SESSÃO N.º 41 DE 20 DE MARÇO DE 1902 7
Os soldados velhos d'aquelle tempo, os contratados, os substitutos, quando recebiam a lata do rancho perguntavam se havia alguem que quisesse embarcar para Cacilhas. (Riso). Era uma graçola tarimbeira para alludir á muita agua que tinha o caldo. (Riso). V. Exa. comprehende que não podemos estar a alimentar o soldado, d'esta maneira; se o fisessemos era um crime de lesa-estomago. (Riso).
Effectivamente, desde o Sr. Fontes para cá, todos os Ministros da Guerra se teem occupado da alimentação do soldado. O Sr. Fontes, quando Ministro da Guerra, concedeu auxilio para rancho que, sommado com a quantia descontada ás praças, dava a somma necessaria para a sua melhor alimentação. Primeiro, foi de 15 réis, com o nome de subvenção, e subindo snccessivamente até hoje, que é de oitenta e tantos réis.
Ora, Sr. Presidente, alimentar um soldado com um pão que custa 33 réis, e mais 80 réis para almoço e jantar, prova que não ha desperdicio neste ramo de administração, e em parte nenhuma se fazia mais barato.
Mas o que eu queria era saber onde estão os desperdicios.
Será no capitulo do fardamento, 222:000$000 de réis?
Tambem posso garantir a V. Exa. que neste ramo de administração não ha prejuizo para a Fazenda Nacional. São caros os fardamentos para os soldados, e caros, carissimos os uniformes dos officiaes. Estes vestem á sua custa, e para as praças de pret não é facil resolver o problema no sentido de uma solução mais economica. Todos os Governos se teem occupado e preoccupado com a questão do fardamento, e não teem tido meio de o baratear, porque o Estado não é fabricante de lanificios e forçosamente tem de lançar mão dos intermediarios.
É certo que o soldado para se fardar gasta muito dinheiro, e mais notado se torna quando o comparamos com um individuo da classe civil. Um individuo da classe civil veste-se de estamenha e saragoça a 1$200 réis o metro, e no exercito com mescla para calças a 2$640 réis, mescla para capotes a 2$875 réis e panno para jaquetas a 3$000 réis, não pode o fardamento sair barato, e quem se veste de ruim panno, veste-se duas vezes por anno.
Ao homem do campo um fato de saragoça custa-lhe pouco e dura-lhe muito, porque não se servindo d'elle, poupa-o, guarda-o na arca dos folares, e só se serve d'elle aos domingos e quando vae á confissão.
O soldado não pode fazer isso, e por muito bom que seja o uniforme não pode resistir por muito tempo.
O homem do campo trabalha quasi sempre, parte do tempo em ceroulas e camisa, carapuço na cabeça e com os sapatos naturaes que tem desde que nasceu. (Riso). O soldado não pode usar aquella toillette paradisiaca, e precisa andar sempre bem fardado, como convem a um homem ao serviço de El-Rei. (Apoiados).
O soldado, ao entrar para o serviço, gasta logo approximadamente, sendo praça montada, 36$000 réis o minimo, e sendo praça apeada, 26$000 réis. Nas botas 2$600 réis, no calção 3$060 réis, na jaqueta 4$025 réis, no capacete 1$650 réis, nas polainas 2$000 réis, no capote 7$200 ou 12$150 réis, emfim, 26$000 réis para uma praça montada e 20$000 réis para uma praça apeada, não falando na roupa branca, lençoes, fronhas, marmita, caixa e pequeno equipamento, que tudo importa em 10$000 réis approximadamente. Compare-se isto com a classe civil, em que se pode adquirir um fato completo por 4$500 réis (Riso).
O fardamento do soldado é caro porque não pode ser mais barato. E note a Camara que isto tudo faz-se debaixo de uma rigorosa administração. Eu sou official de fileira, creio mesmo que não sei fazer outra cousa, e conheço toda a vida da fileira, desde a cozinha onde se quebra um prato, até á secretaria onde se respira ar civilizado. Não ha desperdicios, não ha má administração no exercito, e se não digam-me onde estão, que eu quero rebatê-lo. (Apoiados).
Mas haverá desperdicios nos vencimentos, nessa verba grande, volumosa, que enche o orçamento do Ministerio da Guerra? Oh! Sr. Presidente! Sabe V. Exa. sabe a Camara e o país não ignora, quanto são exiguos os vencimentos no exercito. Que menos se lhe ha de pagar? O soldado tem 75 réis em pé de paz e 95 réis no pé de guerra. Mais um vintem por dia!
Que bello funccionario! Arrisca a vida, derrama o sangue no campo da honra, por mais um vintem por dia!
E note V. Exa. que elle ainda não recebe estes 75 réis. Desconta 45 réis para rancho, um tanto para fardamento, concerta e remenda a roupa á sua custa e compra a graxa...
Veja V. Exa. a que ficam reduzidos aquelles elesticos 75 réis!
Quando está em maximo desconto, recebe 10 réis por dia. Quer dizer, precisa tres dias de pret para escrever uma carta á familia. (Riso).
Oh! Sr. Presidente, o soldado é uma entidade altamente sympathica! (Apoiados).
Lembre-se V. Exa. que o soldado é o unico empregado publico que o é sem o querer ser, e que não metteu empenhos para o ser. (Riso).
E quanto ganha um primeiro sargento? 315 réis em pé de paz e 345 réis em pé de guerra.
E pode ter mais 240 réis ao fim de doze annos de posto, correspondentes a quatro periodos de readmissão. Pode ter 500 réis por dia ao fim de quinze annos de bom serviço, este funccionario que é um escravo da vida regimental. (Apoiados).
Qualquer continuo de secretaria recebe 600 réis desde o dia do feliz despacho, que pode ser só dependente de um empenho politico, ou não politico.
Ora, Sr. Presidente, são muito illustrados todos os Srs. continuos, são muito bons os seus serviços, mas nem a sua illustração, nem os seus serviços se podem comparar com os de um primeiro sargento de uma bateria ou de uma companhia. (Apoiados).
Não falando no quanto custa a uma praça de pret ir de soldado até primeiro sargento, e quanto tino e boa conducta são necessarios para não ser castigado e não lhe ser tolhida a sua promoção, castigo que depende ás vezes de um simples caso fortuito: faltar 30 segundos a uma formatura. (Apoiados).
Na melhor hypothese e melhor fortuna, este funccionario pode receber, liquidos, 500 réis por dia ao fim de quinze annos de bom e effectivo serviço. Amargurados 5 tostões!
O Sr. Carlos Pessanha: - É por isso que eu digo que o Sr! Ministro da Guerra, ao legislar sobre recrutamento, se esqueceu dos vencimentos dos quadros inferiores.
O Orador: - Mas que tem o recrutamento com os vencimentos? Não vem nada a proposito.
O Sr. Ministro da Guerra podia ter vontade de attender isto, mas recrutamento e vencimentos não se ligam.
O Sr. Carlos Pessanha: - Uma das cousas que mais interessam á instrucção militar são os quadros inferiores, que foram absolutamente esquecidos na lei do recrutamento.
O Orador: - V. Exa. acha que o orçamento ainda é pequeno e deve ser maior; sou tambem d'essa opinião. Mas se fosse maior, mais censuras tinha o nobre Ministro da Guerra.
Continuo.
Um alferes quanto ganha? Um alferes que sae da Escola ganha 35$000 réis theoricos; porque tem de descontar um dia de vencimento por mês para o Montepio, compensações para a reforma, addicionaes, imposto de rendimento, sêllo e mais alcavalas, ficando com 33$000 réis