O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

41.ª SESSÃO

EM 4 DE AGOSTO DE 1909

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta dá-se contado expediente. - O Sr. Brito Camacho explica o sentido das suas palavras proferidas num discurso da sessão anterior. - O Sr. Egas Moniz occupa se da questão religiosa. - Cruzando-se muitos apartes e havendo sussurro o Sr. Presidente interrompeu a sessão. - Reaberta a sessão falou ainda sobre o mesmo assunto o Sr. Egas Moniz. - Alguns Srs. Deputados enviaram papeis para a mesa.

Ordem do dia. Projecto de lei n.° 8 (reorganização da Caixa Geral de Depositos). - Usa da palavra o Sr. Centeno, que combate o projecto. - A requerimento do Sr. Brito Camacho fez-se a contagem e verificou-se não haver numero sufficiente de Srs. Deputados para a sessão proseguir. - O Sr. Presidente encerrou a sessão, dando para a sessão immediata a mesma ordem do dia.

Página 2

2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios - os Exmos. Srs.

João José Sinel de Cordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada - Ás 2 e 30 da tarde.

Presentes - 8 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 e 45 da tarde.

Presentes - 52 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel de Mattos Abreu, Abel Pereira de Andrade, Alberto Pinheiro Torres, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Tavares Festas, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Castro e Solla, Conde de Mangualde, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João do Canto e Castro - Silva Antunes, João Correia Botelho Castello Branco, João Henrique Ulrich, João José da Silva Ferreira Neto, João José Sinel de Cordes, Joio Pereira de Magalhães, Joaquim Heliodoro da Veiga, Jorge Vieira, José de Ascensão Guimarães, José Augusto Moreira de Almeida, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Joaquim Mendes Leal, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel de Sousa Avides, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Affonso Augusto da Costa, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Centeno, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José de Almeida, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Nogueira, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Henrique de Mello Archer da Silva, João Carlos de Mello Barreto, João Duarte de Menezes, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, Joaquim Mattoso da Camara, José Antonio da Rocha Lousa, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Maria de Queiroz Velloso, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Miguel Augusto Bombarda, Vicente de Moura Coutinho de Almeida de Eça, Visconde da Torre, Visconde de Villa Moura.

Não compareceram a sessão os Srs.: - Abilio Augusto de Madureira Beças Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Braga, Alfredo Pereira, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Beliard da Forneça, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sérgio da Silva e Castro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto César Claro da Ricca, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde da Arrochella, Conde de Paçô-Vieira, Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim. Fernandes, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Augusto Pereira, João de Sousa Calvet de Magalhães, João de Sousa Tavares, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Pedro Martins, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Bento da Rocha e Mello, José Caetano Rebello, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Julio Vieira Ramos, José Malheiro Reymão, José Maria Cordeiro e Sousa, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis Filippe de Castro (D.), Luis da Gama, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Nunes da Silva, Manuel Telles de Vasconcellos, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Paulo de Barros Pinto Osorio, Roberto da Cunha Baptista, Visconde de Reguengo (Jorge).

Página 3

SESSÃO N.º 41 DE 4 DE AGOSTO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio da Guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Hintze Ribeiro, copia do processo que maadou elaborar orçamento, n.º Arsenal de Marinha, para 100 torpedos esfericos, da invenção do Sr. major de engenharia Pedro Gomes Teixeira.

Para a secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

Artigo 1.° Os cidadãos sorteados para jurados em audiencia de processo criminal funccionarão validamente desde que prestem ás declarações actualmente exigidas aos que exercem identicas funcções em processo commercial.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = O Deputado, Brito Camacho.

Foi admittida e enviada á commissão de legislação criminal.

O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra, hontem, para antes de se encerrar a sessão, para declarações.

Deu-se o caso de eu ter dito que o Sr. Presidente do Conselho, que sinto não ver presente, tinha tratado os manifestantes de segunda feira com uma indifferença, com um desprezo como se fossem galopins de Trás-os-Montes ou do Douro. O Sr. Presidente do Conselho, porque lhe conviesse tirar d'ella qualquer effeito, quando me respondeu disse que lamentava que eu me tivesse referido de uma maneira tão desapiedada á pobre gente da provincia do Douro, que luta, desde ha muito, com a mais negra, com a mais acabrunhante miseria.

Eu era incapaz de ter para com alguém, e sobretudo para com essa pobre gente do Douro, palavras que não fossem de respeito e que não fossem, dada a sua miseria, de commiseração; mas tambem sou incapaz de deixar que alguém, á minha custa, e desvirtuando as minhas palavras, pretenda tirar effeitos politicos que provavelmente não sabe ou não pode tirar de outra maneira.

Fica, por conseguinte, feita a rectificação: entre essa gente do Douro que trabalha, e esses galopins com quem possa entender-se o Sr. Presidente do Conselho e a. que eu me referi, ha uma distancia grande e essa distancia não a transpus, não simplesmente por motivos de piedade, mas por motivos de correcção.

Tenho dito.

O Sr. Egas Moniz: - Sr. Presidente: é a primeira occasião que me foi dado fazer uso da palavra depois da manifestação em que me encorporei e que trouxe aqui ao Parlamento a representação de que todos teem conhecimento, pedindo que fossem consideradas leis do reino as leis de Pombal, Aguiar e Braancamp e que fossem revogadas todas aquellas que representem uma conquista para a reacção.

Não ficaria bem situado, a meu ver, se neste momento não chamasse tambem a attenção da Camara para esse assunto e não manifestasse tambem o meu profundissimo pesar pela maioria desta casa do Parlamento não ter o outro dia consentido, quando foi proposto pelo presidente da Junta Liberal que se generalizasse o debate sobre esse acontecimento extraordinario, e tão extraordinario que ha memoria de que se tivesse realizado outra manifestação igual em Lisboa, que esse assunto fosse aqui tratado largamente, dizendo-se de cada lado, segundo as convicções liberaes de cada um e com o desassombro de cada membro desta casa do Parlamento, a sua opinião.

Eu sou anti-reaccionado, e o illustre leader do meu partido, o Sr. João Pinto dos Santos, já definiu aqui partidariamente qual a nossa attitude; não atacamos as crenças de ninguem, iria isso de encontro aos nossos principios liberaes, respeitamos todos igualmente. Eu sei perfeitamente que é a religião catholica a religião do Estado, sei o respeito que lhe devo, mas sei também, em virtude dos principios liberaes que defendo, quem hei de atacar, como hei de atacar e as armas com que devo atacar. Quando ouço dizer que em Portugal se não desenha esse movimento reaccionario, que alguns individuos pretendem aproveitar a occasião para fazer de uma questão liberal, anti-clerical, uma questão politica, insurjo-me contra esse facto, porque nessa manifestação liberal não entraram somente republicanos, não entraram somente inimigos das instituições, entraram tambem monarchicos, todos aquelles que pretendem que as leis liberaes que já foram deste país voltem a vigorar entre nós.

Eu insurgi-me contra aquelles que declaram que em Portugal não ha movimento reaccionario.

Existe; e existe tão nitidamente que se podia affirmar d'esse movimento reaccionario, o que se passou em Franca em 1899, antes do Ministerio Valdeck Rousseau, é que foi seguido pelos ultimos embates do Ministerio Cotubes. E se V. Exa. permittir, eu farei apenas uma aproximação entre estes factos, frisando o que era o movimento em França nesse momento, e o que se passa no nosso país, que não deixa duvidas a ninguém, que se deve combater à entrance, para a sociedade, portuguesa caminhar sem sobresaltos, para poder seguir a sua marcha a bem da patria.

Houve em França um momento em que a reacção se levantou; e, nesse momento, começaram os congreganistas captando sympathias, obtendo adheses. Em Portugal os reaccionarios pretenderam fazer a mesma cousa, e se o não conseguiram junto do nosso, exercito é porque, acima de tudo, este sabe ser exercito português.

Como os reaccionarios em França, os reaccionarios em Portugal pretenderam captar sympathias junto dos elementos mais valiosos do exercito português. Escuso de exemplificar com nomes, pois todos os conhecem demasiadamente.

Em França, no sentido de captar votos, serviram-se da bandeira da inquisição, junto dos elementos eleitoraes, como bandeira religiosa.

Em Portugal succedeu o mesmo; ainda ha pouco tempo a esta parte o partido nacionalista vivia com os jesuitas atrás da confraria.

Foi o partido nacionalista que em Portugal se levantou combatendo pela religião contra todos aquelles que não são religiosos.

Eu estou a aproximar os factos.

Esse movimento em França repercutiu-se em Portugal; seguiram-lhe ás pegadas para passo os padres que pregavam.

Não ha muitos annos ainda, em 1901, um grande orador sagrado que pregava no santuario de Lourdes, Courbet, deante da imagem de Pathé affirmou que era preciso preparar para a guerra, para a luta de exterminio, é que a virgem de Lourdes seria de ora avante a Senhora guerreira; e que a figura de Jesus seria o symbolo que representa a guerra do exterminio, contra todos os liberaes.

Página 4

4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Eu pergunto quantos discursos como este se não fizeram e se fazem nos pulpitos, pelo clero reaccionario, nas igrejas de Portugal?

Digo isto, Sr. Presidente, apenas para citar factos. Por esse país fora, dos pulpitos abaixo, os enxovalhes são constantes aos liberaes mais audazes de Portugal, republicano e dissidentes, sendo acoimados por essa turba-multa que existe sempre nas igrejas...

(Áparte do Sr. Pinto da Moita, que se não ouviu).

O Orador: - Houve algum áparte?

O Sr. Pinto da Motta: - Queixa-se V. Exa. de violencias dos jornaes reaccionarios?! E as violencias dos jornaes republicanos?

O Orador: - Eu não me queixei dos jornaes reaccionarios. V. Exa. não me ouviu bem, mas sim dos reaccionarios que, do alto do pulpito, assim falavam. Não me ré feri á imprensa, mas lá chegaremos...

O Sr. Pinto da Motta: - Quando se referir á imprensa, eu espero da imparcialidade de V. Exa. que distribua por todos os lados...

(Ha outros ápartes).

O Orador: - Comprehende-se que nos partidos avançados da extrema direita ou da extrema esquerda possa haver um ou outro exagero, e n'esta parte não são os republicanos que o contestam, mas o que posso dizer a V. Exa. é que não ha comparação entre a linguagem dos jornaes republicanos mais avançados e a dos jornaes de ricas que chega ás ultimas infamias (Apoiados), ás ultimas calumnias, em nome da religião, essa religião de Christo que deve ser toda de paz e de amor pelo bem publico.

