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SESSÃO DE 17 DE JUNHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Deu-se conta de um officio do ministerio da justiça, expondo os motivos por que não podia ordenar a remessa dos documentos pedidos pelo sr.
deputado Eduardo Coelho na sessão de 10 do corrente.- Teve segunda leitura o projecto de lei apresentado pelo sr. Adolpho Pimentel e assignado por outros srs. deputados, au-ctorisando o governo a conceder definitivamente á associação de beneficencia do districto de Braga o edificio do convento do Salvador, da mesma cidade, com a sua cerca, casa do capellão e mais pertenças.- Teve tambem segunda leitura outro projecto de lei, apresentado pelo sr. Pinto Moreira, determinando que, depois de decorridos vinte annos de constituição de qualquer emprazamento, possa ser remido o dominio directo pelo senhorio util, pagando o respectivo valor estipulado ou determinado na conformidade da lei.- O sr. Aristides da Mota apresenta dois requerimentos, pedindo esclarecimentos, pelos ministerios da fazenda e das obras publicas.- O sr. Alfredo Brandão fez largas considerações com referencia aos acontecimentos da Africa oriental.- Respondeu-lhe o sr. ministro da marinha, lendo á camara os documentos que tinha recebido pelo vapor Castle Mail, e bem assim os telegrammas que tinha mandado ao governador de Moçambique.- Foi introduzido na sala e prestou juramento o sr. deputado Alfredo Mendes da Silva.- O sr. ministro da fazenda mandou para a mesa uma proposta de lei, auctorisando o governo a proceder á cobrança dos impostos e mais rendimentos publicos na metropole e provincias ultramarinas, relativos ao exercicio de 1890-1891.- A requerimento do sr. Carrilho foi auctorisada a commissão do orçamento a reunir-se durante a sessão para dar parecer sobre a proposta apresentada pelo sr. ministro da fazenda.- O sr. Lobo d'Avila requereu que se abrisse uma inscripção especial sobre o incidente que se tinha encetado com relação aos negocios de Africa.- Foi approvado este requerimento, usando da palavra sobre este assumpto os srs. Lobo d'Avila, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, José Julio Rodrigues e ministro dos negocios estrangeiros, que respondeu aos tres primeiros oradores, fallando tres vezes. - A pedido do sr. Lopes Navarro foi julgado findo o incidente.

Na ordem do dia continua a discussão, na especialidade, do projecto de lei n.º 109 (bill de indemnidade).- Conclue o seu discurso o sr. Roberto Alves, que apresenta differentes propostas.- Seguem, usando da palavra: o sr. Germano de Sequeira, que apresenta uma moção de ordem; e o sr. Dias Costa sobre a ordem, que ficou por ultimo com a palavra reservada para a sessão seguinte.- O sr. presidente do conselho apresenta uma proposta, que foi approvada, pedindo auctorisação para que os srs. deputados José Maria de Sousa Horta e Costa e Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda possam, querendo, accumular as funcções de deputados com as que exercem dependentes do ministerio da guerra.- O sr. Car-rilho apresenta o parecer da commissão do orçamento sobre a lei de meios para o anno economico de 1890-1891.- Justificaram faltas os srs. Figueiredo de Faria, Luciano Monteiro, Antonio Ennes, Ignacio José Franco, José Luiz Ferreira Freire, marquez de Fontes Pereira de Mello, Matheus Teixeira de Azevedo, Arthur Urbano de Castro, Antonio Mendes Pedroso, Teixeira de Vasconcellos, Aristides da Mota, Mendes Pedroso, conde do Covo e Manuel de Arriaga.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 57 srs. deputados. São os seguintes:- Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alfredo Cesar Brandão, Alvaro Augusto Froes Possollo do Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto José Pereira Leite, Augusto Ribeiro, Barão de Paçô Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Carlos Lobo d'Avila, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Elvino José de Sousa e Brito, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Jacinto Candido da Silva, João Marcellino Arroyo, João de Paiva, João Pinto Moreira, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Teixeira Sampaio, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Domingos Ruivo Godinho, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Pestana de Vasconcellos, Julio Antonio Luna de Moura, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Cordeiro, Manuel d'Assumpção, Manuel Francisco Vargas, Manuel Vieira de Andrade, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Pedro Augusto de Carvalho, Roberto Alves de Sousa Ferreira e Visconde de Tondella.

Entraram durante a sessão os srs.:- Abilio Guerra Junqueiro, Adolpho da Cunha Pimentel, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alfredo Mendes da Silva, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Jalles, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Costa, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Augusto da Cunha Pimentel, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Roma du Bocage, Christovão Ayres do Magalhães Sepulveda, Conde de Villa Real, Eduardo Abreu, Eduardo de Jesus Teixeira, Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro. Fernando Mattozo Santos, Fidelio de Freitas Branco, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Severino de Avellar, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Ignacio José Franco, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João de Barros Mimoso, João Cesario de Lacerda, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Simões Ferreira, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Azevedo Castello Branco, José Bento Ferreira de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Elias Garcia, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Greenfield de Mello, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Monteiro Soares de Albergaria, Julio Cesar Cau da Costa, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel de Arriaga, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Pinheiro Chagas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas Gonçalves Pereira e Pedro Victor da Costa Sequeira.
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Não compareceram á sessão os srs.:- Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Antonio Baptista de Sousa, Antonio José Arroyo, Antonio José Ennes, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto Maria Fuschini, Conde do Covo, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Fortunato Vieira das Neves, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Henrique da Cunha Matos de Mendia, João Pinto Rodrigues dos Santos, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio de Almeida, José Freire Lobo do Amaral, José Maria Latino Coelho, José Paulo Monteiro Cancella, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Manuel Affonso Espregueira, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da justiça, participando que não póde ordenar a requisição dos documentos pedidos pelo sr. deputado Eduardo Coelho na sessão de 10 do corrente mez, por se não indicar a comarca em que o processo corre, nem qual a comm-issão recenseadora, cujo vice-presidente e secretario foram, segundo se allega no respectivo requerimento, arbitrariamente presos.

Para a secretaria.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda se organise uma nota de todas as receitas arrecadadas, de todas as despezas feitas no districto de Ponta Delgada, por ministerios, nos ultimos cinco annos economicos. = O deputado, Aristides da Mota.

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas se me dê uma nota por annos economicos, do todas as despezas feitas com o porto artificial de Ponta Delgada, desde a inauguração dos trabalhos, e de quaes têem sido as receitas provenientes de impostos especiaes applicadas á construcção d'aquelle porto, designando se a natureza d'esses impostos, tambem por annos economicos.

Requeiro mais, pelo mesmo ministerio, uma nota respeitante a cada um dos ultimos cinco annos economicos de todas as despezas feitas pela direcção das obras publicas do districto de Ponta Delgada, discriminando a que foi feita com o pessoal technico, com trabalho de construcção e reparação (separadamente) e expropriações.= O deputado, Aristides da Mota.

Mandaram-se expedir.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores.- Na proposta de lei n.° 79-B, apresentada pelo sr. ministro da fazenda d'essa epocha, na sessão de 14 do junho de 1888; era auctorisada a concessão definitiva ao asylo de mendicidade da cidade de Braga do edificio e cerca do convento do Salvador, logo que entrassem na posse da fazenda nacional. Como aquella proposta não pôde então ser convertida em lei, a concessão não se realisou e aquella caridosa instituição continua sem casa em que se abrigue.

Aquelle asylo de mendicidade fundado por iniciativa do governador civil em 1884, é uma das instituições a cargo da associação de beneficencia do districto de Braga, organisada na mesma occasião, e legalmente estabelecida.

Desde logo acolheu cento e tantos pobres de ambos os sexos e tem continuado, a despeito dos seus limitados recursos, a receber todos os que ahi se acolhem. Muitos têem sido os beneficios por aquella instituição feitos a bem da caridade e mais largos seriam ainda se tivesse casa em que maior numero de pobres se podessem acolher.

Estabelecido provisoriamente n'uma casa velha, acanhada e sem nenhumas condições para o seu bom regimen e ainda assim mercê da beneficencia do seu generoso proprietario, está este asylo em risco de ámanhã ter de lançar á rua perto de 100 asylados por falta absoluta de edificio, em que os possa abrigar.

Não é imaginario este receio, nem exposta esta apprehensão só com o fim de encarecer o pedido que n'este projecto temos a honra de vos apresentar. Seria um triste espectaculo ver tantos desgraçados que a caridade ali sustenta, veste, abriga e acolhe, lançados novamente na miseria.

O convento do Salvador está em breve a entrar na posse da fazenda nacional, porque n'elle só resta uma reliquia achacada e em provecta idade.

É este edificio, com a sua cerca, casa do capellão e mais pertenças que em nome dos desvalidos vimos para elle pedir.

No relatorio que precede aquella proposta de lei dizia-se: «O producto da venda dos conventos, que nos termos legaes vão sendo extinctos, é quasi sempre muito inferior ao seu verdadeiro valor, e afoitamente se póde dizer que fica sempre muito abaixo da utilidade que podem produzir, quando aproveitados convenientemente pelo estado ou por corporações, ás quaes sejam concedidos. Por isso muitos d'esses conventos têem sido concedidos a diversas entidades, umas vezes definitivamente por lei, outras provisoriamente por actos do poder executivo».

Com estas mesmas rasões, já então deduzidas, justificâmos tambem o nosso projecto de hoje.

O estabelecimento do asylo não prejudica a concessão feita á camara municipal d'aquella cidade ou parte da cerca indispensavel para a regularisação da praça do Salvador.

Por todas estas considerações tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É o governo auctorisado a conceder definitivamente á associação de beneficencia do districto de Braga o edificio do convento do Salvador, da mesma cidade, com a sua cerca, casa do capellão e mais pertenças, logo que entrem na posse da fazenda nacional, para ali estabelecer o seu asylo de mendicidade e albergue nocturno e qualquer outra instituição de caridade por aquella associação dirigida.

§ 1.º Da cerca d'aquelle convento será concedida á camara municipal de Braga a parte indispensavel para a regularisação da praça do Salvador.

§ 2.° Estas concessões ficarão de nenhum effeito, revertendo as propriedades para a posse da fazenda nacional, se os edificios e terrenos deixarem de ter a applicação designada, ou d'ella forem desvia-los.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 16 de junho de 1890.= Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu = Augusto José Pereira Leite = Augusto da Cunha Pimentel = Antonio Ribeiro dos Santos Viegas = José Novaes = Bernardino Alves Passos = Adolpho Pimentel.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores.- Reconhece-se ha muito que o systema da transmissão da propriedade territorial por aforamento, ape-

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sar de vantajoso para facilitar o arroteamento de terrenos incultos e para a constituição do patrimonio das familias, tem, nas condições em que se acha regulado pela lei, gravissimas consequencias praticas, que muito importa remediar.

O codigo civil, principiando a vigorar ha mais de vinte annos, já modificou consideravelmente este contrato no sentido de lhe diminuir a feição vincular e demasiadamente escravisadora do torrão e do colono ao senhorio, mas deixou-o ainda com restricções e peias, que profundamente contribuem para depreciar o valor da propriedade, tirar aos foreiros o estimulo á mais larga bemfeitorisação do solo, e para crear graves embaraços e desgostos na partilha das heranças, circumstancias que contrariam abertamente o desenvolvimento da riqueza publica que no nosso paiz mais do que em qualquer outro, depende essencialmente da prosperidade da agricultura.

Portanto, tudo quanto contribuir para estimular e promover no animo dos povos o interesse pelas adaptações da terra ao augmento das producções agricolas, e animar o emprego dos capitaes ao aperfeiçoamento das construcções urbanas, se traduzirá em um grande beneficio social, que ha de ser recebido e acceite com applauso geral dos cidadãos.

É indispensavel para isso restringir, tanto quanto possivel, sem prejuizo de direitos nem de interesses, os obstaculos á livre transmissão da propriedade territorial, libertal-a dos onus que a escravisam e a depreciam, e despertar por todos os meios o incitamento á sua maior valorisação.

Entre os contratos de censo consignativo e de emprazamento ha, para o credor e o senhorio directo, uma similhança de interesses, pois que, se o primeiro cede um capital em dinheiro por tempo indeterminado em troca de uma pensão annual, garantida pelo rendimento de um certo predio, tambem o segundo cede um capital fundiario por tempo indeterminado em troca de uma pensão annual garantida pelo predio cedido. Ora, assim como no censo consignativo a lei permitte a remissão do encargo da pensão no fim de vinte annos, calculando-se no censo consignativo do preterito a importancia d'essa remissão em vinte pensões, quando não consta a importancia do capital prestado; assim tambem, ao nosso parecer, deve ser permittida a remissão do onus emphyteutico, tanto mais quanto é certo que pelo aforamento, o dono do terreno transmitte ao emphyteuta o que ha de mais importante no direito de propriedade, que é, inquestionavelmente, o dominio util, isto é o direito de tirar da terra toda a utilidade que póde produzir.

