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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 29 DE FEVEREIRO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

Antonio Eleuterio Dias da Silva

Chamada — Presentes 62 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Affonso Botelho, Garcia de Lima, Vidal, Abilio, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Quaresma, Eleuterio Dias, Brandão, Gouveia Osorio, Mazziotti, Mello Breyner, Pinheiro Osorio, A. de Serpa, Barros da Torre, Garcez, Albuquerque e Amaral, Almeida e Azevedo, Bispo eleito de Macau, Ferreri, Almeida Pessanha, Cesario, Domingos de Barros, Poças Falcão, Fortunato de Mello, Coelho do Amaral, Fernandes Costa, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Gaspar Teixeira, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Mendes de Carvalho, J. A de Sousa, J. J. de Azevedo, Aragão Mascarenhas, J. Coelho de Carvalho, Matos Correia, Mello e Mendonça, Galvão, Alves Chaves, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, D. José de Alarcão, Costa e Silva, Frasão, Sieuve de Menezes, José de Moraes, Oliveira Baptista, Camara Leme, Alves do Rio, Manuel Firmino, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Marianno de Sousa, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, R. Lobo d'Avila, Fernandes Thomás e Simão de Almeida.

Entraram durante a sessão — Os srs. Braamcamp, Ayres de Gouveia, A. B. Ferreira, Carlos da Maia, Correia Caldeira, Gonçalves de Freitas, Ferreira Pontes, Seixas, A. Pinto de Magalhães, Arrobas, Fontes de Mello, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, Pinto de Albuquerque, Lopes Branco, A. V. Peixoto, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão de Santos, Barão do Vallado, Barão do Rio Zezere, Freitas Soares, Abranches, Beirão, Carlos Bento, Cyrillo Machado, Conde da Torre, Fernando de Magalhães, Bivar, Barroso, Borges Fernandes, Gaspar Pereira, Henrique de Castro, Medeiros, Blanc, Silveira da Mota, Gomes de Castro, Mártens Ferrão, João Chrysostomo, J. da Costa Xavier, Nepomuceno de Macedo, Joaquim Cabral, Torres e Almeida, Rodrigues Camara, J. Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, José da Gama, José Guedes, J. M. de Abreu, Alvares da Guerra, Menezes Toste, Batalhós, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, Camara Falcão, Levy Maria Jordão, Freitas Branco, Rocha Peixoto, Pinto de Araujo, Modesto Borges, Monteiro Castello Branco, Charters, Moraes Soares, Thomás Ribeiro, Teixeira Pinto e Visconde de Pindella.

Não compareceram — Os srs. Adriano Pequito, Annibal, Pereira da Cunha, Magalhães Aguiar, David, Palmeirim, Oliveira e Castro, Pinto Coelho, Claudio Nunes, Conde da Azambuja, Cypriano da Costa, Drago, Abranches Homem, Diogo de Sá, Ignacio Lopes, Izidoro Vianna, Gavicho, Bicudo, F. M. da Cunha, Pulido, Chamiço, Cadabal, Pereira de Carvalho e Abreu, Fonseca Coutinho, Sepulveda Teixeira, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Ferreira de Mello, Simas, Neutel, Faria Guimarães, Veiga, Infante Pessanha, Sette, Figueiredo de Faria, Casal Ribeiro, Latino Coelho, Rojão, Silveira e Menezes, Gonçalves Correia, Affonseca, Moura, Alves Guerra, Mendes Leite, Vaz Preto e Vicente de Seiça.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Um officio da camara dos dignos pares, devolvendo, com as alterações ahi feitas, o projecto de lei que auctorisa o governo a promover a cirurgião de divisão da armada o cirurgião de brigada Joaquim Antonio dos Prazeres Batalhós. — Á commissão de marinha.

2.º Do ministerio da fazenda, acompanhando cento e quarenta exemplares do relatorio e seus documentos da gerencia d'este ministerio no anno findo de 1863. — Mandaram-se distribuir.

3.º Do mesmo ministerio, acompanhando as relações, pedidas pelos srs. José Maria de Abreu e Cyrillo Machado, dos empregados do contrato do tabaco, a que se referem os artigos 21.° e 22.° da proposta de lei para a abolição do exclusivo. — Para a secretaria.

4.º Do mesmo ministerio, devolvendo, informado, o requerimento de D. Izabel Fortunata de Magalhães Casqueiro de Sampaio, e o projecto de lei do sr. Frederico de Mello, relativo ao mesmo requerimento. — Á commissão de fazenda.

5.º Do ministerio da guerra, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. Sieuve de Menezes, relativos á padaria militar. — Para a secretaria.

6.º Do ministerio das obras publicas, devolvendo, informada, uma representação da camara municipal de Castro Daire, sobre viação publica. — Á commissão de obras publicas.

7.º Uma representação da camara municipal de Celorico de Basto, pedindo que se discuta e approve o projecto para a liberdade do commercio dos vinhos. — Á commissão dos vinhos, e mandada publicar no Diario de Lisboa.

8.º Da camara municipal, no mesmo sentido que a antecedente. — Teve igual destino.

9.º De alguns officiaes do exercito, convencionado em Evora Monte, pedindo que se melhore a sua situação. — Á commissão de guerra.

10.° De dois ex-furrieis do exercito, que serviram na junta do Porto, pedindo que se lhes concedam as mesmas vantagens que foram concedidas aos primeiros sargentos que serviram a mesma junta. — Á mesma commissão.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTO

Requeiro que seja com urgencia remettido a esta camara o relatorio do inquerito mandado fazer á companhia união mercantil. = A. O. Osorio.

Foi remettido ao governo.

NOTA DE INTERPELLAÇÃO

Requeremos ser inscriptos para tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. deputado Sá Nogueira, relativa ao transporte de africanos de Angola para a ilha de S. Thomé. = Levy Maria Jordão = Bernardo Francisco de Abranches.

Mandou-se fazer a communicação respectiva.

SEGUNDAS LEITURAS

PROPOSTA DE LEI N.º 28-B

Senhores. — Não tendo sido comprehendidos os cirurgiões da armada na disposição consignada no artigo 1.° da carta de lei de 10 de setembro de 1861, que manda abonar aos officiaes da mesma armada o respectivo soldo pelas tarifas de 1814 e 1835; sendo certo que os referidos cirurgiões são na actualidade os unicos empregados de marinha que, tendo graduação de officiaes e estando promptos para todo o serviço, são, nas correspondentes circumstancias, abonados pela tarifa de 1790, tarifa desigual como fica indicado, e desproporcionada como é evidente; devendo portanto acabar uma excepção, que por nenhum modo convem ao publico serviço, tenho a honra de apresentar-vos a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É extensiva aos cirurgiões do quadro effectivo da armada, quando desempregados, a disposição do artigo 1.º da carta de lei de 10 de setembro de 1861, na parte respectiva á tarifa dos soldos dos officiaes da mesma armada. Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 27 de fevereiro de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

Foi enviada á commissão de marinha ouvida a de fazenda.

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PROPOSTA DE LEI N.° 28-C

Senhores. — A carta de lei de 7 de julho de 1862 extinguiu no districto administrativo de Goa os mandados de casamento, cujo producto devia ser applicado para a edificação da torre da sé cathedral. Como era do seu dever, o governo cuidou logo em dar execução a esta lei.

Ulteriores e graves informações, de origem e procedencia diversa, vieram mostrar cabalmente que em verdade não existia, nem existiu nunca, imposto sobre estes mandados com o indicado fim.

São com effeito os referidos mandados disposição de disciplina ecclesiastica, segundo se vê nos mais authenticos documentos, não generica, mas restricta a casos especialissimos, e data de tempos muito anteriores a 1745, isto é, trinta e um annos antes que a torre da sé desabasse, o que só teve logar a 25 de julho de 1776. Acresce acharem-se confirmados e auctorisados pela carta de lei de 30 de abril de 1850, tendo o seu producto applicação a mui diversos destinos, e não apparecer nenhuma determinação legal que lhes attribua o supposto fim, base evidente da citada lei de 7 de julho de 1862.

Isto posto, falta manifestamente objecto sobre que a mesma lei recaia, visto não ter sido do seu intuito abolir os mandados de casamento como elles na verdade existem e para o que existem, mas sómente aquelles que se julgava acharem-se no caso positivamente expresso na respectiva disposição, o que bem se deprehende, assim da phrase restrictiva que na dita disposição se emprega, como da limitada area de territorio, á qual circunscreve os seus effeitos.

Em taes circumstancias o governo entendendo que, apesar da impossibilidade demonstrada de execução, não cabe na sua alçada derogar o que uma lei estatuíra, acatando o principio salutar da divisão dos poderes, vem propor-vos a revogação da designada lei de 7 de julho de 1862 por falta de objecto correspondente e de mais base do que uma tradição inexacta.

Como porém se reconheça que essa tradição pôde ter-se originado em abusos furtivamente introduzidos como regra, exigindo-se geralmente os mandados de casamento que, só como excepção e em casos especiaes como dito fica, foram determinados pelas constituições diocesanas, o mesmo governo, de accordo com a competente auctoridade ecclesiastica, vae prover no uso das suas attribuições ao modo efficaz de obstar a que tal excepção usurpe o logar da regra com vexame para os povos.

Conseguintemente, senhores, tenho a honra de apresentar á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° E declarada sem effeito a carta de lei de 7 de julho de 1862, que extinguia no districto administrativo de Goa os mandados de casamento, cujo producto era applicado para a reedificação da torre da sé cathedral.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 27 de fevereiro de 1864. = José da Silva Mendes Leal.

Foi enviado á commissão do ultramar.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Chegou finalmente a epocha em que o caminho de ferro contratado até Beja foi entregue á circulação.

A locomotiva, que já percorre as planicies do Alemtejo, é forçoso que transponha as serras que separam esta provincia da do Algarve, a não se querer segregar do resto do paiz uma das suas regiões mais ferteis pelo seu clima e pelo seu sólo.

Não se póde conceber que um caminho de ferro tenha por um dos seus limites uma cidade certaneja, quando mais para diante ha ainda uma provincia inteira que, coberta de povoação e rica de productos, é sem duvida o termo natural da linha de Beja, e que lutando com contrariedades que lhe resultam da absoluta privação de communicações regulares com o Alemtejo, e com difficuldades oriundas do pouco desenvolvimento que tem tido a sua viação ordinaria interior, revela, pela sua prosperidade, o elemento da vida que em si contém.

As discussões parlamentares que precederam a lei que decretou a construcção do caminho de ferro do Barreiro a Vendas Novas, e a que depois approvou a sua continuação para Evora e Beja, bem mostram que o pensamento dos corpos legislativos de differentes epochas foi, que mais tarde se levasse ao Algarve o benefico influxo da viação accelerada. Felizmente já se pôde dizer que parte da obra está feita, agora é mister conclui-la toda, completando assim os patrioticos intuitos de precedentes legislaturas; porque se este caminho de ferro não apresenta facilidade de construcção em consequencia do accidentado e montanhoso terreno que separa o Alemtejo do litoral do Algarve, todavia não offerece embaraços de ordem tal, que só se vençam á custa de quantiosos sacrificios; emquanto que as circumstancias economicas do paiz que o mesmo caminho tem de percorrer promettem-lhe o mais auspicioso futuro.

Alem de Beja, na direcção do Algarve, ha ainda grandes planicies era que a Construcção é facilima; no fim d'ellas encontrar se a serra, que parece, á primeira vista, de custoso accesso; mas se levarmos a via ferrea pelos valles que, a partir de S. Martinho das Amoreiras, acompanham a serra do Caldeirão até Côrte Brigue; e d'ahi na direcção de Santa Clara de Saboya, Valle da Mata e S. Bartholomeu de Messines, reconheceremos que as difficuldades desapparecem; e admittindo-se curvas de menor raio e inclinação, como em casos identicos têem sido adoptadas nos caminhos de ferro da Suissa e em alguns de Italia e Allemanha sem necessidade de obras gigantescas, se penetrará no litoral do Algarve, aonde reapparece um terreno quasi tão livre de obstaculos naturaes como o que se encontra ao norte da serra.

Tanto esta como as faldas dos montes que a compõem formam uma riquissima região metallurgica. As innumeras denuncias de que estão cheios os livros das camaras dos concelhos proximos a estas cordilheiras, e as opiniões dos nossos engenheiros de minas corroboram a nossa asserção. Alguns jazigos se não estão em lavra activa para lá se encaminham, e se outros nem trabalhados têem sido é isto devido á falta de capitães, e sobretudo á difficuldade de meios de transporte. Assim que o caminho de ferro seja construido, o maior obstaculo desapparecerá, os capitães virão, e grandes riquezas que hoje a terra ainda esconde serão postas a descoberto, influindo para a prosperidade da industria mineria em especial, e do paiz em geral.

Transposta a serra apparece o litoral do Algarve, onde uma densa população exerce a sua actividade sobre um sólo tão fertil que, apesar da guerra civil por causa da ultima questão se haver ali prolongado por mais tempo do que em qualquer parte do reino, apesar do juro do dinheiro ser ali de 20 a 25 por cento, a riqueza publica tem crescido espantosamente, e attingirá o grau de desenvolvimento de que é susceptivel quando o civilisador silvo da locomotiva se fizer ouvir n'aquellas regiões.

Na sessão legislativa do anno findo, por occasião de se discutir na camara dos dignos pares do reino o contrato provisorio de 15 de maio de 1862, mr. Machensie, capitalista inglez, apresentou uma proposta, cuja seriedade abonou com um deposito de 20:000 libras, em que comprehendia a construcção do caminho de ferro de Beja a um ponto na costa do Algarve, passando por S. Bartholomeu de Messines, e offerecia-se para fazer esta obra por 16:000$000 réis por kilometro. Esta proposta não vingou pelos motivos que vós todos conheceis, mas o argumento que d'ella se deduz nem por isso é menos forte, e patenteia-se a todas as luzes.

Depois de tudo isto, a opinião dos que julgam o caminho de ferro para o Algarve apenas uma generosa aspiração já não tem rasão de ser.

O alvitre de continuar o caminho de Beja até um ponto nas margens do Guadiana, e pô-lo em communicação com o Algarve por meio de barcos a vapor, é inaceitavel por contrariar os legitimos interesses de uma provincia, que tem de certo a receber no seu seio um dos mais poderosos instrumentos da civilisação moderna.

Havendo, como ha, um ponto obrigado para o caminho de ferro, que é S. Bartholomeu de Messines, resta determinar até onde elle deverá ir no Algarve.

