa. talvez impensadamente ou por esquecimento, deixou passar aquella phrase muito significativa, muito terminante e muitissimo importante do relatorio do sr. João Franco, que cita e transcreve aqui no parecer?!

Diz a commissão transcrevendo do relatorio do decreto de 2 de março de 1895:

Em assumpto de tamanha ponderação não procedem regras absolutas e indispensaveis, antes importa transigir, até onde o permitia a conveniencia publica, com interesses antigos, habitos enraizados, tradições inolvidaveis, sendo portanto preferivel abrir caminho a que os povos se convençam...

No relatorio citado diz-se, logo depois da palavra preferível, acudir ao mau urgente e depois é que se segue abrir caminho, etc. ...

Qual foi, pois, a rasão por que s. exa. retirou as palavras acudir ao mais urgente?

O sr. Barbosa de Magalhães (relator): - Foi lapse da imprensa.

O Orador: - Pois tirando-se aquellas palavras fica alterado o sentido d´aquelle periodo do relatorio. (Apoiados.)

Ora, dizia eu, ar. presidente, que era difficil encontrar-se uma municipalidade que viesse de motu proprio pedir ao poder central que a aggregasse a outra, por não poder com os recursos proprios satisfazer aos seus encargos. Mas o que succede com os municípios não se dá com as freguezias.

Estas, sr. presidente, porque não perdem a sua individualidade administrativa, quer pertençam a este ou áquelle concelho, preferem pertencer a uma circumscripção maior, onde os sacrificios e encargos tenham maior divisor, e portanto menor quociente; a uma circumscripção que lhes assegure garantias e regalias, que não tinham nem podiam ter na pequena circumscripção a que pertenciam.

Em uma das sessões do mez de julho findo tive a honra de mandar para a mesa duas representações das juntas de parochia das freguezias de Santa Catharina e do Juncal, do concelho de Alcobaça, pedindo para continuarem a pertencer a este concelho, a que foram annexadas por decreto de 7 de setembro de 1895, sanccionado pela carta de lei da 21 de maio de 1896.

Por essa occasião não fiz, sr. presidente, considerações algumas sobre o objecto das mesmas representações, porque, tendo pedido a palavra em sessões successivas sem conseguir obtal-a, fui obrigado a mandal-as para a mesa, pelo receio de que a demora na sua apresentação podesse prejudicar os interesses que as mesmos representações defendiam.

Hoje, porém, sr. presidente, vejo que podia reservar até este momento, e sem prejuízo algum, aquella apresentação, e, o que é mais, poderia e talvez devesse mesmo deixar do a fazer, visto que o objecto das representações, a que alludo, não será apreciado nem resolvido pelo poder legislativo a quem foram dirigidas.

Julgava eu, ar. presidente, e n´esta parte permitta-me o meu illustre amigo o sr. João Franco que discorde da sua opinião emittida na sessão de hontem, que o nobre presidente do conselho de ministros e ministro do reino, em desempenho do que n´esta casa nos foi affirmado pelo augusto chefe do estado, apresentaria ao parlamento a sua proposta da reforma administrativa e das alterações a introduzir na circumscripção administrativa ultimamente decretada, e aguardava esse momento, o mais proprio e conveniente, para provar a rasão e a justiça que assistiam aos reclamantes.

Imaginava eu, sr. presidente, que, em assumpto tão melindroso e importante, que tanto interessa á vida economica dos povos, e portanto aos interesses superiores do estado, o governo, em sessão aberta do parlamento, não ousaria, não teria a coragem de deixar de submetter á apreciação do poder legislativo as alterações, que entendesse preciso fazer na divisão da circumscripção administrativa e judicial. E tanto mais seguro me julgava nas minhas supposições, de que o governo desejava cooperar com o parlamento, no seu patriotico emprehendimento de melhorar as condições políticas, economicas e financeiras do paiz quanto é certo ter visto o cuidado e a pressa com que o sr. presidente do conselho, no mez seguinte ao da sua entrada para os conselhos da corôa, publicou um decreto, convidando todos os cidadãos e todas as corporações dos concelhos supprimidos a reclamar contra a suppressão, marcando-lhes o praso de trinta dias para a apresentação das reclamações.