Ante hontem as das de Lisboa estavam pejadas de cidadãos livres que quiseram manifestar a sua não tolerancia com a reacção clerical. (Apoiados).

O Sr. Pinto da Motta: - Não tenho procuração nenhuma para defender essa imprensa; mas V. Exa. tambem não vê nos jornaes republicanos o ataque á vida intima de cada um? Não tenho sido eu atacado pelos jornaes republicanos?

Vozes da esquerda: - S. Exa. não vê isso nos jornaes republicanos. (Apoiados).

O Orador: - Os jornaes republicanos não precisam de mim para defender; essa defesa deixo-a a quem melhor pode responder a S. Exa.

Eu sou imparcial, e por isso mesmo declaro que não ha paridade alguma entre os ataques dos jornaes clericaes e os ataques dos jornaes republicanos.

O Sr. Pinheiro Torres: - Terei a occasião de provar que não é verdadeira essa affirmação.

O Orador: - Isso é facil; é trazer os documentos e terei o desgosto de ler o Portugal e a Palavra.

Devo porem confessar a V. Exa. que ficarei mal impressionado com essa leitura, mas farei esse sacrificio para demonstrar a V. Exa. que esses jornaes teem uma intolerancia...

Mas n'este ponto, eu estava respondendo ao Sr. Pinto da Motta.

O Sr. Pinheiro Torres: - Eu digo a S. Exa. que hei de provar o contrario; mais nada.

O Orador: - Eu estava demonstrando que em Portugal existe movimento de reacção que é necessario combater, e que todos os liberaes, sem distincção de partidos politicos, se devem unir para atacarão clericalismo, que pretende enfeudar o país, pregando doutrinas que não são compativeis com os organismos das sociedades modernas.

Quando se falotuem que o Sr. Ministro da Justiça traria ao Parlamento uma proposta sobre o registo civil, padres na provincia, alguns conheço eu, vieram para o pulpito, fazendo d'elle um tablado de comicio, clamar que o Sr. Ministro da Justiça era um hereje.

(Áparte do Sr. Lacerda Ravasco, que se não ouviu).

O que eu digo a V. Exa. é que esses padres atacaram mais o Sr. Ministro da Justiça de que V. Exa. é capaz de atacar.

O Sr. Lacerda Ravasoo: - Ainda hoje a liberdade que, é nacionalista, faz um grande elogio ao Sr. Ministro da Justiça.

O Orador: - Que tenho eu com isso? O que affirmo é que, quando o Sr. Ministro da Justiça disse que traria aqui uma lei de registo civil, S. Exa. foi enxovalhado pelos padres reaccionarios do país. Isto é um facto que eu affirmo e que posso documentar com nomes.

Os que atacaram o Sr. Ministro da Justiça, fazendo do pulpito e da tribuna popular enxovalhes a um Ministro da Coroa só porque queria trazer ao Parlamento uma lei liberal, esses é que são os reaccionarios.

Esses que foram para o pulpito e para o altar pregar, exaltando as opiniões, contra um homem publico só por ser liberal, esses é que foram os reaccionarios portugueses.

Eu, Sr. Presidente, disse ha pouco, em resposta a um áparte do Sr. Pinheiro Torres, que distinguia perfeitamente o padre português, bom, da Igreja catholica portuguesa, e o padre reaccionario que leva os seus excessos e os seus exageros ás ultimas calumnias, ás ultimas infamias a proposito da vida de cada um, especialmente dos liberaes.

Ha uma grande differença entre o padre portugues bom e o statu que foi acceite e respeitado nas ordens religiosas taes como estão em Portugal, tendo sobre ellas a superintender padres estrangeiros. Isso é que eu combato à outrance.

É a differença que ha entre os padres que pretendem insinuar-se na sociedade portuguesa para a dominar para fins politicos e esse bom padre das aldeias, o padre Ferrão, de que fala Eça de Queiroz.

Eu encontro uma differença entre aquelles que apresentam uma crença falsa e aquelles que teem crenças puras, que nos todos devemos respeitar. E uma differença que eu faço, e creia S. Exa. que eu teria um grande prazer em responder ás suas affirmações de uma maneira bem nitida e clara.

(Áparte do Sr. Pinheiro Torres que se não ouviu).

Estimaria muito, pois isso é digno do talento de V. Exa.

E assim, Sr. Presidente, me vou chegando ao que é uma ordem religiosa.
Ha dias o Dr. Miguel Bombarda apresentou aqui o esboço do que eram essas ordens religiosas n'este momento, n'esta epoca, nesta occasião, em Portugal.

Sabe V. Exa., para me servir do parallelo, o que S. Exa. citou a proposito dos frades de Montariol?

Pois muito bem. O que depois succedeu não é mais do que a copia do que aconteceu com os congreganistas em França, que fizeram, dentro de tres annos, perto de dois milhões de milagres de Santo Antonio, vendidos por todo o preço.

O Sr. Affonso Costa: - E agora appareceram dois conventos em que havia fabricas de moeda falsa. É n'isso que se entreteem os frades, e ao mesmo tempo vão convertendo as almas. Vejam os telegrammas officiaes e n'elles encontrarão a prova disto.

Página 5

SESSÃO N.° 41 DE 4 DE AGOSTO DE 1909 5

O Sr. Presidente: - O Sr. Affonso Costa não tem a palavra.

(Trocam se ápartes da esquerda).

(Sussurro).

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Está interrompida a sessão.

Eram 3 horas e 25 minutos da tarde.

Reabertura da sessão ás 3 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Eu interrompi a sessão nos termos do artigo 179.°

Continua no uso da palavra o Sr. Egas Moniz, tendo apenas S. Exa. quatro minutos para acabar as suas considerações, porque, passados esses minutos, é a hora para se entrar na ordem do dia.

O Sr. Egas Moniz: - Como?!... V. Exa. que diz tenho apenas quatro minutos?... Então não tenho ainda meia hora?

O Sr. Presidente: - Podia falar até ás quatro horas, sendo as tres horas seguintes destinadas para a ordem do dia.

O Sr. Egas Moniz: - É só uma hora antes da ordem do dia, se se falou toda essa hora.

O Sr. Presidente: - E só uma, se houver tambem sessão de tres horas.

O Sr. Egas Moniz: - A uma hora tambem pode existir, é questão da sessão acabar mais tarde.

O Sr. Presidente: - Se S. Exa. entende que infringi o regimento, manda o seu requerimento.

O Sr. Egas Moniz: - Acceito, porque V. Exa. nem diz os motivos por que interrompeu a sessão e que, a meu ver, foi sem razão.

Hontem, muito mais interrupções houve e não se interrompeu a sessão como hoje succedeu, quando o Sr. Affonso Costa me interrompeu nos termos do regimento.

Devo frisar o facto de me deixarem quatro minutos para acabar as minhas considerações, quando é certo que se podia ter continuado.

O Sr. Presidente: - Hontem effectivamente houve varias interrupções por parte de alguns Srs. Deputados. Ora hoje a sessão estava-se encaminhando no sentido de se repetirem os factos succedidos hontem, e eu, pela muita consideração que tenho pela Camara, e pela muita boa vontade de que a sessão proseguisse regularmente, pedi mais de uma vez a S. Exa. e aos Srs. Deputados o favor de acatarem o regimento.

O Orador: - Não me chamou á ordem.

O Sr. Presidente: - Não senhor. Interrompi a sessão apenas para evitar que se repetissem os episodios de hontem.

O Orador: - Muito agradeço a V. Exa. Mas quero frisar este facto para mostrar bem á face da Camara que não é deste lado que estão os desordeiros que queriam encontrar para perturbar a sessão.

V. Exa. interrompeu a sessão na occasião em que o Sr. Dr. Affonso Costa replicava á pergunta de um Sr. Deputado, quando podia tê-la interrompido quando houve a intervenção do Sr. Pinto da Motta.

Dito isto, reato as minhas considerações, e continuo tratando da questão clerical, a proposito dos factos que decorreram em França.

O Sr. Presidente: - Deu a hora.

O Orador: - Peço a V. Exa. que consulte á Camara se me permitte que acabe as minhas considerações. Eu não tive culpa alguma no que succedeu, pois V. Exa. mesmo acabou ha pouco de dizer que não foi por mim que interrompeu a sessão.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Camara sobre se permitte que S. Exa. continue falando.

Os Srs. Deputados que approvam, queiram levantar-se.

(Procede-se á contagem).

Está approvado que S. Exa. continue no uso da palavra por 34 votos contra 30.

O Orador: - Agradeço á Camara o consentir que eu continue no meu discurso.

Vinha eu a dizer que os factos se aproximam. Em Portugal ha um movimento a que nós, os liberaes, temos que oppor intransigente luta e denodada guerra.

Vinha eu contando que em Paris, como em Portugal, a proposito de devoções se exploraram durante muito tempo os milagres de Santo Antonio.

Em Portugal deram-se os mesmos factos e os mesmos acontecimentos. E sabe V. Exa. a que ponto chegou o desbragamento (permitta-se-me a frase), no que respeita a esses milagres! Que se vendiam a bom dinheiro, como os vendiam os padres em França e os frades de Montariol. Chegou-se, ás ultimas infamias!

Basta citar este facto para se ver os escandalos que se praticavam: Uma senhora de Bordeaux pode conseguir um amante mediante uma quantia dada a Santo Antonio.
Este facto pode ser defendido por principios religiosos?

Outros apontou ha dias no Parlamento o Sr. Dr. Bombarda, á face de documentos, nos quaes se pediam Jogares e a satisfação de pretensões por dinheiro dado a alguém, que dizia ser para um determinado santo.

Pode isto ser defendido em nome de uma crença, por mais arraigada que ella seja? Pode-se consentir num país liberal, como o nosso, que se pratiquem estas infamias, que unicamente servem para fanatizar o povo, e impedir a marcha progressiva da sociedade portuguesa?

São estes os factos que quero aproximar, para mostrar que esta questão, de nome impropriamente religiosa e anti-clerical, não foi inventada por ninguem.

É uma questão que existe de facto e que deve sor tratada e ter uma solução honrosa para todas as partes.

