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SESSÃO DE 12 DE MARÇO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de mendia

SUMMARIO

Deu-se conta dos seguintes officios. 1.° Do sr. João Marcellino Arroyo, participando, para os devidos effeitos, que resolveu acceitar o cargo de vogal supplente do tribunal de contas, para que foi nomeado por despacho do ministerio da fazenda de 18 de fevereiro ultimo. Á commissão de poderes: 2.° Do ministerio da guerra, remettendo, informado, o requerimento do general de brigada reformado, Antonio Chrispiniano de Amaral, pedindo melhoria, de reforma. A commissão de guerra. - O sr. presidente disse que, estando de luto o sr. deputado Emygdio Navarro, ministro das obras publicas, seria, na conformidade do regimento, desanojado por um dos srs. secretarios. - Tiveram segunda leitura os projectos de lei apresentados pelos srs. Avelino Calixto, Cardoso Valente (assignado tambem pelo sr. Moraes Sarmento), Moraes Sarmento (assignado tambem pelo sr. Eduardo Coelho), de que já demos conta na sessão anterior. - Apresentaram representações os srs. Lopes Navarro, da camara municipal do concelho de Villa Real: Neves Carneiro, da camara municipal do concelho dos Arcos de Valle de Vez; Figueiredo Mascarenhas, das camaras municipaes de Castro Marim, Monchique, Aljezur, Lagoa, e de differentes frequentadores das Caldas de Monchique. - Propõe o sr. presidente e a camara applaude, que se nomeie um commissão encarregada, alem da mesa, de cumprimentar Suas Magestades pelo regresso do Principe Real. - Por proposta do sr. Avellar Machado, que foi approvada, é auctorisada a funccionar no intervallo parlamentar a commissão de inquerito á agricultura. - O sr. Pereira Leite, referindo-se á descoberta do antidoto contra a raiva, realisada pelo sabio Pasteur, pede ao governo que nomeie um dos medicos mais distinctos para ir a Paris fazer os estudos necessarios para se estabelecer em Portugal o tratamento dos doentes de tão horrivel molestia. - Responde-lhe o sr. ministro de fazenda. - O sr. Fuschini pergunta se uma verba, que se não poderá avaliar em menos de 170:000$000 réis, provenientes da percentagem de 18 por cento addicionaes que a junta geral tinha lançado sobre as contribuições directas, pertencem á camara, ou á junta geral, determinando a nova organisação municipal para Lisboa, que as finanças do municipio ficassem completamente separadas das finanças da junta geral. Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. Consiglieri Pedroso faz differentes considerações ácerca da prisão de um cavalheiro hespanhol, implicado em crimes contra a ordem publica no paiz vizinho, desejando que o governo fizesse públicos os motivos que b ou vê para este procedimento.- Responde-lhe o sr. presidente do conselho. - O sr. Alfredo Peixoto chama a attenção do governo sobre diversos assumptos. - Responde-lhe o sr. presidente do concelho. - O sr. ministro da fazenda mandou para a mesa uma proposta do lei, auctorisando o governo a mandar cunhar 200:000$000 réis em moedas de prata de 200, de 100 e de 50 réis. - O sr. presidente do conselho, por parte do seu collega ministro das obras publica, apresenta duas propostas de lei: 1.ª, auctorisando o governo a acceitar da commissão encarregada da subscripção para commemorar o nome do fallecido ministro e secretario d'estado, Augusto Saraiva de carvalho, a importancia d'essa subscripção, creando-se com ella um fundo em inscripções, para com o seu rendimento se constituirem premios com a designação «Saraiva de Carvalho», que srão conferidos aos alumnos mais distinctos da cadeira de microscopia nosologia vegetal do instituto geral de agricultura, aos da de arte de minas e metallurgia do instituto industrial de Lisboa e aos do curso pratico de correios, telegraphos e pharoes da direcção geral d'este nome; 2.ª, prorogando por mais tres annos o ensaio da cultura do tabaco na região vinhateira do Douro, e segundo os termos da carta de lei de 12 de março de 1884. - O sr. Frederico Arouca, por parte da commissão de legislação civil, apresentou o parecer sobre a proposição de lei da camara dos pares n.° 21-B, que tem por objecto interpretar o n.° 2.° do § único do artigo 10.° do decreto de 30 de setembro de 1852. Pediu dispensa do regimento para poder entrar logo em discussão e foi approvado. - Justificaram as suas faltas às sessões os srs. D. Luiz Maria da Camara, Germano de Sequeira, Marcellino Arroyo, visconde de e Fuschini.
Na ordem do dia foi approvado sem discussão o projecto n.º 18, fixando o contingente para o execução armada. - Entrou tambem em discussão em um additamento proposto pela commissão, o projecto n.º 21, permittindo que as dividas á fazenda nacional por contribuições directas, vencidas até 30 de junho de 1884, possam ser pagas dentre em dois annos por prestações mensaes ou trimestraes, continuando a contar-se-lhes o juro de mora, desde o pagamento da primeira prestação. - Falla o sr. Alfredo Peixoto, que apresenta duas propostas, e fica, pendente a discussão. - Antes do encerramento da sessão trocam-se algumas aplicações entre o sr. Franco Castello Branco e o sr. ministro da fazenda.

Abertura - Ás tres horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 58 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Antonio Candido, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Moraes Sarmento, Carrilho, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Fuschini, Pereira Leite, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, E. Coelho, Fernando Geraldes, Fernando Caldeira, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Francisco de Campos, Castro Matoso, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Franco Frazão, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Sousa Machado, J. A. Neves, Joaquim do Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Avellar Machado, Correia de Barres, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz Dias, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Rodrigo Pequito, Barbosa Centeno, Dantas Baracho, Tito do Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Silva Cardoso, Sousa e Silva, Antonio Centeno, Garcia Lobo, Pereira Borges, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Estevão de Oliveira, Wanzeller, Costa Pinto, Ponces de Carvalho, Dias Ferreira, Reis Torgal, Marçal Pacheco, Marinho Montenegro, Pereira Bastos e Vicente Pinheiro.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Pereira Côrte Real, Antonio Ennes, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Condo da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Correia Barata, Mártens Ferrão, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, San'Anna e Vasconcellos, Silveira da Mota, Baima de Bastos, J. ª Pinto, Augusto Teixeira, Melicio, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, Teixeira de Vascioncellos, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Borges de Faria, Laranjo, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, José maria Borges, Oliveira Peixoto, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Correia, Gonçalves de Freitas, Visconde de Alentem, Vis-

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conde de Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da guerra, remettendo, informado, o requerimento em que o general de brigada reformado António Chrispiniano do Amaral pede melhoria de reforma.
Á commissão de guerra.

2.° Do sr. deputado João Marcellino Arroyo, participando que, havendo sido nomeado para o logar de vogal supplente do tribunal de contas, resolveu acceitar o referido cargo.
Á commissão de verificação de poderes.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A camara municipal do concelho de Gaia, com o nobre intuito de fomentar, quanto possivel, o desenvolvimento da instrucção popular, deliberou acceitar o encargo de distribuir annualmente pelos alumnos das escolas publicas das freguezias de Mafamude e de Santa Marinha, de Villa Nova de Gaia, que mais se distinguirem pelo seu aproveitamento, os juros de 3:000$000 réis nominaes em inscripções da divida publica fundada, que o fallecido visconde das Devezas, Antonio Joaquim Borges de Castro, deixou em testamento para serem averbadas á mesma camara com a referida applicação.
Segundo a expressa disposição do testador, a camara não adquire a propriedade, nem o usufructo, d'essas inscripções; é simples administradora dos seus rendimentos, que hão de ser integral e exclusivamente applicados á distribuição de determinados prémios annuaes.
Não ha, portanto, rigorosamente uma transmissão de propriedade movei ou immovel, por titulo gratuito ou oneroso, unicos sujeitos pelas leis vigentes e pelo regulamento do 30 de junho de 1870 á respectiva contribuição de registo.
De facto essas inscripções não se transmittiram para a camara, que nem póde alienal-a, nem usufruil-as: ficam, sob a sua mera administração, como um meio permanente de estimulo em prol da instrucção popular.
E, tendo em consideração o fim altamente humanitario d'este legado que, mirando ao maior desenvolvimento da instrucção, a todos aproveita, julgo do meu dever e tenho a honra de submetter á esclarecida opinião do parlamento o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É isenta a camara municipal do concelho de Gaia do pagamento de contribuição de registo pela transmissão da quantia de 3:000$000 réis nominaes era inscripções da divida publica fundada, que o fallecido visconde das Devezas, Antonio Joaquim Borges de Castro, lhe legou com o encargo de distribuir annualmente pelos alumnos das escolas publicas de Mafamude e de Santa Marinha, de Villa Nova de Gaia, os juros d'essas inscripções.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, 5 de março de 1886. = João Cardoso Valente, deputado pelo circulo de Gaia = Antonio Luiz Gomes Branco de Moraes Carvalho.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - A lei de 30 de julho de 1860 sobre contribuição industrial ordena, no artigo 12.°, § 1.º que todos os logistas e chefes de estabelecimentos commerciaes serão responsaveis pelas collectas dos seus respectivos caixeiros, quando não sejam pagas nos prasos da lei.
Esta disposição foi transcripta textualmente no regulamento de 28 de agosto de 1872, no § 1.° do artigo 228.°
Similhante novação forçada, que desloca a responsabilidade legal dos caixeiros para os seus patrões commerciantes, é, alem de violenta e iníqua, uma verdadeira immoraralidade.
Na quasi totalidade das terras do paiz, os commerciantes têem em sua casa caixeiros, dando-lhes casa, sustento e educação.
Logo que perfazem a idade de quinze annos, ficam os caixeiros sujeitos, segundo a lei, á contribuição industrial.
Os patrões em lucta permanente com a actual insubordinação e depravação de costumes que se têem alastrado a todas as camadas sociaes, com grave desprestigio do principio da auctoridade, vêem se obrigados, para conseguirem a permanencia e sujeição de seus caixeiros e empregados, a fazer-lhes constantes adiantamentos ou ás suas familias.
Por esta fórma raro é o final de anno em que existe saldo a favor dos caixeiros. Quasi sempre fica em divida para o anno seguinte e não poucas vezes acontece causarem graves prejuizos, sem que seus patrões tenham meio algum de reembolso, ou de fazer valer sequer a responsabilidade civil ou criminal dos seus subordinados.
Esta é, infelizmente, a realidade dos factos e experiencia, que se impõe a todas as vontades e a todas as theorias dos legisladores.
A subrogação legal que porventura se subentende a favor dos patrões, é inefficaz e irrisoria.
A lei deve ser exequivel, justa e igual para todos.
Parece nos, pois, que a fazenda póde garantir a cobrança d'este imposto, promovendo execução nos ordenados dos caixeiros, ainda em mão dos patrões, quer esses ordenados sejam vencidos e ainda não pagos, ou vincendos, e isto em qualquer estabelecimento, aonde forem encontrados os devedores.
Por esta fórma ficarão garantidos os interesses da fazenda, sem violencia e injustiça para os commerciantes.
N'este sentido, tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A fazenda nacional, em garantia das dividas por collectas de contribuição industrial lançada aos caixeiros de quaesquer estabelecimentos commerciaes, poderá promover execução, não só nos bens proprios dos mesmos caixeiros, mas tambem e cumulativamente nos seus vencidos ou vincendos ainda em mão de seus patrões.
§ 1.° Esta garantia compete á fazenda contra taes devedores, em qualquer parte e estabelecimento, em que forem encontrados, se tiverem mudado antes da execução.
§ 2.° Fica por esta fórma substituído o § 1.º do artigo 12.° da lei de 30 de junho de 1860, pelo que diz respeito aos logistas e chefes de estabelecimentos commerciaes.
§ 3.° Fica o governo auctorisado a alterar no mesmo sentido, e na parte respectiva, o regulamento da contribuição industrial de 28 de agosto de 1872.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 5 de março de 1886. = O deputado, Avelino Cesar Augusto Callixto.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - A carta de lei de 1 de julho de 1867, que approvou o codigo civil, determinou no artigo 7.° que fosse encarregada uma commissão de jurisconsultos, de durante os primeiros cinco annos de execução da nova lei civil receber, colligir e enviar ao seu destino todas as indicações attinentes ao melhoramentos do mesmo codigo e á solução das difficuldades que apparecessem na sua execução.
Por virtude dos decretos de 13 de fevereiro de 1868 e