Mas ha mais, sr. presidente. Passado pouco tempo, publicava-se outro decreto, nomeando uma commissão, para examinar e apreciar as reclamações, emittir sobre ellas o seu parecer e indicar ao governo as providencias que, em sua opinião, devessem ser propostas ao poder legislativo. (Apoiados.)

Triste illusão, e ainda mais triste desengano!

Ha sessão de ante hontem o Sr. presidente da conseiro, respondendo ao illustre leader da minoria o sr. João Franco, disse - que tinha encarregado uma commissão de in-

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dicar as providencias, que, em sua opinião, devesse o governo usar, em virtude da auctorisação que pedia ao parlamento!!

De modo que o apregoado concurso da representação nacional, de que o governo fiava no seu patriotico emprehendimento de salvar o paiz da tristissima e afflictiva situação em que se encontra, traduz-se em um pedido de auctorisação! (Apoiados.) Não se manifesta em propostas para discussão, mas em projectos para votação (Apoiados.)

E é assim, Sr. presidente, que o governo affirma o seu patriotico emprehendimento de melhorar as circunstancias políticas, financeiras e economicas do paiz!

Pois o governo que desde 1804, como muito bom disse o meu amigo e distincto parlamentar sr. dr. Teixeira de Sousa, procurava por todos os meios directos e indirectos apossar-se da cadeiras do poder; o governo que obteve esse poder em 8 de fevereiro ultimo, que por decreto do dia seguinte dissolve a camara dos deputados e convoca as côrtes para o dia 10 de junho; o governo, que se apresenta como salvador do paiz, não traz comsigo, não apresenta no fim de seis mezes de gerencia, uma unica proposta, nos differentes e variados ramos de administração publica, com que justifique a sua ancia pelo poder e o seu annunciado emprehendimento patriotico.

Serão porventura de momento, da occasião presente, as difficuldades com que o paiz lucta?

Não existiriam já, quando o governo regenerador passou as pastas ao governo progressista?

Não se terão mesmo aggravado sensível o consideravelmente durante os seis mezes da sua gerencia?

Ainda n´uma dos ultimas sessões, sr. presidente, ouvimos dizer ao illustre titular da pasta da fazenda, a quem este lado da camara não cossa de tecer os maiores e mais merecidos elogios, e de prestar inteira e profunda homenagem ao seu elevado e primoroso talento, ainda n´uma das ultimas sessões lhe ouvimos dizer, que as difficuldades cresciam e augmentavam dia a dia, que as circumstancias do paiz eram gravíssimas, que era urgentíssimo remedial-as e que não podia esperar-se mais.

Se isto assim é, se infelizmente a situação do paiz é tão afflictiva, se já o era quando o governo entrou para os conselhos da corôa, como se assevera no relatorio de fazenda, porque não teve o governo a coragem, a abnegação, o patriotico emprehendimento de, em logar de lançar o paiz n´uma lucta política e ingloria, prover de remedio por actos seus, por medidas do poder executivo, os males que já então nos affligiam? (Apoiados dá esquerda.)

O porque não o digo eu, ar. presidente, dizia-o ha já bastantes annos o vulto mais gigantesco da política portugueza d´este secculo, e cuja falta se faz sentir na presente conjunctura, pois, se elle existisse, tenho a intima convicção de que o paiz não atravessaria a crise que estamos presenciando, (Apoiados da esquerda.) nem o systema parlamentar teria perdido o brilho e o prestigio, que elle, como ninguem, subia imprimir-lhe. O porque, sr. presidente, dizia-o esse grande estadista de chorada e saudosa memoria, que se chamava Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello. (Apoiados da esquerda.)

Dizia elle: O maior e mais perigoso defeito dos nossos governos é olharem primeiro para os partidos, depois para os homens, e em ultimo logar para o paiz, quando deviam seguir a ordem inversa, primeiro o paiz, depois o partido e em ultimo logar os homens. (Apoiados.)