A faculdade, concedida ao senhorio directo e ao senhorio util, de consolidar esses dois dominios pela preferencia na acquisição, quando qualquer d'elles quizer alienar o seu respectivo dominio, foi um grande passo dado no caminho de preparar a libertação da propriedade; mas no interesse de desenvolver a riqueza social e no intuito de facilitar a divisibilidade do patrimonio das familias, sem collocar os herdeiros entre a dura necessidade de optarem por um de dois grandes males - a alienação forçada do torrão natal ou a ruina pelo encabeçamento sujeito a tornas onerosissimas - é indispensavel que o legislador caminhe um pouco mais alem; facultando não só a remissão do onus emphyteutico em favor do senhorio util, mas tambem a divisibilidade dos prazos em glebas, formando estas prazos distinctos.

Desde que ao senhorio directo se garanta a justa indemnisação do valor do seu dominio reservado e a de quaesquer incommodos resultantes da divisão do fôro, a opposição á divisibilidade e á remissão sómente póde significar um capricho e um despotismo, exercidos contra quem mais direitos sagrados tem á terra, que com o seu trabalho adaptou ás producções agricolas, ou valorisou por qualquer outro meio. É o legislador, a quem incumbe a alta missão de reger todos os factos sociaes pelos principios de justiça, não póde, nem deve, transigir jamais com caprichos e despotismos.

Demais, desde que a lei não prohibe, e portanto permitte, a divisibilidade do dominio directo, não será de inteira justiça conceder tambem a divisibilidade ao dominio util?

Parece-nos incontestavel a affirmativa.

Nas provincias do Minho, Douro e Beiras, principalmente, predomina de datas immemoriaes o regimen emphyteutico, e ahi se tornam mais sensiveis os graves prejuizos que as familias soffrem com as peias dos onus escravisadores, que difficultam a livre transmissão da propriedade, e impedem a divisibilidade dos prazos contra a vontade caprichosa dos senhorios, os quaes muitas vezes se oppõem á divisão, para violentarem os herdeiros do emphyteuta a pôrem em almoeda os torrões queridos, a que se ligam respeitaveis tradições de familia, e que os antepassados, á força de improbo trabalho, converteram de bravios matagaes em campos productivos, cuja posse os senhorios cubiçam e realisam á sombra do seu direito de opção.

É, inspirado pela perniciosa influencia d'estes factos ruinosos e movido pelo desejo de cooperar para o engrandecimento da riqueza do meu paiz, essencialmente agricola, e não menos para o bem estar e felicidade das familias, que temos a honra de submetter ao parlamento o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Decorridos vinte annos da constituição de qualquer emprazamento, póde ser remido o dominio directo pelo senhorio util, pagando o respectivo valor estipulado ou determinado na conformidade da lei.

§ 1.° Se nos emprazamentos particulares o senhorio directo e o senhorio util não concordarem no valor, seguir-se-ha o processo estabelecido no artigo 544.° e seu paragrapho do codigo do processo civil; e não havendo contestação, ou sendo julgada improcedente, se procederá á determinação do valor nos termos dos artigos 252.° a 258.° e 260.º do mesmo codigo.

§ 2.º O pagamento do preço ou valor da remissão será sempre feito por termo nos autos julgado por sentença, ou, quando houver accordo das partes, por escriptura publica ou escripto particular, segundo o valor, na conformidade do disposto no artigo 1:590.° e seus paragraphos do codigo civil.

Art. 2.° A remissão de fóros, censos e pensões na posse da fazenda, das igrejas, irmandades, confrarias, misericordias e outras corporações religiosas ou administrativas será feita segundo as prescripções da lei de 22 de junho de 1866 e decreto regulamentar de 26 de julho do mesmo anno, que ficam em pleno vigor, sendo permittido sempre o pedido da remissão, desde que tenha decorrido o praso estipulado na lei para a desamortisação d'esses encargos.

Art. 3.° O dominio directo, separado do dominio util, não impede a divisão d'este em duas ou mais glebas, cada uma das quaes formará um prazo distincto sendo o fôro rateado na devida proporção.

§ 1.° No caso de todos os interessados concordarem na divisão e rateio observar-se-hão as prescripções dos artigos 1655.° e 1659.º do codigo civil; e na falta de accordo, seguir-se-hão as disposições dos artigos 568.° a 571.°, 740.º e 753.º e respectivos paragraphos do codigo do processo civil, segundo os casos occorrentes, devendo os peritos fazer, ao mesmo tempo, a divisão do predio e o rateio do fôro, sendo citado sempre o senhorio directo.

§ 2.º Não havendo accordo d'este quanto á divisão do predio, a importancia do fôro será augmentada com mais a decima parte do seu valor reduzido a dinheiro, repartindo-se a totalidade proporcionalmente.
§ 3.º Se o accordo for sómente no rateio, observar se-

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hão as prescripções dos artigos 559.º a 563.º do codigo do processo civil.
§ 4.° Os novos foreiros poderão estabelecer o encargo de cabecel, mas não ficam por isso isentos de sua responsabilidade para com o senhorio directo, salvo havendo accordo d'este.
§ 5.° Quaesquer encargos eventuaes, que oneram o prazo acompanham os novos prazos em que for vendido.
Art. 4.º Quando se tratar de predio sub-emphyteutico a remissão só poderá ter logar em favor do subemphytenta, bem como só a favor d'este se poderá fazer a divisão, com intervenção do senhorio directo e do emphyteuta em qualquer dos cabos, recebendo cada um a respectiva indemnisação.
Art. 5.° As disposições da artigos anteriores são applicaveis aos censos.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação, aos 16 de junho de l890. = João Pinto Moreira.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro a v. exa. e á camara que por motivo justificado deixaram de comparecer ás sessões d'esta camara o srs. Adriano Cavalheiro, Eugenio Ribeiro de Castro e José de Alpoim de Sousa Menezes. = O deputado, Francisco Figueiredo de Faria.

Declaro que o sr. disputado Luciano Monteiro faltou a algumas sessões d'esta camara por motivo justificado. = Manuel F. de Vargas.

Participo a v. exa. e á camara que por motivos justificados deixaram de comparecer a algumas sessões d'esta camara os srs. deputados Antonio Ennes o Ignacio José Franco. = O deputado, João de Sousa Machado.

Participo a v. exa. e á camara que por motivo justificado deixaram de comparecer a algumas sessões os srs. José Luiz Ferreira Freire, marquez de Fontes Pereira de Mello Matheus Teixeira de Azevedo, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Antonio Mendes Pedroso e João Pereira Teixeira de Vasconcellos. = O deputado, Adriano Monteiro.

Declaro que por justos motivos faltei ás sessões d'esta camara, desde o dia 10 até ao dia 15 d'este mez. = O deputado, Aristides da Mofa.

Declaro que o sr. deputado Mendes Pedroso faltou a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Aristides da Mota.

Declaro que o sr. deputado conde do Covo, não tem podido comparecer ás sessões por falta de saude. = O deputado, Vidra de Andrade.

Declaro que faltei ás sessões do parlamento desde o dia 31 de abril ultimo até hoje por motivo de doença. = O deputado, Manuel de Arriaga.
Para a secretaria.

O sr. Alfredo Brandão: - Tinha hontem pedido a palavra antes da ordem do dia e, não a obtendo, pedi-a depois para antes de se encerrar a sessão, a fim de transmittir á camara algumas noticias que recebi da Africa Oriental.
O sr. ministro da marinha, na sessão de sexta feira, leu apenas á camara um telegramma do governador geral de Moçambique, em que se dizia que tinham sido presos dois sipaes de Ferrão; mas nada dizia com relação ao assassinio d'esses sipaes, nem com relação ao insulto feito á bandeira portugueza e ao estado de sublevação da região do Chire, nem ainda ás providencias que as auctoridades de Moçambique tomaram depois dos acontecimentos a que se refere o governador de Quelimane no seu protesto publicado na imprensa.
Eu, sem pretender esclarecer o sr. ministro da marinha, que supponho já hoje cabalmente informado d'aquelles acontecimentos, entendo do meu dever dar conta á camara das informações que tenho sobre estes acontecimentos.
Uma carta particular, de 29 de abril, que recebi da Africa oriental pelo ultimo paquete da Castle Mail, diz o seguinte:
«Eusebio Ferrão que, na ausencia do governador do Chire, tenente João Coutinho e do capitão mor de Senna, Anselmo Ferrão, estava á testa das forças irregulares no Massingire, sabendo que havia novidade no Chire, mandou quatro sipaes, a fim de fallarem com o Inhacuana Lundo para saberem o que havia e virem dar-lhe conta.
«Os sipaes chegaram ao ponto do destino em 12 do corrente, encontrando toda a gente de Catunga até Maceia em armas, a fim do atacarem todas as povoações d'aquelle ponto para baixo.
«Na manhã bcguinte (13), quando os quatro sipaes voltavam acompanhados de dois filhos do mesmo Inhacuana Lundo para irem dar parte do que viram a Euzebio Ferrão, foram atacados pelos revoltosos, tendo sido amarrados dois sipaes, que foram entregues ao inglez Buchanan, que os mandou amarrar a utna arvore e em seguida fuzilar.
«O Inhacuana Chiduala foi amarrado, tiraram-lhe a bandeira portugueza e queimaram-n'a.
«Dois inglezes é que commandam as forças dos revoltosos de Maceia.»
Outra carta da mesma proveniencia acrescenta:
«O pseudo vice-consul inglez fuzilou dois sipaes de Euzebio Ferrão e queimou uma bandeira portugueza.
«Para o local do conflicto marchou o Ferrão com todas as forças que póde arranjar em Senna e Tete.»
Estas noticias, como a camara vê, estão na sua essencia conformes com o protesto do governador de Quelimane.
A meu ver, os acontecimentos do Chire nada têem com as negociações diplomaticas entaboladas com a Inglaterra.
Os factos a que se refere esta carta são actos de bandoleirismo, frequentes em Africa, e attentados contra a ordem publica, que ao governo portuguez cumpre reprimir e castigar.
A Inglaterra que nos exigiu a evacuação das forças portuguesas dos territorios do norte do Ruo para se conservar o statu que antes da situação violenta creada por essas forças, e que pediu o armisticio, não podia permittir nem auctorisar que alguns cidadãos da sua nação revoltassem as povoações sujeitas ao dominio portuguez e invadissem os mesmos territorios completamente estranhos ao litigio pendente com esta nação; não podia permittir, digo, que qualquer cidadão inglez promova a anarchia e pratique desacatos em territorios submettidos a armisticio e em que Portugal sempre exerceu direitos de soberania reconhecidos pela Inglaterra, que para garantir a segurança dos seus subditos residentes na região do Nyassa, recorria ás auctoridades de Moçambique e ao governo portuguez.
Não temos por isso de pedir-lhes satisfações, porque alguns salteadores vão revoltar as povoações do Chire e assassinam subditos portugueses, praticando delictos punidos pelas leis portuguezes, e que às auctoridades portuguezas cumpre reprimir prompta e energicamente.
Se taes explicações lhe pedissemos, responder-nos-ía como respondeu quando Buchanan se assenhoreou de Chilomo, que não auctorisava, nem tinha conhecimento dos factos.
Por isso, ainda mesmo que não fosse senão por legitima dos nossos direitos de soberania e para mantermos