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27 de janeiro de 1870 foi nomeado e organisado o serviço d'esta commissão.
Grande parte dos respectivos vogaes são hoje fallecidos.
São passados dezesete annos depois da vigencia do codigo civil, e não me consta que, até hoje, tenham dado entrada na secretaria dos negócios ecclesiasticos e de justiça quaesquer trabalhos d'aquella commissão.
Á excepção de algumas providencias regulamentares, especialmente na matéria de registos, nenhum melhoramento tem sido feito na legislação civil contida no codigo.
E comtudo a successiva observação e experiencia dos factos na ordem civil tem indicado, já por uma fórma indubitavel e imperiosa, a necessidade de reformar algumas das suas disposições, umas por ineficazes e incompletas, outras por menos justas e inconvenientes.
N'estas circumstancias se encontra a disposição do n.° 4.° do artigo 539.° do codigo civil.
Aquelles que, por virtude do seu mister, têem observado de perto na vida, do foro ou no movimento das transacções como se operam os phenomenos, as relações commerciaes entre o mercador de retalho e o consumidor, não duvidam já sequer de que o praso de um anno, estabelecido pela lei civil para a prescripçâo negativa das dividas dos mercadores a retalho, pelos objectos vendidos ao consumidor, é de todo o ponto insufficiente para garantir os direitos e haveres do commerciante.
Entre este e os seus freguezes de consumo tem de haver uma grande tolerancia, não só pelo que respeita á extensão das vendas a credito, mas ainda com relação aos prasos de pagamento.
O consumidor, a despeito das terminantes disposições da lei, é sempre intolerante para o commerciante credor. E levado a isto, umas vezes por circumstancias superiores á sua vontade, outras por habitos inveterados e condemnaveis.
Se o coagirem a pagar n'um dado momento, sem contemplação, póde satisfazer, mas abandonará, despeitado, o seu fornecedor, aproveitando-se da grande concorrencia, que em toda a parte offerece o commercio, exercido muitas vezes por individuo cuja norma de vida nem sempre é o de exercer honrada e lealmente esta industria.
O mercador a retalho, especialmente o de pequeno tracto, ou ainda no principio da sua carreira, não só não póde intentar, dentro do anno, acções sem conto, mas até no modo de pedir particularmente as suas dividas tem de ser prudente até á condescendencia.
Todo aquelle que pretender aproveitar-se e cumprir o preceito legal, ver-se-ha em breve abandonado pelos consumidores que concorrem naturalmente ao mais tolerante.
Este curto praso de prescripção só tem servido praticamente para favorecer a immoralidade dos maus devedores, que não duvidam trocar a dignidade moral do seu nome, acobertados por uma disposição de lei, que, inconvenientemente, os defende da responsabilidade material.
Este é a lição dos factos que o. legislador não póde nem deve olvidar.
Entendo, portanto, que o praso de. três annos é sufficiente para se poder liquidar um, debito a mercadores de retalho ainda pelos meios judiciaes, sem os inconvenientes apontados.
O devedor de consumo que durante três annos tem recebido provas de tolerância do seu credor, não póde depois queixar-se com rasão plausivel. E, se o fizer, perderá o apoio da opinião, e nem o credor será alcunhado de exigente.
N'estas circumstancias, mais facil se torna ao commerciante interromper a prescripção nos termos do artigo 552.° do codigo civil, o que não poderia ter logar, sem graves inconvenientes, dentro do curto praso de um anno.
Por este motivo tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° As dividas dos mercadores de retalho, pelos objectos vendidos a pessoas que não forem mercadores, prescrevem pelo lapso de tres annos.
§ 1.° Fica por esta fórma substituído o n.° 4.° do artigo 539.° do código civil, e ampliado o artigo 541.° do mesmo codigo.
§ 2.° A disposição do artigo 1.° será opportunamente incorporada no artigo 541.° do codigo civil sem prejuízo da sua immediata execução, logo que seja promulgada e publicada.
Em sessão de 3 de março de 1886. = O deputado, Avelino Cesar Augusto Calixto.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

Projecto de lei

Senhores. - Pela carta de lei de 23 de junho de 1879 foi o governo auctorisado a entregar á camara municipal de Chaves as muralhas e fossos que circumdam a villa, para serem aquellas demolidas e estes aproveitados, conforme as exigencias da população e as condições de salubridade publica.
Esta sessão foi limitada ao periodo de oito annos, contados da data da publicação da lei, findos os quaes as muralhas e fossos deveriam voltar ao dominio e posse da fazenda publica.
Parece, porém, não haver motivo plausivel para esta limitação, attentos os considerandos com que a illustrada commissão de guerra de então acompanhou o respectivo parecer:
«Considerando que a villa de Chaves sómente poderá entrar no systema de defeza do paiz, n'uma dada hypothese, e que n'este caso não serão de certo as actuaes derrocadas muralhas que porão obstaculo ao invasor;
«Considerando que, por se não haver ligado importancia áquella praça, se não tem desde muitos annos tratado da sua conservação, e por isso as muralhas, com excepção d'aquellas sobre as quaes têem sido levantadas edificações, que pertencem a particulares, se acham em estado de grande ruina, que todos os dias augmenta pela acção do tempo e pelo nenhum cuidado que d'ellas se toma;
«Considerando que, para o desenvolvimento da villa de Chaves, é indispensavel rasgar aquellas muralhas, e que importa conceder ás povoações os auxilies que possam concorrer para o seu adiantamento e progresso.»
A estes considerandos da illustrada commissão de guerra, sufficientes por. si para fundamentarem o nosso projecto, póde ainda acrescentar-se o seguinte:
A praça de Chaves é de systema abaluartado imperfeitissimo, com os parapeitos todos de pedra, espaço interior limitadissimo e occupado completamente por edificações particulares, assente, no valle e por isso dominada de todos os lados por alturas situadas a alcance efficaz da moderna artilheria, com perfis de pequeno relevo e sem as necessarias condições de desenfiamento.
Finalmente possue um tal conjuncto de defeitos que, dado mesmo que estivesse em bom estado de conservação, tornariam completamente nullo o seu valor defensivo em face dos modernos recursos do ataque.
Para uma unica cousa presta: é para apertar n'um laço de pedra a natural expansão da importante villa de Chaves!
Como todas as terras contidas dentro do recinto das antigas praças de guerra, tem esta villa das estreitas e tortuosas, habitações com pouca luz, mal ventiladas, defeituosas, acanhadas, em manifesto divorcio com todos os modernos principios de hygiene; e estes tristes e graves defeitos subsistirão emquanto. as muralhas que a circumdam não forem demolidas, para darem logar ao rasgamento de das espaçosas, á diffusão da população, ao levantamento de novas edificações, que satisfaçam aos preceitos hygienicos, que a sciencia das construcções modernamente aconselha.