A grande e collosal manifestação que veio ás Cortes ante-hontem, no dizer de um velho funccionario desta casa, assemelhou-se a uma manifestação que fizeram ao marechal Saldanha.

Essa manifestação partiu de um povo que quer progredir e triunfar; essa manifestação que não se podia produzir sem que de facto houvesse uma causa superior, veio a esta casa sem um grito, apenas dando palmas áquellas figuras que os manifestantes julgam defensoras das suas ideias.

Não podem haver manifestações dessas sem que haja de facto motivo para as fazer.
Esses factos, Sr. Presidente, são os que eu apresento, e agora, que estou tratando propriamente das ordens religiosas, vou responder a um áparte que me fez o Sr. Pinheiro Torres.

Devo ainda dizer que ha factos muito mais revoltantes

Página 6

6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

do que este, que se praticam sobre a exploração das crenças e da politica. Um desses factos é o das heranças. Em França, Sr. Presidente, as heranças religiosas representaram a quarta parte das associações congreganistas. Em Portugal representam já uma somma enormissima, em detrimento dá sociedade portuguesa para beneficio da sociedade estrangeira. Não sou só eu que o affirmo, affirmam-no tambem os tribunaes, que dizem bem como essas ordens religiosas, servindo-se da religião para tudo, não respeitando alguma cousa de sagrado e intimo que ella encerra e que nos não podemos recusar á ninguém, se aproveitam d'ella para consolidarem a sua segurança. Eu não quero citar essas heranças, nem nomes, porque todos sabem quaes ellas e elles são. O proveito dessas heranças, é para as associações religiosas, é para as congregações e para serem a maior parte das vezes as heranças recebidas no estrangeiro, onde os seus possuidores vivem principescamente!

Estes são os factos, Sr. Presidente. Se estas cousas não succedessem, não haveria a manifestação de hontem. Sr. Presidente: em Portugal as ordens religiosas, perante a lei, teem duas missões a cumprir: uma é a missão do ensino e a outra é a missão de beneficencia. A este proposito vou fazer algumas considerações.

A missão de beneficencia todos sabem como ella é exercida. Orações, padre-nossos, etc., etc.

No que respeita ao ensino, sinto não estar presente o Sr. Presidente do Conselho, para quem desejaria chamar a sua attenção. para este assunto, que muito interessa á sociedade portuguesa.

O ensino em Portugal vive ainda, como todos sabem, na primeira infancia.

O ensino da instrucção primaria é deficientissimo. As verbas para elle destinadas são ridiculas. Já me não refiro, Sr. Presidente, á educação da primeira infancia, tão bella na Allemanha, na Suissa e nesses dois povos do norte: a Suécia e a Dinamarca. Mas, Sr. Presidente, já me não quero referir á escola infantil, embora entenda que para a questão primaria em si a escola infantil tem um grande serviço social a desempenhar e mais serviço social do que particular, porque elle attenua a devassidão por essas das ruas cidades. O ensino em Portugal faz se contra as proprias leis, que dizem que só os professores podem ensinar. Pois, Sr. Presidente, as ordens religiosas tambem ensinam.

Vem depois a instrucção secundaria e ahi é que as congregações, especialmente as jesuiticas em Portugal, desenvolvem a sua acção fazendo o seu recrutamento.

V. Exa. não conhece de perto o que são esses collegios de jesuitas, mas eu garanto que são prejudiciaes, e quem o diz com este desassombro tem mais do que ninguém a autoridade de dizer os inconvenientes que resultam d'essa instrucção para as crianças, filhas de pães ignorantes que para ali as mandara. Posso garantir a V. Exa. que uma grande parte das disciplinas não são ensinadas, refiro-me por exemplo ao estudo da historia e da philosophia e até outras questões que dizem respeito á velha humanidade.

Não quero citar neste momento opinião nenhuma em favor desta affirmação, mas seria consolador para mim se tivesse tempo, ler o relatorio notavel de um professor querido, de um grande espirito, Sousa Refoios, a proposito do collegio de jesuitas de S. Fiel, para melhor poder apreciar a acção exercida sobre os rapazes que frequentam aquelle collegio.

Sr. Presidente: conheço de perto, fui amigo intimo de alguns rapazes intelligentes que frequentaram os collegios jesuitas longe das capitães, porque essas criaturas são suficientemente intelligentes para se installarem longe das cidades, porque no que respeita ás suas crenças intimas e modo de ver, são prevaricadores do bom senso social. Ninguem duvida de que em Coimbra ha um collegio de jesuitas onde esses rapazes vão fazer o seu noviciado. (Apoiados). Mas o ponto para que eu desejava chamar a attenção de V. Exa. e da Camara era outro, era principalmente para saber qual era o futuro d'esses rapazes que professam esses collegios. Quando são vivamente intelligentes teem em geral um futuro bem desgraçado (Apoiados), são pelos jesuitas angariados ou são levados á loucura. E se alguem tiver duvidas do que digo, se quizer factos concretos, que mos peça; é assim que eu argumento.

O Sr. Aurelio Pinto: - Eu fui discipulo do collegio de S. Fiel e fui dos ingenuos que para lá mandei um filho, que está hoje formado em direito, e posso affirmar ao illustre Deputado que elle nem é jesuita nem fanatico. É possivel que nos outros collegios de Lisboa se de isso, mas n'aquelle não.

O Orador: - Continuando, Sr. Presidente, direi que a affirmação de S. Exa. não destroe o que eu disse, que os rapazes que frequentam esses collegios, quando são intelligentes muitas vezes naufragam.

O Sr. Miguel Bombarda: - Eu posso attestar com factos.

O Orador: - A percentagem dos loucos saidos desses collegios é muito maior do que aquella dos loucos saidos dos outros collegios. Vou dizer a razão dos factos. Muito estimaria que os que não pensam como eu tivessem a coragem de vir documentar e desfazer a minha argumentação, apresentar factos contra factos e apurarmos esta questão da educação da mocidade, e, portanto, importantissima para o nosso país. Aponto factos, e já que S. Exa. me chamou para esse campo, vou dizer a razão psychica dos acontecimentos, influenciada por uma fanatização crescente.

Esses rapazes, quando são intelligentes e não teem um cerebro que possa resistir, naufragam muitas vezes. Ha factos constantes de loucura em rapazes educados fanaticamente, que fazem da religião, não um episodio da vida, mas uma preoccupação constante, internando-se nessa ideia como sendo a unica capaz de os fazer dominar.

Esta é a historia psychica.

É por isso, Sr. Presidente, que eu dizia que, neste momento, ha um ponto grave no que respeita ás ordens religiosas em Portugal, e é principalmente no que diz respeito á instrucção. Até aqui limitava se a isso a acção do frade jesuita, até era a barreira de onde não passavam, mas como a reacção vae triunfante em Portugal e como o Parlamento não quer tratar disto, mesmo quando o povo vem solicitar a sua opinião sobre o assunto, para um lado ou para o outro, eu, Sr. Presidente, posso affirmar que o movimento de reacção em Portugal vae até o ponto de se pensar era construir em Coimbra uma casa para que os jesuitas possam internar os discipulos dos collegios jesuiticos e poderem continuar o fanatismo constante e dominante que os ha de levar até onde elles quiserem. É isso que se pensa fazer em Coimbra para poderem assim lançar o jugo sobre a Universidade.

Esta é a invasão dos jesuitas em Portugal.

Quero falar agora de outro assunto. Esse é mais melindroso e sinto não ver presente o Sr. Ministro do Reino, a fim de pedir para elle a sua attençao. E o que respeita á beneficencia das ordens religiosas em Portugal.

O que é a beneficencia das ordens religiosas? O que ha de ser a beneficencia das ordens religiosas...

Eu, Sr. Presidente, sou por todas as iniciativas particulares, venham de onde vierem, com sinceridade e a favor do proletariado; mas, se entendo que ellas são necessarias, desejava, que em Portugal fossem como nos outros países mais avançados do que o nosso e se tratasse d'esse as-

Página 7

SESSÃO N.° 41 DE 4 DE AGOSTO DE 1909 7

sunto da assistencia publica diversamente do que é em Portugal.

Queria que na legislação portuguesa ficassem consigna dos factos e doutrinas que existem hoje em todos os povos verdadeiramente cultos. É o artigo 7.° da lei francesa de assistencia publica que declara que todo o indigente deve ser sustentado pela sociedade. Não quero philantropias hypocritas.

Quem não pode trabalhar deve ser sustentado pela sociedade.

É a doutrina socialista que eu defendo com todo o ardor. Todo o indigente que não pode trabalhar tem o direito de ser sustentado.

Crie-se a assistencia publica de maneira que se garanta a todo o indigente, desde a primeira infancia, desde o indigente que não trabalha, porque não pode trabalhar, até ao velho e ao doente que se impossibilita, e até aquelle que não trabalha por não querer trabalhar, pois tambem é indigente e precisa ser mettido na casa de correcção - casas de trabalho. (Apoiados).

E esta assistencia publica que é necessario construir em Portugal, através de todos os sacrificios, pagando uma tributação especial os que teem mais, para este fim, passando a beneficencia a ter uma nova forma. (Apoiados).

Queria, Sr. Presidente, que em Portugal as leis sociaes tivessem realidade e se começasse a olhar para este problema, vendo-o de alto e não através das nossas paixões politicas.

E, se defendo estas doutrinas, não é por pertencer a um partido politico avançado, porque se estivesse desse lado da Camara, se pertencesse a um partido conservador, como é o de S. Exas., fazia o mesmo. (Apoiados).

Apoiava tambem a beneficencia feita em Portugal pelas casas religiosas, se fosse exercida em boas intenções, se nessas almas philantropicas que andam de porta em porta pedindo obulos não tivessem o intuito de angariar adhesões para a sua causa. (Apoiados).

O que é essa acção benemerita das ordens religiosas em Portugal todos o sabem. (Apoiados).

Ha dias ouvi a uru alto espirito que não professa as ideias que defendo, com todo o enthusiasmo e ardor, porque estou convencido da sua justiça, que não era da minha opinião, pois queria a liberdade para todos, até para as ordens religiosas.

Essa questão nunca foi levantada a não ser nos tempos antigos.

Na politica já ando ha bastantes annos e não me lembro que este problema fosse aqui trazido.

Pois bem, é por isso que, sendo liberal convicto, tendo atrás, de mim um passado de soffrimento e de dor; eu venho defender as minhas, ideias, e como bom português, quero dizer porque não desejo que as instituições e congregações religiosas vivam entre nós.