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o statu quo, exigido pela Inglaterra, era nosso dever restabelecer a ordem alterada pelas suggestões de bandoleiros inglezes, que a Inglaterra não póde apoiar, nem defender e punir severamente os attentados praticados na região do Chire.
Digo e repito: os attentados praticados no Chire devem ser reprimidos pelas auctoridades portuguesas, e essa repressão deve ser energica e prompta, mesmo para que a Inglaterra não possa dizer, que não temos força para manter o statu quo, nem para castigar qualquer aventureiro que se lembre de queimar a bandeira portuguesa e de assassinar soldados portuguezes.
Com respeito a providencias, eu não sei quaes foram as que as auctoridades de Tete e do Chire tomaram, porque nas noticias que recebi diz-se apenas, que Ferrão marchou para o Chire com todas as forças que tinha podido arranjar, apenas soubera que tinham sido assassinados dois sipaes que elle, na sua qualidade de capitão mor do Chire, e primeiro representante da auctoridade portugueza, na ausencia do governador Coutinho, tinha mandado á povoação de um regulo, vassallo portuguez, pedir informações do que se passava.
Não tenho noticia de outras providencias que essas auctoridades tomassem, mas é certo que ellas deviam ser enérgicas, promptas e todas tendentes a reprimir o estado de anarchia em que se encontra o alto Chire, para que a Inglaterra não tenha direito a pedir-nos contas do nosso desleixo, ou a attribuir-nos connivencia nos actos de vandalismo praticados por inglezes nos territorios em litigio.
Aproveito a occasião para me referir a um teleramma que s. exa. aqui leu na sessão de sexta feira, o em que se dizia que por causa do temporal não podiam seguir para Loanda umas praças da Africa oriental.
Este telegramma passou despercebido, das fez-me uma impressão desagradavel, porque as noticias da nossa provincia de Moçambique, não só com respeito á região do Chire, como ainda com respeito á situação grave, e que eu considero melindrosissima, dos nossos districtos de Inhambane e Angoche, não me parece que auctorisem ou aconselhem que, na presente conjunctura, se retirem forças d'esta provincia para a provincia de Angola.
O que me parecia era que o governo portuguez devia, sem perda de tempo, mandar seguir para Moçambique as forças do exercito da metropole, que fossem necessarias para castigar os vassalos rebeldes, e para manter o prestigio portuguez na Africa oriental, principalmente depois do conflicto levantado com a Inglaterra.
Dizem os jornaes que vão marchar dois batalhões do exercito portuguez para o ultramar. Se essa idéa tem fundamento, dou-lhe a minha plena approvação, porque é necessario que todos saibam que a defeza nacional, em que se fundamentam as despezas enormes que se estão fazendo com o exercito portuguez não é uma palavra sem significação e que essas despezas têem uma applicação proveitosa e justificada.
Por isso impressionou-me bem a noticia de que vão marchar dois batalhões para o ultramar, porque ha muito tempo é convicção minha que não ha outro meio de castigar os rebeldes que nos inquietam e affrontam constante mente, e de restabelecer o nosso prestigio era Africa.
Este resultado não póde esperar-se do nosso exercito ultramarino, que como todos sabem, é composto de prelos boçaes, sem instrucção e sem meios para satisfazer aos fins a que é destinado.
É necessario tropa da metropole, disciplinada e perfeitamente organisada, que mantenha e restabeleça o nosso prestigio tão abalado n'estes ultimos annos, especialmente agora depois do conflicto com a Inglaterra.
Relativamente a este facto, repito, estimarei que o illustre ministro adopte o expediente de aproveitar o exercito portuguez para prestar serviços á sua patria, onde a patria os reclamar. Estimarei isso, não só porque é uma necessidade manter o prestigio da nação portugueza nas nossas longinquas colonias africanas, como tambem é necessario que o paiz saiba que os 5.000:000$000 réis ou 6.000:000$000 réis que se gastam com o exercito, não são um desperdicio e uma inutilidade.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - O illustre deputado e meu amigo o sr. Alfredo Brandão referiu se a tres assumptos: a questão do Chire, ou antes os ultimos acontecimentos que se deram no Chire, a remessa de uma força para Moçambique e para Angola e, finalmente, fiz algumas considerações sobre a necessidade que s. exa. suppõe legitima de mandar dois regimentos para o ultramar.
Com relação ao primeiro ponto estou hoje completamente habilitado a dar á camara todos os esclarecimentos de que ella carecer, porque tenho os documentos que chegaram no sabbado a Lisboa por um paquete da Castle Mail. Parece-me conveniente ler estes documentos, porque pela leitura d'elles a camara ficará fazendo uma idéa completa da maneira como os factos se passaram.
Em primeiro logar leio o officio do governador geral de Moçambique, enviando estes documentos.
(Leu.)
Como a camara vê não faltei á verdade quando disse que não tinha esclarecimentos officiaes sobre este assumpto. O proprio officio do governador geral da provincia de Moçambique justifica a declaração que eu fiz. N'elle diz, como a camara póde ver perfeitamente, que manda os documentos pelo Castle Mail. O officio tem a data de 28 de abril d'este anno. É muito facil de verificar que o paquete chegou no sabbado, 14, e por consequencia não podia ter conhecimento official d'estes documentos anteriormente a este dia.
Fica assim não só explicado o meu procedimento com relação á declaração que fiz; mas perfeitamente justificado o procedimento do governador geral de Moçambique que não deixou de mandar pelo primeiro paquete os documentos relativos a este assumpto. (Apoiados.)
A camara sabe perfeitamente que tanto nesta casa, como na imprensa, se tem levantado uma certa versão não só com relação ao facto, mas quanto ao procedimento do governador geral de Moçambique, dizendo-se que elle tinha tido occasião de remetter os documentos, e não os tinha enviado, o que significava um estado de tensão de relações entre elle e o seu superior do ministerio da marinha. Está evidentemente demonstrada que tal estado não existia e que s. exa. procedeu correctissimamente.
Podiam vir directamente de Quelimane para aqui os esclarecimentos com relação a este facto, mas pela via official é que não podiam vir porque o governador do districto está em relações directas com o governador geral de Moçambique e não com o governo da metropole. (Apoiados.)
Por consequencia, na occasião em que o governador de Quelimane ou pessoas particulares de Quelimane mandavam para aqui participações particulares, o mesmo governador de Quelimane mandava para o governador geral de Moçambique participações officiaes, que não podiam vir no mesmo paquete que trouxe essas informações particulares, mas que vieram no paquete que saíu depois de Moçambique.
Fica portanto claramente esclarecido este ponto.
Portanto se a opposição em vez de ter levantado esta questão ha tres dias, a levantasse hoje, encontrava me habilitado para ler os documentos officiaes e dar os esclarecimentos de que carecessem. (Apoiados.) Na occasião em que eu estava fallando os esclarecimentos estavam pela altura da Madeira, ou de Cabo Verde.
Isto com relação ao primeiro ponto.

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Agora vamos á exposição dos factos, que constam de um documento que eu passo a ler. (Leu.)
É esta a exposição fiel dos factos, e não ha outra senão esta.
Como v. exa. acaba de ver pela leitura dos documentos a noticia veiu do alferes Rodrigues que está em Chilomo.
Os factos não se passaram aquem do Ruo, mas ao norte do Ruo, e ahi é que foram os sipaes mandados pelo Ferrão, a investigar a força dos sublevados.
Como eu ía dizendo, o alferes Rodrigues tendo conhecimento d'estes factos participou-os ao governador de Quelimane, este ao governador geral de Moçambique.
Aqui está a exposição official e documentada dos acontecimentos.
Agora o que se passou depois d'isto?
V. exa. comprehende que o governador geral de Moçambique não podia deixar passar despercebidos estes factos. O governador geral de Moçambique dirigiu-se ao consul inglez Johnston, que estava em Quilimane, travou correspondencia com elle, e o resultado d'ella foi que tanto a auctoridade ingleza deu instrucções aos inglezes como a auctoridade portugueza deu instrucções aos portuguezes.
Eu vou ler á camara tanto as instrucções da auctoridade ingleza como as da auctoridade portugueza, e isto responde a uma das perguntas feitos pelo sr. Alfredo Brandão que desejou saber as providencias tomadas pelas auctoridades do governo na provincia de Moçambique.
(O orador leu na instrucções dadas pelo consul inglez Johnston, e as darias polo governador geral de Moçambique.)
É escusado dizer que eu leio este officio do sr. Neves Ferreira com uma grande satisfação. (Muitos apoiados.)
Se o sr. Neves Ferreira carecesse, na opinião do governo, e creio que na de toda a camara e do paiz, de affirmar a sua prudencia e o seu tino politico, não precisava de outra cousa para o recommendar do que apresentar este documento, (Muitos apoiados.) que é altamente bem pensado, e que eu não redigiria melhor. (Vozes: - Muito bem.)
O sr. Neves Ferreira cumpriu plenamente o seu dever e traduziu admiravelmente as aspirações e intenções do governo. (Muitos apoiados.)
Como a camara vê, isto explica a situação. Graças á habilidade do governador de Moçambique pode-se dizer que ha socego no Chire. Temos effectivamente lá uma grande força militar. Eu approvei o procedimento do governador mandando reunir essa força na margem do Ruo, na linha de demarcação do territorio em litigio. Essa força tem por fim manter a soberania portugueza em toda aquella região onde essa soberania não está litigiosa. Onde está litigiosa achamo-nos em uma situação em que a força portugueza não póde praticar actos de especie alguma. Eu tomo inteira e completa responsabilidade d'este facto. Desde o momento em que se praticassem actos de soberania ou de força o governo rompia immediatamente a situação creada pelo ultimatum. Esta situação obriga a nação portugueza; é um compromisso estabelecido por ella. (Apoiados.)
Não ha nada no Chire. As instrucções que eu mandei d'aqui para as auctoridades de Moçambique foram cumpridas. Essas inatrucções constam de tres telegrammas meus.
Primeiro telegramma:
(Leu.)
Note-se que os acontecimentos do Chire tinham-se dado a 12 de abril, e o caso dos sipaes n'esse dia.
Por uma coincidencia, que o é perfeitamente, parece que eu advinhava que alguma cousa havia no Chire e que era occasião opportuna do governo impor a sua vontade e as suas ordena, porque é elle que tem a responsabilidade do poder o unico responsavel perante a camara e perante o paiz.
Isto explica os termos verdadeiramente peremptorios e terminantes d'esta ordem: «Não quero nenhuma expedição aos territorios em litigio. Fique isto definitivamente assente». Esta ordem foi expedida d'aqui em 16 de abril, isto é, quatro dias depois de se terem dado os acontecimentos no Chire. E por consequencia evidente que eu não podia ter conhecimento d'esses acontecimentos; o que tinha era a previsão de que se passara ali alguma coisa de extraordinario que podia comprometter o governo e a mini. Eu não tenho medo de ficar compromettido pela execução das minhas ordens, porque eu assumo a responsabilidade d'ellas; mas o que não tomo é a responsabilidade do que os outros fazem sem minha ordem. (Apoiados.)
Eu expedi esta ordem que foi cumprida fidelissimamente pelo sr. Neves Ferreira. Aqui está o documento que o prova.
(Leu.)
Os acontecimentos do Chire deram-se, como disse, em 12 de abril, o meu telegramma peremptorio ordenando que respeitassem o territorio em litigio foi expedido em 16, e em 18 o sr. Neves Ferreira mandava copia d'esse telegramma ao tenente, Continho e ao governador de Quelimane.
(Leu.)
A ordem que eu expedi d'aqui chegou em 18 de abril, foi expedida para o tenente Coutinho. Mais tarde, poucos dias depois, pareceu-me conveniente renovar a ordem, e em 15 de maio deste anno ainda não tinha tido tempo para se saber o que lá se passara, nem official nem particularmente mandei o seguinte telegramma ao governador de Moçambique.
(Leu.)
Respondeu-me o governador geral de Moçambique.
(Leu.)
Resposta minha.
(Leu.)
As palavras finaes d'este telegramma traduzem perfeitamente a attitude do governo. «Será enorme a sua responsabilidade.» O governador geral de Moçambique comprehendeu isto, e posso assegurar a v. exas. que estas ordens estão cumpridas.
Ha uma força portugueza ao sul do Ruo, mantendo a independencia e a soberania portugueza onde não está em litigio, mas não ha forças alem do Ruo, nem entraram em territorios onde não podiam entrar sob perigo de haver gravissimos prejuizos para o paiz.
João Coutinho é um valente (Muitos apoiados.) um official disciplinador e cumpriu as ordens que o governo mandou.
Não tenho mais nada a acrescentar.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador não reviu o discurso.)
O sr. Presidente: - Convido os srs. vice-secretarios a introduzirem na sala o sr. Alfredo Mendes da Silva, a fim de prestar juramento.
Prestou juramento o sr. Alfredo Mendes da Silva.
O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco):- Mando para a mesa uma proposta de lei auctorisando o governo a cobrar as receitas e distribuir as despezas, em harmonia com a lei do orçamento.
Voe publicada no fim da sessão a pag. 708.
O sr. Pereira Carrilho: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que a commissão do orçamento possa reunir-se immediatamente para dar parecer sobre a lei de meios.
A camara consentiu.
O sr. Carlos Lobo d'Avila: - CO discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. tenha revisto as notas tachygraphicas.)

