SESSÃO N.° 41 DE 20 DE MARÇO DE 1902 5
chal, devendo essa copia ser acompanhada da das condições ou vantagens offerecidas pelos peticionarios. = João Augusto Pereira.
Mandou-se expedir.
O Sr. Francisco Ravasco: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro, com urgencia, pelo Ministerio do Reino, copia da acta da sessão da Camara Municipal de Moura, celebrada em 20 de fevereiro ultimo. = Franzino Ravasco.
Mandou-se expedir.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do mappa n.° 2, na parte relativa á despesa do Ministerio da Guerra, do projecto de lei n.º 12, Orçamento Geral do Estado
O Sr. Costa Ornellas (sobre a ordem): - Em harmonia com o Regimento, mando para a mesa a seguinte moção:
«A Camara, convencida de que no Orçamento do Ministerio da Guerra não ha desperdicios dos dinheiros publicos, e todas as verbas de despesas estão conformes com a legislação que as auctoriza, passa á ordem do dia. = Ernesto Nunes da Costa e Ornellas».
Sr. Presidente: na minha qualidade de relator do orçamento do Ministerio da Guerra, vou refutar o discurso do illustre Deputado, o Sr. Oliveira Mattos que muita pena tenho de não ver presente, porque queria cumprimentar S. Exa. pela bella oração que proferiu nesta casa do Parlamento na sessão nocturna de ante-hontem.
Primeiro do que tudo devo declarar a V. Exa. é á Camara que entro nesta discussão muito bem impressionado, sob a influencia do magnifico discurso do Sr. Conselheiro Eduardo Villaça, discurso que é um modelo de forma, de correcção e de erudição (Apoiados geraes), e tambem porque para mim é muito honroso ter de responder a um illustre Deputado, como é o Sr. Oliveira Mattos, distincto homem de Parlamento. Assim S. Exa. fosse, para o effeito d'esta discussão, um profissional consciencioso, como é um parlamentar destemido.
Na verdade, ser Deputado da minoria, ter a necessidade politica de atacar o orçamento do Ministerio da Guerra, quem não conhece as necessidades do exercito, não podendo comprehender muito da engrenagem complexa e scientifica d'esta instituição, parece-me tarefa difficil, situação embaraçosa, e, para se sair d'ella, airosamente, é preciso ter bellos recursos oratorios, como o Sr. Oliveira Mattos, e, mais do que isso, é preciso ter a coragem aventureira de um parlamentar destemido.
Para tudo ha homens corajosos: ha homens corajosos para tudo: para andar em balão, para voar nos trapezios, e para fazer um discurso brilhante sobre assumpto que se não conheça. Tudo é gymnastica, a final, e isto longo de ser um defeito é uma bella qualidade, para quem gosta.
Sempre ouvi dizer que Deus Nosso Senhor tudo quanto faz é bem feito, e, dogmaticamente assim deve ser. Mas, a respeito do Sr. Oliveira Mattos não sei bem como isso foi. (Riso). S. Exa. tem uma clara intelligencia, um espirito lucido, um talento acima do vulgar, mas tudo isto mal aproveitado.
Dou a razão do meu dito:
É preciso orientarmos as nossas qualidades intellectuaes numa cousa unica. Mas S. Exa. trata mal a sua intelligenciar pela razão de querer ser encyclopedico, uma das cousas mais difficeis, dada a vastidão dos conhecimentos. O Sr. Oliveira Mattos não se contenta com a especialidade. A sua especialidade é a generalidade. (Riso).
Não estou nas condições, nem tenho auctoridade para dar conselhos ao Sr. Oliveira Mattos, que não está presente. Por isso ainda mesmo que estivesse não os dava. Mas estou no meu direito de o apreciar como homem publico. (Apoiados).
É por isso que digo que se S. Exa. orientasse melhor a sua intelligencia e se se decicasse a um ramo de administração publica, á Fazenda por exemplo, conselho que já lhe foi dado pelo meu illustre amigo e camarada, o Sr. Mendes Leal, á Fazenda por ser aquelle que todos estamos de acordo que é o que mais se coaduna com as tendencias naturaes do Sr. Oliveira Mattos, pelo seu amor ás economias e pelo seu odio de morte aos esbanjamentos.
Se S. Exa. seguisse este caminho, principalmente quando está na opposição, S. Exa. dava um bom Ministro da Fazenda, um bom financeiro, tanto mais que ha pouca gente habilitada para essa especialidade, e os Ministros da Fazenda entre nós gastam-se muito facilmente. Com isto lucrava o país, o partido progressista a que S. Exa. pertence, e o Parlamento, porque tinhamos, aqui entre nós uma auctoridade para nos esclarecer nos meandros d'esta emmaranhada sciencia das finanças.
S. Exa. tem uma bella intelligencia, não lh'a nego, mas com a preoccupação de ser encyclopedico, succede o que succede a toda gente: falta-lhe a bagagem, mobilia e utensilios para toda a capacidade.
É por isso que todos os grandes talentos encyclopedicos se parecem um pouco com os buracos: quanto maiores são maior é o vazio. (Riso).
Por outro lado, estou em dizer que esta discussão dos orçamentos é uma valvula adoravel posta no cimo da caldeira parlamentar para dar expansão á oratoria politica, em variados sentidos.
Assim é que, a proposito da discussão do orçamento, ouvi o anno passado nesta Camara falar na Maria Antonieta, no Luiz XVI, no Delfim e nos tormentos que aquella sobre gente devia ter passado no Templo.
Dm outro Sr. Deputado da opposição, cavalheiro para mim muito sympathico, muito intelligente e estudioso, tambem nesta casa do Parlamento, e a proposito do orçamento das Obras Publicas, nos deu o anno passado um nagnifico discurso, cheio de brilho e de erudição, no qual nos mostrou, em bellos mappas demonstrativos, a maior e menor facilidade da morte dos cães e dos coelhos, conforme se lhes injetca nas veias cognac, ou aguardente vulgar, ou alcool industrial!
Abençoado orçamento, serve para tudo!
Até para revelar talentos! Se não fosse uma necessidade constitucional, era, pelo menos, uma utilidade parlamentar.
Isto faz-me lembrar a historia d'aquelle caloiro celebre que foi apanhado a deshoras na baixa, em Coimbra, e foi levado á alta para no tribunal da troça receber o grau de doutor.
Essa instituição já não existe.
Fui caloiro de Coimbra, e nunca lá me fizeram mal. Mas fazia-se noutros tempos.
No tribunal a que me estou referindo tomou a presidencia o Sr. Anthero de Quental, e a sentença por elle dada ao pobre rapaz, entre estrepitosas gargalhadas, era subir para um mocho e fazer ali, de improviso, um discurso pomposo cuja these fosse a influencia do christianismo no ranço da manteiga.
O que é certo é que o caloiro de tal maneira se houve, tão bem andou, que a breve trecho conquistou a sympathia do tribunal, teve uma ovação, alcançou um triumpho. E porque? Porque tinha talento, e já ali se manifestava.
Este homem foi o que mais tarde se chamou o poeta João Penha.
Exactamente como o Sr. Oliveira Mattos, e mais S. Exa. não é caloiro, mas tambem tem talento.