620 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
se applica as suas receitas, não em terminar as grandes arterias de communicação, mas em construir estradas de interesse particular e serventias para propriedades e quintas, então o interesse publico desapparece, e ha motivos para protestar contra similhante corporação, não se lhe devendo sacrificar o dinheiro dos contribuintes em favoritismos e abusos de auctoridade.
Esta these ha de ser para mais tarde.
Não supponho que os nossos dias de vida politica sejam longos, mas durante elles hei de ter o tempo necessario para mostrar qual tem sido a administração de certas corporações, como ella continua ainda, e como é necessario applicar-lhe um remedio urgente e enérgico, aliás havemos de cair exactamente num caso parecido com a camara municipal de Lisboa.
O sr. J. J. Alves: - Ainda bem, oxalá!
O Orador: - Eu sempre assim pensei, mas fui mais alem; fiz o que pude para acabar com este estado de cousas.
(Interrupção do sr. J. J. Alves.)
Estimo muito, mas v. exa., quando aqui se discutiu a reforma administrativa do municipio, insurgiu-se contra ella.
(Interrupção do sr. J. J. Alves.)
No anno de 10000 não sei o que ha de acontecer, mas em 1886 já posso dizer o que succede á actual camara municipal, em logar de ser constituída por um grupo de individuos, combinados para explorar em seu proveito a administração publica, é formada por fracções de partidos diversos que se fiscalisam reciprocamente. O que posso dizer é que durante dois ou tres mezes se tem trabalhado activamente, e os fructos d'esse trabalho já são publicos e notorios; e o que posso tambem afirmar é que na lei ha tambem elementos para evitar essa doce harmonia que tende a estabelecer-se nas corporações administrativas e que as torna, em regra, o instrumento dos interesses e o joguete das paixões de uns mandões quaesquer...
Lá está a representação das minorias, que é o melhor correctivo para este tristissimo estado das nossas corporações administrativas.
Voltando novamente ao assumpto, desejo sobre elle ouvir o sr. ministro da fazenda, peço; portanto, a v. exa. que me reserve a palavra, se for possivel, para responder ás considerações que o sr. ministro da fazenda haja porventura de fazer.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Não acompanharei o illustre deputado nas considerações que s. exa. fez sobre a administração de varias corporações administrativas, a respeito das quaes s. exa. conhece perfeitamente a minha opinião antiga.
O sr. Fuschini: - E a de hoje?
O Orador: - Conservo a mesma.
Procurando dar rapido andamento a todos os negocios dependentes do ministerio a meu cargo, tive occasião de examinar muito summariamente o processo relativo á questão levantada por s. exa.
Discutiu-se entre a junta geral do districto e a camara municipal de Lisboa se a percentagem addicional aos impostos directos, lançada em relação ao anno de 1885 e cobravel no anno de 1886, pertence á junta geral ou á camara municipal.
A impressão que me resultou da leitura do processo, e que não dou ainda como definitiva, é que, nos termos da legislação em vigor, a percentagem cobrada este anno pertence á junta geral, por ser um addicional sobre o imposto do anno de 1885.
Isto é o que me parece resultar da stricta interpretação da lei, tal qual ella é, sem todavia querer dizer com isto que seja esta a minha opinião definitiva. D'aqui, e digo isto sem estar habilitado a travar uma discussão larga sobre o assumpto, a concluir que se possa considerar essa interpretação como a mais justa e mais equitativa, vae um abysmo.
Como disse, já tomei conhecimento do negocio. O illustre deputado comprehende, porém, que, attento o pouco tempo que tenho de gerencia da pasta a meu cargo, não podia ter estudado profundamente a questão. Parece-me, accentuo bem o verbo, parece-me que esta quota de contribuição pertence á junta geral e não á camara, mas tambem me parece que isto que resulta da interpretação da lei não é o mais equitativo.
Prometto ao illustre deputado completar em dois ou tres dias o estudo que já principiei a fazer sobre este assumpto e tomar sobre elle uma resolução, ou propor ao poder legislativo qualquer providencia, se o julgar conveniente.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do sr. presidente do conselho e ministro do reino para uma questão que me parece de summa gravidade, e que passarei a expor á camara da maneira a mais succinta.
Mas antes de encetar as considerações, que julgo do meu dever fazer perante o parlamento a tal respeito, peço aos srs. deputados e ao governo que pesem bem os termos em que vou collocar a questão, para que não seja mais tarde desvirtuado o meu propósito, attribuindo-se-me intenções que não eram as minhas!
Sr. presidente, ha dias a imprensa officiosa de Lisboa relatava a prisão de um cavalheiro hespanhol, residente ha algum tempo entre nós, e indicava como motivo d'essa prisão o achar-se o mesmo cavalheiro implicado em uma conspiração contra a ordem publica do paiz vizinho.
Como é a primeira vez que um facto desta ordem acontece sob a gerencia do actual governo, eu aproveito a occasião para, generalisando da hypothese á these que naturalmente d'ella se deduz, pois é bem sabida a frequencia com que todos os dias estão a ser presos pelas nossas auctoridades emigrados hespanhoes, pedir explicações aos srs. ministros e lembrar-lhes que ácerca de prisões políticas, sobretudo as realisadas a reclamações estrangeiras, devem ter todas as cautelas e todos os cuidados que reclama assumpto tão delicado.
Eu não venho aqui, e repito, peço tanto á camara como ao governo que tomem bem conta dos termos em que me expresso, porque não quero que amanhã as minhas palavras possam ser mal comprehendidas, eu não venho aqui advogar a causa de qualquer estrangeiro que, tendo acceitado a hospitalidade da bandeira portugueza, haja porventura usado ou abusado d'essa hospitalidade para collocar o governo da nação que o hospedou em uma posição difficil para com o governo do paiz vizinho como quem diplomaticamente está em boas relações de amisade.
Não venho tratar d'essa hypothese, se acaso ella existe.
Não sei se o cavalheiro hespanhol, que acaba de ser preso, como implicado n'uma conspiração zorrillista, é ou não culpado do delicto que lhe imputam.
Simplesmente peço ao sr. presidente do conselho que pese bem qual é a responsabilidade do governo perante um acontecimento d'esta ordem, se, como muitos suppõem, o accusado está innocente, e o crime que se attribue ao cavalheiro de que se trata se não provar.
Se um hespanhol, seja elle quem for, de alta ou de baixa categoria, abusando, torno a repetir, da hospitalidade portugueza, conspirar abertamente em Portugal contra as instituições do paiz vizinho, eu, que não me colloco n'este momento no meu ponto de vista politico, sympathico ás idéas e aos princípios por que trabalha esse emigrado, mas que acceito como um facto, os actuaes preceitos do direito internacional, não negarei ao governo o direito que n'este caso tem de proceder como lhe parecer conveniente, a fim de evitar difficuldades diplomaticas com uma nação amiga.
Queria antes que o meu paiz fosse um asylo inviolavel como a Inglaterra e a Suissa; quereria que os nossos governos, como os d'estes dois estados, berços tradicionaes