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O sr. Presidente: - Vá e ler-se o requerimento que o sr. Lobo d'Avila mandou para a mesa.
É o seguinte:

Requerimento

Roqueiro a v. exa. que consulte a camara sobro se permitte que se abra uma inscripção especial sobre este grave incidente. = Carlos Lobo d'Avila.
Foi approvado.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Levanto me para responder ao illustre deputado o sr. Carlos Lobo d'Avila, por me parecer que o teor das considerações que s. exa. apresentou diz respeito mais directamente á pasta que dirijo, do que á do meu collega da marinha.
O illustre deputado perguntou se o governo ficára satisfeito com o procedimento havido pelo consul inglez em Moçambique, e se entendêra que em presença de tal procedimento nada mais havia a fazer em justa defeza dos interesses do paiz.
Nos acontecimentos de que se está tratando ha duas cousas que convem distinguir: uma e o que se pasmou, e a outra é o que se evitou.
Sem duvida que o procedimento do consul inglez; em Moçambique por um lado, e o do governador geral de Moçambique por outro lado, evitaram graves consequencias que podiam resultar dos acontecimentos, e um e outro duram provas de que desejavam evitar maiores perturbações do ordem publica, quer as offensas fossem feitas por inglezes a portuguezes, quer por portugueses a inglezes. Um e outro se esforçaram por estabelecer a ordem necessaria para os interesses publicos.
N'esta questão de ordem publica o sr. ministro da marinha já exaltou o procedimento do governador geral de Moçambique, o qual com as instrucções que recebeu do governo e com as instrucçõos que elle pela sua parte communicou aos governadores do Chire e de Quelimnne, deu logar a que se não praticassem quaesquer actos que exacerbassem mais os ânimos e produzissem resultados mais graves.
É certo tambem, que as instrucções que o consul de Inglaterra deu para o Chire, o ali averiguar como os factos se tinham passado a fim de empregar toda a sua influencia, todo o seu valimento e toda a sua auctoridade no sentido de conseguir que os subditos inglezes se abstivessem de quaesquer offensas ou violencias a subditos portuguezes, é evidente que da sua parte cooperava tambem para se evitar que maiores acontecimentos viessem produzir mais desagradaveis occorrencias.
Isto é o que se evitou, e bom foi que se evitasse, (Apoiados.) francamente o digo, não só no interesse, dos subditos de Inglaterra e de Portugal n'aquellas regiões, mas ainda no interesse das negociações pendentes entre os dois governos, a fim de que ellas possam proseguir desassombradamente. (Apoiados.)
Agora, o que se passou e o que ficou em presença do governo. É a essa parte que eu respondo.
Foi hontem que eu tomei conhecimento das informações recebidas pelo ministerio da marinha e ultramar, e em presença d'essas informações soube que dois sipaes pertencentes a Eusebio Ferrão, e é esse o facto que alli se arguo, foram apprehendidos, amarrados a uma arvore e fuzilados, diz-se que por ordem do agente consular Buchanan, acrescentando-se que uma bandeira portugueza tinha sido queimada n'essa occasião.
É claro que o governo não podia ficar indifferente e quedo em presença de informações relativas a factos d'esta ordem. (Apoiados.)
Antes de vir hoje para a camara procurei o sr. ministro da Inglaterra para lhe expor estes factos e pedir-lhe promptas explicações ácerca d'elles.
Essas explicações foram pedidas pelo telegrapho e espero que muito brevemente ellas me serão communicadas.
Tão depressa eu tenha a resposta do governo inglez, virei á camara dar conta d'ella.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Elvino de Brito: - (O discurso será publicado na integra, e em apendice, a esta sessão, quando s. exa. tenha revista as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - O illustre deputado fez um estendal de perguntas. Pela deferencia que tenho e desde ha muito pelo illustre deputado, como s. exa. muito bem sabe, póde bem avaliar o sincero desejo que eu teria em responder a cada uma d'essas perguntas em especial.
Creio que não posso significar a s. exa. maior desejo de ser agradavel ás suas aspirações.
Mas acontece uma cousa; é que s. exa. formulou toda uma serie de perguntas pelo que diz respeito á navegação do Zambeze. Eu a todas essas perguntas não posso dar senão uma resposta: é que emquanto as negociações com a Inglaterra estiverem pendentes a obrigação e dever do governo é sustentar e manter, por todas as formas, os direitos da corôa portugueza. (Apoiados.)
Pelo que toca á navegação do Zambeze e a tudo mais, é evidente, por maior que seja o meu desejo de ser agradavel ao illustre deputado, não posso deixar de me conservar n'este proposito.
O sr. Elvino de Brito: - O deslocamento da força publica de Moçambique para Angola não tem relação com o ultimatum.
O Orador: - Ora veja o illustre deputado. Eu estava com tanta attenção a ouvir as perguntas que s. exa. fez, que as distingo por completo, não procurando confundir umas com as outras.
Eu referi-me primeiro á pergunta feita por s. exa. com relação á navegação do Zambeze; agora vou responder ás outras; resposta que poderá não satisfazer aos desejos do illustre deputado, mas posso affirmar a s. exa. que da minha parte e vehemente o desejo de lhe ser agradavel.
S. exa. perguntou se era verdade que o governo tivesse deslocado força de Moçambique para o Bihé, que força era, as ordens que expedira, e porque motivo assim procedeu.
Permitta-me o illustre deputado que lhe responda ainda com mais puro desejo de lhe ser agradavel, e não me leve s. exa. a mal a minha resposta: a deslocação da força publica de Moçambique, para o Bihé e para outros pontos é acto da responsabilidade do poder executivo. (Apoiados.) O governo não póde, porque não deve, dar ao parlamento explicações ácerca dos motivos por que, num dado momento, deslocou a força publica de Moçambique para o Bihé; isso prendo evidentemente com intuitos do governo que o obrigam a ter muito em vista para assim executar, e nunca póde ser dever seu vir explicar os motivos ao parlamento para responder por completo, quaes são as medidas que elle tornou a bem da administração publica.
E por ultimo o illustre deputado formulou uma pergunta, desejando saber se eu dirigira reclamação ao governo inglez por causa, note bem a camara que não é um facto determinado e preciso, mas um boato, de machinações de missionarios portuguezes no Bibe contra machinações de subditos inglezes que fizeram malograr a expedição Valladim.
(Interrupção do sr. Elvino de Brito.)
Deixe-me o illustre deputado appellar para todo o seu bom senso, e de certo s. exa. me dará rasão. Digo eu, em presença de um facto, como este que attribuia a um agente consular inglez uma ordem em virtude da qual foram fuzilados dois sipaes e queimada a bandeira portugueza, podia eu pedir explicações ao governo inglez?
Mas se a respeito de quaesquer intenções e manejos lançados á conta de subditos inglezes, do quaesquer machi-

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nações que se attribuam a missionarios escocezes, quando estão pendentes negociações tão serias entre Portugal e a Inglaterra, eu estiver todos os dias, sem uma base segura a fazer reclamações, o illustre deputado podia dizer que eu não olhava com seriedade para a grava situação, porque me expunha a fazel-a perigar nos cachopos, e em um ou outro essas negociações podiam malograr-se.
É certo e innegavel que o governo portuguez, e por consequencia eu como ministro dos negocios estrangeiros, tenho de sustentar a honra e o brio d'esta nação através de todas as difficuldades, mas ha uma cousa que o illustre deputado comprehende tão bem como eu, e é que exactamente para evitar todos esses conflictos, todas essas occorrencias desagradaveis, tudo isso que põe em cheque a honra da nação, tudo que de um momento para o outro, levante difficuldades que são dolorosas ao nosso coração de portuguez, e para pôr termo a isso, é necessario definir o que é nosso, e essa definição não se póde fazer sem terminarem as negociações.
Portanto, para chegar a esse fim, é necessario que não estejamos constantemente arrastados por uma onda de patriotismo sincero, acredito, mas perigoso uma vez que não se contenha nos limites da prudencia e da rasão, (Apoiados.) e eu como ministro dos negocios estrangeiros, que desejo chegar a um fim que seja ao mesmo tempo honroso, mas tambem de vantagem para o paiz, devo proceder de fórma a não sacrificar á precipitação e á impaciencia o conseguimento do que reputo necessario e indispensavel para nós, que é definir em Africa quaes são os nossos limites para que não estejamos todos os dias a reclamar contra a Inglaterra ou a Inglaterra contra nós a respeito de qualquer questão em um territorio litigioso. (Áparte que não se ouviu.)
Por qualquer occonencia que offenda a honra de Portugal é justo que se reclame, mas acima de tudo a rasão primordial d'essa ocorrencia provém do estado de incerteza em que nos encontrâmos ali em frente da Inglaterra. A primeira necessidade que resolve a questão é acabar com cessa incerteza e com essa duvida, e nós não podemos acabar nem com os antagonismos, nem com as animosidades, nem com tudo aquillo que cria um estado irritavel, sem primeiro ter definido onde começa o onde acaba a soberania de Portugal em Africa.
Isso é que é necessario não perder de vista.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Emygdio Navarro: - (O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

sr. Carrilho: - Por parte da commissão do orçamento mando para a mesa o parecer da mesma commissão sobre a lei de meios.
Mandou-se imprimir.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - O illustre deputado sr. Emygdio Navarro é bastante intelligente e é bastante justo para não precisar confundir cousas que eu distingui. (Apoiados.)
Quando eu mo referia aqui a que era necessario não comprometter o fim principal que tinhamos em vista, com impaciencias ou impetuosidades de momento, a fim de não naufragar nos escolhos que nós levantássemos, uma missão que era a primeira para Portugal, a primeira hoje no que diz respeito ao nosso problema colonial, não me referia ao facto do terem dois soldados portuguezes sido fuzilados, nem ao do ter sido queimada uma bandeira de Portugal.
Sobro esse assumpto eu fui bem claro quando aqui declarei, que antes de vir para a camara tinha no cumprimento do meu dever pedido explicações ao governo inglez; (Apoiados da direita.) porque se o facto effectivamente se passou assim, se por ordem de um agente consular inglez, que representa uma auctoridade de Inglaterra foram amarrados e fuzilados dois soldados portuguezes, e, se ainda alem d'isso foi queimada uma bandeira de Portugal, não quero crer que nem a Inglaterra, nem nação alguma, uma vez pedidas as explicações, que leal e francamente pedi, podesse sanccionar com o escarneo, ou com uma affirmação, sem um procedimento correlativo uma indignidade d'esta ordem. (Apoiados da direita.)
Estou bem certo que se se averiguar isso, se o inquerito a que mandou proceder o consul da Inglaterra tiver dado em resultado que effectivamente se acha compromettida a responsabilidade de uma auctoridade ingleza, a Inglaterra é bastante respeitadora do direito internacional. (Oh! oh! oh! á esquerda.)
Porque não! Pois é esta camara que sabe que nós estamos em negociações com a Inglaterra, e não se negoceia senão com uma nação que póde cumprir com a sua palavra, e é esta camara que duvida que a Inglaterra, tendo conhecimento de que um agente consular seu, uma auctoridade sua delegada queimára uma bandeira de Portugal e mandara amarrar e fuzilar dois sipaes, não condemne o facto e o repilla! (Apoiados da direita.)
Se eu pudesse ter no meu espirito a mais pequena duvida sobre a hombridade do procedimento do governo inglez uma vez que tenha conhecimento d'estes factos, nem lhe pedia explicações, nem negociava mais com elle. (Apoiados da direita.)
É necessario sermos coherentes, se podemos negociar, se podemos pedir explicações é porque considerâmos e partimos do presupposto de que a Inglaterra desde que tenha conhecimento d'estes factos que são puniveis, saberá cumprir o seu dever. (Apoiados da direita.)
Eu sou aqui ministro de Portugal, mas creio que desempenho as funcções do meu cargo como ministro dos negocios estrangeiros, e como representante do governo fallando como fallei ha pouco. (Apoiados da direita.)
Eu sou acima de tudo mantenedor dos direitos da nossa corôa; sou em tudo, nos meus actos e no meu coração sinceramente portuguez, (Apoiados da direita) mas não posso descrer da lealdade de uma nação com a qual eu abro negociações, aliás não as abria, entendamo-nos bem...
O illustre deputado declarou-se profundamente maguado porque a sorte dos subditos portuguezes, a manutenção da ordem nos territorios contestados e o restabelecimento da paz n'aquella região dependessem do consul Johnston.
Permitta-me s. exa. que lhe diga que para ser severo é necessario ser justo primeiro que tudo. (Apoiados.)
Se outra fosse a linguagem do consul inglez n'aquella occasião, se em vez de dar instrucções terminantes para que não houvesse da parte de subditos inglezes ultrajes, violencias ou offensas aos subditos portuguezes, pelo contrario houvesse uma provocação, uma animosidade contraria aos nossos direitos e aos nossos interesses, eu applaudia o illustre deputado se s. exa. condemnasse esta linguagem; (Apoiados) mas na occasião em que o consul inglez cuja personalidade eu não discuto, porque é uma auctoridade que representa o seu paiz e eu abstraio das pessoas; (Apoiados.) mas na occasião em que o consul de Inglaterra dá instrucções conciliadoras, todas de paz, invocando as negociações pendentes entre os dois governos, aconselhando e recommendando que não prejudiquem o exito d'essas negociações com violencias extemporaneas, e que respeitem os direitos individuaes de todo e qualquer subdito de Portugal que se encontre n'aquella região, era presença de instrucções que são nobres, porque são de paz, são elevadas porque são de conciliação, e suo uteis porque são destinadas a evitar qualquer occorrencia que possa prejudicar as negociações entre os dois governos, (Muitos apoiados.) eu não posso condemnar essa linguagem (Apoiados) e eu pedia ao illustre deputado que reservasse a sua magua para quando se exercesse com mais justiça, porque então póde ser mais severo. (Apoiados.)
Agora pelo que toca á nossa questão.
O illustre deputado disse que ninguem podia estranhar