É preciso ver a organização dessas congregações, os seus costumes, e é preciso conhecer o voto que é feito, é preciso conhecer o seu foro intimo para então podermos apreciar as razões por que os liberaes portugueses não podem pôr de parte a pretensão que a população de Lisboa enviou ao Parlamento e que os liberaes deste lado da Camara defendem com enthusiasmo. (Apoiados).

É preciso ver como frades e freiras portugueses, como de todo o mundo, fazem voto de obediencia, o que é a ruina da liberdade individual, para se tornarem nuns manequins nas mãos dos dirigentes, que nem são portugueses nem vivem no nosso país. (Apoiados).

E essa obediencia que transforma cidadãos em seres inuteis.

Não se pode permittir que alguém se suicide na sua liberdade, abandonando essas liberdades que as conquistas dos ultimos annos nos trouxeram através de muitas lagrimas.

Quando pedi a palavra não contava demorar-me tanto tempo na apreciação deste assunto.

Desejava tratar de outro assunto depois de lavrado o meu protesto contra o que se fez n'esta Camara e mostrar a minha adhesão como membro da Junta Liberal á manifestação feita, pedindo o restabelecimento de leis que já foram do país.

Sou contra as ordens religiosas.

Sei as difficuldades que ha na solução deste problema, mas tambem sei as difficuldades que, de um momento para o outro, podem advir dos inconvenientes da reacção.

Queria que na Camara se tratasse do assunto sobre este aspecto: nos não vimos atacar as crenças de ninguem, na Liga Liberal cabem todos os catholicos portugueses, só lá não cabem os fanaticos. Os homens que, como o Marques de Pombal, atacaram as ordens religiosas, não o fizeram, apenas por um prazer, mas para que ellas não viessem perturbar a vida politica portuguesa. Para se apreciar como ellas estão perturbando a nossa vida politica, é ver a linguagem que estão empregando nos jornaes portugueses, linguagem que nunca se viu empregar (Apoiados) e que aumentou nos ultimos 10 annos, por uma maneira aggressiva como nunca se presenciou. (Apoiados). Para se ver como elles escrevem, basta citar um facto passado com um vulto notavel e que até, devo confessar, tenho por elle uma certa sympathia.

Diziam elles que esse vulto notavel estava muito melhor da sua saude e que davam a noticia com muito agrado, porquanto elle tinha prestado altos serviços ao seu jornal. E esses serviços sabem V. Exa. e á Camara quaes eram? Eram o elle ter exercido o cargo de director d'esse jornal emquanto o director efFectivo estava ausente. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Na inscrição para antes da. ordem do dia estavam respectivamente os Srs. Brito Camacho e Mazziotti. Dei a palavra ao Sr. Egas Moniz por engano e por isso peço ao Sr. Mazziotti e á Camara que me desculpem este engano, e peço que se permitta que use da palavra o Sr. Mazziotti. (A Camara consentiu).

O Sr. Chaves Mazziotti: - Mando para a mesa uma representação do concelho de Cintra, pedindo á Camara que seja approvado o projecto apresentado pelo Sr. Sergio de Castro.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem faze-lo. Vae passar-se á ordem do dia, mas antes disso communico á Camara que fui procurado por uma commissão de serventes da Caixa Geral de Depositos, pedindo a minha attenção para a situação desgraçada em que se encontram. (Apoiados). Esses serventes foram nomeados por exigencias de serviço e a commissão propõe que na reorganização da Caixa elles sejam dispensados.

Vou mandar a representação á commissão e a Camara tomará opportunamente conhecimento do seu parecer.

O Sr. Visconde de Coruche: - Mando para a mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelos Ministerios da Fazenda e das Obras Publicas, Commercio e Industria, me sejam ciadas as seguintes informações:

1.° Nota da importancia dos prémios concedidos a vinhos, nos termos dos n.ºs 1.º e 3.° do artigo 2.° e do artigo 5.° do decreto de 14 de janeiro de 1905.

2.° Nota da importancia que representam os direitos de importação sobre o material vinario e distillação e sobre qualquer machinismo ou outros apparelhos, e que deixa

Página 8

8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ram de ser cobrados pelo Estado, nos termos do n.° 4 do decreto de 14 de janeiro de 1905.

3.° Nota da importancia que representam os direitos de importação de aphrophoros e outras vasilhas vinarias de interior ou de expedição e que deixaram de ser cobrados pelo Estado nos termos do n.° 5.° do artigo 2.° do decreto de 14 de janeiro de 1905.

4.° Nota dos edificios e terrenos do Estado, tanto no continente como nas colonias, cedidos gratuitamente, arrendados ou vendidos ás companhias vinicolas nos termos dos n.ºs 1.° e 2.° do artigo 3.° do decreto de 14 de janeiro de 1905, e nota do seu valor venal e das importancia e tempo por que foram cedidos gratuitamente, arrendados ou vendidos, e forma por que teem sido feitas essas liquidações.

5.° Nota dos technicos ou mestres de adega e dos seus vencimentos a cargo dx> Estado, cedidos ás companhias vinicolas nos termos do § 1.° do n.° 2.° do artigo 3.° do decreto de 14 de janeiro de 1905.

6.° Nota das agencias estabelecidas, nos termos do artigo 130,° do decreto de 21 de junho de 1900, nos principaes mercados consumidores estrangeiros e coloniaes, e dos encargos que para o Estado ellas teem representado, já com a sua installação, já com os honorarios dos seus empregados.

7.° Nota de quaesquer emprestimos feitos pelo Estado a companhias vinicolas, forma da sua liquidação e estado actual d'esses emprestimos.

8.° Nota da importancia que representa o imposto do real de agua sobre vinhos da região do Douro entrados nas barreiras do Porto, seja cobrança foi suspensa em virtude da disposição do artigo 1.° do decreto de 30 de julho de 1906.

9.° Nota da importancia que o Estado deixou de cobrar por effeito de reducção de 50 por cento nas tarifas e despesas do serviço braçal na linha do Douro, no transporte de vinhos, nos termos do artigo 5.° do decreto de 30 de julho de 1906.

10.° Nota da importancia da contribuição predial que recae sobre os vinhos de que trata o artigo 16.° do decreto de 10 de maio de 1907, e, bem assim, o valor da contribuição predial em debito nos referidos concelhos á data do mesmo decreto.

11.° Nota da importancia do desconto de warrants emittidos nos termos do decreto de 10 de maio de 1907.

12.° Nota das importancias despendidas com acquisição e adaptação de edificios distinados a armazéns geraes de alcool, bem como de material destinado á sua installação.

13.° Nota da despesa com o pessoal dos referidos armazéns geraes de alcool. = Visconde de Coruche.

Requeiro mais, pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, nota da importancia representada pela reducção de 50 por cento nas tarifas do caminho de ferro do Estado, no transporte de vinho da região duriense para a cidade do Porto. = Visconde de Coruche.

Mandou-se expedir.

O Sr. Pereira Cardoso: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro com urgencia polo Ministerio da Marinha:

1.° Copia dos boletins médicos do Dr. João Antunes Leite, medico naval, existentes no Hospital de Marinha;

2.° Copia de todas as vezes que este medico foi presente ajunta de, saude naval, seus diagnosticos, seus relatorios, dias de licença, por opinião das juntas, numero de meses e dias que foi para estações thermaes por opinião das juntas, numero de vezes que veio das estações navaes pela junta de saude, numero de vezes que foi dado por apto e nome dos médicos que fizeram parte das referidas juntas;

3.° Copia de todos os serviços nas estações navaes, condecorações, louvores, que digam respeito ao referido medico João Antunes Leite, e seus requerimentos apresentados em março findo á Majoria General da Armada;

4.° Copia de toda a biographia militar do medico naval sub-chefe Dr. Antonio Ignacio Simões, e dos requerimentos apresentados á Majoria General da Armada, desde o principio deste anno até esta data;

5.° Copia da biographia militar do medico naval de 1.ª classe Dr. Abel Barreto de Carvalho, e dos. seus requerimentos apresentados á Majoria General da Armada, desde outubro do anno passado até esta data;

6.° Copia dos boletins médicos e mais documentos que digam respeito a todas as praças do corpo de marinheiros que estiveram no Hospital da Marinha desde 1 de outubro até esta data e que foram presentes á junta de saude naval e quaes os que foram mais de uma vez á referida junta e seu resultado, desde outubro até hoje, seus diagnosticos, relatorios e nome dos membros das referidas juntas de saude naval;

7.° Copia de todos os documentos de. qualquer official ou praça da armada que tenham sido dados por aptos pela junta ordinaria e foram sujeitos á junta de, revisão em harmonia com o regulamento da saude naval.

Sala das sessões, 4 de agosto de 1909. = O Deputado, Antonio Augusto Pereira Cardoso.

Para a secretaria.

O Sr. Senna Barcellos: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, me seja enviada a copia da nota ou officio dirigido ao governador de Cabo Verde, que mandou restituir os sellos, emolumentos e quaesquer outras despesas feitas pelos proprietarios de Cabo Verde para conseguirem licença para funccionamento dos trapiches, e bem assim do despacho de S. Exa. o Ministro, designando-se a data que ordenou aquella restituição. = O Deputado por Cabo Verde e Guiné, Christiano José de Senna Barcellos.

Mandou-se expedir.

O Sr. Alexandre de Albuquerque: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, me seja enviada uma nota do rendimento das linhas ferreas do Estado e das companhias, durante o anno de 1908, discriminando separadamente o rendimento de passageiros, grande e pequena velocidade. = Alexandre de Albuquerque.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.° 8 (Reorganização da Caixa Geral de Depositos)

O Sr. Antonio Centeno: - Sr. Presidente, os acasos da inscrição fazem com que, em seguida ao discurso do meu querido amigo e brilhante talento Sr. Egas Moniz, que tratou da questão religiosa, eu tenha que falar sobre um assunto tão arido como é o da Caixa Geral de Depositos.

