SESSÃO DE 12 DE MARÇO DE 1886 621
da liberdade, reconhecessem a sua incompetencia para perseguirem os criminosos politicos; quereria que cada uma das reclamações dos governos monarchicos de aqui encontrasse o mesmo frio acolhimento, que paizes acima mencionados têem encontrado as reclamações dos tres autocratas da Europa germânica e slava.
No entretanto, as nossas relações com a Hespanha são, confesso-o, verdadeiramente excepcionaes, e por isso eu não vou até ao ponto de censurar o governo por não permittir que Portugal se transforme em foco de conspirações contra a ordem publica da nação vizinha.
Mas é necessario então que, logo que o governo toma sobre si a grave responsabilidade de um arresto ou de uma expulsão, immediatamente faça publico e conhecido o motivo que deu causa a tal procedimento, porque só assim ficará justificado e só assim não dará motivo a protestos da parte d'aquelles contra os quaes for applicado o rigor da lei internacional!
Não se trata, com effeito, de um crime commum, sr. presidente, não se trata de um crime que possa lançar uma macula sequer sobre o caracter do individuo que o tenha praticado; trata-se de uma causa politica, de uma causa que, se hoje é vencida e por isso se converte em objecto de perseguição, amanha póde ser vencedora, e quem sabe, talvez adulada por esses mesmos que agora a periguem!
Tudo está aconselhando, pois, ao governo que se colloque na posição mais correcta para que um dia a nação não tenha de soffrer pela leviandade dos seus governantes.
Até no proprio interesse do governo, tudo lhe indica, que seja em extremo cauteloso e prudente. Se um mero pretexto vago, se um rumor ou boato sem consistencia, se uma simples denuncia ás vezes até anonyma, sem mais provas, sem mais investigações, podem levar o governo a mandar prender, internar ou expulsar um estrangeiro illustre; se não ha meio de poder convencer esse estrangeiro e a opinião publica do seu paiz que lhe partilhe as idéas, de que o governo estava no seu direito e cumpria mesmo um dever, defendendo os principios e as praxes geralmente acceitas do direito internacional; ámanhã, quando os vai-vens da politica em Hespanha levarem ao poder os homens que hoje são apenas uns pobres expatriados, hão de os governos portuguezes ver-se embaraçados em proença d'aquelles, que jamais poderão esquecer os aggravos que dos nossos poderes publicos receberam, quando estavam na desgraça. E esta consideração afigura-se me da mais alta gravidade!
Houve tempo, ha annos já, em que se disse que um ministro dos negocios estrangeiros portuguez era o alabadeiro do governo de Narvaes! Era isto antes de 1868; e d'ahi a pouco, os generaes e os estadistas, que haviam sido os hospedes das nossas fortalezas e dos nossos navios de guerra entravam na sua patria em triumpho, e assumiam o poder pelo verdadeiro plebiscito da gloriosa revolução de setembro!
Seria bom que não se podesse dizer de mais ministro algum nosso e sobretudo hoje, que elle era o alabardeiro do governo hespanhol, porque esta phrase é para nós offensiva e, sendo justificada, póde de futuro acarretar-nos gravissimos desgostos!
Pois não será triste e vergonhoso, que n'uma nação, onde s direitos individuaes estão ao abrigo da carta constitucional, se vejam tratados como gatunos ou faccinoras, por neros e futeis pretextos, homens distinctos e altamente collcads em outro tempo no seu paiz, e que ámanhã podem voltar a occupar esses logares eminentes?
A lei moderna, sr. presidente, e é este um dos seus grandes progressos, deixou de ser pessoal, como a lei barbara, para se tornar territorial. Como é, pois, que summariamente se encarnecem, e se conservam por dias e por semnas presos individuos, sem notificação de culpa, quando vigora para os portuguezes o artigo 145.º da carta constitucional?! Eu acho tal procedimento monstruoso!
Sr. presidente, levantei aqui esta questão, porque vi n'um jornal apresentar como motivo determinante da prisão do cavalheiro a que me estou referindo, uma rasão que eu não repetirei aqui, mas que, se fosse verdadeira, era altamente deshonrosa para os poderes publicos do meu paiz!
Não digo que a causa apontada seja a que imperou no animo do governo; quero acreditar mesmo que o não tivesse sido, por honra de todos nós; mas o que entendo é que se torna indispensavel, para evitar estes lamentaveis equivocos, que do momento em que se expulsa ou se manda internar um estrangeiro qualquer, sob o pretexto de que compromette as boas relações de amisade internacional com o paiz vizinho, se faça publico, se effectivamente se chegou a adquirir provas, de que era fundada a accusação. Só assim ficará o governo portuguez com a sua responsabilidade perfeitamente salva, pois nunca se poderá dizer que elle foi um servil instrumento, ou de vinganças, ou de paixões menos nobres e menos levantadas.
Esta correcção de procedimento é-nos imposta pela posição excepcional em que estamos, para com todos os partidos politicos de Hespanha, que hoje caem vencidos e amanhã se podem elevar vencedores.
São estas as considerações que apresento ao sr. presidente do conselho e ministro do reino, pedindo-lhe explicações ácerca dos motivos que levaram o governo a prender ~ o cavalheiro hespanhol, cujo arresto foi annunciado com ares tão tétricos pelas folhas semi officiaes. Como é a primeira vez, que um facto desta ordem succede sob a gerencia do actual governo, entendi que não devia deixar passar a occasião, sem deixar bem consignado o meu parecer, que é ao mesmo tempo um protesto contra todos os atropelos que até hoje se têem commettido.
Creio que a camara toda me faz a justiça de suppôr que não venho defender aqui a causa de ninguem, em especial, nem tratar de pessoas. Do que trato é dos interesses e do bom nome do meu paiz! (Apoiados.)
Se o cavalheiro que se mandou prender estava realmente conspirando contra a ordem publica do paiz vizinho, o governo, dadas as idéas correntes, e acceitas as praxes estabelecidas no direito internacional, cumpriu com o seu dever, ou pelo menos usou de um direito que eu não lhe contestarei.
Mas para que este ponto se esclareça, e o grau de responsabilidade do gabinete se avalie, é necessario que se prove, que esse individuo effectivamente conspirava, e que não fique a accusação apenas com um motivo vago, como uma mera allegação, que em todo o caso é um labéu, que vae acompanhar o delinquente ou a victima para qualquer paiz para onde for acolher-se, e labéu que o póde altamente prejudicar nos seus interesses e na sua tranquilidade!
Termino por aqui as minhas considerações, pois creio ter explicado á camara o meu pensamento.
Sirvam em todo o caso estas palavras de aviso aos governos, que nessas cadeiras se succedem, e que um dia talvez tenham de arrepender-se do modo como interpretam para com infelizes espatriados os deveres do direito internacional. Ao menos o partido, que n'esta camara tenho a honra de representar, salvaguardará a honra da nação gravemente compromettida pelas imprudencias de todos os partidos monarchicos!
Tenho dito.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Começo por mandar para a mesa duas propostas de lei que o meu collega das obras publicas me encarregou de apresentar a esta camara, visto não poder hoje comparecer á sessão, pelo motivo que é conhecido de todos.
(Leu as propostas.)
Aproveito esta occasião, para responder em poucos pa-