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que a opposição fizesse no parlamento perguntas sobre o que desejava saber.
Eu tenho tido muitas desillusões na minha vida publica e é esta mais uma d'ellas.
Eu julgava que n'uma questão d'esta ordem, que se debate não entre partidos, mas entre nações, (Apoiados.) não havia nem podia haver deputados da opposição. (Muitos apoiados.)
Eu julgava, que n'uma questão d'esta ordem, em que os nossos interesses mais caros, os nossos direitos mais vitaes, tudo quanto ha de mais alevantado e brioso para a nação portugueza se acha envolvido, eu julgava que a opposição não tinha mais direito do que a maioria. (Muitos apoiados.)
Pelo contrario devia comprrhender-se bem quanto a situação é grave, melindrosa e difficil, sem sequer me lembrar agora de que não fomos nós que a creámos, (Muitos apoiados.) que a opposição devia ter em vista não o governo, porque não é o governo que aggrava (Apoiados.) não a situação politica, porque não é a esta que se attende, mas ao paiz, que é tanto da opposição como da maioria, porque é de todos. (Muitos apoiados.)
Eu comprehendia que a opposição se abstivesse de perguntas, de desejar saber, desde que as perguntas não tivessem por si senão ou uma resposta forçadamente negativa em presença das circumstancias que se dão, ou uma resposta que, a ir mais longe, seria de tal maneira imprudente e leviana que poderia, sim, satisfazer a curiosidade do illustre deputado, mas, com certeza, sacrificava os interesses do paiz.
Mas o que sobre tudo estranhei ao illustre deputado, permitta-me que lho diga, foi que em pleno parlamento viesse dizer ao governo que adiasse as côrtes, se queria ter os deputados calados.
Ora essa!
Pois então os illustres deputados, quaesquer que sejam e em qualquer lado da camara em que se sentem, não têem a comprehensão nitida dos seus deveres e da sua responsabilidade a ponto de que para os fazer entrar na ordem, porque a ordem significa o silencio e a reserva em presença de uma negociação pendente, seja necessario, não appellar para o seu bom senso, não invocar o seu patriotismo, mas fechar-lho as portas de S. Bento? (Apoiados.)
E se nós o fizessemos?
Se acceitassemos a recommendação?
Se adiassemos as côrtes?
Amanhã não eram os illustres deputados que aqui estavam, mas era a opinião publica de todo o paiz que nos pediria strictas contas, porque fechavamos o parlamento sem termos sequer os meios constitucionaes para governar, n'uma dictadura que era tudo exclusivamente para a cobrança dos impostos, e que não era imposta pela força das circumstancias.
Era o paiz que nos pediria contas por termos dado de mão a todos os assumptos de administração de fazenda, a todos aquelles que são para assim dizer a base da nossa vida de todos os dias e querermos arrogar nos soberanamente o direito de legislar por nosso livre alvedrio, quando podiamos governar sensatamente com o parlamento, contando com a illustração e o patriotismo d'elle. (Apoiados.) Tudo isto para não fechar ou adiar as côrtes que o mesmo é. Tudo isto para que? Para que aos olhos, não só do paiz, mas de todo o mundo, se dissesse que o governo tendo uma negociação pendente fechara o parlamento para não dar explicações. (Apoiados.) Não sei se ficaria justificado o procedimento do governo em presença dos ataques e das investidas da opposição; o que sei é que ficava a descoberto O procedimento da opposição, e que lá fora no mundo culto se havia de dizer: «Que parlamento e que paiz aquelle em que é necessario fechar as côrtes para que os deputados da opposição não possam fazer perguntas ao governo sobre as negociações pendentes!» Ninguem comprehenderia isto a não ser num paiz retrogrado e perfeitamente ingoverna-vel. (Apoiados.)
O illustre deputado ainda soltou uma phrase que, permitta-me dizel-o, mais serena e mais pensadamente reconhecerá que não é própria do momento actual, nem de quem fez sincera profissão de fé patriotica.
Disse-nos s. exa. que a questão territorial da Africa estava julgada, era um facto consummado. Pois na occasião em que nós temos negociações pendentes exactamente sobre o assumpto é que s. exa. vem dizer que a questão está julgada? (Apoiados.)
Que o dissesse a Inglaterra, comprehendia eu, mas ser o illustre deputado que nos venha dizer que a questão está julgada!
Que o dissesse a Inglaterra no seu interesse, comprehendia eu, mas que o diga o illustre deputado no interesse de Portugal!...
Pois na occasião em que a Inglaterra nos abre as portas ás negociações é que s. exa. as fecha, dizendo que o ultimatum de 11 do janeiro é a expressão do estado em que ficou a nossa questão territorial!
E s. exa. que tanto levanta o bom nome e a gloria de Portugal, que no momento em que dedicadamente nos empenhâmos n'uma negociação, a fim de vermos o que podemos salvar dos nossos direitos e interesses, vem dizer que esses direitos e interesses ficam postos de parte e que a questão ficou julgada pelo ultimatum de 11 de janeiro!
O sr. Emygdio Navarro: - O que eu disse foi que a Inglaterra mostrava que a questão acabára com o ultimatum.
O Orador: - A prova de que a Inglaterra não julga a questão consumada, está exactamente em ter acceitado as negociações. (Muitos apoiados.)
Como é que a Inglaterra considera consumado o facto, se pendem as negociações?!
Vozes da direita: - Muito bem, muito bem.
O Orador: - Disse o illustre deputado que desejaria cooperar commigo para a boa resolução d'esta questão. Eu tenho em muita conta a lealdade do procedimento de s. exa., sei quanto é illustrado e intelligente, a comprehensão que tem dos negocios publicos, conheço as suas idéas elevadas, mas se tudo isto que é grande e generoso da parte de um homem illustre como é o illustre deputado, que já foi ministro da corôa, só serve para no momento em que as negociações pendem, vir dizer-nos que a questão está ultimada, então prescindo do auxilio de s. exa.
Creiam os illustres deputados, se são sinceros, como estou certo que são, o seu desejo de cooperarem commigo para que a nossa questão com a Inglaterra tenha uma boa, solução, que s. exa. empregam exactamente os meios mais conducentes a um resultado negativo. (Muitos apoiados.)
Com as suas perguntas de todos os dia, com as suas instancias, pondo em relevo tudo o que ha de mais desagradavel para Portugal, a nossa fraqueza, a nossa falta de recursos, a sua duvida de tudo, até das boas intenções do governo em assumpto que não é do politica partidaria, amesquinhando-nos, fazendo de Portugal como que um joguete nas mãos da Inglaterra, s. exas. não cooperam com o governo para que cheguemos a uma boa solução, mas á negação absoluta de tudo quanto seja favoravel, util e honroso para Portugal. (Muitos apoiados.)
Se tudo quanto o illustre deputado disse fosse a expressão da verdade, se stereotypasse a verdadeira situação politica internacional do Portugal, creiam s. exas. que ninguem nos daria rasão, ninguem nos julgaria em circumstancias de obtermos uma solução honrosa.
Para alcançarmos rasão para os nossos direitos e justiça, para as nossas aspirações, pintemos Portugal como uma nação que trabalha, como uma nação que se define, como uma nação que se salva! (Muitos apoiados.)
Perguntou s. exa. até quando vae o breve que eu em-

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preguei, porque são decorridos cinco mezes e, diz s. exa., eu nada fiz!
Sr. presidente, v. exa. comprehende que eu não desejo por fórma alguma levantar aqui as questão politica; (Apoiados.) não desejo usar de represálias, mas cito um facto.
Quanto tempo levámos nós a tratar com a Inglaterra sobre as questões territoriaes de Africa antes do dia 11 de janeiro? (Apoiados.) Levámos annos. (Muitos apoiados.)
Qual foi o resultado das negociações? Um resultado que nos fechava as portas de Africa para alem da confluencia do Ruo e do Chire e para alem dos limites dos Mashonas (Muitos apoiados.)
Pois se dentro de cinco mezes eu alcancei já que se abrisse a porta que parecia fechada, que me acccitassem a negociação, que a Inglaterra declarasse que a questão estava pendente, que não era uma questão resolvida, que ora uma questão a resolver, parece-me que posso na minha consciencia julgar que alguma cousa tenho merecido a bem do meu paiz o bastante tenho trabalhado para isto (Muitos apoiados.)
Não chegámos ao termo das nossas negociações, é facto. Mas quem póde determinar um praso ás negociações que correm entre duas nações? (Apoiados.) Quem póde prever as vicissitude? e eventualidades a que está sujeita uma negociação? (Muitos apoiados.)
Se s. exa. me pergunta se ella hoje está n'um ponto differente d'aquelle em que estava quando eu disse que esperava chegar a um resultado satisfactorio e honroso par; Portugal, digo-lhe que a esperança que eu manifestei é a mesma que ainda hoje nutro.
E sobre este assumpto s. exa. comprehende que eu não posso nem devo dizer absolutamente nada. (Apoiados.)
O que eu tenho conseguido é abrir uma porta que parecia fechada, que não se julgasse irremediavelmente perdido tudo quanto estava para alem do Ruo e do Chire e dos territorios de Mashonna o que se reconsiderasse sobre a questão que nos tinha humilhado.
Isto é pouco? Diga-o a consciencia do illustre deputado. (Muitos apoiados.) E s. exa. que tem patriotismo para muito mais, que tem, elevação de sentimentos para ir mais longe, que tem bastante comprehensão e verdadeira lucidez na maneira do comprehender as questões politicas e internacionaes, se reflectir um pouco e quizer ser verdadeiramente amante do paiz, ha de vir ao parlamento, não sustentar a linha do procedimento que hoje traçou, mas uma bem diversa, pondo-se ao lado do governo para cooperar com elle. (Apoiados.) e muito embora assaque ao ministro dos negocios estrangeiros as mais duras responsabilidades por qualquer falta que commetta, ou por qualquer incorreção que pratique, procedendo s. exa. assim, terá o applauso sincero não meu, mas da sua propria consciencia.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
Vozes: - Muito bem.
O sr. José Julio Rodrigues: - Mal posso, sr. presidente, patentear á camara o meu enorme desgosto, a minha profundissima magua, pela ultima e sanguinolenta injuria feita ao meu paiz, de novo vilipendiado pela Inglaterra! Parece-me até, sr. presidente, tão sinistra se nos vão tornando já a historia contemporanea, que estou quasi que assistindo às exéquias da minha patria!... (Apoiados.) Tão baixo vejo o nivel de toda esta politica de complacencias para com lord Salisbury, tão irrecusavel e proxima se me revela a abjecção parlamentar para que nos encaminhamos e em que vivemos já!... (Muitos apoiados na esquerda. Protestos na direita.)
Podem-n'os expulsar da camara, podem-nos fechar as portas d'esta casa, como já o deu a entender o sr. ministro dos estrangeiros, mas o que é verdade, o que é preciso que todos aqui saibam, é que o sentimento nacional existe ainda, que não morreu o brio portuguez, e que haverá muito quem prefira morrer, lactando, a viver uma vida ignominiosa e vil.
Riam-se muito embora os srs. ministros; risos ha que precedem lagrimas. Na sua conta corrente com o paiz, d'elles se fará registo para a liquidação que provocarem.
No em tanto a sua logica e o silencio; a mudez, que os invadiu, a arma com que pretendem manter a honra nacional. Como resposta unica declaram que «não podem dizer nada».
Perseguidos, invectivados, interpellados pela opposição e pelo paiz, a tudo contrapõem esse eterno e lugubre non possimus e, dispensando estatuas, exigem, apenas, o agradecimento nacional!... (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.) Ora eu pergunto agora a v. exa., sr. presidente, se uma população de 4.700:000 portuguezes póde ser tratada pelo governo como um simples rebanho de carneiros? (Apoiados.) e pergunto ainda se o parlamento portuguez póde estar sujeito á vontade caprichosa e damninha de um diplomata de verdes annos, antigo, porém, na arrogancia e teimosia. (Apoiados.)
Acaso julga s. exa. que é inamovivel? Não ha muito tempo ainda, que um grande diplomata, um homem do genio, entro os mais celebres do seculo presente, foi arrancado ao poder pela onda do socialismo.
Quererá s. exa. por acaso, mais forte que Bismark, resistir ao sentimento nacional, luctar contra elle, sair victorioso de lucta tão estranha como criminosa. Fatal obsecação!
O que estâmos nós a discutir?
Será porventura o nosso procedimento perante a feroz brutalidade de um Buchanan, assassinando em Africa dois portuguezes, que obedeciam a ordens superiores, chacinando-os ferozmente, calcando aos pés o direito internacional, como queimou e calcou a gloriosa bandeira portugueza?
Acaso, para factos d'esta natureza, será necessario philosophar sobro o nosso protesto, sobre a sua fórma e opportuuidade ? (Apoiados.) Que chicanas são essas diplomaticas, em que pretendem envolver-nos e de que tão pouco entendo!
São as nações como os individuos, sr. presidente. A affronta deve corresponder o preciso e prompto desaggravo. Que espera, portanto, o sr. Hintze Ribeiro para desaggravar o nosso paiz tão indignamente ultrajado?
Continuará no mesmo caminho em que o vemos, respectivamente ao ultimatum de 11 de janeiro?
Seremos pobres, pequenos, infelizes... o que quizerem; somos, porém, o sel-o-hemos sempre, honrados e dignos.
Da nação, que bombardeou Alexandria indefeza, é possivel que não recebamos nunca a reparação, que nos é devida, pelas prepotencias com que nos têem enxovalhado. Sei todavia que temos uma larga historia e que, quando mais não houvesse, as paginas brilhantes, que n'ella se registam, nos obrigariam a luctar, se tanto fosse preciso, para que a Gran-Bretanha se não convença de que podo esmagar-nos a seu bel prazer, para os serviços do seu alargamento colonial, dispondo do nosso sangue e da nossa justiça, como se foramos barro vil e sem valor, (Apoiados.- Vozes: - Muito bem.)
Nem eu comprehendo já estas estranhas negociações com a Inglaterra.
Seremos nós sómente os que havemos de manter o statu que, respeitar os compromissos a que ella comnosco tão claramente se obrigou? Porque o que se está vendo, sr. presidente, é que o dominio ou preponderancia ingleza vão-se alastrando pela nossa Africa oriental e, que alem dos muitos factos que o demonstram, até já nos vão assassinando emissarios ou soldados, com a mesma sem ceremonia com que o fariam a indigenas de colonias incontestavelmente suas! (Apoiados.) E vão-se por tal fórma estabelecendo taes confusões, cá e lá, que até o sr. ministro dos negocios estrangeiros, alludindo á quasi inacredi-