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Por estes ponderosos motivos tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E o governo auctorisado a tornar perpetua á camara municipal de Chaves a cessão temporaria das muralhas e foscos que circumdam a villa, feita pela carta de lei de 23 de junho de 1879.
Art. 2.° A camara municipal de Chaves poderá aproveitar os fossos e ordenar a demolição das muralhas conforme as necessidades da população, as exigencias de embelezamento e as condições de salubridade publica.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 5 de março de 1886. = Antonio Luiz Gumes Branco de Moraes Sarmento = Eduardo José Coelho.
Enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal do concelho de Villa Real pedindo que se demarque em Villa Nova de Gaia uma área, unicamente destinada para receber vinhos, procedentes do Douro, e que só estes possam ser exportados com o nome de Porto.
Apresentada pelo sr. deputado Lopes Navarro e enviada ás commissões de agricultura, e de commercio e artes.

2.ª Das camaras municipaes de Aljezur, Monchique, Castro Marim, Lagoa, do districto de Faro, pedindo para se melhorarem as condições do estabelecimento thermal de Monchique.
Apresentadas pelo sr. deputado Figueiredo Mascarenhas e enviadas á commissão de obras publicas.

3.ª De alguns frequentadores do estabelecimento thermal de Monchique, no mesmo sentido.
Apresentada pelo sr. deputado Figueiredo Mascarenhas e enviada á commissão de obras publicas.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja enviada com urgencia a copia das circulares expedidas pela administração geral das alfândegas, regulando e explicando o procedimento politico dos empregados fiscaes. = José Lamare.
Mandou-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que por motivo justificado não compareci às sessões de 2, 3 e 5 do corrente. = Joaquim Germano de Sequeira, deputado pelo circulo n.° 74.

2.ª Declaro a v. exa. e á camara que faltei ás ultimas sessões por falta do saude. = Manuel Pedro Guedes.

3.ª Declaro a v. exa. e á camara que o exmo. sr. visconde de Alentem tem faltado ás ultimas sessões, e faltará ainda a mais algumas por motivo justificado. - Manuel Pedro Guedes.

4.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Marcellino Arroyo não tem podido comparecer por motivo justificado = Azevedo Coelho Branco.

5.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. D. Luiz Maria da Camara tem faltado a algumas sessões e faltará ainda a algumas por motivo justificado. - O deputado, Lopes Navarro.

6.ª Declaro que por motivo justificado tenho faltado a algumas sessões. = Fuschini.
Para a acta.

O sr. Presidente (Pedro de Carvalho): - Constando na mesa que o illustre deputado e ministro das obras publicas, o sr. Emygdio Navarro, está de luto por fallecimento de pessoa de familia, mandar-se-ha, na conformidade do regimento, desanojar por um dos srs. secretarios.
Tambem julgo interpretar os sentimentos da camara, propondo a nomeação de uma deputação que vá ao paço felicitar Suas Magestades pelo feliz regresso de Sua Alteza o Principe Real o Senhor D. Carlos. (Apoiados.)
Em vista das demonstrações da camara, considero approvada esta proposta e portanto auctorisada a mesa a fazer a nomeação da deputação encarregada de apresentar a Suas Magestades as felicitações do parlamento.
Tambem convido os srs. deputados, que assim o entenderem, a aggregarem-se á deputação, que, alem da mesa, será composta dos seguintes srs.:

Antonio Joaquim da Fonseca.
Arthur Amorim Sieuve de Seguier.
Carlos Lobo d'Avila.
Conde de Thomar.
Fernando Affonso Geraldes Caldeira.
Jayme Arthur da Costa Pinto.
José da Gama Lobo Lamare.
Vicente Pinheiro de Mello e Almada.
Visconde das Larangeiras.
Visconde de Ariz.

Serão opportunamente avisados os membros da deputação do dia e hora em que hão de ser recebidos por Suas Magestades.
O sr. Arouca (por parte da commissão de legislação civil): - Pedi a palavra para participar a v. exa. que já se acha constituida essa commissão, sendo presidente o sr. José Maria Borges e secretario o sr. Franco Castello Branco.
O sr. Avellar Machado (por parte da commissão de inquerito agricola): - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta.
Leu-se na mesa.
É a seguinte:

Participação

Por parte da commissão de inquérito á agricultura, proponho que esta commissão seja auctorisada a funccionar no interregno parlamentar. = Avellar Machado.
Foi admittida e seguidamente approvada.

O sr. Lopes Navarro: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Villa Real, pedindo que se regule o transporte de vinhos desde os logares da producção até á barra do Porto, e que se demarque em Villa Nova de Gaia uma zona unicamente destinada a receber os vinhos do Douro, e districtos affins de Traz os Montes, para que só esses vinhos possam sair com a marca «Porto».
Isto é uma questão importantissima, para a liberdade do commercio de vinhos, e genuidade d'elles.
Aquella região ha muito tempo lucta com um horrivel inimigo que é a phylloxera. Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Pereira Leite: - Sr. presidente, a descoberta feita ultimamente pelo eminente sabio Pasteur marcou uma data gloriosa para a sciencia e um dos maiores progressos para a classe medica.
Em 1880 aquelle homem de sciencia emprehendia os primeiros ensaios para combater a hydrophobia, doença ha

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tantos seculos conhecida e comtudo sempre nova, porque permanecia sempre incuravel, apesar dos esforços empregados para a debellar.
O relatorio lido na academia das sciencias medicas no dia 1 do corrente mez por mr. Pasteur foi tão applaudido e teve taes demonstrações de enthusiasmo como nunca se presenceou n'aquella academia, isto certamente devido á certeza de tão horrivel doença poder efficazmente ser combatida pela vaccinação prophyclatica de que mr. Pasteur faz conhecer os detalhes.
De todas as doenças que affligem a humanidade só a raiva se tinha conservado refractaria aos tratamentos mais variados e audaciosos, não havia um só exemplo de um individuo tocado d'esta molestia ter conseguido salvar-se.
A tisica, que é um dos males que mais devasta o nosso paiz, ainda assim em alguns casos póde ser tratada, mas, repito, não ha um só exemplo de um hydrophobo ter sido curado.
Mr. Pasteur affiança que de seis pessoas mordidas, uma, pelo menos, morre fatalmente.
É ponto hoje assente que o tratamento preventivo da raiva é de uma efficacia segura, os trezentos e cincoenta doentes que têem recebido as vaccinações foram salvos, á excepção de uma creança de dez annos, mordida nos principios de outubro ultimo, por um cão de gado, e que foi conduzida ao laboratorio de mr. Pasteur nos primeiros dias de novembro, trinta e sete dias depois do desastre; as feridas que a desgraça apresentava eram purulentas e sanguinolentas, a morte sobreveiu no dia 1 de dezembro com todos os symptomas de raiva; mas, sr. presidente, este caso, segundo se vê do respectivo relatorio, provou ainda que o virus rabico que produziu a morte fôra o da mordedura do cão e não o das inoculações preventivas, como alguem poderia suspeitar.
No nosso paiz infelizmente esta doença victima muitos individuos municipio individuos, e é tão horrivel, que a morte prompta seria um grande beneficio, tão medonhos são os transes por que estes desgraçados passam antes de chegar o termo fatal.
N'estas circumstancias rogo ao governo que, a exemplo das demais nações, mande a Paris um homem de provada sciencia medica estudar o systema descoberto por aquelle eminente sabio, que em breve será appellidado - o bem-feitor da humanidade. Quando se trata de poder salvar algumas vidas não deve haver hesitações; é preciso que sem demora se possa estabelecer um instituto de vaccina contra a raiva, e creia o governo que a creação de um tal estabelecimento ha de ser o seu maior titulo de gloria quando abandonar essas cadeiras.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de carvalho): - Tenho a dizer ao illsutre deputado que tomarei na melhor consideração o pedido de s. exa., e que esse negocio já está sendo estudado para se tomar uma resolução conforme com os interesses do commercio e da agricultura.
Mando para a mesa seguinte proposta da lei.
(Leu.)
Leu-se na mesa a proposta de lei auctorisado o governo a mandar cunhar 200:000$000 réis em moedas de prata de 200, 100 e 50 réis.
O sr. Presidente: - A proposta do sr. ministro será impressa no Diario do governo, e enviada á commissão de fazenda.
A proposta vae no fim da sessão a paginas 626.
O sr. Fuschini: - Sr. presidente, mando para a mesa uma justificação de faltas.
Como está presente o sr. ministro da fazenda, vou fazer a s. exa. uma pergunta sobre assumpto que me parece importante.
Como eu não desejo, em caso algum, fazer perguntas capciosas, que unicamente podem confundir, sem esclarecer as discussões, julgo possivel que s. exa. não possa desde já responder-me. S. exa., portanto, reservará a sua resposta para quando estiver bem informado, se ainda o não está actualmente.
É sabido que a lei de 18 de julho de 1885 creou um novo regimen municipal para a cidade de Lisboa.
O artigo 215.º da nova organização diz-nos que cessam para a junta geral todas as relações com o actual municipio, comprehendendo-se necessariamente entre ellas as financeiras.
Acontece, porém, que a junta geral de Lisboa lançou sobre as contribuições directas da cidade 18 por cento addicionaes, que devem produzir 170:000$000 réis arrancados á riqueza collectavel comprehendia na actual linha collectavel comprehendia na actual linha de circumvallação; se, como eu comprehendo, a lei de 18 de julho de 1885 separa já para este anno as origens da receita da junta geral das da camara municipal, é a camara de Lisboa que tem de cobrar o producto dos addicionaes, e não a junta geral.
Ora averba em questão não é insignificante; fazendo um calculo muito baixo estes 18 por cento produzirão, pelo menos, 170:000$000 réis; esta verba é de uma grande importancia para o orçamento municipal, que atravessa um periodo difficil, para não dizer lastimoso.
Por outro lado tambem não póde ser indifferente para cidade pagar 170:000$000 réis, que vão satisfazer as suas necessidades directas, ou pagar essa somma, que irá satisfazer necessidades tão indirectas que podem mesmo chegar a ser meras conveniencias individuaes e pessoaes, como a seu tempo eu o hei de provar á camara, se necessario for.
Eu, apesar da minha humilde e obscura posição, vejo-me forçado, por circumstancias especiaes, a occupar-me das franças da camara de Lisboa, e a trabalhar no seu orçamento municipal; desejo portanto saber quaes as verbas com que hei de contar, e nas minguadas condicções do cofre do municipio, uma verba de 170:000$000 réis não é para desprezar.
O sr. ministro da fazenda actual não tem a menor responsabilidade n'este facto, mas, é certo, que a commissão executiva da camara perguntou ao sr. ministro da fazenda do ministerio transacto, qual a sua opinião a este respeito, e até hoje já lá vae mez e meio e ainda d'aquelle ministerio não houve resposta alguma.
Quem deve, pois, receber o producto dos addicionaes pagos pela cidade?
Ainda ha mais alguma cousa: a mesma lei determina no artigo 216.º que 69 por cento dos encargos dos emprestimos da junta passem para o municipio.
Isto dá em resultado que á camara de Lisboa compete o encargo correspondente á cerca de 1.300:000$000 réis da divida da junta geral a que corresponde á annuidade de 76:471$000 réis.
Teremos de perder 170:000$000 réis, que, repito, arrancados ao contribuinte, de Lisboa irão satisfazer as necessidades da junta geral, e avolumar as suas receitas, ficando alem d'isso, com o encargo do pagamento de parte da annuidade da divida districtal?
Parece-me assaz duro.
Certamente v. exa. e o sr. ministro fazem-me a justiça de suppor que eu não sou d'aquelles que ignoram a solidariedade dos interesses economicos nacionaes.
A boa applicação das receitas publicas em qualquer ponto do paiz contribue para o desenvolvimento da riqueza nacional. É incontestavel.
Assim, por exemplo, quando a junta geral construe a rede das ruas e estradas e a termina, o augmento de riqueza não é só para o districto, é para o paiz inteiro, e mais ou menos directamente para a capital.
Mas, se uma junta geral qualquer, e eu n'este ponto não discuto em hypothese mas unicamente em these; se uma junta geral qualquer, em vez de acabar a sua rede de estradas, a deixa incompleta e imperfeita, de fórma que ella não satisfaz as necessidades economicas do districto;