Elle tem de ser levado a uma terra importante pelo seu commercio, pelo seu porto de mar, e que alem d'isso esteja proximo do ponto forçado do mesmo caminho.

Com estes predicados, que são indispensaveis, nenhuma terra ha na provincia que esteja nas condições de Villa Nova de Portimão. Esta villa dista apenas 15 kilometros de S. Bartholomeu de Messines, e é o emporio do commercio dos principaes productos do Algarve; e assim que as obras decretadas pela lei de 7 de julho de 1862 estejam concluidas, o seu porto será um dos melhores do reino; é o mais proximo dos concelhos de Lagos, Monchique, Aljezur e Villa do Bispo, e o caminho de ferro para lá chegar tem de atravessar os não menos populosos e riquissimos concelhos de Silves e Lagos.

Mas Faro, capital do districto, importante pela sua riqueza, pelo seu commercio, pela sua população e pelos seus estabelecimentos de instrucção publica, ligada já hoje por uma viação ordinaria e regular com os concelhos de Sotavento do Algarve, não pôde ser desattendida em tão importante quanto civilisador melhoramento, e tem direito a inspirar se dos progressos do seculo, partilhando dos salutares effeitos que a locomotiva jamais deixa de produzir.

É pois claro, pelas rasões postas, que o caminho de ferro bifurcando em S. Bartholomeu de Messines para Villa Nova de Portimão e Faro, satisfaz, quanto possivel, aos legitimos interesses de uma das mais ricas provincias do reino.

Finalmente passaremos a calcular qual a despeza provavel com a obra, objecto da nossa proposta. Comquanto faltem estudos officiaes para sobre elles basearmos os nossos calculos, temos comtudo dados em que nos podemos firmar.

A proposta Machensie aceitava 16:000$000 réis por kilometro, sendo o caminho por uma só via, e tolerando-se, em casos excepcionaes, condições de arte das menos rigorosas. Verdade é que esta proposta não se limitava ao caminho para o Algarve, e comprehendia outras obras; porém como todas eram das geralmente reputadas de grande custo, o preço kilometrico referido deve-se ter como resultado do orçamento da mesma obra, separada de quaesquer outras.

Alem d'isto, pelo contrato approvado pela lei de 29 de maio de 1860, a subvenção concedida ás linhas de sul e sueste foi tambem de 16:000$000 réis por kilometro; ellas foram construidas para uma só via, mas com expropriações e obras de arte para o assentamento da segunda via, que mais tarde se realisará, e as outras condições de arte são das mais rigorosas. O caminho que continuar para o Algarve basta que tenha uma só via sem expropriações e obras de arte para a segunda, podendo-se admittir em alguns casos indispensaveis curvas de menor raio, e inclinações de maior percentagem, toleradas no estudo actual da sciencia de construcção dos caminhos de ferro. Portanto, sem receio de errar, póde-se affirmar que o preço de 16:000$000 réis por kilometro é uma rasoavel subvenção.

Segundo o memorandum que acompanhava a proposta Machensie pelos estudos que a precederam de Beja até ao ponto da costa do Algarve, aonde o proponente pretendia levar o caminho, e este ponto não pôde ser outro senão Villa Nova de Portimão, ha uma distancia de 125 kilometros; e como do ponto de entroncamento até Faro não haverá mais de 40 kilometros, resulta que a via ferrea para

o Algarve não pôde exceder a 165 kilometros, e dando-se-lhe a subvenção referida não custará alem de 2.640:000$000 réis, ou um encargo annual de 184:800$000 réis, calculado o juro do dinheiro a 7 por centos; sendo todavia este encargo poderosamente attenuado com as avultadas despezas em que importariam as estradas decretadas pela lei de 15 de julho de 1862, de Faro a Beja, de Portimão a Silves e de Silves a S. Bartholomeu de Messines, que por este modo se dispensam. N'estes termos temos a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Será construido um caminho de ferro de Beja para o Algarve, bifurcando em S. Bartholomeu de Messines por Villa Nova de Portimão e Faro.

Art. 2.° Este caminho terá uma só via, com a largura entre os carris igual á do caminho de ferro de Vendas Novas a Beja, e com obras de arte e vias de resguardo tambem por uma só via, admittindo-se era casos excepcionaes curvas de menor raio e inclinações que, em identicas circumstancias, têem sido adoptadas nos caminhos de ferro em Italia, Allemanha e Suissa.

Art. 3.° A construcção d'este caminho de ferro será contratada pelo governo com qualquer empreza que dê seguras garantias de o levar a effeito, ficando comtudo o contrato dependente da approvação legislativa.

Art. 4.° Se, pelo meio estabelecido no artigo 1.° antecedente, não poder effectuar-se o caminho de ferro para o Algarve, o governo, assim que os estudos e orçamentos estiverem definitivamente approvados, mandará proceder á construcção do mesmo caminho por conta do estado.

Art. 5.° O governo mandará fazer immediatamente os estudos de que carecer por causa d'este caminho de ferro, ficando auctorisado a despender com elles as sommas necessarias que excederem a verba para estudos votada na lei do orçamento.

Art. 6.° É o governo auctorisado a fazer crear pela junta do credito publico os titulos de divida interna e externa, que forem necessarios para o pagamento dos encargos resultantes do contrato, nos termos do artigo 2.°, ou para satisfação de despezas de construcção, quando o caminho seja feito pelo, modo indicado no artigo 4.°

§ 1.° Á proporção que forem emittidos os titulos, o governo dotará a junta do credito publico com as consignações correspondentes aos seus juros.

§ 2.° O governo realisará, pelos meios que julgar mais convenientes, as sommas necessarias para a applicação determinada n'este artigo, comtanto que o encargo annual das operações não exceda a ½ por cento sobre o juro real que corresponder aos titulos, segundo o preço que tiverem no mercado, nas epochas em que as mesmas operações forem effectuadas.

Art. 7.° O governo dará conta ás côrtes, na proxima sessão legislativa, do uso que fizer das auctorisações que por esta lei lhe são concedidas.

Art. 8.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 27 de fevereiro de 1864. =. F. de Almeida Coelho de Bivar = Joaquim José Coelho de Carvalho = Joaquim Mendes Neutel,

Foi admittido, e enviado ás commissões de obras publicas e de fazenda,

O sr. J. A. de Sousa: — Mando para a mesa uma representação de varios negociantes e proprietarios de navios de Villa Nova de Portimão, pedindo a interpretação do artigo 2.° da carta de lei de 7 de janeiro de 1862 que creou um imposto especial com applicação ao melhoramento da barra de Villa Nova de Portimão e ria de Silves.

O artigo 2.° d'esta lei auctorisou a percepção de varios impostos, e entre elles o de 40 réis por cada metro cubico de navios que entrarem e saírem n'aquelle porto. Ora a alfandega d'esta villa tem arrecadado o imposto dos barcos de cabotagem que não estão incluidos n'esta lei, mas os signatarios d'esta representação, não se queixam muito d'isso, do que se queixam é da violencia que lhes fazem, isto é, de saírem dez, vinte e trinta vezes no anno, e pedirem-lhe sempre os 40 réis na saída e o mesmo na entrada, de maneira que estão constantemente a pagar, quando a lei não falla nos barcos de cabotagem, e só dos navios que frequentarem aquelle porto.

Querem os mesmos proprietarios dos navios que a tonelagem seja só uma, e que se pague a entrada e saída uma só vez por anno, porque acontece que os navios que entram tres e quatro vezes no anno e alguns doze, como acontece ao vapor da carreira do Algarve que tem d'ali ir doze vezes forçadas no anno, e paga nada menos do que a importante quantia de 8$560 réis pela entrada e outro tanto pela saída, o que faz a quantia de 17$120 réis, que no fim do anno são 205$440 réis, e isto não pôde ser.

Ora o artigo 6.° d'esta lei diz = que o governo fica auctorisado a confeccionar o regulamento, para interpretar esta lei =. Vae em quasi dois annos que ella está publicada, e ainda o governo não apresentou este regulamento, não obstante as reiteradas representações da alfandega d'aquella villa, e tambem já por duas ou tres vezes o sr. Bivar ter pedido instantemente ao governo que resolva as representações, no sentido de mandar publicar esse regulamento, que é de absoluta necessidade, porque sem elle a alfandega vae cobrando um imposto que a lei lhe não marca, porque a lei não pôde querer que se vá cobrar um imposto que não está marcado na tabella annexa a essa lei, que é só para os navios, e não para os barcos de cabotagem.

O sr. ministro da fazenda não está presente, mas como hão de vir publicadas no Diario de Lisboa estas minhas observações, espero, que s. ex.ª mande publicar esse regulamento em ordem de acabar estes transtornos, que não se podem tolerar.

Por esta occasião permitta-se-me dizer que vi em uma das sessões passadas o meu illustre amigo, o sr. Silveira da

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Mota, apresentar um projecto de lei para levar o caminho de ferro á minha provincia.

Filho do Algarve agradeço a s. ex.ª a idéa que presidiu á confecção e apresentação desse projecto n'esta casa, e desde já declaro a s. ex.ª que faço votos para que elle seja convertido em lei do estado, para que o Algarve tambem tenha esse grande melhoramento (apoiados).

Tambem vi que o sr. Bivar e o sr. Coelho de Carvalho tencionavam apresentar um outro projecto de lei, e não sei se os srs. barão do rio Zezere e Neutel tambem tencionam apresentar algum no mesmo sentido; o que digo a s. ex.ª é que estimo muito isso, e aceito tudo quanto sejam melhoramentos para a minha provincia, porque a provincia do Algarve anda sempre na vanguarda de todas as nossas provincias no pagamento dos impostos, tanto de dinheiro como de sangue, e de certo não deve ella ser excluida de um tão grande melhoramento; e tanto mais, porque entendo que o caminho de ferro de Beja não significa nada, sempre que se não ligue com a minha provincia, porque é muito rica em productos.

Sr. presidente, apesar de acompanhar a ss. ex.ª n'esta vontade de levar ao Algarve este grande melhoramento de civilisação, comtudo permittam-me ss. ex.ª que eu primeiro que tudo pugne por estradas (apoiados).

A minha provincia não tem estradas, tem apenas feitos uns 80 kilometros da estrada que vae de Villa Real de Santo Antonio até Boloqueime ou por ahi proximo. Esta desgraçada estrada do litoral, sabe a camara quanto se tem gasto na que está construida? 334:009$137 réis, quer dizer, 4:176$000 réis por kilometro! E ainda mais: na estrada de Faro a Loulé, que são apenas 13 kilometros, gastaram se 111:051$992 réis e 449$000 réis de donativos, que perfazem a enorme somma de 112:001$052 réis! Isto parece incrivel, mas é um facto. Eu confio muito no habil engenheiro que preside ás obras publicas do meu paiz, e estou certo que ha de olhar com attenção para a maneira como se têem administrado as obras publicas na minha provincia, porque não creio que com 334:009$137 réis se não tivesse feito ao menos a estrada do litoral.

Parece impossivel que ella se não fizesse com esta somma; eu, sr. presidente, fiz no concelho de Belem com réis 60:000$000 120 kilometros de estrada, incluindo obras de arte, que são muito importantes, e posso afiançar que não houve kilometro d'esta estrada que custasse mais de 800$000 a 1:000$000 réis.

Ora a estrada do litoral não seguiu a directriz que devia, porque devendo partir de Tavira por Santa Catharina, S. Braz de Alportel a Loulé a entroncar com Boliqueime, cortando assim estas povoações muito populosas, estava tudo communicado com o Barlavento, e não se fez com grave prejuizo dos povos de Loulé.

O sr. Coelho de Carvalho: — Peço a palavra. O Orador: — O illustre deputado não pôde negar o que acabo de dizer; porque a verdade é que os habitantes de Loulé, querendo ir para Barlavento, têem de andar para traz 7 kilometros para irem a essa estrada, ficando a villa de Loulé completamente isolada, sendo aliás uma villa das mais importantes do Algarve, que tem mercado semanal, que equivale a uma feira, e aonde se vão abastecer todos aquelles povos circumvizinhos, que não têem estrada para lá poderem ir ou hão de dar uma grande volta. Demais, se esta estrada tivesse levado a directriz que apontei, ter-se-iam poupado 15 kilometros que não se pouparam, por que faz uma grande volta.

Por consequencia digo eu que me associo a tudo quanto sejam melhoramentos para a minha provincia, e agradeço aos meus patricios a parte que n'elles têem tomado e que não podiam deixar de tomar.

Entretanto permittam-me ss. ex.ª que lhe diga, que deixaram passar uma occasião bem opportuna (quando se discutiu o caminho de ferro de Beja) de pugnarem para este grande melhoramento para os habitantes do Algarve (aliás tão desconsiderados), e digo isto sem querer por fórma alguma offender os illustres deputados, que nesta casa têem representado aquella provincia; mas permitta-se que eu diga que foi preciso que um cavalheiro, não filho do Algarve, apresentasse esse projecto, e foi tambem necessaria essa apresentação para que os srs. deputados do Barlavento declarassem ter um projecto igual ao do meu illustre amigo, para levar esse grande melhoramento á nossa provincia!

Eu não sou da opinião do sr. Bivar, quando appellou para os illustres deputados do Alemtejo; porque, comquanto reconheça que é muito valioso o concurso de ss. ex.ªs, eu appellarei antes para toda a camara, que não ha de querer que a minha provincia fique isolada d'esse melhoramento de civilisação (muitos apoiados).

Sinto que não esteja presente o sr. ministro da marinha, porque desejava chamar a sua attenção para o modo como se tem executado a lei de 5 de julho de 1854, que permitte que os nossos aspirantes a guarda marinhas vão adquirir instrucções na esquadra ingleza. O artigo 1.º diz o seguinte (leu).

Ora a lei o que quer no artigo 1.° é que te dêem estas gratificações aos aspirantes a guardas marinhas, que tivessem as habilitações das nossas escolas, mas não acontece assim, porque têem ido para a esquadra ingleza alumnos que não têem senão a praça na companhia de guardas marinhas, mas que não têem habilitações nenhumas das nossas escolas. O artigo 2.° diz o seguinte (leu).

Ora os aspirantes a guardas marinhas, que vão para Inglaterra e que não têem as habilitações das nossas escolas, vão ali estar tres annos, e vem com a carta passada pelo capitão da nação onde fizeram esses estudos praticos, sendo despachados segundos tenentes com prejuizo manifesto dos alumnos que estudaram nas nossas escolas sete annos, e depois tres de embarque quasi sempre na Africa occidental ou oriental ou na India; mas apesar d'isso os alumnos que vem da esquadra ingleza, e que não têem habilitação nenhuma das nossas escolas, vão-lhes logo passar á direita.