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tavel affronta, feita por esse Buchanan á bandeira portugueza, queimando-a não sei se sobre os cadaveres das duas novas victimas da cupidez britannica, á nossa pobre bandeira, assim vilipendiada e escarnecida, chamou s. exa., por vezes, bandeira ingleza, como se fora legitimo e decoroso queimar-se em familia, com o emblema da patria, a própria bandeira nacional. (Apoiados.)
Como é triste e lamentavel, sr. presidente, que já não viva e não possa fazer-se ouvir neste parlamento a voz generosa, sentida, cheia de vibrações patrioticas e de rasgos da mais alta eloquencia, do nosso grande tribuno, de José Estevão que, com uma só phrase, varreria por certo toda essa logica de hesitações, de enredos diplomaticos, de silencios compromettedores e lugubres do sr. Hintze Ribeiro. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
O que diria v. exa., sr. ministro dos negocios estrangeiros, e de que lhe valeria tambem a sua triste logica e o seu teimosissimo silencio, apenas benevolente para com a Inglaterra, se Portugal, desvairado por tantas vergonhas e por tantos desastres, se resolvesse a arrancar-lhe a defeza do que ha de mais caro para um povo e para uma nação, isto é, a defeza da sua honra, dos seus brios, da sua fama e do seu decoro! (Apoiados.)
Vêde Silva Porto, morrendo voluntariamente nos escombros da sua casa, despedaçada pela polvora, envolvido, como mortalha, na gloriosa bandeira portugueza.
É este o patriotismo, sr. presidente, o patriotismo que sente, que se transforma n'uma heroicidade, que honra a patria e que é exemplo para indecisos e pusillanimes. (Vozes:- Muito bem.)
Aqui não.
Discutem-se as injurias com as mais arguciosas minucias e pouco falta para que se invertam os papeis, passando nós de injuriados a prepotentes, de pobres e desarmados a brigões e usurpadores.
Taes são os advogados que ora lemos, perante a Europa, dos nossos direitos e da nossa justiça!... (Apoiados.)
E quem póde impedir, sr. presidente, as represalias de uma população indignada?!
Acaso o povo portuguez, esse que vive e trabalha na Africa, desmerece das tradições de seus maiores?
E se elle impozesse aos desmandos britannicos a pena de Talião? Seria isso caso novo e para estranhar?
Oxalá que tal não succeda; quem poderia, comtudo, espantar-se de que assim viesse a succeder!
O coração é essencialmente espontaneo, sr. presidente, e os seus impulsos são não raro irresistiveis.
Se eu, ou qualquer outro, depararmos com uma casa, avassalada pelo incendio e n'ella virmos, clamando por soccorro, uma creança, um desgraçado, prestes a sumir-se na voragem, como hesitar no cumprimento de um alto dever de humanidade, procurando salval-o a despeito de quaesquer perigos e sacrificios!
E no emtanto o sr. Hintze Ribeiro poderia dizer-me que a minha familia e os meus filhos poderiam ser victimas do meu generoso sacrificio. Que, no deve o ha de haver do meu impulso humanitario, eu ficaria de peior partido e, portanto, que não fizesse loucuras, que por um, salvo do incendio, ficariam varios luctando com a miseria! Tudo isto seria verdade, mas eu não deixaria, obedecendo a similhantes conselhos, de mo considerar um covarde e, mais ainda, um miseravel indigno do respeito alheio. (Apoiados.)
Tal é tambem, sr. presidente, o caso que tanto nos preoccupa e que tanto tem emocionado hoje esta casa do parlamento!
Portugal foi affrontado, foram mortos infamemente pelo estrangeiro dois de seus filhos, e não havemos nós de exigir explicações immediatas, em vez de diluirmos em inqueritos, deprimentes para a dignidade nacional, a indignação, que hoje se alevanta por todo o paiz, e isto tão sómente para não perturbarmos o sr. Hintze Ribeiro nas suas cogitações diplomaticas, e não magoarmos a Inglaterra, que s. exa. acha tão correcta e tão respeitadora do direito internacional. (Apoiados.-Vozes: - Muito bem.)
A bem pouco, no emtanto, se reduz o triste problema: soffremos uma affronta; é-nos preciso um rapido desaggravo. (Apoiados.)
E isto que deseja o sr. Hintze Ribeiro?
Deixemos, porém, ouço dizer, ao sr. Jonhston o tempo preciso para o inquerito que nos ha de esclarecer primeiro!... Pois o sr. Jonhston póde, porventura, merecer a confiança do povo portuguez?
Risum taneatis, sr. presidente. Que as lagrimas não podem, sequer, servir de commentario a esta lugubre e bem dispensavel comedia. (Apoiados.- Vozes: - Muito bem.) Quem sabe! Talvez tenhamos até de castigar a memoria dos pobres sipaes, trucidados pelo selvagem Buchanam, visto não poderem ser de novo chacinados pela nossa fiel alliada!
Comico e triste, srs. deputados! E a que estado, por fim, chegámos todos, que tudo, quanto se está passando agora, ecrã, talvez ámanhã, desgraçadamente, materia arredada e esquecida pelo paiz inteiro!...
Ao passo, porém, que s. exa., o illustre ministro dos negocios estrangeiros, e tão pouco communicativo com o parlamento, pretende tel-o por comparsa e não prescinde d'elle!
Não quer adiar nem fechar as camaras, nem tão pouco elucidar-nos, em sessão secreta, sobre assumptos de tão alta responsabilidade e ponderação!
Receia desacreditar nos, afastando-nos d'elle; teme porém as nossas inconfidencias, pondo-nos ao facto dos segredos que s. exa. só para si reserva, e receia levantar boatos sinistros no paiz, vedando ao publico uma das nossas sessões parlamentares, como se não fôra mil vezes peior do que qual quer sessão secreta esta reserva absoluta, esta permanente negação de quaesquer esclarecimentos, esta inexplicavel obstinação do mysterio a propósito de tudo e de qualquer cousa.
Mas se o governo não quer fechar agora as camaras, porque é que as fechou em janeiro, quando o sr. Beirão declarava que a opposição estava, nas questões internacionaes, ao lado do governo?!
Só agora é que lhe chegaram os escrupulos?!
Mas a verdade é esta. S. exa. o sr. Hintzo Ribeiro não quer sessão secreta, porque não tem senão más noticias ou nenhumas noticias a dar á camara, a não ser que tenha até gravissimas noticias que pretenda occultar-lhe. (Apoiados.)
Pois se, na opinião de s. exa., até se deve dar por muito satisfeito o governo portuguez, porque o governo inglez consentiu negociar com elle sobre os assumptos, que deram causa ao ultimatum de triste memoria! Parece incrivel, mas é a verdade! (Apoiados.)
Realmente, porém, se esta é a unica boa noticia que s. exa. nos póde dar, francamente, era melhor não nos dar noticia alguma. (Apoiados.)
Repito-o, porém, e proclamemol-o nós todos, para os devidos effeitos - embora não o pensem assim varios estadistas que eu conheço - Portugal está impaciente, começa a cansar-se do tanto ludibrio e pretende adquirir a certeza de que tem bem parada a desaffronta, que pretende, e de que não quer, não deve, nem póde esquecer-se. (Apoiados.)
Dizia ha poucos annos, a proposito de um aggravo soffrido pela altiva nação hespanhola, aggravo a que correspondeu a mais inteira desaffronta, um almirante bem conhecido: «Prefiro a Hespanha com honra e sem esquadras, á Hespanha com esquadras e sem honra».
Direi eu agora por meu turno: só havemos de viver eternamente curvados sob as imposições e arrogancias inglezas, melhor será a morte do que tal vida, morrendo nobre e valentemente na lucta, embora desigual, contra esse eterno