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se applica as suas receitas, não em terminar as grandes arterias de communicação, mas em construir estradas de interesse particular e serventias para propriedades e quintas, então o interesse publico desapparece, e ha motivos para protestar contra similhante corporação, não se lhe devendo sacrificar o dinheiro dos contribuintes em favoritismos e abusos de auctoridade.
Esta these ha de ser para mais tarde.
Não supponho que os nossos dias de vida politica sejam longos, mas durante elles hei de ter o tempo necessario para mostrar qual tem sido a administração de certas corporações, como ella continua ainda, e como é necessario applicar-lhe um remedio urgente e enérgico, aliás havemos de cair exactamente num caso parecido com a camara municipal de Lisboa.
O sr. J. J. Alves: - Ainda bem, oxalá!
O Orador: - Eu sempre assim pensei, mas fui mais alem; fiz o que pude para acabar com este estado de cousas.
(Interrupção do sr. J. J. Alves.)
Estimo muito, mas v. exa., quando aqui se discutiu a reforma administrativa do municipio, insurgiu-se contra ella.
(Interrupção do sr. J. J. Alves.)
No anno de 10000 não sei o que ha de acontecer, mas em 1886 já posso dizer o que succede á actual camara municipal, em logar de ser constituída por um grupo de individuos, combinados para explorar em seu proveito a administração publica, é formada por fracções de partidos diversos que se fiscalisam reciprocamente. O que posso dizer é que durante dois ou tres mezes se tem trabalhado activamente, e os fructos d'esse trabalho já são publicos e notorios; e o que posso tambem afirmar é que na lei ha tambem elementos para evitar essa doce harmonia que tende a estabelecer-se nas corporações administrativas e que as torna, em regra, o instrumento dos interesses e o joguete das paixões de uns mandões quaesquer...
Lá está a representação das minorias, que é o melhor correctivo para este tristissimo estado das nossas corporações administrativas.
Voltando novamente ao assumpto, desejo sobre elle ouvir o sr. ministro da fazenda, peço; portanto, a v. exa. que me reserve a palavra, se for possivel, para responder ás considerações que o sr. ministro da fazenda haja porventura de fazer.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Não acompanharei o illustre deputado nas considerações que s. exa. fez sobre a administração de varias corporações administrativas, a respeito das quaes s. exa. conhece perfeitamente a minha opinião antiga.
O sr. Fuschini: - E a de hoje?
O Orador: - Conservo a mesma.
Procurando dar rapido andamento a todos os negocios dependentes do ministerio a meu cargo, tive occasião de examinar muito summariamente o processo relativo á questão levantada por s. exa.
Discutiu-se entre a junta geral do districto e a camara municipal de Lisboa se a percentagem addicional aos impostos directos, lançada em relação ao anno de 1885 e cobravel no anno de 1886, pertence á junta geral ou á camara municipal.
A impressão que me resultou da leitura do processo, e que não dou ainda como definitiva, é que, nos termos da legislação em vigor, a percentagem cobrada este anno pertence á junta geral, por ser um addicional sobre o imposto do anno de 1885.
Isto é o que me parece resultar da stricta interpretação da lei, tal qual ella é, sem todavia querer dizer com isto que seja esta a minha opinião definitiva. D'aqui, e digo isto sem estar habilitado a travar uma discussão larga sobre o assumpto, a concluir que se possa considerar essa interpretação como a mais justa e mais equitativa, vae um abysmo.
Como disse, já tomei conhecimento do negocio. O illustre deputado comprehende, porém, que, attento o pouco tempo que tenho de gerencia da pasta a meu cargo, não podia ter estudado profundamente a questão. Parece-me, accentuo bem o verbo, parece-me que esta quota de contribuição pertence á junta geral e não á camara, mas tambem me parece que isto que resulta da interpretação da lei não é o mais equitativo.
Prometto ao illustre deputado completar em dois ou tres dias o estudo que já principiei a fazer sobre este assumpto e tomar sobre elle uma resolução, ou propor ao poder legislativo qualquer providencia, se o julgar conveniente.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do sr. presidente do conselho e ministro do reino para uma questão que me parece de summa gravidade, e que passarei a expor á camara da maneira a mais succinta.
Mas antes de encetar as considerações, que julgo do meu dever fazer perante o parlamento a tal respeito, peço aos srs. deputados e ao governo que pesem bem os termos em que vou collocar a questão, para que não seja mais tarde desvirtuado o meu propósito, attribuindo-se-me intenções que não eram as minhas!
Sr. presidente, ha dias a imprensa officiosa de Lisboa relatava a prisão de um cavalheiro hespanhol, residente ha algum tempo entre nós, e indicava como motivo d'essa prisão o achar-se o mesmo cavalheiro implicado em uma conspiração contra a ordem publica do paiz vizinho.
Como é a primeira vez que um facto desta ordem acontece sob a gerencia do actual governo, eu aproveito a occasião para, generalisando da hypothese á these que naturalmente d'ella se deduz, pois é bem sabida a frequencia com que todos os dias estão a ser presos pelas nossas auctoridades emigrados hespanhoes, pedir explicações aos srs. ministros e lembrar-lhes que ácerca de prisões políticas, sobretudo as realisadas a reclamações estrangeiras, devem ter todas as cautelas e todos os cuidados que reclama assumpto tão delicado.
Eu não venho aqui, e repito, peço tanto á camara como ao governo que tomem bem conta dos termos em que me expresso, porque não quero que amanhã as minhas palavras possam ser mal comprehendidas, eu não venho aqui advogar a causa de qualquer estrangeiro que, tendo acceitado a hospitalidade da bandeira portugueza, haja porventura usado ou abusado d'essa hospitalidade para collocar o governo da nação que o hospedou em uma posição difficil para com o governo do paiz vizinho como quem diplomaticamente está em boas relações de amisade.
Não venho tratar d'essa hypothese, se acaso ella existe.
Não sei se o cavalheiro hespanhol, que acaba de ser preso, como implicado n'uma conspiração zorrillista, é ou não culpado do delicto que lhe imputam.
Simplesmente peço ao sr. presidente do conselho que pese bem qual é a responsabilidade do governo perante um acontecimento d'esta ordem, se, como muitos suppõem, o accusado está innocente, e o crime que se attribue ao cavalheiro de que se trata se não provar.
Se um hespanhol, seja elle quem for, de alta ou de baixa categoria, abusando, torno a repetir, da hospitalidade portugueza, conspirar abertamente em Portugal contra as instituições do paiz vizinho, eu, que não me colloco n'este momento no meu ponto de vista politico, sympathico ás idéas e aos princípios por que trabalha esse emigrado, mas que acceito como um facto, os actuaes preceitos do direito internacional, não negarei ao governo o direito que n'este caso tem de proceder como lhe parecer conveniente, a fim de evitar difficuldades diplomaticas com uma nação amiga.
Queria antes que o meu paiz fosse um asylo inviolavel como a Inglaterra e a Suissa; quereria que os nossos governos, como os d'estes dois estados, berços tradicionaes