Entretanto o artigo 2.° não se cumpre, porque determina expressamente que os nossos guardas marinhas estão sujeitos a todos os quesitos a que estão sujeitos os guardas marinhas d'essas nações para serem promovidos a tenentes de marinha, e o artigo 8.° do regulamento inglez diz (leu).

Ora os aspirantes de marinha ingleza têem instrucção durante cinco annos e meio no navio-escola; se as cursaram com distincção em tres annos successivos, são classificados segundos tenentes, dando-se-lhes de premio os tres annos que deviam ter de embarque para serem tenentes; se não são distinctos vão ter sete annos de embarque, e depois é que são classificados segundos tenentes.

Pelo contrario com os nossos estudantes não acontece isto, e n'este caso o melhor é acabar com a escola naval, já que não serve para habilitar os estudantes, e permitta se a todos, que quizerem, ir estudar praticamente na esquadra ingleza.

Chamo sobre isto a attenção do sr. ministro da marinha, e estou persuadido que s. ex.ª n'esta sessão ha de apresentar alguma medida, a fim de acabar com este abuso, porque effectivamente a lei não quer senão premiar aquelles que sabem; mas acontece o contrario, são premiados aquelles que não sabem, mas que são protegidos da fortuna.

Mando tambem para a mesa uma representação de vinte pensionistas do estado, que foram lesadas por decreto de 20 de agosto de 1843, que lhes reduziu as pensões a metade.

Quando vier o parecer da commissão direi mais alguma cousa sobre este pedido, que me parece justo, porque estas pensionistas são todas mulheres, filhas e irmãs de homens que prestaram grandes serviços á patria, alguns dos quaes até morreram no campo da batalha.

Concluo mandando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo (leu).

O sr. Abilio da Costa: — Declaro que desde o dia 23 não pude voltar á camara por incommodos de saude, que só hoje me permittiram saír de casa.

Vou tambem agora fazer a declaração do voto que emitti na sessão de 23, e que não consta do Diario; declaração que não pude então fazer no fim da sessão, como era meu desejo, pela agitação em que se achava a camara.

Declaro que na referida sessão de 23 votei pela nomeação de uma commissão de inquerito para conhecer dos factos, que precederam e acompanharam as eleições municipaes do districto de Villa Real, dos quaes podesse caber responsabilidade ao governo; e declaro tambem que, rejeitando a proposta do sr. deputado Mártens Ferrão, não aceitei a doutrina das suspeições politicas.

Quiz fazer esta declaração no dia 23, só com o fim de explicar o meu voto, sua extensão e significação. Hoje faço-a tambem, com o fim de mostrar a inexactidão da asserção dos que affirmam que, quem rejeitou a moção do sr. Mártens Ferrão, aceitou a doutrina das suspeições politicas.

Sr. presidente, para avaliar bem a Votação que n'aquelle dia recaíu sobre a moção do sr. Ferrão, é preciso definir a proposta e attender á sua significação, e considerar quando e depois de que foi submettida á votação.

Sr. presidente, a proposta do sr. Ferrão era um pedido á camara do seu juizo sobre certos e determinados factos que acompanharam as eleições de Villa Real, e foi submettida á votação, e, note-se bem, depois que a camara unanimemente e o mesmo sr. Ferrão se pronunciou pela nomeação de uma commissão de inquerito, que conhecesse de todos os factos, sem excepção, note a camara, praticados por occasião das eleições de Villa Real, de que coubesse responsabilidade ao governo.

Uma de duas, ou os factos sobre que se pedia o juizo da camara eram da competencia dos tribunaes, ou não eram. Se o eram, a camara, emittindo um juizo qualquer sobre a moção do Sr. Ferrão, ou exerceria uma certa pressão sobre os julgadores e preveniria as suas decisões; ou os julgadores, desprezando o juizo da camara, tomavam uma decisão contraria, e a camara passaria então por um grande desaire.

E se os factos não eram da competencia dos tribunaes, tinham de ser examinados pela commissão de inquerito; e qualquer juizo que a camara emittisse sobre elles, ou preveniria o parecer da commissão, que se não cansaria muito em indagar as circumstancias que os acompanharam, nem se daria ao trabalho de colher informações de pessoas desinteressadas e desapaixonadas, para bem poder apreciar todos os factos conjuncta e separadamente; ou, o que é mais natural, ninguem se prestaria a fazer parte da commissão, que seria havida como prejudicada pelo antecipado juizo da camara, e em ambos os casos a camara não lograria apurar a verdade, como era sua vontade.

E queriam que a camara em tal conjunctura emittisse o seu juizo? Não podia, não devia ser.

A camara que assim procedesse faltaria ao respeito devido aos tribunaes e ás corporações e aos principios; commetteria uma indiscrição, difficultando a averiguação da verdade; e finalmente poderia com rasão ser accusada de invadir ás attribuições do poder judicial, e de offender o principio constitucional da divisão dos poderes.

Sr. presidente, a commissão, nomeada depois da camara ter proferido um juizo qualquer, tinha direito de perguntar á camara: «Para que nos vindes pedir o nosso parecer sobre um assumpto, que já julgastes e decidistes? Pois isto é serio? Não podemos aceitar a commissão, porque não sabemos faltar aos deveres que impõe a dignidade própria».

A camara não devia pois proferir um juizo sobre este assumpto; qualquer resposta que n'esta occasião desse á pergunta, que lhe fazia o sr. Mártens Ferrão, seria inopportuna e impediria o conhecimento da verdade. Foi assim que comprehendi a votação, rejeitando a proposta do sr. Mártens Ferrão por inopportuna. Quando votei, quiz dizer — eu não posso responder ao sr. Mártens Ferrão que sim nem que não. Quando a camara tiver ouvido a commissão de inquerito, então responderei. Quando eu disse rejeito, foi porque o regimento me obrigava a responder, e não me permittia outra formula mais acommodada ao meu pensamento. Havia de approvar ou rejeitar.

Tambem se tem dito, sr. presidente, que quem rejeitou a moção do sr. Mártens Ferrão aceitou o contrario, quer dizer, as suspeições politicas. Não considero tal asserção exacta. De se rejeitar uma cousa, não se segue que se aceite a contraria; até se pôde rejeitar duas cousas contrarias, sem aceitar nenhuma d'ellas.

Poucas vezes procedem os argumentos á contrario senso; e eu, rejeitando a proposta do sr. Mártens Ferrão como inopportuna e prejudicial n'aquella occasião á indagação da verdade, não aceitei nem aceitarei a doutrina das suspeições politicas.

Diz se ainda que quem rejeitou a moção do sr. Mártens Ferrão rejeitou tambem a doutrina da liberdade politica, que apparece nos considerandos. Não acho tambem exacta tal asserção. Uma cousa é a moção, outra os considerandos. As moções e propostas votam se; os considerandos e os relatorios não se votam. Uma cousa é a these ou principio, outra cousa é a sua applicação e a hypothese. As doutrinas e principios raras vezes se discutem nos parlamentos, que não são academias para sustentar theses. O que se discute é o modo e a opportunidade de applicar e modificar a doutrina, segundo os casos, hypotheses e circumstancias.

Peço a um e outro lado da camara que não consinta n'esta confusão de moções e considerandos. Se tal confusão prevalecesse, as consequencias seriam funestas e desairosas para todos; porque seriamos levados muitas vezes a approvar absurdos ridículos, e a rejeitar verdades incontestaveis. Na mesma sessão de 23 a minoria da camara poderia então ser accusada de ter rejeitado o principio da divisão dos poderes, quando eu tenho a profunda convicção de que nenhum dos cavalheiros da opposição, aos quaes eu tributo o maior respeito e consideração, têem intenção de rejeitar o principio da divisão dos poderes, rejeitando a moção do sr. José Luciano de Castro.

Não levo mais longe as minhas explicações para não cansar a camara, e porque não quero passar por indocil ás advertencias do sr. presidente; julgo porém que disse o sufficiente para demonstrar á camara que, rejeitando a proposta do sr. Mártens Ferrão, não rejeitei o principio da liberdade politica, nem aceitei a doutrina das suspeições politicas— principio e doutrina que não estiveram em discussão.

O sr. Castro Ferreri: — N'uma das sessões passadas mandei para a mesa um requerimento, para se consultar a camara sobre se queria que entrasse em discussão o projecto sobre os arrozaes depois de discutidos os projectos da reforma militar, e da extincção do monopolio do tabaco, mas V. ex.ª entendeu que não o devia pôr á votação. Eu não pedi, requeri, e todos os requerimentos devem ser submettidos á discussão da assembléa (apoiados).

Peço pois, hoje a v. ex.ª que ponha o meu requerimento á votação.

O sr. Presidente: — Já disse ao illustre deputado que não ponho o seu requerimento á votação, porque pertence exclusivamente á mesa o designar para ordem do dia os differentes projectos que estão na mesa.

O Orador: — Eu sei respeitar as attribuições da mesa, mas é necessario que a mesa não usurpe as minhas attribuições. Eu fiz um requerimento, quero que elle seja submettido á votação da camara.

O sr. Presidente: — Ha de ter segunda leitura.

O sr. Mello Breyner: — Mando para a mesa um projecto de lei para regular um serviço no exercito, que me parece se não acha em boas condições — diz elle respeito ao estabelecimento e abono de uma somma para se proverem de Cavallo de pessoa os officiaes superiores dos corpos arregimentados, a que a lei obriga fazerem o serviço a cavallo.

Sr. presidente, V. ex.ª sabe que aos majores e ajudantes se abona a quantia de 40$000 réis para compra de cavallo, que lhe deve durar oito annos; ora com similhante quantia não é possivel na actualidade obter-se nenhum com as qualidades requeridas, e por isso succederá talvez acharem-se alguns d'estes officiaes apeados, não podendo a auctoridade ser rigorosa na fiscalisação d'aquelle ramo de serviço, pela importancia abonada não ser sufficiente para aquella compra. Não havendo rasão para os coroneis e tenentes coroneis deixarem de ter igual abono, para elles o proponho no projecto (leu.)

Tendo a palavra, permitta-me v. ex.ª que envie para a mesa trinta e seis requerimentos de individuos que se intitulam empregados telegraphicos, e que peço á illustre commissão de fazenda os attenda na melhoria de vencimento que pedem; não sabendo se estes individuos pertencem ao corpo telegraphico, ou a elle são addidos, pediria que o beneficio que fosse concedido aos requerentes se estendesse ás praças do referido corpo.

O sr. Vidal: — Tenho a honra de mandar para a mesa um requerimento, a fim de que o governo, pela secretaria dos negocios da guerra, remetta a esta camara, com a maior brevidade e com a respectiva informação, o requerimento do coronel do regimento de voluntarios da rainha, barão de Grimancellos, que em 1861 requereu ás côrtes a reforma no posto de brigadeiro.

Este benemerito cidadão, cujos relevantes serviços prestados em prol das liberdades patrias, desde 1828 até á convenção de Evora Monte, podem ser attestados por toda esta

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Camara (apoiados), é uma das mais venerandas reliquias do exercito libertador, a que todos nós devemos a patria e liberdade (apoiados); e sem o qual de certo não teriamos a honra de assentar-nos n'estas cadeiras (apoiados).

É preciso que não fiquem no esquecimento e sem retribuição condigna tão assignalados serviços (apoiados).

Pela minha parte hei de pugnar sempre, para que se conceda a maxima consideração aos bravos patriotas, que arriscaram a sua vida em cem batalhas, no memoravel cerco da invicta cidade do Porto e na decisiva batalha da Asseiceira, onde os voluntarios da rainha se portaram com um denodo heroico (apoiados); sendo seu digno commandante por essa occasião condecorado com a commenda de Christo; havendo já sido condecorado com a medalha da antiga o muito nobre ordem da Torre e Espada, por occasião de ser ferido gravemente no alto do Covello em 1832.

V. ex.ª, sr. presidente, e toda esta camara me acompanham n'este proposito firme, e no justissimo empenho do que sejam reconhecidos e galardoados os prestantissimos serviços d'este benemerito cidadão patriota (apoiados).

Visto haver-me cabido a palavra, e não esperando tão cedo tornar a caber-me, aproveitarei esta occasião para chamar a attenção de s. ex.ª, o sr. ministro das obras publicas, que sinto não ver presente, sobre dois pontos de interesse publico, principalmente do circulo que tenho a honra de representar.

O primeiro, diz respeito ao estudo da estrada municipal de Anadia para S. Lourenço de Bairro, para cuja construcção já se concedeu a auctorisação legal para um emprestimo.

E de toda a urgencia, que o governo mande proceder pelos seus engenheiros ao estudo d'esta estrada; é o que a camara municipal do concelho de Anadia pede, e o que eu tenho a honra de recommendar á solicitude de s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas do commercio e industria.

O segundo, refere-se ao pedido da camara municipal do concelho da Mealhada, que requereu ao governo, para que este mande proceder quanto antes á construcção do primeiro e pequeno lanço da estrada da Mealhada á Figueira, desde a povoação até á estação do caminho de ferro na dita Mealhada.

Esta estrada, sobre cuja utilidade já tive a honra de chamar a attenção d'esta camara e do sr. ministro, sendo auxiliado e apoiado por todos os meus collegas, deputados pelos districtos de Aveiro, Coimbra e Vizeu, é da maior conveniencia para a communicação dos povos dos ditos districtos, e sobretudo para o commercio dos vinhos dos paizes viticolas da Bairrada e da Beira (apoiados).

Mas o pequeno lanço, cuja construcção a camara municipal da Mealhada pede ao governo com a maior instancia e o mais promptamente que seja possivel, é de todos os lanços da dita estrada aquelle cuja construcção é reclamada pela mais urgente necessidade do commercio dos tres districtos, porque o curto espaço de terreno que ha de atravessar o dito lanço de estrada, está destinado á construcção de armazens para deposito de vinhos, cereaes e muitas outras mercadorias, especialmente dos productos agricolas, que constituem a principal fonte de riqueza d'estes tres interessantes districtos de Aveiro, Coimbra e Vizeu (apoiados).

Já vê portanto esta camara e s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas, que estando proxima a abertura do caminho de ferro do entroncamento a Coimbra e ao Porto, é de instante necessidade proceder quanto antes á construcção do primeiro lanço da estrada da Mealhada á Figueira, passando por Cantanhede, cujo estudo, segundo as ultimas informações que pude obter do digno director das obras publicas do districto de Coimbra, se acha quasi concluido, restando apenas umas poucas de rectificações de nivel.