Sr. Presidente: se eu tivesse falado na sexta feira, logo em seguida ao Sr. Ministro, da Fazenda, que respondeu ao Sr. Anselmo Vieira, talvez o seguisse nas suas considerações, mas já passaram quatro dias, a discussão já foi cortada por outros assuntos mais interessantes, já falou, e muitissimo bem, o meu collega Sr. Archer da Silva e o Sr. relator tambem igualmente bem, por isso resisto á tentação, e segundo o meu costume quando oc-

Página 9

SESSÃO N.° 41 DE 4 DE AGOSTO DE 1909 9

cupo a attenção da Camara, resumir-me-hei exclusivamente ao assunto dado para ordem do dia tratando de circunscrever o mais que puder as minhas considerações, ao projecto. Apenas tenho a dizer, e sinto que não esteja presente o Sr. Anselmo Vieira, que a dissidencia está onde esteve sempre, e que continua a ter sobre o plano financeiro do Sr. Espregueira a mesma opinião que teve sempre, de que é um plano absolutamente inutil, inconsequente e de resultados desastrosos. S. Exa. no seu discurso disse, que nos, quando combatemos, por exemplo, o Ministro da Fazenda do Sr. Ferreira do Amaral pela operação da prata, que tanto viria aggravar o cambio, e depois ácerca do empenho das obrigações, estavamos com elle; eu tenho a dizer que a dissidencia atacou sempre essas operações, o plano do Sr. Espregueira e continua a atacá-lo ainda mesmo neste projecto. O que eu sinto e lamento é que S. Exa., que tem tido sempre voz nesta casa do Parlamento, não tivesse nessa occasião manifestado a sua opinião a nosso favor, não estivesse a nosso lado, porque com toda a certeza que demoveria tantos corações empedernidos que deram votos ao Sr. Espregueira.

Sr. Presidente: eu vou atacar ou criticar o projecto, não sei bem qual destes dois termos empregar; vou explicar a minha ideia: se significa atacar o projecto dizer que o rejeito in limine então não ataco o projecto, mas vou criticar o projecto por que elle versa sobre dois pontos principaes, a liquidação de uma conta extravagante entre a Caixa Geral de Depositos e o Estado e a remodelação dos serviços deste estabelecimento publico.

Se V. Exa. me perguntar: deve liquidar-se essa conta extravagante? Não ha duvida nenhuma, porque o que é de censurar é que não tenha sido já feita ha muito mais tempo essa liquidação.

Devem reformar se os serviços da Caixa Geral de Depositos? Sem duvida nenhuma, o que é pena é que não se tenham reformado ha mais tempo, mas não no sentido em que esta reforma é apresentada; por isso não posso dizer que ataco o projecto, mas critico o em todas as disposições das quaes discordo absoluta e inteiramente.

O projecto, como já disse, tem dois fins em vista: o primeiro é a liquidação de creditos e débitos extravagantes existentes entre o Governo e a Caixa Geral de Depositos, o segundo é a reorganização desse estabelecimento publico a fim de o pôr em melhores condições de funccionamento para dar mais confiança ao publico, para attrahir mais capitães, etc., etc.

Este projecto aqui apresentado trazia apenas, para nosso estudo, um esclarecimento, um relatorio do conselho fiscal que foi publicado em annexo no relatorio do Sr. Ministro da Fazenda.

Tinha tres pequenas paginas, o relatorio do Sr. Ministro da Fazenda, uma pagina apenas, e o relatorio da commissão de fazenda, pagina e meia.

V. Exas. veem bem a pobreza dos elementos postos á nossa disposição para estudar tão importante e momentoso assunto.

Devo dizer a V. Exa. que tenho a mesma opinião que o Sr. Ministro da Fazenda ácerca do respeito que é devido ás pessoas encanecidas no serviço publico e que deram provas do seu amor pelo país, que prestaram o melhor do seu tempo á administração publica.

Os signatarios deste relatorio dizem o seguinte:

(Leu).

Creio, portanto, que tenho razão em pensar que se não deve curar simplesmente pelo que diz o relatorio e que é muito possivel que eu do meu estudo tire conclusões muito differentes d'aquellas apresentadas por estes cavalheiros.

Como n'esse tempo não tinha mais elemento algum de estudo, participei nesta Camara ao Sr. Ministro da Fazenda que tencionava ir á Caixa Geral dos Depositos pedindo-lhe que fizesse a competente prevenção a fim de que ali pusessem á minha disposição todos os elementos de que carecesse.

Fui, devo attestá-lo, recebido com a maior gentileza e boa vontade. Vi tudo, e folgo em fazer esta declaração.

Nada me foi negado. Não puseram a mais pequena difficuldade em mostrar-me tudo o que lá havia.

Sr. Presidente: comecemos pela exposição dos factos, e do que são os débitos entre o Estado e a Caixa Geral dos Depositos.

Como todos sabem, a Caixa Geral dos Depositos, pela sua organização, não é obrigada a converter os seus fundos em titulos da divida publica.

Isto foi em 1887, e todos nós nos lembramos desse tempo de prosperidade financeira. Nunca no nosso país houve mais fartura de disponibilidade e nunca o nosso credito foi mais cotado.

N'essa occasião, em 1887, publicou-se uma lei que dizia o seguinte:

(Leu).

Esta disposição começou logo a funccionar e pelo relatorio indicado se vê que esses fundos deram os resultados que vou ler:

(Leu).

Depois veio a lei de 1898, o decreto ditatorial que estabelece o seguinte:

(Leu).

Quer dizer, a contribuição, que era perfeitamente variavel em 1887, foi, pela lei de 1898, isto é, onze annos depois, fixada do seguinte modo:

(Leu).

Na occasião em que foi fixada esta contribuição, a situação, da Caixa Geral de Depositos era a que vou mostrar, e devo dizer que quando me referir ao activo e passivo eu não concordo com a maneira como as contas estão feitas. A situação era esta:

(Leu).

O estado do país, se não era já de uma grande prosperidade, era comtudo de uma situação desafogada e de um certo bem estar. Mas chegou o dia 23 de setembro de 1890 - e chamo a attenção de todos que me ouvem porque é importante definir as responsabilidades e fazer justiça a todos os homens publicos, para não continuarem muitos com o peso de responsabilidades, que outros lhes teem atirado para sobre os hombros, pesando assim essas rosponsabilidades sobre aquelles que as não teem.

Muito embora a pessoa a que me refiro já tenha morrido, eu quero declarar que a responsabilidade não é da pessoa que se disse, mas de outra, por causa de quem foi feito o que acabo de dizer.

Em 23 de setembro de 1890, quando o Ministerio regenerador da presidencia de Antonio de Serpa estava já morto, por causa da recusa do tratado com a Inglaterra, o Ministro da Fazenda de então, poucos dias antes de cair o Ministerio, mandou um officio á Caixa Geral de Depositos, por intermedio da Thesouraria Geral, dizendo que fizesse entrega de 60:000 obrigações de 4 1/2 por cento que lá havia e que constituiam propriedade da Caixa e sobre as quaes o Governo não podia ter acção nenhuma.

O Ministro da Fazenda chamou-lhe uma operação imposta, depois chamou-lhe exclusão; eu chamo-lhe roubo, é a palavra.

Diz-se que o Governo procedeu desta maneira porque necessitou de caucionar no estrangeiro uns emprestimos que pensava com urgencia fazer.

Fosse como fosse, o que é certo é que a Caixa passou para a mão do Governo estas obrigações, o Estado apropriou-se d'ellas, vendeu-as, ellas desappareceram e a situação ficou como está ainda.

Para se ver o estado a que tem chegado entre nós a administração da Caixa, e a responsabilidade que cabe a todos que n'ella intervieram, basta tomar attenção para o seguinte: como representação de um valor nominal de

Página 10

10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

5:400 contos de réis, que corresponde para a Caixa a um valor real de 5:100 contos de réis, porque a Caixa tinha tomado as obrigações acima de 90 por cento, o que existe na Caixa é um officio da Thesouraria Geral, com tres linhas apenas, o mais conciso possivel, dizendo pouco mais ou menos o seguinte:

"Sirva-se V. Exa. entregar as 60:000 obrigações, etc."

Eu tive esse documento na mão; a tinta já velha e o papel amarellecido.

Uma pessoa, por menos philosopho que seja, não pode deixar de perguntar se todas as inclemencias, todas as desgraças, não são merecidas por um povo que consente que assim se faça.

5:400 contos de réis saem de uma repartição publica, não ha pejo em os exigir, não ha pejo para os negar, desconhecendo-se as responsabilidades, fazendo calar a consciencia, que é preciso que seja a consciencia de um criminoso. 5:400 contos de réis confiados á guarda de alguém que logo que lh'os pedem os entrega!

E ousem aqui falar em independencia da Caixa! O que é preciso é fazer a independencia dos homens.

Independencia da Caixa, com um conselho fiscal á razão, de 300$000 réis annuaes!

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Tambem, se um homem é independente só porque lhe pagam, então não é independente.

Uma voz: - Um homem ou é independente, ou não é independente.

O Orador: - Eu demorei-me neste ponto, porque entendo que é necessario expor as cousas com clareza.

Em 1892, o Ministro da Fazenda de então pareceu um pouco atormentado pelo remorso; mandou avaliar pela cotação as obrigações que tinham sido retiradas da Caixa, calculando que eram 3:240 contos de réis, e mandou para á Caixa em 23 de janeiro de 1892 um escrito do Thesouro, vencivel em 23 de junho de 1892, isto é, ha dezasete annos completos.

Mas este escrito do Thesouro venceu-se em 1892, nunca foi reformado; e o que é mais é que o Estado, ao mesmo tempo que retirava de lá as obrigações, nem ao menos pagava á Caixa os juros dessas obrigações. De maneira que o Estado defraudava a Caixa no seu dinheiro e nos seus rendimentos.

A lei de meios do anno de 1896 diz:

(Leu).

Chamava-lhes supprimentos.

Ora, Sr. Presidente, eu vou dar a razão do meu dito.

Isto é tanto mais perigoso que é da responsabilidade de todos os Ministros da Fazenda. Eu chamo-lhe divida extravagante.

Figurem V. Exas. que a divida que nos agora vamos liquidar nunca entrou na divida fundada do Estado, nem na divida fluctuante, nem se fez nunca menção d'ella nas dividas por contrato especial.

De maneira que as contas do Estado teem sido todas falsificadas, porque não só a divida do Estado foi reduzida, visto que todos sabem que existe, mas até no orçamento se occultava o encargo dos juros necessarios para pagar esta divida.

Devo dizer a V. Exa. que isto é uma novidade; não o sabia, mas o que haverá ainda?

Como é que esta1 cousa agora apparece?