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da liberdade, reconhecessem a sua incompetencia para perseguirem os criminosos politicos; quereria que cada uma das reclamações dos governos monarchicos de aqui encontrasse o mesmo frio acolhimento, que paizes acima mencionados têem encontrado as reclamações dos tres autocratas da Europa germânica e slava.
No entretanto, as nossas relações com a Hespanha são, confesso-o, verdadeiramente excepcionaes, e por isso eu não vou até ao ponto de censurar o governo por não permittir que Portugal se transforme em foco de conspirações contra a ordem publica da nação vizinha.
Mas é necessario então que, logo que o governo toma sobre si a grave responsabilidade de um arresto ou de uma expulsão, immediatamente faça publico e conhecido o motivo que deu causa a tal procedimento, porque só assim ficará justificado e só assim não dará motivo a protestos da parte d'aquelles contra os quaes for applicado o rigor da lei internacional!
Não se trata, com effeito, de um crime commum, sr. presidente, não se trata de um crime que possa lançar uma macula sequer sobre o caracter do individuo que o tenha praticado; trata-se de uma causa politica, de uma causa que, se hoje é vencida e por isso se converte em objecto de perseguição, amanha póde ser vencedora, e quem sabe, talvez adulada por esses mesmos que agora a periguem!
Tudo está aconselhando, pois, ao governo que se colloque na posição mais correcta para que um dia a nação não tenha de soffrer pela leviandade dos seus governantes.
Até no proprio interesse do governo, tudo lhe indica, que seja em extremo cauteloso e prudente. Se um mero pretexto vago, se um rumor ou boato sem consistencia, se uma simples denuncia ás vezes até anonyma, sem mais provas, sem mais investigações, podem levar o governo a mandar prender, internar ou expulsar um estrangeiro illustre; se não ha meio de poder convencer esse estrangeiro e a opinião publica do seu paiz que lhe partilhe as idéas, de que o governo estava no seu direito e cumpria mesmo um dever, defendendo os principios e as praxes geralmente acceitas do direito internacional; ámanhã, quando os vai-vens da politica em Hespanha levarem ao poder os homens que hoje são apenas uns pobres expatriados, hão de os governos portuguezes ver-se embaraçados em proença d'aquelles, que jamais poderão esquecer os aggravos que dos nossos poderes publicos receberam, quando estavam na desgraça. E esta consideração afigura-se me da mais alta gravidade!
Houve tempo, ha annos já, em que se disse que um ministro dos negocios estrangeiros portuguez era o alabadeiro do governo de Narvaes! Era isto antes de 1868; e d'ahi a pouco, os generaes e os estadistas, que haviam sido os hospedes das nossas fortalezas e dos nossos navios de guerra entravam na sua patria em triumpho, e assumiam o poder pelo verdadeiro plebiscito da gloriosa revolução de setembro!
Seria bom que não se podesse dizer de mais ministro algum nosso e sobretudo hoje, que elle era o alabardeiro do governo hespanhol, porque esta phrase é para nós offensiva e, sendo justificada, póde de futuro acarretar-nos gravissimos desgostos!
Pois não será triste e vergonhoso, que n'uma nação, onde s direitos individuaes estão ao abrigo da carta constitucional, se vejam tratados como gatunos ou faccinoras, por neros e futeis pretextos, homens distinctos e altamente collcads em outro tempo no seu paiz, e que ámanhã podem voltar a occupar esses logares eminentes?
A lei moderna, sr. presidente, e é este um dos seus grandes progressos, deixou de ser pessoal, como a lei barbara, para se tornar territorial. Como é, pois, que summariamente se encarnecem, e se conservam por dias e por semnas presos individuos, sem notificação de culpa, quando vigora para os portuguezes o artigo 145.º da carta constitucional?! Eu acho tal procedimento monstruoso!
Sr. presidente, levantei aqui esta questão, porque vi n'um jornal apresentar como motivo determinante da prisão do cavalheiro a que me estou referindo, uma rasão que eu não repetirei aqui, mas que, se fosse verdadeira, era altamente deshonrosa para os poderes publicos do meu paiz!
Não digo que a causa apontada seja a que imperou no animo do governo; quero acreditar mesmo que o não tivesse sido, por honra de todos nós; mas o que entendo é que se torna indispensavel, para evitar estes lamentaveis equivocos, que do momento em que se expulsa ou se manda internar um estrangeiro qualquer, sob o pretexto de que compromette as boas relações de amisade internacional com o paiz vizinho, se faça publico, se effectivamente se chegou a adquirir provas, de que era fundada a accusação. Só assim ficará o governo portuguez com a sua responsabilidade perfeitamente salva, pois nunca se poderá dizer que elle foi um servil instrumento, ou de vinganças, ou de paixões menos nobres e menos levantadas.
Esta correcção de procedimento é-nos imposta pela posição excepcional em que estamos, para com todos os partidos politicos de Hespanha, que hoje caem vencidos e amanhã se podem elevar vencedores.
São estas as considerações que apresento ao sr. presidente do conselho e ministro do reino, pedindo-lhe explicações ácerca dos motivos que levaram o governo a prender ~ o cavalheiro hespanhol, cujo arresto foi annunciado com ares tão tétricos pelas folhas semi officiaes. Como é a primeira vez, que um facto desta ordem succede sob a gerencia do actual governo, entendi que não devia deixar passar a occasião, sem deixar bem consignado o meu parecer, que é ao mesmo tempo um protesto contra todos os atropelos que até hoje se têem commettido.
Creio que a camara toda me faz a justiça de suppôr que não venho defender aqui a causa de ninguem, em especial, nem tratar de pessoas. Do que trato é dos interesses e do bom nome do meu paiz! (Apoiados.)
Se o cavalheiro que se mandou prender estava realmente conspirando contra a ordem publica do paiz vizinho, o governo, dadas as idéas correntes, e acceitas as praxes estabelecidas no direito internacional, cumpriu com o seu dever, ou pelo menos usou de um direito que eu não lhe contestarei.
Mas para que este ponto se esclareça, e o grau de responsabilidade do gabinete se avalie, é necessario que se prove, que esse individuo effectivamente conspirava, e que não fique a accusação apenas com um motivo vago, como uma mera allegação, que em todo o caso é um labéu, que vae acompanhar o delinquente ou a victima para qualquer paiz para onde for acolher-se, e labéu que o póde altamente prejudicar nos seus interesses e na sua tranquilidade!
Termino por aqui as minhas considerações, pois creio ter explicado á camara o meu pensamento.
Sirvam em todo o caso estas palavras de aviso aos governos, que nessas cadeiras se succedem, e que um dia talvez tenham de arrepender-se do modo como interpretam para com infelizes espatriados os deveres do direito internacional. Ao menos o partido, que n'esta camara tenho a honra de representar, salvaguardará a honra da nação gravemente compromettida pelas imprudencias de todos os partidos monarchicos!
Tenho dito.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Começo por mandar para a mesa duas propostas de lei que o meu collega das obras publicas me encarregou de apresentar a esta camara, visto não poder hoje comparecer á sessão, pelo motivo que é conhecido de todos.
(Leu as propostas.)
Aproveito esta occasião, para responder em poucos pa-