Esperámos portanto, eu e os meus illustres collegas, mais directamente interessados n'estes importantes melhoramentos, que s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas prestará a sua attenção ao justissimo pedido da camara municipal do concelho da Mealhada (apoiados).

O sr. F. L. Gomes: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão do ultramar.

O sr. Frederico de Mello: — Pedi a v. ex.ª a palavra para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre a necessidade de se prolongar o caminho de ferro de Beja.

Sinto que não esteja presente o sr. ministro das obras publicas, porque não desejo fallar sobre o objecto, que passo a expor, na ausencia de e. ex.ª, a quem tencionava fazer algumas perguntas; mas tendo a palavra não deixarei de fazer uso d'ella, pedindo comtudo a v. ex.ª que queira inscrever-me de novo.

O nobre ministro foi assistir á inauguração do caminho de ferro da cidade de Beja, e examinou toda a linha que vae do Barreiro até aquella cidade. Creio que s. ex.ª reconhece que é de conveniencia publica o prolongamento d'aquelle caminho de ferro.

Entendo que a continuação da linha ferrea, a que alludo, é de grande utilidade para o meu paiz, e que não pôde ficar em Beja; o prolongamento d'ella é uma necessidade.

Mas para que logar deve ser prolongado este caminho? Isso é que eu não sei por ora, e é esta a pergunta que eu vou fazer ao nobre ministro das obras publicas, pedindo a s. ex.ª que queira ter a bondade de me dizer, quando vier a esta casa e julgar opportuno, se tenciona prolongar o caminho de ferro de Beja, e o ponto em que deve terminar este prolongamento.

Tenho feito ver por differentes vezes nesta casa a conveniencia que resultaria para as duas ricas e importantes provincias do Alemtejo e Algarve, e em geral para o paiz, se continuasse o caminho de ferro de Beja até Mertola. Tive a honra de mandar para a mesa n'uma das sessões do anno passado tres representações das camaras municipaes das villas de Castro Marim, Mertola, e da cidade de

Tavira, nas quaes se fazia sentir a necessidade do prolongamento do caminho de ferro até ao ponto a que alludi, e se pedia ao poder legislativo que quizesse apresentar uma proposta de lei, que tivesse por fim realisar este melhoramento.

Associando-me e unindo o meu voto ao dos illustres signatarios d'aquellas representações, tive a honra de apresentar á camara em uma das sessões passadas um projecto de lei, que tem por fim a continuação do caminho de ferro de Beja até Mertola.

Não é esta a occasião propria de discutir este projecto, reservo-me para o sustentar quando vier á discussão, no caso de ser impugnado. Não desejava por isso tomar tempo á camara; mas em vista das considerações que acabo de ouvir ao meu illustre collega, que me precedeu, o sr. João Antonio de Sousa, e do projecto de lei apresentado em uma das sessões passadas pelo meu illustre collega, o sr. Silveira da Mota, para o prolongamento do caminho de ferro de Beja até Faro pela serra, e na direcção de S. Bartholomeu de Messines, não posso deixar de fazer tambem algumas considerações tendentes a mostrar as vantagens que resultariam para o meu paiz, se tivesse a fortuna de ver approvado o meu pensamento, e que só tive em vista com este meu projecto de ligar em pouco tempo e com a economia possivel pela viação accelerada as duas ricas provincias do Alemtejo e Algarve.

Permitta-me V. ex.ª e a camara, que eu diga que o meu projecto na presente conjunctura é muito preferivel ao do sr. Silveira da Mota.

Não se pense que eu tenho só em vista, com o melhoramento que indico, em beneficiar o circulo, que tenho a honra do representar n'esta casa, não é esse só o fim do projecto; o que n'elle principalmente se teve em vista, foi o estabelecimento de uma facil e rapida communicação entre o Alemtejo e o Algarve. Ninguem mais do que eu deseja ver prosperar os concelhos, que constituem o circulo que represento, e pugnarei sempre e tanto quanto as minhas debeis forças permittirem pelos seus legitimos interesses; mas devo declarar a v. ex.ª e á camara que eu não pediria o melhoramento que indiquei, se não tivesse o profundo convencimento das grandes vantagens que elle ha de trazer ao paiz, porque se reconhecesse que as despezas que se faziam com o caminho de ferro eram enormissimas, e que se não auferiam lucros que compensassem aquellas despezas, e que só melhorava a minha localidade, com graves prejuizos para o meu paiz, eu seria o primeiro a retirar o meu projecto. Tenho, como já disse, os maiores desejos de ver prosperar e florescer os concelhos do meu circulo; tenho muita estima e deferencia pelos habitantes d'elles, mas acima de todas estas considerações está o meu dever e estão os interesses geraes do meu paiz, que eu devo sempre preferir, quando elles não estiverem em harmonia com os interesses especiaes de uma ou de outra localidade. Mas harmonisando se os interesses especiaes da minha localidade com os interesses geraes do paiz, pelas grandes vantagens que necessariamente hão de resultar com o melhoramento a que alludo, eu não posso deixar de insistir para que elle venha a ser uma realidade

Pelo que deixo dito já se vê que eu não quero que o caminho de ferro fique em Mertola, se assim fosse não se realisava o «meu pensamento; desejo o melhoramento do rio Guadiana e a construcção de um caminho de ferro no litoral do Algarve, que deve começar em Villa Real de Santo Antonio e chegar pelo menos até Faro; é esta a minha idéa, que expendo nas considerações que precedem o meu projecto. Se não inseri n'elle um outro artigo para complemento do meu pensamento, foi porque não combinei com os nobres deputados pelo Algarve, e eu não queria sem ouvir ss. Ex.as indicar este grande melhoramento nos seus circulos, e mesmo pelo mau estado era que na actualidade se acha o rio Guadiana; reservo me para pedir a muito importante coadjuvação dos mesmos srs. deputados, quando este projecto vier á discussão, e espero por essa occasião que ss. ex.ª farão inserir n'elle, no caso de approvarem o meu pensamento, mais dois artigos, um em que se estabeleça um barco a vapor de Mertola até Villa Real de Santo Antonio, e outro para a construcção de um caminho de ferro no litoral do Algarve. Se ss. ex.ª não estiverem de accordo com a minha idéa, por entenderem que o caminho de ferro deve ter uma direcção diversa da que indico, pedirei eu na occasião em que o mesmo projecto vier á discussão, que se insiram n'elle estes dois artigos, porque só assim fica completo o meu pensamento.

Não deixarei passar uma asserção que ha pouco avançou o meu illustre collega, que me precedeu, o sr. João Antonio de Sousa. Disse o illustre deputado que = só o sr. Silveira da Mota, deputado por um dos circulos do Algarve, mas que não é natural daquella provincia, apresentou um projecto de lei para que o caminho de ferro fosse de Beja a Faro, sendo para sentir que nenhum outro deputado pelo Algarve levantasse até hoje a sua voz pedindo este melhoramento para aquella provincia.

Permitta me o illustre deputado pelo Algarve que eu lhe diga que não está bem informado, e que foi menos justo nas apreciações que acaba de fazer, sem duvida na melhor boa fé.

Não tenho, em vista com esta declaração que faço, censurar o illustre deputado, que muito respeito, e a quem faço a devida justiça, porque sei quaes foram as suas intenções, e que toma o maior interesse pelos melhoramentos do Algarve, bem como o illustre deputado que apresentou o referido projecto, o sr. Silveira da Mota; mas s. ex.ª ha de conceder-me que fallou com inexactidão, sem duvida porque não estava bem informado quando tratou de apreciar, com manifesta injustiça, o procedimento n'esta camara pelos nobres deputados pelo Algarve.

Como já disse, faço justiça ás boas intenções do illustre deputado, mas ha de permittir-me que lhe diga que não é exacta a asserção que avançou os illustres deputados pelo Algarve não carecem da minha defeza, ss. ex.ª sabem muito bem defender-se da arguição immerecida que se lhes fez, e saberão responder triumphantemente a ella; mas sendo testemunha presencial do que se passou em 1858 n'esta camara, na occasião em que se discutia o caminho de ferro para Evora e Beja, e sabendo quaes os desejos dos srs. deputados pelo Algarve, faltaria a um imperioso dever se não levantasse a minha voz e declarasse aqui que 88. ex.ª queriam n'aquella occasião o que têem querido sempre, desde aquella epocha até hoje, a continuação do caminho de ferro de Beja até ao Algarve.

Quando em 1858 se discutia n'esta camara o projecto do caminho de ferro das Vendas Novas a Evora, mandou-se por essa occasião uma proposta de lei, assignada pelos meus illustres collegas do districto de Beja, e tambem por mim, como deputado d'aquelle districto, para que houvessem dois ramaes do caminho de ferro, um para Evora e outro para Beja.

Foi felizmente approvada esta proposta, e decretado daquella epocha, 1858, aquelle caminho de ferro. Os nobres deputados pelo Algarve prestaram nos n'aquella occasião a sua muito importante coadjuvação, assignando tambem a nossa proposta, e muito contribuiram para que o melhoramento n'ella indicado fosse realisado.

Reconhecendo os mesmos srs. deputados a conveniencia publica do caminho de ferro de Beja, manifestaram n'aquella mesma occasião os maiores desejos de que elle continuasse para o Algarve, pelas vantagens, que resultariam para aquella provincia, d'aquelle grande melhoramento. Têem os mesmos srs. deputados tomado sempre n'esta camara o maior interesse pelos melhoramentos d'aquella provincia, e portanto parece-me menos justo que se diga que = só o sr. Silveira da Mota se lembrou da construcção de um caminho de ferro para o Algarve, apresentando para esse fim um projecto de lei =.

Permittam pois os nobres deputados pelo Algarve que eu faça esta declaração unicamente por amor da verdade, e pelo conhecimento que tenho dos desejos de as. ex.ª sobre o prolongamento do caminho de ferro para aquella provincia, e não porque tivesse em vista defende los, porque s. ex.ª não necessitam da minha fraca defeza, e mesmo porque estou certo que hão de destruir a injusta arguição que se lhes fez com a proficiencia com que sempre costumam tratar as questões.

Posto isto, passarei a tratar da conveniencia publica de se prolongar o caminho de ferro de Beja a Mertola. A construcção de um caminho de ferro entre estes pontos traz comsigo grandes vantagens ao paiz. Tenho a plena convicção de que o Algarve utilisa muito mais preferindo-se o pensamento do meu projecto ao do sr. Silveira da Mota. Se tivesse a fortuna de ver approvada a minha idéa, tinhamos em muito pouco tempo, e com muito maior economia, ligadas pela viação accelerada as principaes povoações do Algarve com a provincia do Alemtejo, e por consequencia com a capital do reino e grande parte do paiz. A construcção de um caminho de ferro em todo o litoral do Algarve, como eu desejo, e que é o complemento da idéa do meu projecto, dá necessariamente estes excellentes resultados, e não se dão estes por certo continuando o caminho de ferro de Beja até Faro pela serra. As mais importantes povoações do Algarve, como as cidades de Tavira, Lagos e Silves, e Villa Nova do Portimão, Olhão e outras importantes povoações ficam sem caminho de ferro. E poderá ser vantajoso para o paiz um caminho de ferro de Beja a Faro na direcção da serra? Entendo que nos não dá vantagens, que ha de trazer comsigo grandes sacrificios para o paiz, e que os lucros que d'elle se hão de auferir não compensam por certo as avultadissima despezas, que têem necessariamente da fazer-se se chegar a construir-se.

Todos sabemos que de Beja a Faro ha uma grande extensão de terreno, mas não é esta só a difficuldade, sr. presidente, muitas outras difficuldades se apresentam para a realisação d'aquelle melhoramento, e sabe v. ex.ª quaes ellas são? São os grandes obstaculos que a cada passo se encontram nos terrenos por onde devo passar aquella linha ferrea. São estes terrenos todos elles muito accidentados, encontram se ali grandes montanhas e muitas ribeiras. As cortaduras das serras para realisar este melhoramento succeder-se iam umas ás outras, teriam de construir-se alguns túneis e muitas pontes. Já se vê portanto que com a construcção d'este caminho não podiam deixar de se fazer muitas obras de arte. E estará o nosso thesouro nas circumstancias de poder fazer este caminho de ferro? Poderá este realisar-se com prejuizo de outros melhoramentos importantes, e de que o paiz mais necessita? Entendo que não pôde.

A construcção de um caminho de ferro de Beja a Mertola, a carreira de um barco a vapor, no Guadiana, que deve começar n'esta villa e chegar a Villa Real de Santo Antonio, e a construcção de um caminho de ferro, que deve começar n'esta villa e seguir por todo o litoral do Algarve não está nas mesmas circumstancias, porque todos estes melhoramentos se fazem em muito menos tempo, e com muito menos despezas em relação ás que por certo se fariam se o caminho de ferro fosse prolongado pela serra do Algarve. Os terrenos de Beja a Mertola prestam-se com facilidade á construcção de um caminho de ferro, não se encontram por ali difficuldades, nem ha mesmo muitas expropriações. A desobstrucção dos vaus do rio Guadiana tambem é muito facil, e não são necessarias sommas avultadas para a realisação d'aquella obra, e a construcção de um caminho de ferro em todo o litoral do Algarve é tambem muito facil.

Portanto parece-me que as provincias do Alemtejo e Algarve utilisavam muito mais, bem como o paiz, com a appro-

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vação do meu projecto, do que sendo approvado o do sr. Silveira da Mota.

Alem das rasões, que já ponderei e que me parecem procedentes, ha uma outra, que tambem me parece que não é de menor importancia, e é a de que sendo approvado o pensamento do meu projecto approxima-se o caminho de ferro do sul á provincia da Andaluzia, no reino de Hespanha. Da villa de Mertola á fronteira da provincia da Andaluzia ha a distancia de 15 kilometros. Quando de Sevilha não venha á fronteira da referida provincia um caminho de ferro pelas grandes difficuldades que tambem ali se encontram na sua construcção, é possivel, e talvez provavel, que de Sevilha venha um caminho de ferro a Huelba, e d'aquella cidade a Ayamonte, e se ali chegar o caminho de ferro temos estabelecida a viação accelerada entre o paiz e a provincia da Andaluzia, porque, ficando a cidade de Ayamonte situada na margem esquerda do rio Guadiana, pôde tambem estabelecer-se uma carreira de barco a vapor entre esta cidade e Mertola.