Digam se tenho ou não razão para chamar a esta divida divida extravagante, esbulhada á Caixa, das obrigações de 4 1/2 por cento e privada dos juros.

Como é sabido, na crise de 1892 chegou-se á criação do imposto de rendimento de 30 por cento. Devo dizer a V. Exa. que eu não quero confusões; os numeros que tenho apresentado são os da Caixa Geral de Depositos, não são os de qualquer pessoa que fosse encarregada de fazer o balanço da Caixa.

Eu já disse qual era a situação da Caixa. De 1890 para 1891 a Caixa teve um prejuizo de 1:409 contos de réis; no anno seguinte esse prejuizo subiu a 3:671 contos de réis, e no anno seguinte, em que a crise continuou a aggravar-se mais, chegou a ser de 4:101 contos de réis, porque só o imposto de rendimento custou á Caixa Geral de Depositos uma importantissima verba nos titulos de 3, 4 e 4 1/2 por cento, que ella tinha.

Segundo o dizer da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia no seu relatorio, ella deixou de ter lucros. Veremos depois mais o que ella disse, quando entrar propriamente no assunto.

A Caixa deixou de ter lucros, é o que ella diz, na diminuição do activo bancario, nas cotações, etc.

Mas eu affirmo aqui um facto e com a contestação desse facto vou prestar mais um bom serviço ao meu país e ao credito do Governo; é que, apesar do relatorio do Sr. Ministro da Fazenda, do relatorio da Caixa Geral de Depositos, e de outros documentos, o que digo é que, apesar de tudo, a Caixa cumpre hoje religiosamente, pontualmente, com o maior escrupulo, todas as suas obrigações.

Isto é que é necessario que se saiba.

Houve baixa nas inscrições, nas obrigações, nos rendimentos, em tudo quanto se quis,, mas o que é verdade, é esta é a parte util a tirar do ensinamento, é que a Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia nunca deixou de cumprir os seus deveres. É necessario que o saiba lá fora todo o publico, que é o mais directamente interessado n'este assunto.

Por sua parte o Governo tambem lhe acode como deve, porque só num anno lhe deu 1:692 coutos de réis; é a propria Caixa Geral de Depositos que o diz.

Depois porei esta affirmação em confronto com uma affirmação que ella faz no sen relatorio.

Sr. Presidente: a partir de 1901 a Caixa Geral de Depositos, como não havia lucros, entendeu que a respeito da tal consignação de fundos de amortização, não havia razão nenhuma para a contar e portanto desappareceu a contribuição da Caixa Geral de Depositos.

O tal chamado fundo de amortização, pela lei de 1886 era de 0,369, o que parece complicado; e em 1898 foi fixado definitivamente em 100 contos de réis.

Depois o conselho de administração chegou ao anno de 1908-1909, e entendeu que a Caixa Geral de Depositos estava por assim dizer reorganizada - o que tal não se chama, porque organizada nunca esteve - e entendendo que a sua situação financeira estava nas condições, tratou de fazer o relatorio, isto é - para que não havemos de dizer a verdade - o conselho entendeu que a Caixa já não estava fallida.

A palavra escalda, mas era o que elle diria. Portanto, tratou o conselho de apresentar o relatorio, para estabelecer a tranquillidade e a paz em todos os depositantes...

Ora effectivamente tinham aumentado as contribuições tinham de novo recorrido á Caixa Geral de Depositos e de pagar a percentagem d'esse dinheiro.

Conclue-se d'ahi que já nessa época os seus rendimentos e a sua receita excediam toda a sua despesa, ainda mesmo sem os 169 contos de réis de juros de obrigações que nunca foram pagos á Caixa.

Quando esta situação se julga boa, então... não sei que diga.

E é num momento d'estes, numa situação destas, que se vem com relatorios, e é numa occasião d'estas que vem com um projecto que trata de liquidar a divida, de maneira a deixar no espirito publico uma boa impressão!...

A Caixa estava prospera em 1890. Os repetidos assal-

Página 11

SESSÃO N.° 41 DE 4 DE AGOSTO DE 1909 11

tos das velhas administrações puseram-na em estado de fallencia.

A Caixa constitue-se novamente e então o Governo salta-lhe outra vez em cima. Tudo isto me leva á conclusão de que no nosso país não pode haver dinheiro nenhum, sem ser sugado pelos Governos.

É por isto que eu digo que não sou contra a liquidação de contas e reforma da Caixa Geral de Depositos. Mas o que eu combato é esta apparencia que a questão tem, deixando prever que ha de haver um novo assalto á Caixa Geral de Depositos. Senão vejamos.

Como é que é feita esta liquidação?! O projecto na sua parte financeira traz consignada a seguinte ideia:

"O Estado deve pagar á Caixa Geral de Depositos o valor dos titulos que lá existirem, mais os juros simples d'esses titulos até a essa data".

Por outro lado a Caixa deve pagar ao Estado a contribuição de 100 contos de réis, que desde 1891 são para o fundo chamado de amortização.

Uma pergunta ao esclarecido espirito do illustre relato deste projecto, que está a ouvir-me com tanta attenção: Onde é que foram buscar 1:950 contos de réis?! Por mais altas que fossem as contribuições, como é que se justificam estes 1:900 contos de réis? Arredondando esta conta são 2:000 contos de réis. Como é que se arranjaram 1:900 contos de réis?

Como é que, confirmado pelo conselho de administração, o conselho fiscal, o Sr. Espregueira, o Sr. Soares Branco, o Sr. Azeredo, e a commissão, fazem a conta de 1:900 contos de réis? Até 1898 regula a lei de 1881. Como é que agora, á sombra de uma lei que começou a regular no anno seguinte, se apresenta uma quantia de 1:900 contos réis?

Eu sempre tenho ouvido dizer, desde o meu tempo das escolas, que as leis não teem effeito retroactivo; não se vae applicar a 1890 uma lei que começa a vigorar em 1891.

Portanto acordem, tenham ao monos um ar, não direi de arrependimento, mas de bom ajuste de contas: ajustou-se com a caixa que a contribuição seria de 1900 contos de réis.

Mas vir agora dizer-se que, fundados na lei de 1898, a Caixa deve desde 1890-1891 uma contribuição de 100 contos de réis!

Isto é um contrasenso! Isto mostra o pouco cuidado, o desleixo, com que são tratados os assuntos de administração publica!

Bem disseram os membros do conselho fiscal que, carregados de serviços e de occupações que sobre elles impendiam, não podiam prestar aos serviços da Caixa a attenção que elles mereciam, e os outros Ministros, que faziam um pouco como o actual Ministro da Fazenda, que confia na autoridade d'essa casa, que não tinham tempo para estudar isto.

Até 1890 a Caixa distribuiu por disposição da lei de 1887 a quantia de 426 contos de réis, tirados dos lucros.

Se, por acaso, a outra era uma percentagem sobre os lucros, e se a Caixa desde 1890 até 1898 não teve lucros, como se quer agora tirar essa percentagem?

Como é que se pode tirar uma contribuição de 100 contos de réis durante seis annos, sob o pretexto de uma disposição legal de 1898?

Ao menos façam isto com cuidado; digam que foi um acordo que se fez entre credores e devedores, que nos sanccionamos, como naturalmente se sancciona isto.

Façam isto de maneira que pareça ter, mais ou menos, visos de verdade, porque, alem de tudo o mais, isto não é verdade. (Apoiados da esquerda).

Escusado é dizer em largas considerações que o projecto, em logar de dizer com franqueza - isto é uma maneira de arranjar a nossa vida - vem com theorias de compensações, com um encontro de dividas, encontro de dividas em que um sujeito deve 3:088 contos de réis, - e, segundo outros dizem, 1 :900, e seu começo a dizer que me passe os 1:900 contos de réis, e eu fico a dever 3:088 contos de réis. (Apoiados).

Portanto, a liquidação proposta é a seguinte: a Caixa, que, segundo o projecto diz - o que não é verdade -, deve 1:900 contos de réis ao Governo, é obrigada a pagar immediatamente essa quantia em dinheiro - isto de dinheiro tambem é uma frase, como depois mostrarei - o Thesouro, por seu lado, paga á Caixa: primeiro, em titulos de 3 por cento, o valor das obrigações, em uma annuidade que vem calculada em 227 contos de réis.

Mas o mais engraçado é o seguinte: a Caixa paga ao Thesouro, recebe as obrigações, quanto a dinheiro; quanto á divida, eila que se desenvencilhe.

Pouco importa que ganhe ou perca; ha de sair de lá fez de prejuizos a liquidar de contratos de penhores feitos a particular, a Caixa Geral de Depositos teve um prejuizo de 300 contos de réis.

Não imagine V. Exa. e a Camara que ha nisto um favoritismo.

Houve um emprestimo feito pela Caixa Geral de Depositos sobre titulos do Estado, que baixaram, e agora é que se vão liquidar.

Portanto, houve um prejuizo.

Porque foi que a Caixa Geral de Depositos não liquidou a tempo?

Naturalmente porque o Ministro da Fazenda lhe disse: não aperte com os devedores que teem na Caixa Geral de Depositos titulos do Estado, porque isso vae repercutir-se na venda desses titulos.

Mas se ha um prejuizo que se calcula em 300 contos de réis, fazendo se as contas encontra-se o seguinte:

(Leu).

Poderá dizer-se que a Caixa Geral de Depositos tem um grande desenvolvimento, e, contando-se com o alargamento das suas operações, pode calcular-se que os seus juros serão de 500 contos de réis.

A situação da Caixa Geral de Depositos é a seguinte:

(Leu).

Tem-se dito que se faz isto por causa das necessidades do Thesouro e que isto é para diminuir o deficit.

Ora o Sr. Ministro da Fazenda da ultima vez que falou teve o cuidado de dizer, para corrigir um reparo meu, que isto era para cobrir o deficit orçamental.

O que é verdade é que os 1:900 contos de réis da prestação não compensam o recurso ao credito por essa quantia, porque os 1:900 contos de réis, todos nos sabemos, estão em deposito da Caixa Geral de Depositos, em conta corrente com o Banco de Portugal; e esta tem apenas por effeito uma passagem de escrita.

Ora nos estamos fartos de escritos, isto não nos faz bem nem mal.