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lavras ás observações muito correctas e sensatas com que o sr. Consiglieri Pedroso se dirigiu a mim, a respeito do procedimento do governo, em relação a um emigrado hespanhol que se acha preso n'este paiz.
Devo declarar a s. exa. que concordo com a maior parte das observações feitas por s. exa., e digo com a maior parte, porque ha um ponto em que divergimos, que é aquelle em que s. exa. diz, que é necessario tornar publicos os motivos por que se tomam certas providencias e precauções determinadas pela necessidade imperiosa de manter as boas relações internacionaes, em relação a qualquer emigrado.
Ha occasiões em que esses motivos podem ser publicados sem inconveniente; mas haverá outras em que será impossivel, sem perigo de comprometter as boas relações internacionaes, dar publicidade a esses motivos.
Feito este pequeno reparo, tenho a dizer ao illustre deputado que concordo em geral com todas as suas observações, que eu acho perfeitamente correctas.
Escuso de assegurar ao illustre deputado que o governo actual nunca será alabardeiro do governo hespanhol, como s. exa. pareceu receiar.
Não seremos meros instrumentos da politica hespanhola, mas procuraremos sempre manter as boas relações internacionaes, sem comtudo praticar violencias ou perseguições que os bons principios de direito publico internacional em caso algum auctorisam. (Apoiados.)
O que posso dizer ao illustre deputado, no caso de que se trata, é que o governo teve sérios motivos para proceder como procedeu, em relação ao emigrado a que s. exa. se referiu. Digo apenas a s. exa. que o governo tem em seu poder documentos bastantes para provar que procedeu como devia com respeito a esse emigrado.
Nada mais posso acrescentar, nem s. exa. póde exigir de mim que eu seja mais explicito, mais claro, nas explicações que acabo de dar á camara.
O que asseguro ao illustre deputado é que não será o ministro do reino actual, nem o governo, que praticará nenhuma arbitrariedade nem violencia para com qualquer emigrado hespanhol, e apenas se limitará a proceder em relação ao actual governo hespanhol, como a qualquer outro governo da mesma nação, mantendo sempre os bons principios e as boas regras de direito publico internacional sem todavia violar por mero arbítrio a liberdade de qualquer cidadão. (Vozes: - Muito bem.)
Creio que s. exa. se dará por satisfeito com estas explicações; se todavia quizer mais algumas, não terei duvida em lh'as dar, guardando sempre a reserva n'estes casos indispensavel, e que é obrigação de todos os governos.
As propostas que apresentou vão no fim da sessão.
O sr. Alfredo Peixoto: - Chamou a attenção do governo para diversos assumptos.
Lembrou a necessidade de se recompensar os serviços prestados no ultramar polo major Vieira, e sobre o que já fora apresentada uma proposta pelo anterior ministro da marinha o sr. Pinheiro Chagas.
Quanto á questão suscitada pelo sr. Pereira Leite, de se mandar um medico a Paris estudar o processo do dr. Pasteur para a cura da raiva, disse que era bom que o governo tomasse esse assumpto em toda a consideração, mas cumpria-lhe declarar que já partira para Paris um talentoso medico, o sr. Martins de Carvalho, para estudar esse processo.
Chamou a attenção do sr. ministro do reino para a necessidade de se não continuar a permittir que os professores provisorios dos lyceus passassem a effectivos sem serem sujeitos a concurso.
Tambem lembrou a necessidade de se prohibir aos professores que accumulam o serviço official com o serviço particular, o fazerem parte dos jurys de exame.
E fez algumas considerações quanto á obrigação que se impõe aos alumnos de medicina da universidade, de estudarem mathematica e grego, parecendo lhe que taes disciplinas não devem ser-lhes exigidas.
Por ultimo chamou a attenção do sr. ministro da justiça para uma disposição da lei eleitoral, que manda que os juizes julguem os recursos dentro de um praso tão curto que elles não podem satisfazer uma tal obrigação.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando o restituir.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Pedi a palavra para dar as explicações que me pediu o sr. Alfredo Peixoto.
Com relação ao primeiro ponto a que s. exa. se referiu, devo dizer que fallarei com o sr. ministro da marinha e empregarei todos os esforços que possam ser satisfeitos os seus desejos.
Referiu-se tambem o illustre deputado a differentes pontos sobre a instrucção publica. O primeiro, na ordem aos apontamentos que eu tomei, diz respeito aos professores provisorios que eu tomei, diz respeito aos professores provisorios. S. exa. quiz saber a minha opinião sobre elles. Direi ao illustre deputado que a minha opinião é a mesma que por outras vezes tenho exposto. Estou convencido de que em grande parte o triste e lastimoso estado a que em chegado a instrucção secundaria, é devido a não se ter publicado o regulamento determinado na lei de 14 de junho de 1880 para o provimento dos logares de professores dos lyceus.
Eu não conheço nada mais calamitoso para a instrucção secundaria, do que esta facilidade de todos os governos introduzirem nos lyceus professores que de professores só têem o nome.
Estimo muito que o illustre deputado queira associar-se ao governon'este ponto, e conto com a sua cooperação e apoio para estabelecer a ordem n'esta parte da instrucção publica, pois estou resolvido a proceder sobre este assumpto com a maior resolução e energia.
É minha convicção que a instrucção secundaria deve em grande parte a sua decadencia ao abuso que se tem feito da nomeação de professores provisorios. Vou, portanto, empenhar todos os esforços para se pôr em termo aos abusos a que o illustre deputado se referiu.
Estou de accordo na necessidade de acabar de vez com estes abusos por meio de providencias promptas, aceitadas e energicas.
Quis tambem o illustre deputado saber a minha opinião a respeito do ensino particular permittido aos professores publicos, e citou s. exa. a opinião que eu emitti quando comecei a minha carreira parlamentar em 1855.
Apesar de contradictorio com a doutrina, que então ofendi, penso hoje que convém prohibir aos professores officiaes o accumularem o ensino particular com o ensino official, e hei de empenhar todos os meus esforços para pôr termo aos abusos existentes, porque o que hoje se dá um verdadeiro contrabando no ensino, e é preciso pôr-lhe termo. Aqui está a minha opinião franca sobre este ponto.
Também o illustre deputado fez differentes observações a respeito das habilitações que são necessarias para a matricula em diversas cadeiras na universidade de Coimbra, mas o illustre deputado sabe que no ministerio do reincha uma corporação especial para estudar estes assumptos...
O sr. Alfredo Peixoto: - Ha uma consulta do conselho superior de instrucção publica.
O Orador: - Pois eu examinarei essa consulta e depois verei quaes são as providencias que se devem adoptar.
Por ultimo referiu-se s. exa. tambem ao exame do rego, julgando-o dispensavel para a formatura medica, e desse que tambem o conselho superior propoz já alguma coisa a esse respeito. Eu examinarei o que ha, mas declaro ao illustre deputado que eu não posso deixar de ouvir a opinião dos homens technicos sobre esta materia, e sei que ha pessoas muito distinctas que são de opinião que o estudo do grego é necessario nos estudos secundarios, pelo

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menos por um anno, e nos ultimos tempos a Belgica, reformando as suas leis sobre instrucção medica, continuou a exigir alguns annos de grego. Faz-me peso esta opinião.
Repito, que a este respeito desejo ouvir uma corporação tão illustrada, como é o conselho superior de instrucção publica.
Creio ter respondido às perguntas que o illustre deputado me fez; todavia, se por lapso alguma cousa me escapou, estou prompto a dar a s. exa. todas as explicações de que ainda carecer.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Direi duas palavras, declarando ao illustre deputado o sr. Alfredo Peixoto, que hei de tomar as providencias ao meu alcance para que a magistratura possa com menor sacrificio dar expediente aos recursos eleitoraes, que lhe foram incumbidos por lei.
O sr. Arouca: - Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação civil sobre uma proposição de lei vinda da camara dos dignos pares.
(Leu.)
Pedia a v. exa. se dignasse consultar a camara sobre se permittia que este parecer, despensado o regimento, entrasse desde já em discussão.

Leu-se na mesa.
É o seguinte:

PARECER

Senhores. - A vossa commissão de legislação civil foi presente a proposição de lei da camara dos dignos pares do reino, n.° 21-B, que tem por objecto interpretar o n.° 2.° do § unico do artigo 10.° do decreto de 3 de setembro de 1852, e a mesma commissão é de parecer que ella deve ser approvada.
Sala das sessões, 12 de março de 1886. - Firmino J. Lopes = João Arroyo = A. Neves Carneiro = Franco Castello Branco = Joaquim Germano de Sequeira = Frederico Arouca, relator. = Tem voto do sr. José Novaes.
Admittida a urgencia foi approvado.
O sr. Presidente: - Como a hora está adiantada vae passar-se á ordem do dia.
Os srs. deputados que tiverem documentos para mandar para a mesa, podem ter a bondade de o fazer.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o projecto n.° 18.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 18

Senhores. - A vossa commissão de guerra examinou com a devida attenção a proposta de lei n.° 6-D, apresentada pelo governo para a fixação dos contingentes que no corrente anno devem ser, entregues, mediante as operações do recrutamento, ao exercito, á sua segunda reserva e á armada, e é de parecer que a mencionada proposta seja convertida no. seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O contingente para o exercito e armada é fixado no anno de 1886 em 12:709 recrutas, sendo 12:000 para o exercito e 709 para a armada.
Art. 2.° O contingente da reserva auctorisado pela carta de lei de 9 de setembro de 1868 para completar o effectivo, do pé de guerra, é fixado no anno de 1886 em 2:400 mancebos.
Art. 3.° A distribuição d'estes contingentes pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes será feita em conformidade com a tabella que faz parte da presente lei.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de guerra, em 16 de fevereiro de 1886. = Caetano Pereira Sanches de Castro = Avellar Machado = Sebastião de Sousa Dantas Baracho = Antonio Joaquim da Fonseca = A. M. da Cunha Bellem = Cypriano Jardim = José da Gama Lobo Lamare = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, relator.

Senhores. - A vossa commissão de marinha concorda foi dado pela illustre commissão de guerra e declara que o governo actual, sendo ouvido, acceitára tambem essa proposta de lei n.° 6-D.
Sala das sessões da commissão de marinha, era 24 de fevereiro de 1886. = João Eduardo Searnichia = Joaquim José Alves = S. R. Barbosa Centeno = Pedro G. dos Santos Diniz = Tito de Carvalho = J. B. Ferreira de Almeida = José da Gama Lobo Lamare, relator = Tem voto do sr. Cunha Bellem.

Tabella a que se refere o artigo 3.° d'esta lei

[Ver tabela na imagem]

Sala das sessões da commissão de guerra, em 16 de fevereiro de 1886. = Caetano Pereira Sanches de Castro = Avellar Machado = Antonio Joaquim da Fonseca = Cypriano Jardim = José da Gama Lobo Lamare = A. M. da Cunha Bellem = Sebastião de Sousa Dantas Baracho = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, relator.

N.° 6-D

Artigo 1.° O contingente para o exercito e armada é fixado no anno de 1886 era 12:709 recrutas, distribuido pelos districtos, administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, sendo 12:000 recrutas destinados para o serviço do exercito e 709 para o da armada.
Art. 2.° O contingente da reserva auctorisada pela carta

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de lei de 9 de setembro de 1868, para completar o effectivo do pé de guerra, é fixado no anno de 1886 em 2:400 mancebos, e distribuido do mesmo modo pelos districtos administrativos.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negócios da guerra, em 3 de fevereiro de 1886. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

Mappa da população legal dos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes apurada no censo de 1 de janeiro de 1878

[Ver tabela na imagem]

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 3 de fevereiro de 1886. = O director geral, Caetano Pereira Sanches de Castro.