D'este modo temos uma communicação rapida entre as provincias do Alemtejo, Algarve e da Andaluzia no reino de Hespanha. E nem se diga que esta viação não é accelerada, porque tem de haver uma baldeação em Mertola. Seria muito conveniente que não a houvesse, mas como não é possivel deixar de a haver pelas grandes difficuldades que haveria tambem na construcção de um caminho de ferro de Mertola a Villa Real de Santo Antonio pela margem direita do Guadiana, devemos querer antes essa baldeação, no que haverá pouca demora. A viagem no barco a vapor de Mertola a Villa Real de Santo Antonio e Ayamonte não é incommoda, é até muito recreativa, não sendo grande a demora nesta viagem, que não chegará a cinco horas. Já se vê pois que a baldeação não obsta a que a viação para o Algarve e Hespanha seja accelerada. Se pelas baldeações deixassem de haver communicações rapidas não haveria, como ha, uma communicação rapida entre Lisboa e Beja, porque ha entre estes pontos duas baldeações, uma no Barreiro e outra nas Vendas Novas, entretanto ninguem dirá que não ha hoje entre Lisboa e Beja uma viação accelerada.

Como já disse, não é esta a occasião opportuna para a discussão do meu projecto, e por isso me abstenho de fazer mais considerações, reservando-me para quando elle for discutido sustenta lo se for impugnado; pedindo por ora só ao nobre ministro que queira approvar o pensamento do meu projecto, e tomar na devida consideração as ponderações que acabo de fazer.

Chamarei tambem por esta occasião a attenção do nobre ministro das obras publicas, sobre a necessidade instante de serem desobstruídos os vaus do rio Guadiana. Tenho por differentes vezes pedido ao nobre ministro este melhoramento essencialmente necessario, e que é de grande utilidade para o paiz, mas infelizmente nada tenho conseguido.

Nas precedentes sessões, na occasião da discussão do orçamento, mandei eu para a mesa algumas propostas, recommendando ao governo o melhoramento que indiquei, e a construcção de algumas pontes n'algumas ribeiras nas proximidades de Almodovar e Castro Verde. Estas propostas têem sido remettidas ao governo para que as tome na sua devida consideração, mas ainda até hoje não vi resultado d'esta minha util e justa recommendação, nem ao menos os competentes estudos se mandaram fazer sobre os referidos vaus. Não posso deixar de sentir que não tenha sido attendido o meu pedido, que é de toda a justiça. As vantagens que traz comsigo o melhoramento a que alludo, são manifestamente reconhecidas por todos. Uma boa e facil navegação no rio Guadiana é de grande utilidade publica, e torna-se hoje uma necessidade, e sem melhorarem os vaus não pôde haver perfeita navegação.

Chamo pois de novo a attenção do nobre ministro sobre este importante objecto, bem como para a necessidade de começarem quanto antes os trabalhos na estrada de Beja a Mertola nas proximidades d'esta villa. Na sessão do anno passado por algumas vezes fiz sentir esta necessidade, bem como de mandar fazer a estrada que se acha decretada de Beja para o Algarve na direcção de Castro Verde e Almodovar. Estas duas importantes villas não têem uma boa estrada que as ligue com a cidade de Beja. É essencialmente necessaria a construcção de uma boa estrada entre estes pontos, a fim de que os habitantes das duas referidas villas possam ir com facilidade á sede do districto, e conduzir para ali os seus gados, generos e cereaes. Já se vê pois que é de grande utilidade publica a construcção d'esta estrada.

Peço, em vista das ponderações que tenho feito, ao nobre ministro que queira tomar na devida consideração os objectos de que tenho tratado.

Chamarei tambem por esta occasião a attenção do sr. ministro da justiça sobre o mau estado em que se acha a cadeia da cidade de Beja. Como o nobre ministro da justiça não está presente, fallarei d'este objecto mais detidamente n'outra occasião; entretanto sempre pedirei a s. ex.ª que queira adoptar algumas providencias, a fim de que se faça n'aquella cidade uma boa cadeia. Horrorisa entrar n'aquella cadeia aonde faltam as casas necessarias para a separação dos differentes criminosos, e todas as condições hygienicas. Isto é um grande mal que dá pessimos resultados, e que cumpre remediar. As camaras municipaes de Beja têem os melhores desejos, mas necessitam da coadjuvação do governo, porque lhes faltam os recursos necessarios para realisarem a obra que têem emprehendido. A camara municipal de Beja de 1860 é digna dos maiores louvores pelos bons desejos que manifestou de construir um bom tribunal judicial, uma boa casa para as sessões da camara, uma boa cadeia e outras repartições, e não só teve desejos, mas fez muito n'este sentido, chegando a comprar um bom edificio para realisar a grande obra que teve em vista. As camaras que se lhe têem seguido são igualmente dignas de louvor, porque têem os mesmos desejos, e de certo hão de concorrer tanto quanto poderem para que se consiga aquelle melhoramento, mas tambem lhes faltam os recursos necessarios para a sua realisação.

Quando se discutir o orçamento tratarei d'este importante objecto, pedindo desde já sobre elle a attenção do nobre ministro da justiça.

O sr. Mello e Mendonça: — Mando para a mesa uma proposta, renovando a iniciativa de um projecto de lei.

O sr. Luciano de Castro: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo; e uma representação da camara municipal de Aveiro, pedindo que se faça uma estrada que ligue esta cidade com a villa de Cantanhede.

O sr. Gonçalves de Freitas: — Mando para a mesa uma representação dos empregados da junta do credito publico, pedindo que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos empregados no thesouro; e em occasião competente sustentarei a justiça que assiste aos supplicantes.

ORDEM DO DIA

DISCUSSÃO DO PROJECTO DE LEI N.° 8

Senhores. — A commissão de guerra examinou a proposta do governo n.° 7-E, que tem por objecto annullar e tornar de nenhum effeito o decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863, que organisou o exercito.

O actual sr. ministro da guerra, não tendo por conveniente adoptar todas as disposições do plano de organisação já mencionado, e levado a effeito pelo seu antecessor em virtude da carta de lei de 9 de julho de 1863, entendeu por mais acertado propor a sua revogação, sem todavia abandonar a idéa de apresentar opportunamente ao parlamento ao proposições de lei que tiver por mais necessarias e uteis á melhor organisação do exercito.

A commissão de guerra, considerando que o dito plano de organisação excitou apprehensões, e que o proprio ministro, auctor de um tal plano, veiu declarar n'esta camara que estava na idéa de o modificar, concordando em o submetter ao exame do corpo legislativo;

Considerando outrosim que se o actual ministro da guerra propõe a annullação d'aquelle plano de organisação é certamente por entender que a sua adopção offerece inconvenientes, cumprindo em todo o caso estudar detidamente assumpto tão grave pelos interesses e direitos que envolve;

Considerando finalmente que deste modo fica tambem attendido o projecto de lei do sr. deputado D. Luiz da Camara Leme:

É por isso a commissão de parecer, de accordo com o governo, que a proposta n.° 7-E seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E revogado o decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863, que organisou o exercito, e sem effeito as suas disposições.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 20 de janeiro de 1864. = Augusto Xavier Palmeirim = D. Luiz da Camara Leme (com declaração) = Fernando de Magalhães Villas Boas = Antonio de Mello Breyner (com declaração) = José Guedes de Carvalho e Menezes = João Nepomuceno de Macedo = Placido Antonio da Cunha e Abreu, relator.

Este projecto de lei derivou da seguinte,

PROPOSTA DE LEI N.° 7-E

Senhores. — Não julgando conveniente adoptar todas as disposições da nova organisação do exercito decretada em 21 de dezembro ultimo, e já em execução em virtude da auctorisação parlamentar concedida por carta de lei de 9 de julho de 1863;

Sem abandonar a idéa das necessarias reformas, reputando todavia preferivel realisa-las gradualmente segundo a escala da importancia e urgencia;

Tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Fica nullo e de nenhum effeito o plano de organisação do exercito decretado em 21 de dezembro de 1863.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 15 de janeiro de 1864. = José Gerardo Ferreira Passos.

O sr. Sá Nogueira: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se logo na mesa o seguinte:

ADDITAMENTO

Ficam subsistindo as disposições do artigo 45.° do decreto de 21 de dezembro de 1863. = Sá Nogueira.

Foi admittido.

ARTIGO ADDICIONAL

Os primeiros e segundos sargentos, furrieis, cabos e soldados das differentes armas vencerão, a contar de 1 de julho do corrente anno em diante, os prets designados na seguinte

[Ver diário original]

Sala das sessões, 29 de fevereiro de 1864. = A. C. de Sá Nogueira, deputado pelo circulo eleitoral de Abrantes.

Foi admittido.

ARTIGOS ADDICIONAES

(a Os vencimentos dos officiaes generaes, officiaes, praças de pret e empregados civis, que foram augmentados pelo decreto de 21 de dezembro de 1863, continuarão a ser abonados em conformidade do mesmo decreto.

(b As disposições do referido decreto em favor dos officiaes inferiores e outras praças de pret serão mantidas como no mesmo decreto se estabelece. — A. C. de Sá Nogueira, deputado pelo circulo eleitoral de Abrantes.

Foram admittidos.

proposta

A commissão de guerra, sem examinar nem apreciar no seu relatorio disposição alguma do decreto de 21 de dezembro ultimo, que organisou o exercito, propõe a revogação do mesmo decreto, e que fiquem sem effeito todas as suas disposições. Esta camara não pôde approvar similhante proposta sem quebra manifesta da promessa solemne que fez ao augusto chefe do estado. Na resposta ao discurso da corôa prometteu solemnemente que havia de examinar com todo o cuidado se a organisação decretada satisfazia os fins que devia attingir, e que estimaria encontrar respeitados os principios de justiça, os preceitos da sciencia e guardados os legitimos direitos adquiridos; a camara portanto não pôde pronunciar a sua opinião a respeito d'aquella organisação, sem ter precedido o exame a que se comprometteu: fundado n'estes motivos, proponho que o projecto em discussão volte á commissão de guerra, para que proceda com todo o cuidado a esse exame, e apresente o resultado d'elle a esta camara, a fim de que possa cumprir aquella promessa, e tomar uma resolução acertada sobre a proposta do sr. ministro da guerra. = A. C. de Sá Nogueira, deputado pelo circulo eleitoral de Abrantes.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — Tem a palavra sobre a ordem o sr. Camara Leme.

O sr. Camara Leme: — Começo por perguntar a v. ex.ª se a proposta de adiamento apresentada pelo sr. deputado Sá Nogueira está em discussão com o projecto? O sr. Presidente: — Os artigos addicionaes e a proposta foram admittidos, e ficaram em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Camara Leme: — Mas eu lembrarei a v. ex.ª, que a proposta do sr. Sá Nogueira importa uma questão prévia (apoiados), que me parece deve discutir-se e resolver-se antes do projecto.

O sr. Presidente: — Eu já disse ao illustre deputado, que a proposta estava em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Camara Leme: — Mas seria bom que v. ex.ª provocasse uma resolução da camara a este respeito (apoiados).

O sr. Presidente: — Tem sido pratica observada por todas as camaras, que propostas d'esta ordem fiquem em discussão conjunctamente com a materia principal (apoiados).

O sr. José de Moraes: — Para tirar todas as duvidas, requeiro que se consulte a camara se quer que a proposta de adiamento apresentada pelo sr. Sá Nogueira, fique em discussão conjunctamente com o projecto como tem sido pratica.

Não ha resolução no regimento a este respeito, por isso é que v. ex.ª deve consultar a camara sobre se ella quer discutir separada ou cumulativamente.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara. Os senhores que approvam que a proposta de adiamento do sr. Sá Nogueira fique em discussão juntamente com o projecto e as outras propostas que elle mandou, tenham a bondade de se levantar.

Assim se venceu por 61 votos contra 49.

O sr. Camara Leme (sobre a ordem): — Como eu pedi a palavra sobre a ordem, para satisfazer aos preceitos do regimento começarei por ler as moções de ordem que tenciono mandar para a mesa (leu).

Já que fallei em regimento, permitta-me v. ex.ª que, folgando de ver em discussão este projecto, o qual como a camara reconhece, é um projecto de grande urgencia, eu lembre que outro dia quando se votou a moção do meu illustre amigo, o sr. Mártens Ferrão, sobre os acontecimentos de Villa Real, eu tinha feito um requerimento fundado sobre os direitos que me offerece o regimento da camara, para que v. ex.ª desse para primeira parte da ordem do dia o parecer da commissão que hoje te discute; o direi a v. ex.ª os motivos em que me fundava.

V. ex.ª, segundo o direito que tem de regular os trabalhos da mesa, podia dar de preferencia para entrarem em discussão um ou outro parecer; e era por isso que eu, julgando de urgente necessidade, como logo provarei á camara, que se discutisse o parecer da commissão de guerra, n.° 8, tinha pedido a v. ex.ª que puzesse á votação o meu requerimento. V. ex.ª porém entendeu que o não devia pôr á votação, e levantou a sessão.

Por essa occasião, creio, que dos bancos dos ministros ouvi uma voz dizendo que =eu era teimoso =. Teimoso! Sou teimoso em pugnar pelos direitos que me confere o regimento da camara; e eu não teria fallado n'este objecto se hoje se não repetisse aqui um igual incidente.

Um illustre deputado fez hoje um requerimento para se discutir um projecto, e v. ex.ª não o submetteu á deliberação da camara. Eu creio que estes não são os precedentes d'esta casa (apoiados); e quando se manda um requerimento para a mesa, V. ex.ª tem obrigação, segundo as prescripções do regimento, de o pôr á votação da camara.

Eu não faço estas reflexões para censurar a imparcialidade de v. ex.ª, mas faço-as só para lhe lembrar que eu procedi outro dia em virtude dos direitos que cumpre manter...

O sr. Presidente: — Mas o sr. deputado ha de saber a rasão por que não puz á votação o seu requerimento, e creio que lh'a disse n'essa occasião.

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Eu não puz á votação o seu requerimento, porque julguei isso desnecessario; e julguei-o desnecessario, porque o sr. ministro da guerra me tinha dito que desejava que eu desse para ordem do dia este projecto n.° 8. Era pois minha intenção da-lo, como logo o dei, para ordem do dia a requerimento do sr. ministro da guerra.