Se por acaso esta liquidação de contas fosse com um outro qualquer estabelecimento, por exemplo com o Banco Lisboa & Açores, que realmente desse ao Governo 1:900 contos de réis, eu comprehendia que o Sr. Ministro da Fazenda, todos os Ministros que teem estudado este assunto e a commissão de fazenda, se preoccupassem com este ponto, e empregassem o seu tempo pôr maneira a conquistar 1:900 contos de réis para o Thesouro; mas assim não conquistam cousa nenhuma, porque isto é uma simples passagem de escrita do Banco de Portugal.

São 1:900 contos de réis que estão em deposito da divida fluctuaute, que passam para o banco; diminue-se na divida fluctuante: 1:900 contos de réis, mas os encargos do Thesouro ficam os mesmos. Para isto estamos nos a

Página 12

12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

gastar tanto tempo, o qual poderiamos empregar em cousa mais util.

Sr. Presidente: este era o systema do Sr. Espregueira: aumentar juros para mostrar que liquidava o orçamento sem deficit.

Antes de mais nada, digo ao Sr. Ministro da Fazenda que nisto não faço politica, absolutamente alguma, nem isto é cousa em que se deva fazer politica.

O Sr. Ministro da Fazenda declarou que não necessitava disto para governar, e se a Camara não quisesse approvar, era-lhe absolutamente indifferente.

Sr. Presidente: como disse, critico a proposta sem espirito algum politico, desejando que se faça para o Estado uma liquidação vantajosa, exacta e clara, e não com esses espirituosos encontros, que só servem para nos desacreditar cada vez mais.

Segundo a proposta do Sr. Espregueira a divida do Thesouro era a seguinte:

(Leu).

O Governo pagava, segundo a proposta do Sr. Espregueira, tudo isto era inscrições, no valor nominal de 16:000 contos de réis, e o encargo para o Estado seria de réis 346:500$000 e mais a prestação que sempre terá figurado no orçamento, o que faz 466:500$000 réis.

Veja V. Exa. como eu tenho boa vontade em acçeitar todas as quantias. Acceito esses 500 contos de réis, como acceitaria 450 contos de réis; mas. cingindo-me aos numeros da commissão e do Governo, calculo 400 contos de réis.

Diz o Sr. Espregueira, no seu orçamento, que o encargo final é de 460 contos de réis, vem a commissão e diz que é muito, e, portanto, pague-se a divida do Thesouro em inscrições e o encargo para o Estado virá a ser de 178 contos de réis.

Quanto ao coupon em divida temos o seguinte:

(Leu).

O que importa é ter um rendimento para fazer face a outros encargos. Era preciso estabelecer a annuidade para as obrigações de 5,5 por cento com as inscrições de 3 por cento. Fiz a conta. O Estado precisa apenas de 8:084$000 para a Caixa Geral de Depositos poder fazer face aos seus encargos.

(Áparte do Sr. Rodrigues Nogueira).

Perdão. É um criterio, como qualquer outro.

Entendo que a Caixa Geral de Depositos necessita desse rendimento.

O juro que ella tinha com esses titulos, é exactamente o mesmo juro.

Mas devo dizer que, se estamos a fazer leis para attender ás necessidades do Thesouro - é o grande argumento que se apresenta - então proponho ao Sr. Ministro da Fazenda que vá até o fim e francamente, de forma que sem encargo algum para o Estado, e maior sacrificio, se imponha á Caixa Geral de Depositos aquella amortização no numero de annos necessarios, de maneira que o máximo da partilha de lucros para o Estado seja o encargo das inscrições de 3 por cento.

Queria liquidar isto, de maneira que a Caixa Geral de Depositos ficasse com o encargo dos 3:088 contos, somma liquidada em 30 de junho deste anno das obrigações, ficando com o direito de amortizar, de maneira que o Estado tenha sempre uma partilha de lucros nunca inferior a 169 contos de réis, que tanto é o encargo das obrigações.

Para este ponto chamo eu a attencão do Sr. Ministro da Fazenda como da commissão de fazenda.

Passemos agora á reorganização da Caixa.

Para o Governo, o verdadeiro e unico fim da lei projectada é, como já disse, esta monstruosa liquidação.

Vejamos o que é a reorganização proposta.

Eu proponho ao Governo, quanto á parte financeira, que faça a liquidação total, sem encargo algum para o orçamento, e ao mesmo tempo peço que não inste na parte do projecto que se refere á reorganização da Caixa, por que vae ficar peor do que está.

Eu sou d'aquelles que entendem que ha muito a fazer a respeito da Caixa. O ponto principal não foi tocado nesta reorganização e do que tenho receio é que esta reforma seja o adiamento das medidas decisivas que é necessario tomar sobre assunto tão importante.

Sr. Presidente: falando com toda a franqueza, permitta-me V. Exa. que diga que eu estou convencido de que a principal razão da reorganização da Caixa Geral de Depositos, está unicamente no tal periodo que já citei.

(Leu).

A unica cousa que apresenta para a tal independencia é a base 3.ª, artigo 3.°

(Leu).

E depois no artigo 11.° diz:

(Leu).

Isto chega a ser infantil; é extraordinario que se ponha isto numa lei. (Apoiados).

Quer dizer, amanhã propõe-se um contrato entre o Governo e a Caixa e o conselho rejeita, está muito bem. Mas se o conselho approva? Approvando o contrato entre o Caixa e o Governo, o administrador da Caixa recorre para o Governo da decisão que manda a Caixa contratar com o Governo. Ora diga-me V. Exa. se isto se pode tomar a serio?

Ainda se entendia que o representante do Governo se entendesse com o Governo, mas a Caixa contratar com o Governo! Como é que o Governo quer fazer esse contrato?

A respeito de independencia, o que é preciso é que haja independencia de pessoas.

O projecto estabelece como gratificação para os membros do conselho 10$000 réis.

Quis-me parecer que com este prurido, aliás muito justo, de se não querer aumentar a despesa, houve por parte da commissão o erro de aumentar a despesa com o tal conselho de administração. E para criar esse conselho foram arruinar uns desgraçados empregados temporarios, diminuindo os quadros, pondo outros fora, como succedeu a uns desgraçados serventes. E aproveito esta occasião para apresentar um projecto de lei de acordo com alguns membros desta Camara, pedindo que se lembrem d esses pobres servidores, porque não é de justiça, depois de tanto tempo de serviço util, pô-los na rua.

O Sr. relator já apresentou uma emenda que faz com que todos os empregados temporarios fiquem fora do quadro mas com vencimento, e eu proporia mais, que esses empregados sejam ipso facto collocados nos seus logares independentemente de concurso.

O Sr. Guimarães tambem acceita e patrocina esta pretensão.

Ernquanto aos serventes a medida alcança apenas quatro serventes a 180$000 réis, que são 720$000 réis, e ficam de fora alguns que teem vinte annos de serviço. É justo, admissivel, que nos, fazendo dotação para um conselho fiscal que são pessoas que não vão viver exclusivamente de 300$000 réis, se vá tirar o pão e pôr na rua servidores do Estado que contam já vinte annos de serviço? É por isso que mundo para a mesa uma emenda sobre este assunto.

O Sr. Ministro da Fazenda frisou bastante no seu discurso a independencia e citou até a Junta do Credito Publico. Ora eu vou agora responder a essa observação da independencia das pessoas, que não. é o dinheiro que a faz; eu já vou dizer se é ou não. Eu bem sei que se confunde independencia com seriedade e com honradez.

Ora tão serio e honrado é o homem pobre como o rico; tão serio é com 300$000 réis como com 3 contos de réis; o que é absolutamente differente é a independencia, no

Página 13

SESSÃO N.° 41 DE 4 DE AGOSTO DE 1909 13

sentido em que nos a empregamos. Se S. Exa. quiser bons servidores pague-lhes de forma que possam dar toda a sua attenção, toda a sua vida aos assuntos de que o encarregam; se S. Exa. entende que a Caixa Geral de Depositos constitue um serviço por tal forma importante para os interesses do país que deva ser governado com independencia, de maneira que as pessoas que lá estejam se possam dedicar a elle completamente, pague-lhes por forma que elles não tenham que ir buscar proventos a outros empregos. Fala-se na Junta do Credito Publico, ora Junta do Credito Publico, alem de ter a garanti-la um lei que dura ha muito tempo, creio que cada vogal ganha 1:600$000 réis e o presidente ganha 2 contos de réis Se S. Exa. entende que os serviços da Caixa Geral de Depositos merecem assegurar-lhes a independencia por forma que as pessoas que estejam ali empregadas se occupem completamente d'esses serviços, então estabeleça essa independencia por maneira pratica e effectiva e não com mistificações como esta de 300$000 réis.

Ora, Sr. Presidente, posto este principio, se S. Ex. me perguntar a mim se ha alguma cousa a fazer na Caixa Geral de Depositos, responderei que ha, sim senhor.

A minha opinião é que muito se deve fazer e lamento que nem o conselho de administração, nem o conselho fiscal, nem a commissão de fazenda fizessem referencias Caixa Economica Portuguesa.

É necessario desenvolver as operações da Caixa Eco nomica Portuguesa de modo a que ella possa prestar ser viços ao país, e grandes serviços podia prestar. (Apoiados).

O Montepio Geral, que não tem as garantias officiaes que é uma sociedade particular, que não tem o valor e i garantia das responsabilidades tomadas pelo país, pelo Estado, como pode ter a Caixa Economica pelos deposito feitos, o Montepio Geral tem depositos no dobro da importancia da Caixa Economica Portuguesa.

Pergunto á Camara se porventura se pudesse fazer com que todas as economias portuguesas se depositassem nesse Caixa não seria isso um grande beneficio para o Estado e indirectamente para os Governos, que escusariam de ter que appellar para os agiotas?

Pois n'este projecto ninguem se lembra da Caixa Economica Portuguesa quando isso devia ser uma das partes mais importantes do projecto.

Eu nunca nego elogios a quem os merece. Na proposta do Governo estabelecia-sè na base 1.ª o seguinte:

(Leu).

Estabelecem-se aqui delegações da Caixa Economica nas estações telegrapho-postaes, e era isto uma das poucas cousas que a proposta tinha de bom, mas a commissão eliminou isto e nem diz porque.

A razão vou eu dize-la. Foi porque n'essa occasião appareceu a fantasia das Caixas Telegrapho-Postaes. Era o Sr. Ministro das Obras Publicas em competencia com o Sr. Ministro da Fazenda.

Ambos queriam fazer caixas economicas, mas quem ganhou foi o Sr. Ministro das Obras Publicas, apesar da sua proposta não trazer a assinatura do Sr. Ministro da Fazenda, como devia.