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espoliador dos paizes desarmados ou pequenos. (Apoiados. Vozes: - Muito bem.)
É preciso dizerem-se estas verdades, sr. presidente, embora desagradem aos homens regrados e pacatos da politica, que hoje prepondera. Sou porém portuguez, sou deputado e, embora da opposição, não deixo por isso de representar uma parte do meu paiz.
Nem atino mesmo com o motivo por que se ha de affirmar que está comnosco, tão somente, uma parte mui restricta da opinião publica, quando é certo, para erudito da nossa liberdade eleitoral, que esse grupo, que hoje e tão numeroso n'esta camara, o grupo regenerador, voltaria aqui, se mudasse a actual situação politica, tão minguado e reduzido, como já o esteve, durante a ultima situação progressista.
Por isso comungo dirá, me parece, o paiz todo, que o sr. Hintze Ribeiro com cujos talentos, aptidões e caracter eu muito sympathiso, se é, sem duvida alguma, um dos homens mais conceituados do partido regenerador, n'esta desgraçada questão com a Inglaterra tem sido, quanto a mina, o mais deploravel dos nossos estadistas. E se o não é, esforça-se por parecel-o, obrigando-me a esta critica, por não poder firmar juizo senão sobre os factos negativos que s. exa. entrega tão denodadamente á apreciação do paiz e do parlamento. (Apoiados.)
N'este incidente, todavia, um facto importantissimo deve ser posto em relevo. A opposição parlamentar deve sem duvida o paiz um bom serviço, n'esta curta mas accesa lucta com as pertinacias silenciosas do sr. Hintze Ribeiro. (Apoiados.)
Estamos n'uma epocha excepcionalmente grave para o nosso paiz, sr. presidente, (Apoiados.) para que o sr. Hintze Ribeiro possa dar-se por fiador exclusivo da honra o do territorio nacional. Quem sabe até o que nos reserva ainda o futuro, apoz este desencadear de tantos desastres presentes ...
Se a comedia passou ha muito ao estado de drama, tal vez não venha longe o principio da tragedia. Se não começou já!...
Mas dizia eu, n'este debate, alguma cousa se deve á opposição.
Deve-se-lhe em primeiro logar o ter provocado do sr. Julio de Vilhena, actual ministro da marinha e ultramar, revelações e noticias, que nunca teriam vindo ao parlamento, se não fossem as instancias d'este lado da camara. (Apoiados.) Em segundo logar deve-se-lhe tambem o ter-se ficado sabendo, pelas declarações do sr. Hintze Ribeiro, ministro dos negocios estrangeiros, da existencia de um acontecimento verdadeiramente descommunal, o unico positivo que parece existir a respeito dos actuaes negocios diplomaticos anglo-portuguezes.
E a grande satisfação de s. exa. - e d'isso se orgulha - por ter a Inglaterra annuido a entrar em negociações com Portugal ácerca dos factos, que se referem ao ultimatum de 11 de janeiro ultimo.
Já é! ..
Decididamente não ha meio de se lhe dispensar uma estatua. Está a pedil-a o largo das Cortes. A unica difficuldade, que prevejo, é o beneplacito do grande portuguez José Estevão, que ali terá que fazer eterna companhia a s. exa. (Apoiados.)
É deveras notavel, e até muito patriotica, a confiança que s. exa. tem na lealdade da Inglaterra, lealdade em que eu não confio sob o ponto de vista internacional e politico. (Apoiados.) Aprendi historia sufficiente para o poder affirmar e sem rebuço dizel-o aqui. E n'esta affirmação não tenho, sequer, o merecimento da originalidade. Declaram-o commigo iodos que traiam ou trataram do assumpto. Alexandria, Santa Helena e, entro nós, as cinzas de Gomes Freire, fallam bem alto da tradicional lealdade e da conhecida e apregoada justiça ingleza.
Mas se s. exa. tem tanta confiança na lealdade da Inglaterra, porque é que tanto nos afflige a chamada questão ingleza? A não ser que as culpas estejam todas da nossa parte... Porque cuja ouvi dizer, com pasmo, a s. exa., n'esta casa, que era mister averiguar primeiro o que era nosso e o que era alheio! De certo, porém, nos será feita inteira e generosa justiça. Para que são pois tantas canseiras, se é indiscutivel a proverbal lealdade ingleza? Está tudo, pelo menos, virtualmente liquidado. Aguardemos pois o acto final, que não será de certo o menos vistoso e apetecivel.
Mas isto é serio, sr. presidente. E não querem e não permittem que o povo portuguez se levanto um dia a pedir estreitas contas do que se está passando aos seus delegados e representantes!.. (Apoiados)
Lembrarei entretanto ao sr. Hintze Ribeiro que, se por motivo de uns bocados de panno de algodão vermelho, tanto nos quer a Inglaterra, embora esses farrapos fossem apprehendidos a uns makololos, que os desfraldavam como feitiços, adrede confiados a este povo selvagem pela insidia de um funccionario britannico, o que não deveremos nós exigir pela morte barbara de dois portuguezes e pelas affrontas realisadas ou permiitidas por Buchanan á nossa bandeira, espesinhada e queimada diante d'aquelles que, ha pouco, tanto a temiam e respeitavam!
Vou terminar. Concluindo, permitiam-me, porem, v. exa. e a camara que, dirigindo-me ao actual ministro dos negocios estrangeiros, eu lhe enderece esta rapida peroração.
O caminho que v. exa. está seguindo sr. Hintze Ribeiro, mau grado a solução feliz, e infelizmente bem problematica, que alguns querem presupor-lhe e attribuir-lhe, é por tal fórma perigoso e arriscado para v. exa. e para Portugal que, em nome dos mais caros interesses nacionaes, eu rogo a v. exa. d'elle se desvie, ao menos quanto baste para lhe evitar desastrosas e irreparaveis consequencias, uma das quaes poderá ser um novo conflicto interno e externo, exigido pelo brio e pelo decoro portuguez para desaffronta d'essa mesma bandeira, vilipendiada e queimada em Africa para vergonha nossa, e para que as suas cinzas servissem de derradeira mortalha a dois portuguezes assassinados por um Buchanan qualquer, que assim lhes impediu o cumprimento de um perigoso mas patriotico dever.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos dos seus collegas.)
O sr. Lopes Navarro (para um requerimento): - Roqueiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga findo este incidente, a fim de se passar á ordem do dia.
Foi julgado findo o incidente.
O sr. Francisco José Machado: - Oh! Sr. presidente, não se abriu uma inscripção especial para este incidente? (Apoiados da esquerda.)
O sr. Presidente: - Abriu-se uma inscripção especial, mas acaba de ser approvado um requerimento para se julgar findo o incidente e passar-se á ordem do dia. (Apoiados da direita.)
O sr. Manuel de Arraiaga: - V. exa. diz-me quaes são os oradores que ainda estavam inscriptos?
(Leu-se na mesa a inscripção.)
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia e continua com a palavra o sr. Roberto Alves.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão na especialidade do projecto de lei n.º 109 (bill de indemnidade)

O sr. Roberto Alves: - O orador declarou que o estado dos espiritos na camara, agitados e dolorosamente emocionados pelas desgraças, que nos ferem na Africa e pelas vergonhas, que ferem a nossa honra nacional, o aconselhava a pôr termo á sua oração.
Antes de terminar protestava, com tudo, energicamente

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contra dois factos gravissimos e sem precedentes, que para elle tornavam esta dictadura unica.
Referiu-se á auctorisação para um empréstimo illimitado e á faculdade com que o governo, este e todos os que vierem, ficava de fixar o contingente annual augmentando-o sem limite.
Disse que o artigo 16.° da carta reservava essa fixação como faculdade eminentes e exclusiva ás côrtes; que a sciencia politica considera hoje, que aos criterios mais ou menos mctaphysicos da separação dos poderes, da eleição e dos direitos individuaes deve substituir-se como caracter principal dos governos representativos a faculdade exclusiva para a representação nacional de fixar os impostos, incluindo o de sangue, que é de todos o mais gravoso.
Tirar ás côrtes esta prerogativa para sempre, como faz o decreto n.° 2 do 10 de fevereiro, não é só violar a carta, é o golpe d'estado mais assombroso e completo.
Deixámos de ser um povo livre; e o governo que o fez terá de correr todos os perigos de emprezas d'essa ordem, e o paiz do recorrer a todos os meios que lhe reatam.
Bismarck arrancou com custo ao parlamento allemão a lei do septenado, aliás perfeitamente constitucional.
Bismarck contentou-se com um augmento determinado quanto ao numero de soldados e quanto ao tempo; o governo esse não se contenta com tão pouco; a auctorisação que leva não tem limite algum.
Mas o chanceller conquistara nos campos da Bohemia para a Prussia a sopremacia da Allemanha e para a Allemanha desde as margens do Rheno até ás do Loire a supremacia na Europa.
O chanceller realisou, unificando a Allemanha, a maior revolução politica do seu paiz, e, iniciando o socialismo de estado, inaugurou a maior revolução social da historia.
O governo espera, decerto, que as suas victorias no Chire e no Zambeze o absolvam tambem.
Oxalá venha breve essa absolvição para elle e essa grande consolação para nós.
(O orador foi muito comprimentado.)
Leram-se na mesa as seguintes:

Proposta

Sobre o decreto n.° 3 de 29 de março de 1890:
1.° Proponho, que no artigo 8.º se eliminem aã palavras «nos concelhos que não forem sédes do julgados municipaes.»
2.° Proponho, que no artigo 10.° se insira uma disposição garantindo absolutamente a preferencia de nomeação para os cargos da magistratura do reino aos juizes do ultramar, na fórma das leis especiaes que regulam a situação dos magistrados ultramarinos, e que a estes para todos os effeitos se conte como de serviço no reino o tempo desde que requeiram a sua collocação no reino, tendo a ella direito.
3.° Proponho, que no artigo 10.°, n.° 1.°, se consigne como regra inilludivel para a nomeação a antiguidade dos magistrados do ministerio publico.
4.° Proponho que o artigo 20.° seja substituido por esta fórma:
«O governo regulará por decreto a forma do concurso de que fica dependente para o futuro a nomeação dos juizes municipaes. A approvação em concurso para delegado habilitará tambem para essa nomeação.
Sobre o decreto n.° 2 da mesma data:
5.° Proponho, que no artigo 1.°, n.ºs 1.° e 2.°, e § unico do artigo 5º se insira a disposição necessaria para nos processos, a que elles só referem, poder ter logar o recurso de revista por incompetencia do juiz ou do processo ou por excesso de jurisdicção.
6.° Proponho se eliminem no artigo 3.° § 3.° as palavras «de petição», que ahi se lêem.
7.º Proponho, que nos crimes por abuso de liberdade de pensamento seja competente o juizo correccional nos crimes contra os particulares, e que em todos os outros, incluidos os commettidos contra funccionarios publicos n'esta qualidade, seja exclusiva a competencia do jury e o processo criminal ordinario.
8.° Proponho, que no artigo 3.° se marque um praso dentro do qual, a contar da pronuncia, deva ter logar o julgamento dos réus, que se acharem em prisão preventiva, sob pena de serem soltos findo esse praso, quando dentro d'elle não forem julgados.
9.° Proponho, que no artigo 3.º se declare que para os effeitos da lei de 15 de abril de 1886 (fianças), os crimes, a que por este decreto corresponde o novo processo correccional, são equiparados aos de que resa o artigo 2.º d'aquella lei.
10.° Proponho, que no § unico do artigo 5.° se eliminem as palavras que se referem ao julgamento de coimas por juizes municipaes.
Ao decreto n.° 5 da mesma data:
11.° Proponho, que no artigo 1.°, § 1.° se substituam as palavras, «de qualquer classe» por estas «de 1.ª classe».
12.° Proponho que se elimine o n.° 2.° do artigo 4.°
Ao decreto n.° 2 de 10 de fevereiro de 1890:
13.° Proponho que no artigo 1.°, n.° 2.°, se substitua a palavra «annual» por estas «do proximo futuro anno». = O deputado pela Feira, Roberto Alves.
Proponho que no artigo 1.°, § 7.°, do decreto n.° 4 de 29 de março ultimo as palavras «os ordenados e gratificações» sejam substituidas por estas «os vencimentos». = O deputado pela Feira, Roberto Alves.
Foram admittidas.
O sr. Germano de Sequeira: - Tarde e a má hora me cabo a palavra. Tarde, porque a discussão está exausta; e má hora, porque depois de distinctos parlamentares terem tratado da materia, e reconhecendo os meus recursos e as minhas fracas forcas, mal posso acompanhal-os na resposta aos discursos que foram proferidos n'esta casa.
A prudencia e o bom senso, pois, recommendam que eu siga o antigo conselho est brevis et placebis.
Serei breve, pois que, não quero cansar a camara; e nem trato de captar a sua benevolencia ou mesmo de prender a sua attenção, porque deve estar saturada da prolongada discussão do bill, porque á discussão nada posso acrescentar de interessante, e porque no estado em que ella está não é isso possivel. Tinha, porém, de desempenhar me de uma obrigação que me impuz, e por isso pedi a palavra, pois que de contrario não fallaria sobre o assumpto.
Ouvi discutir na generalidade a especialidade dos decretos da dictadura, e ouvi discutir na especialidade a generalidade; quer dizer que se discutiram promiscuamente os decretos tanto na generalidade como na especialidade, e está justificada a proposta do sr. Pinheiro Chagas quando pretendia que os decretos fossem discutidos na generalidade e na especialidade ao mesmo tempo.
Por occasião da discussão dos decretos, na generalidade, ouvi discursos substanciosos, reflectidos, graves e brilhantes na materia e na fórma; ouvi discursos alegres, amenos, phantasiosos até; ouvi discursos e allegações juridicas, e com muita satisfação ouvi um illustre deputado, que brilha pelo seu talento n'esta camara, e alheio completamente á sciencia do direito, sondar as escabrosidades do que é mais difficil, a interpretação do texto da lei. E digo com verdade, este deputado a quem me refiro, o sr. Elvino de Brito, mostrou mais uma vez quanto póde o estudo, a pertinácia e o querer saber.
(Na sala reina algum sussurro.)
Eu sei, e vejo que não mereço a attenção da camara. No tribunal, quando se faz barulho o juiz manda entrar na ordem, mas aqui não o posso fazer.
Costumo estar com attenção reverente para tudo quanto dizem os oradores que fallam, e se com isto não quero dizer que me prestem a mesma attenção, o que é certo é