Sr. presidente, perante os circumstancias extraordinarias e afflictivas, em que o paiz se encontra, quebram-se o annullam-se todos os compromissos de ordem política, abatem se todas as bandeiras, esquecem-se todos os odios e paixões partidarias, calcam-se e desprezam-se todos os sentimentos de facciosismo, para só pensar na salvação da honra, da dignidade e da independencia da terra que nos viu nascer, da nossa patria. (Muitos apoiados.}

É assim, sr. presidente, que devo pensar e proceder todo aquelle, em cujo peito pulsa um coração portuguez, quando, como na occasião presente, o paiz se vê a braços com difficuldades de ordem financeira e economica, que podem arrastar-nos á vergonhosa humilhação do uma administração estrangeira, e, quem sabe, se á perda da nossa autonomia e da nossa independencia. (Muitos apoiados.)

Pois não seria mais digno, mais honroso, e até mais patriotico, que o governo, ao assumir o poder, usasse de todos os meios dictatoriaes, que julgasse precisos para o bem estar do paiz?

Não seria tal procedimento mais honroso e digno, repito, do que vir ao seio da representação nacional pedir auctorisação para exercer essa mesma dictadura?

Se não tiveram coragem para assumir essa responsabilidade, com que direito a querem impor aos representantes da nação? (Apoiados.)

Para que convocaram as côrtes? Para que nos obrigaram a abandonar as nossa casas, os nossos interesses, as nossas commodidades? Para que nos têem aqui retidos, ha proximamente tres mezes, sem que tenham submettido á nossa apreciação uma unica proposta, tendente a melhorar a nossa situação?!

Sr. presidenta, eu não quero alongar-me em mais considerações. O projecto em discussão ha de ser approvado porque assim o quer o maior numero, como hontem muito bem disse o meu nobre amigo o sr. João Franco.

Não podo, pois, a minoria d´esta camara luctar contra esse numero; mas ou, sr. presidente, deixo aqui bem expresso o meu solemne protesto contra o projecto em discussão, lamentando que a observação do sr. presidente do conselho o leve a antepor os interesses políticos e partidarios aos interesses do paiz confiado á sua administração.

Disse.

O sr. Laranjo: - Sr. presidente, mando para a mesa um requerimento, pedindo a v. exa. consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.

Foi lido na mesa e approvado.

O sr. Avellar Machado (para um requerimento): - Peço a v. exa. se digne mandar ler a inscripção.

O sr. Presidente: - Estavam inscriptos os srs. deputados João Franco e Avellar Machado, contra, e o sr. Carlos José de Oliveira, a favor.

Foi approvado o projecto com o additamento.

O Sr. Presidente: - Segue-se na ordem da discussão o projecto de lei que diz respeito ás concessões de terrenos no ultramar e ainda outros respectivos aos ministerios da marinha e da guerra.

Como, porém, não estão presentes os respectivos ministros, vou pôr em discussão o projecto n.º 38, que trata de uma isenção de direitos ás irmãsinhas dos pobres.

O Sr. Laranjo (por parte da commissão do negocios externos): - Sr. presidente, mando para a mesa o parecer da commissão de negocios externos, sobre o tratado celebrado entre a republica do Chili e Portugal, para a extradição de criminosos.

Peço a v. exa. se digne dar-lhe o devido destino.

O sr. Mello e Sousa: - Sr. presidente, é para mim tão sympathica a instituição das irmãsinhas dos pobres, que eu, tendo de votar contra o projecto, não desejo fazel-o sem dizer a v. exa. e á camara as rasões por que o faço.

Sr. presidente, Portugal adoptou um systema absolutamente proteccionista, procurando por todas as fórmas proteger a industria nacional; não se explica, pois, que a cada passo se apresentem projectos, da natureza do que está em discussão, isentando de impostos diversos artigos para qualquer fim!

Eu achava mais racional o mais coherente, que se inscrevesse no orçamento uma verba destinada a subsidiar estas instituições, dignas, a meu ver, de toda a protecção, para que não succeda protegel-as, meu á costa de quem

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não é consultado, á custa do commercio e da industria, que são verdadeiramente os que pagam estas e outras protecções, aliás muito justas e muito recommendaveis.

Todos nós sabemos que em Portugal se estabeleceu, com enorme sacrifício, uma fabrica de cimento, que fabricas de fundição estão tambem estabelecidas e luctando com grandissimas dificuldades, que ha numa e outra industria capitaes interessados, e, finalmente, que não ha rasão nenhuma para que se conceda uma protecção que vae affectar o commercio e a industria nacionaes.