O Sr. Presidente: - Decorreu o tempo regimental. V. Exa. não pode continuar sem eu consultar a Camara.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara pode V. Exa. continuar no uso da palavra.

O Orador: - Agora chegámos a um ponto que me parece interessante, que é o exame do relatorio da administração e do conselho fiscal da Caixa Geral de Depositos.

Este relatorio, que devia ser annnal, deixou de ser publicado durante dezasete annos.

Qual a razão? Acerca dos motivos por que não se publicou, a administração diz apenas linha e meia.

(Leu).

Quer dizer, ella e os Srs. Ministros conhecemos motivos, eu é que não os conheço.

Parece que vindo ao Parlamento e ao país dar contas das irregularidades commettidas num estabelecimento que mexe em dinheiro e do qual não dá contas durante dezasete annos, a administração devia dizer mais alguma cousa ácerca dos motivos por que não tem sido publicado esse relatorio.

Pouco me importo de que duas pessoas os conheçam; o que era preciso era que todos o saibam.

O parecer do conselho fiscal esclarece mais e diz:

(Leu).

Do relatorio do conselho fiscal resalta a seguinte verdade, traduzida em meudos: a Caixa esteve durante dezasete annos sem fazer relatorio ácerca da sua situação, porque julgava estar fallida e não queria alarmar o publico.

Eu não admitto que, em assuntos desta importancia, a Caixa, que tem a garantia do Estado, da nação portuguesa, possa estar fallida.

Em qualquer sociedade particular, seja de que natureza for, que esteja um anno sem publicar o seu relatorio e sem dar contas á assembleia geral, qualquer accionista tem o direito de convocar a assembleia geral, para pedir contas á administração.

A Caixa Geral de Depositos deve ser como os particulares.

Que autoridade tem depois o Governo, que é o fiscal de todos os particulares, de vir amanhã fazer com que uma sociedade qualquer cumpra os seus estatutos ?
Quem quer que todos se comportem legalmente precisa de dar o exemplo e não vae dizer que durante dezasete annos se puseram fora do exame e do controle parlamentar as contas da Caixa Geral de Depositos.

Lavrando o meu protesto contra a ideia de que a Caixa Geral de Depositos podia fallir, o que não se pode dar pela sua constituição, eu peço ao Sr. Ministro da Fazenda que não consinta que passe-em julgado a denuncia aqui apresentada, e que não consinta de forma nenhuma que se faça um balanço, estabelecendo a valorização dos titulos da Caixa pela sua cotação, o que se prestará a todos os erros, a todas as fraudes, as mais ruinosas e gravissimas para o Estado. (Apoiados).

Amanhã, os titulos do Estado, na Caixa Geral de Depositos, regulam por 9:000 contos de réis. Ora, com esta linda disposição de calcular numeros pela cotação de 30 de julho, todos sabemos que não seria difficil arranjar uma cotação um pouco elevada nesse dia e beneficiar a cotação em 500 ou 600 contos de réis, que a 80 por cento dava logo 200 contos de réis para o orçamento. O Sr. Espregueira, por exemplo, arranjava logo isto. Digam-me se isto é serio.

Eu appello para o Sr. Ministro da Fazenda, que é um homem honrado.

Demais, a Caixa Geral de Depositos não é um Banco, não tem que distribuir dividendo a accionistas. A paginas 40 diz o relatorio:

(Leu).

Mas, como o Estado tem a partilha de lucros em 80 por cento, vemos que, calculando para o anno de 1893-1894, eram para o Estado 900 contos de réis de lucros que não existiam, e que no anno seguinte, se a cotação fosse mais para baixo, esses lucros tornavam-se em prejuizos.

Para S. Exa. appello, pedindo que não permitta tal cousa.

Faça muito ou faça pouco, a Caixa Geral de Depositos sobre uma conta especial que se pode chamar de reserva.

Página 14

14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

E levam, Sr. Presidente, essa conta á differença de valorização recebida, para fazer face á despesa. Assim. Sr. Presidente, tem-se a valorização como um fundo, embora os depositos oscillem. Por isso peço encarecidamente ao Sr. relator e á commissão, que não permittam esta differença.

E vae, V. Exa., Sr. Presidente, ver a justificação das minhas palavras e da minha affirmação. O maximo dos juros em 1887 foi de 4:000 e tantos contos de réis. Pois quer V. Exa. saber o que succedeu em 1907 ? Eram apenas 1:850 contos de réis.

Veja V. Exa. que serie de oscillações não houve durante dezoito annos, por forma que uma conta baixou 1:400 contos de réis. São perto.de 2:000 contos de réis de partilha para o Estado. Por isso é que peço ao Sr. relator que não consinta que as contas se façam como até aqui se teem feito. Isto parece intencional!

O Sr. Rodrigues Nogueira (interrompendo): - Intencional, não!

O Orador: - De más intenções está cheio o Inferno!

O Sr. Rodrigues Nogueira (interrompendo): - Pode ser um erro de escrituração...

O Orador: - Ah! Sim, um erro de escrituração! Ainda bem que todos estamos de acordo.

Agora, Sr. Presidente, deixe-me V. Exa. notar mais o seguinte:

Na Caixa Geral de Depositos em França, num anno elevaram-se as reservas a 4:359 e tantos francos para, até leio em francês se ver que é a pura verdade.

(Leu).

Havia um lucro n'aquelle anno de 4:500 contos de réis, que foi levado a fazer face á Caixa Geral de Depositos. Se n'essa occasião se realizasse uma operação que desse prejuizo, resalvava-se com a conta de reserva. Se não houvesse prejuizo, havia decerto um lucro e neste caso tanto melhor, porque o resultado que d'ahi se tirava era consolidar cada vez mais o credito da Caixa.

Eu devo dizer, Sr. Presidente, com toda a sinceridade, este relatorio é grande, é talvez completo, embora haja n'elle disposições que lá não deviam estar e outras não estão lá e deviam lá ser incluidas, mas o que tambem é verdade é que é um documento publico que com certeza a esta hora está sendo traduzido lá fora. Isto mostra que n'este país todos gritam moralidade, mas ninguém se importa com ella. O periodo da pagina 9 dá o mais triste testemunho da maneira como a lei é desrespeitada.

Sr. Presidente:. sobre este ponto tinha ainda muitas considerações a fazer, mas não quero abusar da paciencia da Camara.

Quanto á liquidação, proponho-a completa e radical por forma a não haver encargo no orçamento.

Porque foi que na base 1.ª se eliminou o Monte de Piedade?

O Monte de Piedade nacional foi criado pelas leis que reorganizaram a Caixa Geral de Depositos. A commissão elimina-o.

Quem ler isto parece que a .Caixa Geral de Depositos não quer fazer concorrencia ás casas de prego. E tão attendivel a necessidade de uma pessoa que vae buscar 1 conto de réis com joias ou titulos, empenhando-os na Caixa, como um desgraçado que tem necessidade de mil e quinhentos réis. Quer dizer, o Monte de Piedade, uma instituição admittida em toda a parte, que se reputa indispensavel para vir em auxilio do pobre, de maneira a ser explorado pelas casas do prego, eliminam-no.

Sobre o artigo 2.° nada direi, ha apenas uma falta de uma palavra.

Artigo 1.°, n.° 5.°:

(Leu).

Não posso deixar de dizer que em linguagem economica a palavra, fiduciario tem significação especial, serve para indicar certos valores. Portanto, quando se diz valores fiduciarios, em geral é sabido por toda a gente que se refere a notas. Se é outra cousa que não sejam notas, peço á Camara que me diga de uma maneira clara e terminante, porque isto é um assunto importante para o país e sobre o qual o Parlamento tem discutido differentes vezes e porque é tambem necessario que o país seja esclarecido.

Qual o fim desta palavra fiduciario?

Já vê V. Exa. que eu tive razão na minha reclamação.

Diz o n.° 8.° da base 1.ª:

(Leu).

Isto é um decreto de ditadora e a ditadura ainda não foi approvada pelo Parlamento. É um bill de indemnidade.

Na base 1.ª do artigo 3.°, lê-se o seguinte.

(Leu.)

O artigo 4.° diz:

(Leu).

Artigo 5.°:

(Leu).

Peço tambem a V. Exa. para substituir no § unico do artigo 5.° a palavra "Governo" .pela palavra que se emprega logo no artigo seguinte, que é a palavra "Estado".

Quem garante os depositos da Caixa Geral dos Depositos e garante todas estas operações não é o Governo Português, é o Estado Português, é a Nação Portuguesa.

Umas vezes chama-se Estado, outras Governo. Deve-se dizer Estado.

O artigo 7.° da base 3.ª diz o seguinte:

(Leu).

Ora, francamente, de todos os directores geraes de Ministerios é o director geral da Thesouraria o que tem mais trabalha, e é esse que é escolhido para o conselho da Caixa Geral dos Depositos.

Sr. Presidente: agradeço á Camara a attencão com que me tem ouvido, e ponho ponto nas minhas considerações, porque estou muito fatigado. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Brito Camacho: - Requeiro a contagem.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Estão presentes apenas 47 Srs. Deputados; não ha, portanto, numero para a sessão poder continuar.

A proxima sessão é sexta-feira, é do corrente, á hora regimental.

Está encerrada a sessão.

Eram 6 horas e 20 minutos da tarde.

Documento enviado para a mesa nesta sessão

Representação

De varios estudantes da Universidade de Coimbra, pedindo que seja autorizada uma segunda época de exames, em outubro, aos alumnos de todas as escolas do país.

Apresentada pelo Sr. Deputado João Ulrich e enviada á commissão de instrucção secundaria.

Página 15

SESSÃO N.° 41 DE 4 DE AGOSTO DE 1909 15

Dos serventes da Caixa Geral de Depoitos, pedindo que não seja reduzido o seu quadro, conforme propõe a commissão de fazenda.

Apresentada pelo Sr. Presidente, José Joaquim Mendes Leal, e mandada enviar á commissão de fazenda depois de publicada no "Diario do Governo".

Da Camara Municipal de Cintra, pedindo a approvação do projecto de lei sobre a criação de casinos em Cascaes e em Cintra.

Apresentada pelo Sr. Deputado António Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti e enviada ás commissões de administração publica e de fazenda.

O REDACTOR = Luis de Moraes Carvalho.

Página 16

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×