Foi approvado na generalidade e na especialidade.
Passou-se á discussão do projecto n.° 21.
Leu-se na mesa.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 21

Senhores. - Com o fim de estabelecer facilidades aos contribuintes no pagamento dos impostos directos em divida, e bem assim na satisfação dos emolumentos e sellos devidos pelas mercês lucrativas apresentou o governo as propostas de lei n.ºs 17-B e 17-C, que foram examinadas pela vossa commissão de fazenda.
E considerando que essas propostas contêem boa doutrina e podem augmentar os recursos do thesouro com effectiva vantagem dos contribuintes, entende a vossa commissão que podem ser approvadas; e visto como ha, tanto n'uma como n'outra, o mesmo fim, parece-lhe que devem ser incluidas n'um só documento parlamentar, estendendo se a faculdade de que trata a proposta n.° 17-B tambem ás contribuições vencidas até 30 de junho de 1884; e por isso, tendo se o governo conformado com esta opinião, reputa util para a administração dê fazenda a approvação do seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° As dividas á fazenda nacional por contribuições directas, vencidas até 30 de junho de 1884, poderão ser pagas dentro em dois annos por prestações mensaes ou trimestraes, continuando a contar-se-lhes o juro da mora desde o pagamento da primeira prestação.
§ 1.° Os devedores á fazenda que desejarem aproveitar-se do beneficio concedido neste artigo, assim o deverão declarar perante os respectivos escrivães de fazenda no praso de sessenta dias, contados da data da publicação d'esta lei na folha official do governo.
§ 2.° A falta de exacto pagamento de uma prestação torna vencidas todas as seguintes, que serão cobradas pelos meios ordinarios.
§ 3.° Quando as dividas sejam anteriores a 30 de junho de 1880, será concedido o abatimento de 10 por cento aos contribuintes que pagarem de prompto.
Art. 2.° É o governo auctorisado applicar ao pagamento dos emolumentos e sellos, devidos por mercês lucrativas, as disposições do artigo 1.° da carta de lei de 20 de março de 1875.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação contraria a esta.
Sala da commissão, aos 3 de março de 1886. = Filippe de Carvalho = M. d'Assumpção = Pinheiro Chagas = Lopes Navarro = Arthur Hintze Ribeiro = João Marcellino Arroyo = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Adolpho Pimentel = Frederico Arouca = L. Cordeiro = Correia Barata = Antonio Maria Pereira Carrilho relator.

N.° 17-B

Senhores. - Nas recebedorias das comarcas existe accumulada uma consideravel massa de conhecimentos não cobrados, das contribuições directas. D'esses documentos, muitos são incobraveis, e convirá em occasião opportuna annullal-os ou archival-os, de modo que não embaracem o serviço e não augmentem as responsabilidades dos exactores. Outros têem, ainda, valor e poderá apressar-se a sua cobrança, concedendo aos contribuintes facilidades e abatimentos no pagamento.
Por este motivo, tenho a honra de apresentar á vossa esclarecida apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° As dividas á fazenda nacional, por contribuições directas, vencidas até 30 de junho de 1883, poderão ser pagas dentro em dois annos, por prestações mensaes ou trimestraes, continuando a contar-se-lhes o juro da mora, desde o pagamento da primeira prestação.
§ 1.° Os devedores á fazenda que, desejarem aproveitar-se do beneficio concedido nesta lei, assim o deverão declarar perante os respectivos escrivães de fazenda, no praso de 60 dias, contados da promulgação d'ella.
§ 2.° A falta de exacto pagamento de uma prestação, torna vencidas todas as seguintes, que serão cobradas pelos meios ordinarios.
Art. 2.° Quando as dividas sejam anteriores a 30 de junho de 1880, será concedido o abatimento de 10 por cento, aos contribuintes que pagarem de prompto.
Art. 3.° Fica revogada-a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 1 de março de 1886. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

N.º 17-C

Senhores. - A legislação vigente concede aos agraciados com mercês lucrativas a faculdade de pagarem em prestações os direitos de mercê, que lhes são liquidados. Igual beneficio não se applica ao pagamento dos emolumentos e do imposto de sêllo.
É certo que a lei permitte em regra o emprego de meios efficazes para coagir os agraciados a satisfazerem o seu debito á fazenda, mas succede n'este caso o que em muitos outros se dá, quando os preceitos legaes não se confor-

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mam com os costumes ou com as circumstancias. A situação apurada da máxima parte do funcionalismo torna-lhe quasi impossivel o desembolso immediato de quantias relativamente avultadas, e d'ahi provém que os chefes dos serviços não exercem a fiscalisação severa que as prescripções legaes e as necessidades da fazenda publica impõem.
Em tal situação o meio mais pratico de conseguir augmento nas receitas publicas parece ser a concessão de facilidades no pagamento iguaes às estabelecidas para os direitos de mercê.
Por isso tenho a honra de apresentar á vossa illustrada consideração a seguinte proposta de lei;
Artigo 1.° São applicadas ao pagamento dos emolumentos e sêllo, devidos por mercês lucrativas, as disposições do artigo 1.° da carta de lei de 20 de março de 1875.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em o 1.° de março de 1886. - Mariano Cyrillo de Carvalho.

O sr. Carrilho: - Por parte da commissão, mando para a mesa um additamento a este projecto.
(Leu.)
É o seguinte:

Additamento

Artigo 3.° O governo fará os regulamentos necessários para a execução d'esta lei.
Art. 4.° O 3.° do projecto. = A. Carrilho.
Foi admittido e ficou em discussão.

O sr. Alfredo Peixoto (sobre a ordem): - Começou por ler as seguintes

Propostas

É adiado o parecer n.° 21 até que sejam enviadas a esta camara as informações indispensavelmente necessárias para a discussão do mesmo parecer. = Alfredo da Rocha Peixoto.

A camara lembra ao governo a conveniencia de mandar publicar annexa á conta geral da administração financeira do estado, e em volume separado, uma tábua das relações seguintes:
1.ª Entre as despezas e as respectivas receitas.
2.ª Entre as receitas liquidadas e as cobradas.
3.ª Entre as receitas calculadas e as cobradas.
4.ª Entre as receitas calculadas e as liquidadas. = Alfredo da Rocha Peixoto.

Sustentou estas propostas, e disse que o processo apresentado pelo sr. ministro da fazenda era um processo ordinario, pequeno, empyrico, e não era um processo de um financeiro eminente como o sr. ministro da fazenda.
Procuravam-se no relatorio que acompanhou a proposta do sr. ministro os princípios em que s. exa. se fundara para apresentar uma tal medida e não se encontravam.
Se as contribuições não são pagas em devido tempo, as collectas deviam ter sido relaxadas e proceder-se ao processo administrativo, conforme a lei mandava.
Era sua opinião que o projecto ia favorecer os poderosos, que eram os que mais se furtavam ao pagamento das contribuições.
Fez muitas considerações sobre o assumpto e pediu para continuar o seu discurso, na sessão seguinte.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando o restituir.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Franco Castello Branco, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Franco Castello Branco: - Pedi a palavra tão sómente para dirigir uma pergunta ao sr. ministro da fazenda.
V. exa. estará de certo lembrado que no final da ultima sessão o sr. Pinheiro Chagas interpellou aquelle illustre ministro pela publicação de uma circular sobre assumptos politicos e eleitoraes, expedida pelo seu ministerio e dirigida a todos os empregados fiscaes.
Um jornal muito considerado d'esta capital, escrevendo sobre o assumpto, permittiu-se dizer o seguinte:
(Leu.)
Pergunto pois unica e simplesmente ao sr. ministro da fazenda, se effectivamente se commeteu qualquer abuso de confiança na expedição d'aquella circular, como diz este jornal, e no caso affirmativo, se s. exa. sabe qual foi o empregado ou empregados que commetteram um tal abuso.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - O illustre deputado comprehende muito bem que eu não sou obrigado a responder nesta camara pelas asserções feitas na imprensa, por muitas attenções que ella me mereça; mas isso não me inhibe, não só pela muita consideração que tenho em geral por toda a camara, e muito em particular por s. exa., de dar uma resposta tão franca e tão clara como foi a pergunta que me dirigiu.
Não accusei nenhum empregado de ter commettido abuso de confiança, nem sei de ninguém que o tivesse praticado.
Pelo contrario, póde s. exa. estar certo de que, se dentro do ministerio a meu cargo soubesse que um empregado praticava um abuso de confiança, esse empregado não se conservaria no seu logar. O simples facto de não ter tomado nenhuma providencia mostra que não houve nenhum abuso de confiança. Houve um equivoco mas não um abuso de confiança. Posso até acrescentar que o equivoco não partiu de s. exa. Creio que o illustre deputado ficará satisfeito com esta explicação.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da de hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. Ministro, das Obras Publicas, na sessão de 5 de março, e que devia ler-se a pag. 593, col. 2.ª

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Permitta-me o sr. deputado que comece por lhe agradecer as palavras benevolas que proferiu a meu respeito, e que lhe diga que ellas vieram avivar-me a lembrança da boa camaradagem que tivemos nos tempos da universidade. E, para que saiba como tenho presentes na memoria as expressões que escrevi num momento doloroso para o sr. deputado, e para lhe mostrar assim como era profundo o meu sentimento pela perda do amigo que soffri, vou repetir essas mesmas expressões: «Aquella adoravel creança, rosada e loira como uma filha do Norte, aprendêra rasgos de homem nas lides da intelligencia».
Sabe o illustre deputado que me refiro a seu irmão, com quem tive a inolvidavel camaradagem dos mesmos bancos escolares, e a correspondencia de affecto, de que elle era digno pelas suas primorosas qualidades.
Estimo sinceramente ter ensejo de prestar esta saudosa homenagem aquelle meu desditoso condiscípulo, como estimo que estas lembranças sirvam para afervorar a tradição das boas relações que subsistem entre mim, o sr. deputado e sua familia.
Agora vou responder á pergunta que o illustre deputado me dirigiu, ácerca do conflicto que se dera entre o sr. bispo de Coimbra e a faculdade de theologia.
O conflicto é realmente grave, porque o são todos aquelles que directamente contendem com assumptos religiosos. Felizmente, entre nós, estes conflictos são raros. Poucas vezes se têem dado, porque o nosso clero é muito prudente e circumspecto; seja dito isto era sua honra.
Portugal tem tido a ventura de estar isento d'esse mal que tão profundamente tem perturbado outras nações, como