Preferia, repito, um subsidio para esta instituição, a todos os respeitos sympathica e digna de protecção; mas um subsidio claro, definido, directamente pago pelo estado.

Estar, porém, a alterar sempre, por esta fórma, a base principal do nosso systema economico, e proteccionismo, fazendo favores, por assim dizer pagos por quem não é consultado, não me parece conveniente. (Apoiados.)

Lamentando sinceramente que o projecto não esteja redigido como, no meu entender, devia estar, declaro que não posso dar-lhe o meu voto.

Não desejo associar-me a um precedente que tenho como perigoso, pois que outras instituições merecedoras tambem de toda a attenção, dignas de incitamento, podem, allegando esta isenção, vir ámanhã pedir identicas concessões; e v. exa. e a camara comprehendem que a industria e o commercio resentem-se naturalissimamente d´este modo de pensar do parlamento.

(O orador não reviu.)

O sr. Frederico Ramires (relator): - Explica que d´este projecto não póde resultar prejuizo para a industria nacional, porque de todos os artigos a que elle se refere, só o cimento é fabricado no paiz, e em tão pequena quantidade que não chega para o consumo.

Não lhe parece, pois, que o projecto possa ser impugnado com esse fundamento, tanto mais que elle respeita a uma instituição digna da protecção de todos, pelos serviços que presta, e que virá talvez a abrigar, sob o seu tecto, alguns dos operarios, hoje empregados nas industrias a que o mesmo projecto se refere, empregados que, quando desvalidos, não serão seguramente protegidos pelos patriotas industriaes e commerciantes que poderiam ser affectados pelas suas disposições.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas,)

O sr. Mello e Sousa: - Sr. presidente eu declarei muito serenamente que me era altamente sympathica a instituição das irmãsinhas dos pobres, e não ataquei por fórma tal o projecto que merecesse uma replica tão pouco amavel do illustre relator, até ao ponto de chamar patriotas aos commerciantes que eu aqui defendia. Sinto o facto, porque a verdade é que já se esta applicando o termo patriotas, como uma ironia como um insulto!

Nós temos a habilidade de inventar e estragar tudo, até os termos bons! (Apoiados).

Eu devo dizer a v. exa., pelo que respeita á questão de vigas de ferro e arame, que não tenho conhecimento especial de serem ou não fabricados estes artigos no paiz; mas devo tambem acrescentar que se não ha industria que trate d´estes productos, ha com certeza commercio que os importe e os venda.

Ora os commerciantes são prejudicados por este projecto, e os commerciantes hoje, illustre sr. relator, pagam uma contribuição que vae até 2:000 contos réis. Exigir-lhes portanto mais contribuições e cercear-lhes os interesses, acho violentissimo e injusto.

Eu não protesto, sr. presidente, contara a protecção a dispensar á muito sympathica instituição das irmãsinhas dos pobres; não protesto contra essa protecção, declaro até que votaria um subsidio (Apoiados) destinado a soccorrel-a; o que eu não admitto, o que eu não acceito, senão com grande reluctancia, é o principio posto em pratica por este projecto, o de dar do pão do nosso compadre grande fatia ao nosso afilhado.

Quando dou esmola, deu-a da minha algibeira; e aqui a esmola é dada da algibeira alheia. É dada pelo commercio e pela industria.

Quanto ao cimento hidraulico tenho conhecimento que ha uma fabrica montada com grandissimas difficuldades, e que enormes difficuldades encontra em collocar os seus productos. Para beneficiar essa industria concedeu-se-lhe uma protecção pautal; ora alterar a breve trecho a protecção dada em favor seja de quem for, não me parece justo.

Eu não desejava prolongar a discussão, e não teria usado segunda vez da palavra se s. exa. não tivesse pronunciado a palavra patriotas com um certo desdem.

Por agora é uma cousa pouca, mas ámanhã póde ser maior, e é gravo, ainda que no mais louvavel intento, estar o parlamento a conceder a cada passo a entrada, de artigos em prejuízo da industria e do commercio.

Se ha irmãsinhas dos pobres, tambem ha irmãosinhos dos pobres, que são os operarios que trabalham n´estas industrias, e que os taes patriotas vão aguentando e pagando, porque esses patriotas tambem sustentam esses irmãosinhos, que por sua parte sustentam suas famílias.