O sr. Camara Leme: — Mas peço perdão a v. ex.ª para lhe lembrar que, não obstante isso, V. ex.ª não se podia dispensar de pôr o meu requerimento á votação da camara, para ella decidir o que entendesse conveniente. O meu direito era este. V. ex.ª não o entendeu assim, fez muito bem; mas note v. ex.ª que o regimento me concedia este direito.

O sr. Presidente: — A camara ajuizará das rasões que dá o sr. deputado e das minhas (apoiados).

O sr. Camara Leme: — Entrando agora na questão de que se trata, começarei por fazer algumas reflexões a respeito do projecto que está em discussão.

O illustre deputado, o sr. Sá Nogueira, acaba de fazer sensatas ponderações ácerca do laconico parecer da commissão de guerra, e eu passarei a dizer as rasões por que o assignei com declarações, e porque não concordo com o parecer como está elaborado.

No parecer falla se em apprehensões, mas que apprehensões são estas? Qual foi a rasão por que o governo entendeu ser conveniente dar annullação á reforma decretada em 21 de dezembro? E de mais a mais com a precipitação com que o fez, porque no dia immediato aquelle em que s. ex.ª o sr. ministro da guerra tomou conta da sua pasta veiu apresentar aqui o projecto da annullação, não havia tempo material para poder estudar um objecto d'esta importancia!

As apprehensões de que falla a commissão, sendo um dos fundamentos por que approvou o projecto do governo apenas com mudança de redacção, não posso eu suppor que se traduzam n'uma allusão offensiva ao exercito, dando a entender que elle era capaz de faltar ao seu dever...

O sr. Sá Nogueira: — Está visto.

O Orador: — Porque o nosso exercito tem dado sempre provas de rigorosa disciplina (apoiados), e de certo a illustre commissão não se podia referir a esse ponto. E tanto não se podia referir, que nós sabemos que houve differentes reclamações de alguns corpos scientificos do exercito, sendo a primeira feita pelo corpo de engenheiros, e a essa commissão pertencia o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, hoje ministro das obras publicas. Já se vê que taes apprehensões não podiam alludir a motivos menos legaes da parte do exercito.

A commissão diz no seu relatorio (leu).

O meu illustre collega, o sr. Sá Nogueira, ainda ha pouco ponderou com muita rasão = que inconvenientes serão esses que a commissão não apresenta? =

E diz tambem o relatorio em questão (leu).

Eu não me conformo com esta apreciação, porque o meu projecto de lei attende a um fim mais logico e concludente. O meu projecto de lei suspende a execução do decreto de 21 de dezembro, e este revoga o decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863 que reorganisou o exercito, tornando nullas todas as mais disposições.

Eu ainda approvaria o projecto da commissão eliminando se as palavras «ficando sem effeito as suas disposições», no caso de o sr. ministro da guerra se comprometter a apresentar aqui umas bases para se reorganisar o exercito.

O que querem dizer as palavras «sem effeito as suas disposições?» Querem dizer que ficam sem effeito os despachos que se fizerem?...

O sr. Ministro da Guerra (Ferreira Passos): — Sim.

O Orador: — Então peço perdão ao illustre ministro; o artigo tal como está é contrario á carta constitucional, que no § 2.° do artigo 145.° diz: «A disposição da lei não terá effeito retroactivo». (Apoiados.)

Nestas circumstancias, passando o artigo como está redigido, os majores generaes, creados por esta lei, voltam a ser marechaes de campo!

A camara não pôde votar similhante cousa. Não é só contra a carta constitucional, é tambem contra a carta de lei de 1835, que garante as patentes dos militares, e diz: «Nenhum official poderá ser privado da sua patente».

Nem o sr. ministro, que tem sempre militado nas fileiras do partido progressista, ha de querer que passe similhante precedente.

Não era meu desejo que n'esta epocha se votasse uma lei que tirasse aos officiaes os direitos legitimamente adquiridos. Os interessados têem um decreto assignado pelo Rei e referendado pelo ministro da guerra, que lhes confere maior hierarchia e maiores vencimentos, e não me parece justo despoja-los d'estas vantagens.

Por consequencia a camara, ainda quando entenda na sua alta sabedoria que deve votar a derogação do decreto de 21 de dezembro, não pôde vota lo como está redigido.

Parece-me comtudo que era muito mais logico, muito mais concludente, depois do que se passou n'esta casa, depois das duas auctorisações que se votaram ao governo, que provam claramente a necessidade urgente da reforma do exercito, se discutisse de preferencia o projecto de lei que eu aqui apresentei suspendendo a execução do decreto até que a camara apreciasse este importante objecto. E era isto o que estaria de accordo, perfeitamente de accordo, com o paragrapho da resposta ao discurso da corôa, que foi lido pelo sr. Sá Nogueira, e que, como s. ex.ª muito bem disse, é a condemnação formal da commissão.

O que estamos discutindo é a annullação de um decreto que já está suspenso pela circular de s. ex.ª o sr. ministro (apoiados); estamos fazendo uma cousa inutil.

Eu faço completa justiça ao caracter do nobre ministro,

e estou certo de que s. ex.ª procedeu na melhor fé; entretanto este precedente não pôde passar sem reparo. O poder executivo não tem auctoridade para suspender as leis (muitos apoiados).

O nobre ministro na camara dos dignos pares declarou um dia d'estes que essa suspensão se entendia sómente em relação ás transferencias; mas para as transferencias tinha s. ex.ª auctorisação sufficiente; podia fazer quanto quizesse.

Mas o proprio officio que o sr. ministro expediu aos commandantes das divisões militares, e que s. ex.ª mandou para esta camara a requerimento do meu illustre amigo o sr. Sieuve de Menezes, me faz hesitar (leu).

Esta circular é positiva: «Fica suspenso até segunda ordem».

Repito, faço completa e inteira justiça ás intenções do illustre ministro, e estou certo de que s. ex.ª procedeu na melhor boa fé, persuadido de que a sua alçada chegava tão longe. Mas enganou-se completamente; não podia suspender a execução da lei; isso só compete ao corpo legislativo.

E quer a camara saber como é que os commandantes das divisões militares interpretaram a circular? Eu leio o officio do commandante da 1.ª divisão militar, mandando aos commandantes dos corpos a copia da circular (leu).

Os effeitos que a circular produziu em relação á materia n'ella consignada, a respeito dos commandantes dos corpos, não foram os desejados; uns suspenderam a execução, outros entenderam que não o podiam fazer; que não podiam suspender a execução de um decreto com força de lei, e continuaram a fazer obra por elle. E o que aconteceu? O illustre marechal commandante da 1.ª divisão militar reprehendeu asperamente, por não cumprirem o determinado na circular do sr. ministro da guerra, aquelles que a não seguiram á risca.

D'aqui resultou ficar o exercito todo n'um cahos. Regimentos havia que já tinham dissolvido as companhias de deposito e promovido os anspeçadas a cabos, e que tiveram que desfazer o que haviam feito. Alguns regimentos ainda existem hoje organisados pela moderna organisação, e outros pela antiga. Ha abonos feitos pela antiga organisação e outros pela moderna, de maneira que não se sabe o que está suspenso nem o que deixa de estar; e tanto assim é, que se ignora se está em vigor a lei de 21 de dezembro ultimo, ou se o decreto de 1849. E quer a camara uma prova evidente do que acabo de dizer? Quando o nobre general, o sr. Ferreira Passos, foi nomeado ministro da guerra deu-se-lhe a qualificação de major general, e o decreto que o nomeia par do reino chama-lhe marechal de campo! (Apoiados.) Isto significa que o proprio governo não sabe qual é a lei que está em vigor. Está tudo n'um inextricável labyrinto, e eis a rasão por que tenho instado com v. ex.ª e com a camara sobre a urgente necessidade que ha de se decidir este negocio; já podia estar resolvido este importante assumpto pela camara, se tivesse havido mais solicitude da parte do governo, e se a camara julgasse conveniente approvar o projecto que eu aqui apresentei para suspender a execução do decreto de 21 de dezembro ultimo; porque a commissão de guerra já poderia de ha muito ter apresentado o seu parecer sobre um assumpto d'esta importancia.

Creio que ninguem desconhece a urgente necessidade da organisação do exercito; e esta camara, dando por duas vezes auctorisação ao governo para organisar um dos principaes ramos da administração publica, provou que effectiva mente reconhecia esta necessidade (apoiados).

Quando se tratou da primeira auctorisação que eu impugnei, porque tenho impugnado todas, mesmo no tempo em que os meus amigos politicos estavam á frente dos negocios publicos, votei sempre contra similhantes auctorisações, eu já esperava estes resultados; mas n'essa occasião uma das rasões apresentadas pelo ar. marquez de Sá da Bandeira, foi que este objecto era de muita importancia e de muita urgencia, e que se a camara quizesse discutir a organisação do exercito, levaria immenso tempo, e que por isso era conveniente que a camara tivesse confiança no governo, porque o governo havia de apresentar uma organisação que satisfizesse aos principios da sciencia e aos direitos adquiridos legitimamente.

Ha mais que notar, como passo a fazer ver á camara. Ha aqui uma proposta do meu amigo, o sr. Sant'Anna, que é mais eloquente do que tudo quanto se possa dizer sobre o assumpto.

E sabido pela camara e pelo paiz que a organisação, proposta pelo sr. marquez de Sá da Bandeira, desagradou geralmente. A imprensa não a apreciou lisongeiramente; houve differentes reclamações, feitas em termos muito convenientes, sem offender de modo algum a disciplina. Por esta occasião disse o illustre marquez que = tinha recebido algumas reclamações contra a organisação decretada para o exercito, e que lhe parecia que essas reclamações deviam ser attendidas pela camara, e que s. ex.ª concordava em que o seu trabalho fosse á commissão de guerra, para esta, de accordo com s. ex.ª, fazer as alterações que se julgassem convenientes. = Foi isto o que se passou por esta occasião a este respeito, dizendo então s. ex.ª (leu).

Depois o sr. Sant'Anna, pedindo a palavra, disse (leu).

O sr. Antonio de Serpa, obtendo a palavra, mandou para a mesa a seguinte proposta, que foi considerada como um additamento á proposta do sr. Sant'Anna (leu).

Ora a camara votando a proposta do meu amigo, o sr. Sant'Anna, reconheceu que este objecto devia ser maduramente estudado pela commissão, apresentando depois o resultado dos seus trabalhos (apoiados). Então reconhecia a necessidade urgentissima da organisação do exercito; hoje essa necessidade desappareceu completamente (apoiados). Hoje já não é preciso a organisação do exercito; tudo está bom, tudo está excellente (apoiados). Ora n'uma epocha em que se falla tanto em guerra... (interrupção).

O Orador: — Pois o illustre deputado não sabe que estas oscillações politicas podem complicar de um momento para outro, e haver uma grande conflagração na Europa? Sabe isto muito bem; não será occasião propria para a camara reconhecer a idéa de organisar o exercito? Passam-se dois annos; estuda-se esta materia; ha commissões nomeadas para tratar d'este importante objecto; a camara sabe, tão bem como eu, que o sr. marquez de Sá da Bandeira nomeou commissões em todos os ramos, e que todos estes trabalhos estão no ministerio da guerra, e agora diz-se que já não é preciso organisar cousa alguma.

Uma voe: — Ninguem diz isso.

O Orador: — E o que se deprehende do relatorio do illustre ministro, e vou provar como se deprehende isto pelo relatorio que precede a proposta que s. ex.ª leu na camara dos dignos pares. Diz s. ex.ª (leu).

Pois a reforma do exercito pôde fazer-se gradualmente?! Pois o sr. ministro da guerra, que é um militar distincto, não sabe que a organisação do exercito é um systema completo? Pois pretender-se-ha que em todas as sessões se vote um bocadinho da organisação do exercito? Querer se-ha organisar primeiro a arma de infanteria, por exemplo, depois a de cavallaria, depois a de artilheria, e assim por diante? Pois ignora se que os progressos da sciencia estão todos os dias aconselhando modificações nas organisações mais perfeitas, e que por consequencia era inteiramente impossivel por similhante systema organisarmos nunca o nosso exercito? (Apoiados.) Eu appello para a opinião do proprio sr. ministro da guerra; s. ex.ª sabe perfeitamente que a organisação do exercito não se pôde fazer a retalhos; é impossivel.

Mas ainda não é tudo; o sr. ministro da guerra declarou na camara dos dignos pares que entendia que =a organisação do exercito dependia essencialmente do systema de fortificações do paiz =.

Eu peço desculpa ao illustre ministro, mas não posso concordar com a sua opinião, que aliás respeito; e não sou eu só, posso apresentar a s. ex.ª opiniões autorizadíssimas, porque a minha não vale cousa alguma; posso citar a s. ex.ª todos os auctores antigos e modernos que tratam d'esta importante materia, e que quando estabelecem os principios que servem para fazer as organisações militares, não citam o systema de fortificações como base principal para essas organisações, é exactamente o contrario, como logo provarei. Aa fortificações fazem-se conforme a força que as ha de defender, porque está claro que fortificações sem soldados não servem de nada; e se eu quizesse recordar á camara a historia militar, lembrar-lhe-ia que Napoleão não fazia caso das fortificações.

Os principios que determinam as organisações militares vem consignados em todos os auctores antigos e modernos, os mais conspicuos e bem conhecidos, como são Rocquancourt, de la Barre Duparq, Jaquinot de Presle, etc. etc. e ultimamente um auctor muito da predilecção do meu illustre amigo, o sr. Magalhães, e da minha; fallo de mr. Vial, que quando trata de estabelecer os principios que devem determinar as organisações dos exercitos, não as torna dependentes das fortificações militares. Podia ler á camara a opinião d'este distincto auctor, mas não o faço por não querer ser extenso...

Vozes: — Leia, leia.

O Orador: — Pois lerei alguma cousa (leu).

Em nenhum d'estes principios se falla das fortificações do paiz como principio fundamental para determinar a organisação de um exercito.

Mas não quero apresentar unicamente opinião tão auctorisada; basta-me o parecer de um militar eminente do nosso paiz, como o nobre ministro de certo concordará comigo que é — fallo do marechal Saldanha...

O sr. Ministro da Guerra: — Apoiado.

O Orador: — Pois na secretaria da guerra creio que deve existir um officio d'este distinctissimo general, respondendo a uma pergunta que lhe fez o sr. marquez de Sá da Bandeira; creio que deve existir a resposta a um officio do sr. ministro da guerra para que uma commissão, presidida pelo nobre marechal, desse a sua opinião ácerca do systema de fortificações que convinha adoptar para o paiz. Sabe a camara qual foi a resposta da commissão e do nobre marechal? Foi que elle não podia dar a sua opinião a respeito d'aquelle assumpto, sem que o governo lhe dissesse primeiro qual era a organisação da força publica que queria adoptar.