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626 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a França, a Belgica, a Suissa, a Italia, a Allemanha e ainda outras.
Precisamente porque o conflicto é grave, e porque é uma erupção esporadica, fóra das nossas tendencias e costumes, incumbe ao governo usar da maxima prudencia e moderação.
Está annunciada sobre este assumpto uma interpellação na outra camara, e foi adiada por se achar ausente do reino o sr. bispo de Coimbra.
O illustre deputado comprehende bem que eu neste momento commetteria uma indelicadeza, que tocaria as raias da mais censurável inconveniencia, se me alargasse em considerações sobre a natureza e os termos do conflicto.
Não posso por isso dar desde já uma resposta categorica e decisiva ao illustre deputado, visto achar-se reservada na camara dos dignos pares uma interpellação especial ao governo sobre o assumpto. Logo que cessem estes motivos de reserva e bem entendida deferencia, o governo não terá duvida em dar todas as explicações e manifestar desassombradamente a sua opinião nas duas casas do parlamento, que têem iguaes direitos para a exigir.
Por agora só posso dizer ao illustre deputado que o governo ha de saber mostrar-se digno representante das tradições inalteraveis do partido progressista, e ha de manter as regalias da corôa portugueza, mas sem faltar às complacencias e á consideração, que deve ao episcopado em geral, e em especial a um prelado que até agora não só tem respeitado, mas tem defendido aquellas regalias, e que tem sido vivamente combatido pelas suas francas profissões de crenças liberaes. Pôde ser que hoje a rasão não esteja inteiramente do seu lado; mas, sob este ponto de vista, o favor dos antecedentes não está, com certeza, do lado de alguns que se dão por aggravados no conflicto. (Apoiados.)
O governo, por consequencia, tem obrigação de ser duplamente circumspecto e de ter todas as complacencias e considerações para quem tem sido um auxiliar digno da corôa, ao mesmo tempo que tem sabido manter com explendor a dignidade do episcopado. O governo não levará essas complacencias e considerações até ao ponto do sacrificar direitos, que são inviolaveis, e principios reguladores das relações entre a igreja e o estado, que são fundamentaes. Isto está acima de tudo. Mas nesses termos ha ainda liberdade de acção sufficiente para se não faltar á consideração devida a um prelado, que tem prestado á corôa e aos partidos liberaes uma cooperação honrada e cordial, e que, se por acaso errou, o fez de certo sem o menor intuito de se afastar desse caminho, e de levantar o estandarte da revolta contra o poder civil. (Apoiados.)

Propostos de lei apresentadas n'esta sessão pelos srs. ministro da fazenda e presidente do conselho do ministros em nome do sr. ministro das obras publicas

N.° 21-C

Senhores. - Varias camaras municipaes da circumscripção do Douro, onde é actualmente permittida a cultura do tabaco, têem representado aos poderes do estado, pedindo para que seja prorogada aquella permissão, que finda no corrente anno, visto que o praso, apenas de tres annos que a lei de 12 de março de 1884 concedeu para similhante ensaio de cultura, nem correu regularmente completo, começando tarde o primeiro anno de cultura, nem parece bastante pelos resultados até agora obtidos para decidir com justo criterio da sua conveniencia ou inconveniencia com respeito aos fins a que se propozera.
A commissão geral da cultura de tabaco no Douro officiou no mesmo sentido ao governo ponderando alem d'isso o ter de entrar agora em ensaio novos processos de cultura e, de preparação do tabaco, propostos pelo agronomo Rodrigo de Moraes, e que elle colhera da visita ao estrangeiro em commissão de estudo sobre este assumpto.
O governo tendo em consideração o pedido que se faz, tem a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É prorogado por mais tres annos o ensaio da cultura do tabaco na região vinhateira do Douro, e segundo os termos da carta de lei de 12 de março de 1884.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 12 de março de 1886. = Emygdio Julio Navarro.
Enviada á commissão respectiva.

N.º 21-D

Senhores. - A somma das moedas miudas de prata, que estão actualmente em circulação, não é sufficiente para se poderem realisar com facilidade as pequenas transacções commerciaes. As queixas que á casa da moeda tem sido dirigidas, por varios commerciantes da capital, relativamente á falta de moedas de 200, 100 e 50 réis, sem que aquella repartição as possa fornecer, porque as não tem nos seus cofres, nem as póde cunhar sem auctorisação legislativa, aconselham uma pequena emissão das referidas moedas, que, augmentando a somma das que estão em giro, remova as difficuldades que a sua deficiencia está causando ao commercio. Parece para este fim, ser sufficiente a quantia de 200:000$000 réis, que, por ser, diminuta em relação á massa total da prata amoedada, em circulação, não produzirá o menor transtorno nas condições economicas do mercado.
Tenho por isso a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar cunhar a quantia de 200:000$000 réis em moedas de prata de 200, 100 e 50 réis, nas proporções que julgar convenientes.
Art. 2.° Os cunhos para esta amoedação serão pagos ao primeiro gravador da casa da moeda pelo preço estabelecido no n.° 14.° do capitulo 38.° do alvará de 29 de dezembro de 1753, na intelligencia de que, cada cunho deverá cunhar, termo medio, 10:000 peças de moeda.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 12 de março de 1886. = Marianno Cyrillo de Carvalho.
Enviada á commissão respectiva.

N.º 21-E

Senhores. - Varios cidadãos querendo honrar a memoria do fallecido ministro e secretario d'estado, Augusto Saraiva de Carvalho, pelos valiosos e importantissimos serviços por elle prestados ao paiz, especialmente no tocante á instrucção technica, iniciando no instituto geral de agricultura o ensino da microscopia e nosologia vegetal, e no instituto industrial de Lisboa a cadeira de arte de minas e metallurgia, e na direcção geral dos correios, telegraphos e pharoes, um curso pratico d'este serviço; abriram para isso uma subscripção, e determinaram que com o seu producto se creasse um fundo cujo rendimento seria applicado a premiar os aluamos mais distinctos no ensino d'aquellas disciplinas, designando-se estes premios com o nome de «Saraiva de Carvalho»; podendo mais tal rendimento tambem servir, quando para isso chegasse, a beneficiar qualquer instituição legal de soccorros e auxilios aos alumnos d'aquelles estabelecimentos escolares.
Fechada a subscripção o producto d'ella, importando em 4:500$000 réis nominaes de inscripções e 119$390 réis em dinheiro, foi depositado em 29 de julho de 1884 na thesouraria do ministerio das obras publicas, commercio e industria.
Á quantia em dinheiro tem hoje ajuntar-se os juros ven-

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cidos das inscripções a partir do 2.° semestre de 1883, e os do 1.° semestre do anno corrente, tudo na importancia, feitas as deducções do imposto de rendimento, de réis 392$850, dando assim a somma de 512$240 réis. Convertendo esta quantia em inscripções, e juntando o valor nominal destas aos 4:500$000 réis já referidos, obtem-se um fundo em valor nominal de inscripções de não menos de 5:500$000 réis.
O rendimento d'este fundo deseja a commissão encarregada de dar destino á subscripção, que seja annualmente dividido em tres partes iguaes, e distribuida uma parte ao instituto geral de agricultura, outra ao instituto industrial de Lisboa, outra á direcção geral dos correios, telegraphos e pbaroes; e cada parte dividida em dois premios, dando-se ao segundo premio metade do valor do primeiro.
Quer a dita commissão entregar ao governo o fundo de que se trata, com a condição de que no orçamento do estado, na secção relativa a cada um d'aquelles estabelecimentos, se inscreva com a designação de «premios de Saraiva de Carvalho» a importancia annual que lhe competir.
Não podendo, porém, o governo, em vista da legislação vigente, receber similhante fundo com a applicação, que lhe é adstricta, na fórma indicada, sem auctorisação parlamentar, e desejando obtemperar a um acto que enaltece quem o intentou, perpetuando assim um nome por tantos titulos digno de grata e respeitosa commemoração, tem a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a acceitar da commissão encarregada da subscripção para commemorar o nome do fallecido ministro e secretario d'estado, Augusto Saraiva de Carvalho, a importância dessa subscripção, creando-se com ella um fundo em inscripções, para com, o seu rendimento se constituirem premios com a designação «Saraiva de Carvalho», que serão conferidos aos alumnos mais distinctos da cadeira de microscopia e nosologia vegetal do instituto geral de agricultura, aos da de arte de minas e metalurgia do instituto industrial de Lisboa, e aos do curso pratico de correios telegraphos e pharoes da direcção geral d'este nome.
Art. 2.° A importancia do rendimento de que trata o artigo antecedente será annualmente dividida em três partes iguaes; e cada uma d'ellas inscripta no orçamento geral do estado como receita e encargo, subordinado áquelle destino. Cada uma d'essas partes será dividida em dois premios, sendo a importancia do segundo metade da do primeiro, e não podendo este exceder a 40$000 réis.
§ 1.° Quando não houver ensejo de se adjudicar algum prémio, a importancia d'elle acrescerá ao fundo, e será convertida em inscripções logo que isso se torne possivel.
§ 2.° Crescendo o fundo por este meio ou por novos donativos, que o governo fica auctorisado a acceitar nos mesmos termos e para o mesmo fim, o rendimento que exceder os limites fixados neste artigo será, conforme a sua importancia, ou addicionada ao fundo, ou applicada em beneficio de qualquer instituição auctorisada de soccorros aos alumnos dos cursos referidos, ou distribuida em novos premios aos alumnos das escolas do ensino industrial ou do ensino pratico da agricultura.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 12 de março de 1886. = Emygdio Julio Navarro.
Enviada á commissão respectiva.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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