Tudo isto tem ligação, não é um facto especial e isolado que possa comparar-se com a protecção dispensada ao operario pelo patrão,

Eu não quero trazer para aqui a questão de operarios e patrões, e portanto termino repetindo o que disse, que me é muito sympathica toda a protecção dispensada ás irmãsinhas dos pobres, que teria grande prazer em dar o meu voto a um projecto que representasse um subsidio a conceder a essa instituição, masque não acho conveniente retirar a protecção ao commercio e á industria que estão sobrecarregados com impostos onerosissimos. Eu já escrevi quando relatei o projecto da contribuição industrial na camara passada, que o imposto só se supportava por um dever de patriotismo, porque na verdade é muitíssimo pesado, e portanto não devemos fazer concessões á custa do commercio e da indústria, mas á custa do estado. (Apoiados).

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Frederico Ramires (relator): - Explica que não empregou a palavra - patriotas - com qualquer idéa menos respeitosa, por isso mesmo que tambem pertence á classe industrial, com o que muito se honra.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O ar. Presidente. - Está esgotada a inscripção. Vae votar-se o projecto.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Amanhã ha sessão diurna. A ordem do dia é a mesma que estava dada e mais os projectos n.ºs 36, tabacos; 44, promoção dos distribuidores telegrapho-postaes; 23, levados da ilha da Madeira, e 31, material para a luz electrica da Madeira.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e trinta e cinco minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa n´esta sessão

Representações

Da associação de classe dos manipuladores de phosphoros lisbonense, pedindo que seja excluida a manipulação do phosphoro branco e protecção para a sua classe.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada ás commissões de artes e industria, de saude publica e de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

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Do centro socialista Occidental, contra os propostas do fazenda apresentadas em 12 do julho proximo passado.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario da camara.

Dos habitantes de Lagoaça, pedindo para serem desannexados do concelho e comarca de Moncorvo, a fim de ficarem fazendo parte, para todos os effeitos administrativos e judiciaes, do concelho e comarca de Mogadouro.

Apresentada pelo sr. deputado João Franco, enviada ás commissões de administração publica e de legislação civil, e mandada publicar no Diario do governo.

Dos proprietarios, commerciantes, industriaes e contribuintes da Madeira, pedindo que não seja extensivo ás ilhas adjacentes o monopolio dos tabacos.

Apresentada pelo sr. deputado Catanho de Menezes, enviada ás commissões de agricultura, de artes e industria, de commercio e de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Santa Cruz, da ilha da Madeira, no mesmo sentido da antecedente.

Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão da fazenda.

Dos membros do conselho director da associação de classe dos empregados de commercio com sede no Porto, pedindo que na lei que auctorisar o governo a conceder o privilegio do exclusivo da fabricação e refinação de assacar de beterraba, seja introduzida uma condição pela qual o concessionario seja obrigado a conservar todos os actuaes empregados da refinações de assucar, garantindo-lhes os vencimentos que hoje percebem.

Apresentada pelo sr. deputado Leopoldo de Mourão, enviada d commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Da real associação central da agricultura portuguesa, contra a proposta de lei n.º 6, para a concessão do privilegio do exclusivo da fabricação e refinação do assucar de beterraba.

Apresentada pelo sr. deputado Henrique Mendia, enviada ás commissões de agricultura e de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

Dos concessionarios do caminho de ferro de via reduzida, tracção a vapor, entre Valença e Monsão, pedindo que o governo seja auctorisado a conceder a isenção de direitos ao material fixo e circulante para este caminho de ferro.

Apresentada pelo sr. deputado Queiroz Ribeiro, e devendo ter destino igual a um projecto de lei que ficou para segunda leitura.

Da associação commercial de Lisboa, submettendo á approvação do parlamento o parecer da sua secção colonial ácerca da proposta de lei para o exclusivo da fabricação do assucar de beterraba.

Apresentada pelo sr. deputado conde do Alto Mearim, enviada á commissão de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

Justificação de faltas

Declaro que faltei ás tres ultimas sessões por motivo justificado. = Avellar Machado, deputado por Abrantes.

O redactor = Sergio de Castro.

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