E estava claro que o nobre marechal não podia dar outra resposta.

Torno a repetir, se a organisação do exercito dependesse essencialmente das fortificações do paiz, nunca teriamos organisação, e n'esse caso seria melhor que o sr. ministro apresentasse uma proposta á camara para a extincção do exercito, até que se fizessem essas fortificações.

Alem d'isto estas fortificações não é objecto tão barato como talvez se julgue, pois não se fazem com menos de 7.000:000$000 réis, e eu pergunto á camara — se com a pouca vontade que ella tem de votar alguma cousa para o exercito, está disposta a votar esta grande quantia para as fortificações do paiz?

A respeito das fortificações do paiz é a minha opinião algum tanto singular. Entendo que emquanto não tivermos a força publica convenientemente organisada, e o material de guerra competente, não devemos tratar de fortificações. Primeiro que tudo está a organisação da força publica e o material de guerra que lhe é correspondente, e sobre este ponto desejava saber qual é a opinião do nobre ministro.

A verdade é que nós não temos material de guerra, não temos arsenal, não temos artilheria, não temos cousa algu-

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ma; gastam-se tres mil e tantos contos de réis com o exercito e nada possuimos em ordem; não temos um campo de instrucção, que é o unico meio de exercitar os soldados e de habilitar generaes. Temos um exercito que apenas serve para fazer a policia do paiz.

Não posso agora deixar de chamar a attenção do nobre ministro sobre a conveniencia que havia de que s. ex.ª apresentasse uma proposta pedindo á camara uma nota da despeza para se crear todos os annos um campo de instrucção onde se podessem habilitar generaes, por que os não temos. Possuimos generaes muito benemeritos, homens que fizeram relevantes serviços á liberdade, mas que pelo seu estado de saude e pela sua idade já não podem servir.

Se tivessemos hoje precisão de organisar o exercito mesmo com poucas brigadas, haveria de certo muita difficuldade em nomear commandantes para essas brigadas, e fallo diante de um distincto general que era muito competente (referindo-se ao sr. barão do Rio Zezere), e que sabe que é verdade o que eu digo. S. ex.ª conhece que hoje era muito difficil encontrar tres ou quatro commandantes de brigada que podessem entrar em campanha. Não porque não hajam officiaes muito distinctos, mas porque se acham em estado de não poderem servir, porque em campanha querem-se homens com certa actividade e vigor, como os illustres deputados de certo comprehendem (apoiados).

Por consequencia, sr. presidente, creio que ninguem contesta a necessidade urgente de reorganisar o exercito (apoiados).

Nós pelo orçamento apresentado á camara gastâmos réis 3.085:000$000. E para a camara ver e convencer se de que ha grandes defeitos na nossa organisação militar, basta fazer uma pequena comparação.

Gastâmos com a força competente, com o effectivo do exercito 1.838:000$000 réis e com o pessoal administrativo, officiaes reformados, etc. gastámos 1.246:000$000 réis, quer dizer que o pessoal do exercito activo absorve quasi tanto como o administrativo. Basta isto para se ver que a organisação actual tem grandes imperfeições, porque não é possivel que a administração do exercito, incluindo os militares reformados, consuma 1.246:000$000 réis.

Mas quando este calculo não servisse, eu podia apresentar á camara um outro, tirado de um auctor que tem sido aqui citado. O sr. M. Block, referindo-se ao exercito de todas as nações da Europa, traz a despeza que se faz com elles, e tirando as medias, conhece-se que o nosso exercito calculado em relação a vinte mil homens, faz despeza superior ao de qualquer dos outros paizes. Limito-me a apresentar este calculo.

E é necessario que a camara se convença de uma cousa, e é, que se torna absolutamente impossivel nas circumstancias actuaes fazer reforma, sem que se vote mais alguma despeza para o exercito, porque a classe dos militares reformados é uma das causas por que o exercito absorve tamanha despeza, gastando-se só com aquella classe quinhentos e tantos contos; mas isto tem sido devido a differentes circumstancias extraordinarias que se hão de ir modificando com o tempo, porque em 1851 foram chamados ao exercito os officiaes realistas, e essa medida fez com que se augmentasse extraordinariamente a verba dos reformados, mas essa grande despeza ha de ir desapparecendo lentamente e a pouco e pouco.

Estou persuadido de que se póde fazer a organisação do exercito e fazer economias que revertam em favor do mesmo exercito, mas é indispensavel que a camara vote mais alguma verba para a melhor organisação do exercito, sem o que é impossivel fazer uma reforma conveniente para o paiz.

Estou convencido d'isto. Podem-se fazer-se algumas economias muito rasoaveis no exercito, e já o illustre ministro da guerra as fez, e eu sou o primeiro a louvar s. ex.ª por isso. S. ex.ª começou por determinar que cessassem todas as gratificações, que não fossem justificadas por lei. Louvo o nobre ministro por essa sua resolução, porque creio que essas gratificações tiradas das despezas eventuaes não montam a somma muito pequena. Comtudo, não me parece que em relação a algumas das gratificações, cujo abono mandou suspender, o fizesse com sufficiente rasão, porque as gratificações que mandou suspender aos officiaes em commissões pertencentes ao corpo do estado maior, s. ex.ª não o podia fazer, porque ha uma lei que determina que = os officiaes do estado maior empregados em certas commissões tenham as gratificações inherentes ás suas patentes =.

O illustre ministro, quando mandou suspender a organisação do exercito, retirou o abono de gratificações aos officiaes do estado maior que por lei as percebiam. Não sei se é exacto, mas consta-me que aos officiaes do corpo do estado maior foi mandada suspender a gratificação que de direito lhes pertencia. Outras houve, como acabo de dizer que não eram determinadas por lei, e muito bem fez o illustre ministro em mandar eliminar essas.

Sr. presidente, em relação á reforma apresentada pelo nobre marquez de Sá da Bandeira, esse bravo lidador da liberdade, creio que effectivamente ha n'ella principios que se não podem approvar, mas entendo tambem que ella tem disposições muito aproveitaveis, e que podiam mesmo ser tomadas como base para um outro trabalho que a commissão elaborasse (apoiados).

Direi francamente a minha opinião a este respeito. Creio que a organisação do sr. marquez de Sá não attingia os fins para que foi destinada, porque toda a organisação que não satisfaz ao principio fundamental de passar rapidamente de pé de paz para o pé de guerra, não é organisação muito util, principalmente em um paiz pequeno como o nosso. Em paizes grandes, que têem grandes exercitos, ainda se podem regular por outro modo; mas em paizes pequenos deve haver uma organisação em que se passe immediatamente de pé de paz para pé de guerra. O meu illustre amigo conhece que, ácerca do que diz respeito á reserva, não havia cousa alguma legislada n'aquella organisação. E comtudo esse ponto é capital, porque elle constitue a maneira de um exercito passar rapidamente do estado de paz para o de guerra.

A maneira por que a reserva está estabelecida na organisação de 1849 é letra morta, apenas está instituida no papel, porque os soldados que acabam o seu tempo de serviço no exercito, vão para as suas localidades, empregam-se depois em differentes misteres, e nunca mais se sabe onde elles existem. De maneira que a reserva não passa de uma ficção; e se os nobres deputados estão persuadidos que ella existe, vivem n'um engano.

Neste ponto pois era muito deficiente a organisação do nobre marquez de Sá da Bandeira, e póde se dizer que essa organisação, com pequenas modificações, é a de 1849, e participa de muitos dos seus defeitos. Lá estabelecia-se tambem o mesmo numero de divisões militares, e eu logo exporei á camara a minha opinião ácerca d'este ponto. Pois um paiz que possue apenas um exercito de 18:000 homens, póde ter dez divisões militares?

Mas pela ultima organisação fez-se mais alguma cousa. A organisação de 1849 estabelecia sómente tres divisões militares territoriaes, e aquella reforma faz reviver as nove divisões militares, de sorte que temos, por exemplo, um tenente general que commanda uma divisão deitado na cama, porque o seu estado de saude o inhibe de exercer as suas funcções militares; e mais que isto, ha divisões que apenas têem uma força de 400 a 500 homens!

Por consequencia tambem n'este ponto a organisação ultimamente decretada era deficiente, e nós podemos fazer uma grande economia reduzindo a tres as nossas divisões militares. Era esta a opinião de um illustre militar que todos nós conhecemos pela sua memoravel historia, o general Gomes Freire, e que escreveu um livro interessantissimo ácerca da organisação do exercito. Era este bravo general de opinião que apenas houvesse tres ou quatro divisões militares, e note a camara que então não havia estradas como as ha hoje, nem caminhos de ferro, nem telegraphos electricos, nem tinha o nosso exercito o dobro da força que tem hoje! Mas a ultima organisação estabelece nove divisões militares, para haver divisões militares com um batalhão de 400 homens, quando a Belgica, que tem um exercito muito maior do que o nosso, tem apenas tres divisões militares, e a Baviera sómente tem tres ou quatro divisões militares territoriaes.

Entendo que nós podemos fazer uma grande economia reduzindo o numero das divisões militares, e que devemos applicar os productos d'essa economia para retribuir melhor os officiaes generaes que effectivamente têem um soldo diminutissimo que lhes não permitte viverem com a decencia inherente ao seu cargo (apoiados), pois que apenas têem 600$000 réis, deduzidas as decimas.

N'essa parte era rasoavel a organisação do nobre marquez de Sá da Bandeira, que dava 90$000 réis aos majores generaes. N'essa parte concordava eu plenamente com s. ex.ª

Tambem aceitava o estabelecimento de duas classes apenas de officiaes generaes, que é a mesma organisação que tem o exercito francez. O exercito francez, que póde servir de norma a todas as nações, e que se compõe de 600:000 homens, só tem duas classes de officiaes generaes. O que não ha em França é a denominação de majores generaes que cá se estabeleceu, e que é uma denominação caduca. Essa denominação só hoje existe em Inglaterra, e é muito antiga.

A verdadeira denominação é a franceza — generaes de brigada e generaes de divisão. Os generaes de brigada commandam brigadas, e os generaes de divisão commandam divisões. Em nós estabelecendo essas duas classes temos officiaes generaes para todos os misteres da guerra; e logo que haja necessidade de collocar á frente do exercito um official general de maior graduação nomeia-se marechal do exercito o official general mais graduado, do mesmo modo que se pratica em França; mas lá fazem-se marechaes do exercito depois de ganharem as batalhas (apoiados).

Tambem me parece que era deficiente a organisação do nobre marquez de Sá da Bandeira, no que diz respeito á organisação da arma de infanteria.

Inclino-me mais á idéa de que hoje temos menos estados maiores e mais soldados (apoiados).

Quando vemos que a Belgica, sendo um paiz pouco mais ou menos como o nosso, tem apenas dezeseis regimentos de infanteria; que a Baviera, que possue um exercito de 70:000 homens, tem só quatorze regimentos de infanteria; podemos muito bem diminuir os estados maiores e dar mais força aos regimentos de infanteria e batalhões de caçadores, porque é isso que se faz hoje em todos os exercitos da Europa. E d'este modo não teremos companhias com musica, como já ouvi notar a um estrangeiro que, assistindo a uma parada e vendo desfilar os nossos regimentos, disse: «Em Portugal todas as companhias têem musica!» E realmente tinha rasão, porque seguia-se um regimento com 300 praças, logo depois porta-machados e musica, e assim successivamente em relação a cada regimento, de modo que aquelle estrangeiro julgou que cada regimento era uma companhia, e cada companhia tinha a sua musica. Não se entende assim a tactica militar. Tudo que não for organisar os regimentos com a força de 500 ou 600 bayonetas para cima, não podemos satisfazer aos fins da guerra, por isso que é preciso que se mantenha o espirito militar em cada corpo, o que não acontecerá se um corpo for composto de 300 homens; porque quando qualquer d'estes corpos entrassem em acção, e tendo 500 ou 600 praças, se acaso perde 100 ou 200 homens não se conhece tão immediatamente essa falta, como se conhecerá se elle for composto de 300 homens. Portanto é preciso que os corpos tenham a força conveniente para nunca perderem o espirito militar; é por isso que os auctores modernos recommendam, e todos são unanimes n'esta opinião, que os corpos militares devem ter uma certa força no nosso paiz; por conseguinte, a arma de infanteria devia ter uma força maior do que actualmente está determinada.

Ha tambem entre nós um grande erro quanto á organisação dos batalhões. Entre nós é preciso que o exercito faça a policia do paiz. E necessario fracciona-lo em destacamentos. Se nós tivessemos doze regimentos de infanteria organisados como o devem ser, disseminada uma parte d'elles pelo reino para o serviço da policia por um certo espaço de tempo, quando acabasse esse serviço voltasse ao exercito, indo a outra parte fazer o serviço de policia, d'este modo nunca esqueceriam as tacticas militares, e ficavam em circumstancias de poder satisfazer a todas as necessidades do serviço. Mas suppõe-se que ha um grande inconveniente separar os batalhões dos regimentos, acontecendo isto só em Portugal, quando na Hespanha e em toda a parte são separados. Assim tambem lá os regimentos têem 600 e 700 homens, quando nós os temos aqui de 300 e nunca chegam a ter 400 praças. Desejava portanto que se fizessem todas as economias para se organisar militarmente a reserva. E não cuide V. ex.ª e a camara que a organisação da arma de infanteria d'este modo resultava uma grande diminuição no accesso aos officiaes, pelo contrario augmentava, e augmentava muito, o accesso que é uma questão importantissima. É por isso que nós não temos exercito. O official que se vê com dez ou vinte annos alferes para ser tenente, esmorece completamente. O homem que precisa ter vinte annos de serviço para passar de capitão a major do corpo de estado maior e engenheria, que gosto póde fazer pela vida militar? Nenhum. Para quê? Para ter 22$000 réis; 22$000 réis tem qualquer empregado do caminho de ferro, ou em qualquer outra occupação, sem estar sujeito ao serviço activo das fileiras, sem estar obrigado á disciplina militar.

Por conseguinte já se vê que não ha estimulo para o accesso, e é preciso que em todas as organisações militares se attendam principalmente a estes principios. Em parte, perdoê-me o illustre deputado que lhe diga, que o sr. marquez de Sá da Bandeira diminue o accesso, já tão limitado na arma de infanteria; diminue os officiaes generaes, sem lhes dar compensação; diminue 18 tenentes, 18 capitães e 18 alferes...

Uma voz: — Íam ser empregados na guarda civil.

O Orador: — Empregados na guarda civil! Na guarda civil; Deus sabe quando apparecerá um projecto apresentado pelo governo, tendente a crear a guarda civil. E já que se fallou na guarda civil, permitta-me v. ex.ª que declare a minha opinião a este respeito.

Estou persuadido de que Portugal não póde ter guarda civil e exercito, porque não estamos em circumstancias d'isso. O exercito mata a guarda civil e a guarda civil mata o exercito. Não se póde organisar a guarda civil sem uma grande despeza. Em primeiro logar, ha de haver difficuldade em organisar a guarda civil, porque esta instituição organisada como está em Hespanha é muito difficil. E mesmo ali levou muito tempo. É difficil encontrar 3:000 a 4:000 homens que saibam ler e escrever correctamente, que é uma condição indispensavel para o individuo fazer parte da guarda civil, não se podendo dar menos de 400 réis ou 500 réis a cada individuo. Pergunto ao illustre deputado a quanto monta esta despeza? A guarda civil teria 3:000 homens, dando-se a cada um d'elles 400 ou 500 réis, virá o paiz a fazer uma grande despeza.

O que digo e sustento é que não podem haver ambas as cousas — guarda civil e exercito, porque a guarda civil aniquila o exercito, e este aniquila a guarda civil. Creio eu que não podemos prescindir do exercito, e que é indispensavel. Se nas circumstancias pecuniarias do paiz deve o exercito fazer a policia do mesmo paiz, então o que convem fazer? E augmentar a força do exercito; destacar todos os annos uma certa porção para ir fazer a policia, e no fim de um certo tempo voltar essa força para o exercito, para não perder a instrucção e os habitos militares.

Seria de certo muito conveniente, e oxalá que o paiz estivesse nas circumstancias de ter tambem uma guarda civil. Mas o que creio é que não temos meios para isso. Se se póde dispensar algumas verbas é melhor applica-las no exercito, augmentar a sua força, destacar todos o annos uma brigada, por exemplo, para fazer a policia do paiz.

Por conseguinte, progredindo nas considerações que desejava fazer, direi que se podem fazer grandes economias para se poder organisar militarmente a reserva; e organisar os regimentos, por exemplo, como proponho, em bases que logo mandarei por escripto para a mesa, e a camara verá que o accesso não diminue, antes augmenta, e o exercito passava rapidamente do pé de paz para o pé de guerra. E por esta occasião permitta-me a camara que lhe diga, que o plano de organisação que tive a honra de apresentar quando se tratou da primeira auctorisação votada no parlamento, teve a fortuna de haver sido analysado mui lisongeiramente pela imprensa não só de Lisboa, mas tambem das provincias. E é singular, não digo isto por motivo de vaidade, que os principios em que baseei o plano da organisação que apresentei quando se concedeu a auctorisação ao governo, esses principios foram adoptados ultimamente na organisação militar da Baviera taes e quaes, de certo que não os vieram cá buscar, mas naturalmente porque esses principios indicaram aquella organisação; e a organisação militar que eu propuz é modelada na organisação que já possuiamos em 1816.

Aqui está o meu nobre amigo e parente, o sr. Affonso

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Botelho, que conhece casa organisação perfeitamente, e que sabe que tão perfeita é ella que ainda hoje vigora na Prussia. A Prussia adoptou a nossa organisação militar de 1806, e ainda hoje a tem em vigor.

E certo que nós hoje não podemos pôr essa organisação em vigor, porque não temos 4.000:000$000 ou 5.000:000$000 réis para despender; mas podemos dar ao exercito uma organisação que se assimilhe o mais possivel d'ella, organisando a reserva militar.

Não desejo entrar na questão largamente, porque não desejo levar muito tempo á camara, e porque se fosse a discutir cada um dos elementos de que o exercito se compõe, levaria duas ou tres sessões.

Mas se não desejo occupar por muito tempo a attenção da camara, tambem não posso deixar de apresentar algumas considerações sobre alguns pontos da organisação do exercito, decretada pelo ex-ministro da guerra, o nobre marquez de Sá. Fallarei por conseguinte em relação ás diversas armas, e procurarei mostrar a situação em que cada uma ficava, decretando-se a nova organisação.

Sr. presidente, nem com respeito á arma de infanteria nem de engenheria, nem ao corpo do estado maior, a organisação do illustre ministro transacto satisfazia.

A arma de engenheria essa era prejudicadissima, porque alem do accesso ser já bem pequeno n'esta arma, ainda ficava muito mais reduzido; porque, com a entrada dos lentes das escolas, tornava-se muito mais moroso esse accesso; Para que a camara faça idéa de qual é o accesso da arma de engenheiros, em relação á infanteria, basta dizer que alguns tenentes de 1834 ainda hoje não passaram do posto de capitão, emquanto que os alferes de infanteria de 1834 já chegaram alguns a tenentes coroneis. São dois postos, e parece-me que os officiaes dos corpos scientificos do exercito têem tanto direito ao accesso, como os de infanteria e cavallaria. Por consequencia, n'esta parte, tambem a organisação do illustre ministro transacto não satisfazia aos principios de justiça.

Em relação ao corpo d'estado maior, é verdade que s. ex.ª augmentava o quadro do corpo com dois ou tres officiaes superiores, mas por outra parte desconsiderava-o, porque s. ex.ª dizia que metade das promoções do corpo do estado maior, para o qual s. ex.ª exigia ainda mais amplas e rigorosas habilitações, seriam preenchidas por officiaes de infanteria e cavallaria. D'esta maneira era melhor dizer que o corpo ficava extincto, do que dizer que metade das promoções deviam ser preenchidas por officiaes de cavallaria e infanteria, sem as habilitações competentes.

Isto não podia ser; e isto era tanto mais para notar, quanto foi s. ex.ª quem creou este corpo, e foi s. ex.ª quem organisou e determinou os cursos da escola polytechnica, assim como os cursos das armas especiaes. S. ex.ª podia fazer uma organisação sem prejudicar tanto o accesso d'esta classe.

Mas quer a camara saber se é possivel fazer algumas economias no exercito, que revertessem em favor do mesmo exercito? Porque eu quero que se façam as economias rasoaveis, e o resultado d'estas economias deve servir para satisfazer as primeiras necessidades do exercito.

Por exemplo, em relação aos officiaes generaes.

Eu não quero cansar a camara, mas não posso deixar de entrar em algumas particularidades. Nós temos o seguinte quadro de officiaes generaes (leu).

Por conseguinte se este quadro for reduzido ás suas devidas proporções, teremos 2 marechaes do exercito, 12 generaes de divisão, 24 generaes de brigada, etc.; e ainda assim, tendo maior soldo, havia de dar uma economia para o estado de perto de 3:000$000 réis annualmente, o que é importante. Se as divisões militares forem, por exemplo, reduzidas a tres, dando maiores gratificações aos commandantes, com muito menos governos civis (apoiados da maioria). Sim, senhores, apoiado, mas pergunto aos illustres deputados, qual é o ministro que tem a energia e a coragem precisas para vir apresentar a reducção dos governadores civis e tambem a dos bispados?...

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Não é preciso coragem para isto, faz-se logo que seja necessario.

O Orador: — Pois eu peço ao illustre deputado que empregue a sua influencia para que seja trazida a esta casa uma proposta para a reducção dos governadores civis e dos bispados. Ía jurar a s. ex.ª que não ha de ver propor similhante medida, mas se isto é uma illusão do meu espirito, o illustre deputado póde desvanece-la, empregando a sua influencia com o governo para que apresente a reducção dos governadores civis.

Mas voltando ao ponto de que me estava occupando, direi que é indispensavel organisar militarmente a reserva, e de modo que o exercito possa passar de pé de paz para o pé de guerra todas as vezes que for preciso. A organisação do exercito que não satisfizer a isso não é organisação.

Ordenar que haja um corpo de mais ou um corpo de menos, um corpo de mais ou uma companhia de menos, isso não quer dizer nada. A questão é a passagem rapida do pé de paz para o pé de guerra.

Estou fallando diante de um cavalheiro que já foi ministro da guerra (refiro-me ao sr. Belchior José Garcez), e s. ex.ª sabe perfeitamente que são estas as idéas que lhe tenho apresentado, que são as mais seguidas e de mais conveniente adopção. E lembro-me agora de algumas palavras que s. ex a disse aqui quando se tratou da discussão da resposta ao discurso do throno. S. ex.ª declarou se incompetente para entrar n'esta materia, e disse que não proferia uma palavra sobre o assumpto. Ora, s. ex.ª foi já ministro da guerra e de certo é muito competente para entrar n'esta materia (apoiados), e creio mesmo que já n'outra occasião apresentou algumas propostas, tendentes a melhorar a organisação do nosso exercito.

O meu nobre collega deu os motivos por que não fallava n'este assumpto, é porque tinha sido prejudicado com a nova reforma do exercito. Mais uma rasão para s. ex.ª tratar d'esta organisação. A sua opinião é insuspeita, porque s. ex.ª disse que a reforma feita pelo ar. marquez de Sá era excellente, e não o disse só s. ex.ª, disseram n'o mais alguns srs. deputados da maioria. E n'este caso acrescentarei eu: «Se a reforma é excellente, então vá á commissão para a estudar, e apresentar sobre ella o seu parecer» (apoiados); estude a commissão esta materia, emitta a sua opinião quanto antes, porque o objecto é de summa conveniencia publica (apoiados).

Eu ainda espero que o nobre deputado tomará a palavra sobre este objecto, e que nos ha de esclarecer com as suas luzes (apoiados). S. ex.ª é mais competente que nenhum de nós para tratar d'esta especialidade (apoiados). A suspeição de incompetente não lh'a posso eu irrogar!

Não posso concordar com todas as disposições do decreto da reforma do exercito, todavia entendo que elle encerra muita cousa aproveitavel, que o devemos estudar para o expurgar dos defeitos inherentes sempre em maior ou menor escala a trabalhos d'esta ordem, e que a commissão deve apresentar com a brevidade possivel o seu parecer...

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Mas levantou-se aqui contra elle...

O Orador: — Peço perdão. Eu não me levantei aqui contra o decreto; apresentei uma proposta pedindo que elle fosse suspenso até que a commissão de guerra desse o seu parecer sobre aquelle objecto; foi isto o que pedi, e sou o primeiro a confessar que ha ali algumas disposições rasoaveis e dignas de serem aproveitadas; e isto é portanto mais uma rasão para a commissão o estudar e dar um parecer especialmente sobre elle... (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Mas n'essa occasião não queria que fosse estudado.

O Orador: — Peço perdão. Queria e quero que seja estudado pela commissão, quiz e quero o mesmo que o illustre deputado (apoiados), porque s. ex.ª propoz que o decreto fosse á commissão para dar sobre elle o seu parecer, e a commissão sem o estudar não podia dar parecer (muitos apoiados). Era a mesma cousa que eu queria, com a differença que eu julguei preciso suspender a execução d'aquelle decreto, para se não estarem fazendo mais trabalhos inuteis. Emquanto a commissão estava estudando um objecto tão importante e grave, era preciso que o decreto estivesse suspenso para se não fazerem trabalhos infructiferos e não estarem os corpos do exercito no cahos em que actualmente estão.

«A organisação do exercito, disse o sr. Belchior Garcez, é regulamentar». Pois a organisação da força publica de um paiz é objecto regulamentar? Só em Portugal é que questões d'esta ordem são consideradas questões secundarias (apoiados). A organisação do exercito, da qual depende especialmente a defeza de um paiz, não póde ser reputada uma questão secundaria, nem objecto regulamentar (apoiados).

Mas diz-se: «E um objecto que não é ministerial, é um assumpto em que não ha solidariedade ministerial, que não tem as honras de merecer a solidariedade ministerial». Mas note se que a organisação da força publica não tem as honras de merecer a solidariedade ministerial, mas o projecto da annullação esse tem (apoiados). De mais a mais isto não está concorde até com o que se tem passado sobre este objecto. Como tem sido moda ler aqui artigos de jornaes, e, por occasião da discussão da resposta ao discurso do throno, um illustre deputado da maioria leu aqui um artigo da Gazeta de Portugal sobre a apreciação que fazia do procedimento, honestidade e honra do nobre marquez de Sá, jornal insuspeito por ser da opposição; peço licença para ler um artigo de um jornal que defende, e muito, a politica ministerial, o Jornal do Porto, a respeito da apreciação que elle faz sobre a questão pendente (leu).

Isto é uma apreciação que faz um jornal insuspeito, e peço perdão á camara por lhe haver tomado alguns instantes com esta leitura.

Mas pelo que respeita á questão da solidariedade é para sentir que n'uma questão tão grave como é a organisação da força publica o governo entendesse que ella não merecia considerar-se como questão da responsabilidade solidaria do gabinete.

(Deu a hora.)

Não quero ficar com a palavra reservada para outra sessão, por isso se v. ex.ª me permitte direi mais duas palavras para concluir.

Em relação a este objecto, á solidariedade ministerial, queria só lembrar á camara de passagem o que se passou na camara dos dignos pares do reino. O nobre marquez de Sá declarou ali que = tinha apresentado as bases da reorganisação aos seus collegas =. Eu não posso deixar de pedir a toda a camara de acreditar n'esta declaração do nobre marquez de Sá da Bandeira, caracter honrado, nobre, e incapaz de faltar á verdade (apoiados).

Quiz-se explicar isto de outro modo, quiz-se sophismar, e disse-se = que essas bases eram em relação á auctorisação =. Mas a auctorisação não tem bases, é uma auctorisação amplissima. A auctorisação foi concedida sem que a reorganisação exceda a verba da despeza votada para o exercito; mas pelo que respeita ás bases fundamentaes da reorganisação nem uma se estabeleceu; e eu queria na commissão que ella apresentasse a auctorisação com bases. E mantendo-me n'este terreno, mando para a mesa umas bases, que não leio agora á camara para não a fatigar mais. Vão assignadas tambem por alguns illustres collegas. Peço a v. ex.ª que sejam submettidas á apreciação da commissão de guerra e impressas no Diario de Lisboa. E vão juntamente as propostas que já li.

Peço desculpa á camara se no decurso da discussão disse alguma palavra menos conveniente. Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos dos srs. deputados.)

As propostas e o projecto de bases ficaram para segunda leitura.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão seguinte é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram mais de quatro horas da tarde.

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