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com esto barulho não posso fallar (Apoiados.) e se continua, declaro a v. exa. que desisto da palavra.
Sem mais divagações, que já têem sido tantas n'esta discussão, vou entrar já na especialidade, e começarei pelo primeiro decreto, artigos 1.° e 2.°
(Leu.)
Da leitura d'estes artigos conclue-se que o governo mostrou os maiores desejos de reorganisar completamente os serviços tanto pelo que diz respeito á magistratura judicial, como pelo que diz respeito á magistratura do ministerio publico e a todo o funccionalismo judicial, mandando ouvir uma commissão composta de membros do supremo tribunal de justiça e da relação do Lisboa, que já está nomeada e em exercicio, e prometteu de nomear eommissões de magistrados do ministerio publico o de officiaes de justiça, artigos 5.°, 6.° e 7.° do decreto, (Leu) provando em todas as mais disposições a manutenção e garantia da independencia do poder judicial.
Portanto, a protecção que o governo quer dar a todas estas classes do funccionalismo está bem demostrada com as disposições d'estes tres artigos.
O artigo 2.°:
(Leu.)
Em um singelo requerimento que fiz pedindo esclarecimentos pelo ministerio da justiça, fiz apenas umas ligeiras considerações, mas nunca suppuz que ellas merecessem ser verberadas da maneira como o foram, por um illustre deputado e ex-ministro.
Disse então que havia de responder a s. exa., e por isso pedi agora a palavra para sustentar que a creação dos juizes municipaes foi altamente perniciosa para a magistratura judicial, para a magistratura do ministerio publico, e para todo o funccionalismo judicial. Crearam-se julgados municipaes sendo para alguns d'elles nomeados juizes, e não houve concorrentes para outros, de sorte que ainda hoje muitos julgados estão sem juizes, sem substitutos, sem escrivães, e sem sub-delegados.
Arrogam-se os juizes attribuições que não têem, ha completo desaccordo entre os sub-delegados e os delegados da comarca, e certamente d'este estado cahotico não poderá vir a ordem e muito menos a independencia ao poder judicial.
O que lucrou a administração da justiça com a instituição dos julgados municipaes?
Nada, porque se alguma cousa resultou d'essa instituição foi a diminuição dos interesses para os magistrados judiciaes, e para todo o funccionalismo menor.
O decreto do 29 de julho de 1886 alargou as attribuições dos juizes municipaes e elevou as alçadas.
Muitas das causas que eram julgadas nas cabeças de comarca passaram a ser julgadas pelos juizes municipaes, e a verdade e que as partes não lucraram nada com os julgados municipaes, porque quando querem justiça se vêem na necessidade de ir á cabeça de comarca buscar advogados e consultal-os, levando-lhe o dobro do que levavam.
Alem d'isso a justiça de ao pé da porta, não é sempre das melhores, senão deficiente ou mesmo má.
Eu que tenho sido juiz em comarcas lá fora, posso apreciar a má administração da justiça praticada pelos julgados ordinarios, mal que se aggravou agora pela dependencia em que os juizes municipaes ficam das respectivas camaras, e pelos defeitos da instituição.
E já se vê que no ministerio da justiça consta que a administração da justiça se não faz com regularidade nos julgados municipaes.
Posso asseverar a v. exa. que ha um julgado municipal que já está para deixar de existir, é o do Gavião no Alemtejo, e que algumas camaras municipaes se acham na resolução de requerer para ficarem sem julgado municipal, de sorte que a instituição no estado em que está 6 uma verdadeira degringolade, uma perfeita derrocada.
E quem soffre? O povo que se incommoda, que não se lhe administra justiça como deve ser, e que despende muito mais, quer com os advogados, quer porque paga aos juizes pelo cofre do municipio.
Não quero dizer que o ex-ministro que creou taes entidades tivesse o pensamento de obedecer só a quaesquer caprichos de reforma, podia suppor que a instituição era boa; mas ou se enganou ou o enganaram e até nas circumscripções, porque o decreto diz que podem ser creados julgados municipaes nos concelhos aonde a maior parte da população ficar a mais de 15 kilometros da sede da comarca, tendo-se evitado para a creação de alguns julgados a linha recta, e procurado as curvas para que houvesse aquella distancia kilometrica.
Agora peço licença ao sr. capitão Machado para entrar nos seus dominios a comarca das Caldas, Obidos, etc. Já ahi fui juiz, por vezes enchi a cadeia de réus do concelho de Obidos, tendo sido tambem encarregado pelo presidente da relação de Lisboa para acalmar desavenças dos povos, levantadas sobre se o juiz podia fazer o serviço fóra da séde do julgado, conseguindo levar tudo á concordia.
Em todo o caso, não quero entrar na discussão sobre qualquer assumpto das Caldas ou Obidos, sem pedir licença ao sr. capitão Machado.
A camara das Caldas não é grande, e com os dois julgados de Peniche e Obidos fica insignificante.
Peniche tem rasão do ser julgado, Obidos não, e a creação d'este julgado só serviu para matar a comarca.
E o que aconteceu com as Caldas acontece com Redondo, que é uma comarca de terceira classe do Alemtejo. Quando lá estive, compunham a comarca de Redondo, Mourão, Alandroal e Reguengos, tres julgados.
(Leu.)
Reguengos passou a ser comarca, Mourão passou para a comarca de Moura; ficou, pois, o Redondo só com o julgado do Alandroal, que agora e julgado municipal.
Já era muito insignificante com os tres julgados e como o estará agora!
O mesmo aconteceu a outras comarcas, a de Reguengos com a creação do julgado de Portei, Almodovar, Evora, Fronteira, Eivas, Benavente, Niza e outras muitas.
(Leu a relação d'ellas.)
Corno dizia, pois, o sr. Beirão, que foram beneficos os effeitos da creação dos julgados municipaes? Foram maleficos, (Apoiados.) porque a magistratura e todo o funccionalismo judicial tem estado na miseria.
E só fosse possivel tomar aqui, na camara, o depoimento de todos os juizes, magistrados do ministerio publico e de todo o funccionalismo judicial, elles viriam affirmar isto mesmo.
Tenho recebido muitas cartas, em algumas das quaes só expõe o estado do penuria em que se acham os funccionarios de justiça, e o mesmo affirma a Gazeta da relação de Lisboa.
(Leu uma carta e um numero da Gazeta da relação.)
Esta é que é a prova provada, e eu estou acostumado só a fazer obra por provas, e mais nada.
Portanto a creação dos julgados municipaes, manifestou perfeitamente apenas os desejos de crear um largo funccionalismo, sem attender a que esse funccionalismo menor ía prejudicar a magistratura judicial, a do ministerio publico e todo o funccionalismo judicial.
Foram estas duas theses as que aqui apresentei, e que agora trato de demonstrar.
Tenho muito respeito e consideração pelo illustre deputado o sr. Francisco Beirão, chego mesmo a crer que s. exa. estaria enganado, quando pela sua mente passou a idéa de formar os julgados municipaes, ou que mesmo o enganaram nas informações que lhe deram, porque se s. exa. tivesse saído de Lisboa e andasse na peregrinação nomada dos juizes de direito, vagueando por esse mundo, levando a custo a sua tenda e os seus livros, teria observado de perto as necessidades dos povos, as circumstan-

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das era que se acham, e certamente não teria publicado similhante decreto.
Estes juizes municipaes são parentes proximos dos juizes ordinarios, os quaes tambem são parentes de uns outros juizes anteriores ás reformas judiciaes, cujas attribuições passaram para os juizes eleitos, depois para elles e agora para os juizes municipaes.
Esses juizes da velha organisação judicial chamavam-se juizes pedaneos, a que um advogado por equivoco chamou juizes pedantes.
Se os juizes ordinarios deixaram de si triste lembrança, tendo ainda recebido a nova organisação da lei de 16 de abril de 1874, não era certamente de esporar que com o alargamento de attribuições e elevação da alçada fossem substituidos por juizes municipaes, que são os mesmos juizes ordinarios em nova edição, mas com nome differente. As attribuições mesmo que lhe estão designadas no decreto de 29 de julho de 1889 carecem de uma urgente reformação.
Citarei apenas incoherencias de algumas disposições do mesmo decreto.
Os juizes municipaes são competentes para o processo de curadoria provisoria, porém o processo de curadoria definitiva só póde ser ordenado pelo juiz de direito.
Ora preceituando o codigo do processo civil, artigo 408.°, que o pedido da curadoria definitiva será dependencia da curadoria provisoria, como é que isto se ha de fazer?
Será remettido o processo da curadoria provisoria para o juizo da comarca em que se deve processar o da curadoria definitiva?
Ha ainda mais.
Os juizes municipaes não podem proferir sentença em processo civil quando o valor da causa exceder a alçada do juiz de direito, que é de 50$000 réis em mobiliarios, e 30$000 réis em immobiliarios, e como é que podem determinar a partilha até 100$000 réis e julgal-a?
Pois quer seja a partilha de inoveis ou de immoveis não excede a alçada do juiz de direito?
Ainda mais.
Ha pouco tempo na comarca das Caldas processou-se o inventario do Francisco Romeiro da Fonseca, do Sanguinhal; corria no julgado de Obidos. Havia um deposito consideravel de dinheiro em Lisboa, duzentos e tantos contos de réis; quem devia mandar passar a precatoria para o levantamento d'essa quantia?
Correram a perguntar quem seria o juiz que havia de mandar passar essa precatoria. Consultaram-se pessoas competentes a esse respeito, e ninguem sabia dizer, tudo isto por causa da confusão das attribuições dos juizes municipaes.
Muitas outras são ainda as incoberencias.
Esta instituição dos juizes municipaes tem, pois, a morte decretada; ha de morrer de inanição e de fraqueza, ha de esphacelar-se, ha de sumir-se pouco a pouco, ficando reduzida a mumia.
Não quero terminar sem dizer alguma cousa a respeito do processo criminal.
Ninguem contestou ainda n'esta camara o alcance da instituição do jury. O que já alguem disse foi que o jury no estado em que está, precisa de uma reforma, urgente, prompta, de momento. (Apoiados?) O jury é uma das conquistas das nossas liberdades publicas, representa o estado da nossa civilisação e progresso, é uma instituição boa por excellencia, sendo bem comprehendida; mas, infelizmente não o tem sido, e não o tem sido porque a maior parte dos cidadãos consideram o jury não como uma honra, uma grande missão de que a sociedade os encarrega, mas como um encargo pesado. (Apoiados.)
Em Lisboa o jury é illustrado, mas lá fora raramente o é. No banco dos jurados não se vêem senão lavradores que sabem apenas escrever o seu nome, de uma ignorancia absoluta e elles ahi estão sendo juizes e exercendo a nobre missão de julgar os seus pares.
E o que fazem esses jurados? Levantam-se muito cedo, vindo até de noite, de muitas leguas de distancia, chegam á audiencia, são apurados para compor o jury e em quanto se lê o processo, dormem. Por varias vezes, estando a presidir a julgamentos, tenho suspendido a audiencia emquanto o official de diligencias vae acordar os jurados. Os jurados acordam, e passado pouco tempo começam novamente a dormir. (Riso.)
E o somno não digo dos anjos, mas o que resulta da inercia e cansaço da materia.
De um jury d'estes póde esperar-se um veredictum acertado e consciencioso? Não, porque para bem julgar é preciso bem entender; e para bem entender é necessario ter estudo e pratica de apreciação. Nem sempre os discursos dos advogados dão o justo esclarecimento.
Tenho ainda algumas vezes visto fazer-se gala da impunidade.
Em uma comarca proxima de Lisboa, lendo o presidente a decisão do jury, disse: «por humanidade, digo, por unanimidade não está provado». (Riso.)
Em outra comarca tambem proxima de Lisboa, sempre que os réus allegavam a embriaguez, quer como circumstancia attenuante, quer como dirimente ou extinctiva, a decisão era-lhes sempre favoravel. O paiz era viticultor, a decisão do jury auxiliava o consumo. (Riso.)
Regra quasi certa tambem, sempre que o juiz dá por iniqua a decisão do jury o novo jury confirma a decisão anterior, ás vezes até com o intuito de não ser agradavel aos juizes.
Estes e outros defeitos não dão á instituição a nobreza de que devia estar acercada, instituição que é uma conquista das publicas liberdades. Se não fosse por cansar a camara ler-lhe-ía o relatorio e uma lei de 1870 de um eminente jurisconsulto d'este paiz o sr. José Luciano de Castro, no qual se fazem justas apreciações sobre a falta da verdadeira comprehensão que a instituição do jury tem tido entre nós; creio porém que a camara sabe que não costumo faltar á verdade. (Apoiados.)
Vou terminar, mas antes disso quero referir-me á intelligencia que me parece a verdadeira de uma palavra que se encontra no § 2.° do artigo 7.° do decreto sobre liberdade de imprensa, é a palavra offensa.
Levantou-se n'esta assembléa grande grita sobre esta palavra, que e perfeitamente a expressão dos attentados em geral contra a honra, a dignidade, e o melindre.
E o termo generico n'esta ordem de crimes; assim como nos ataques contra a integridade physica a que o codigo chama offensa, ou offensas corporaes.
Até no direito civil na graduação da responsabilidade se emprega esta mesma palavra. Sendo como é um termo generico nunca póde ser considerado como crime especial nem o foi no decreto. Manda a hermeneutica juridica, mandam os bons principies que a lei se entenda pelos seus antecedentes e consequentes, bem como pelos preambulos, pelos relatorios, e mais circumstancias que possam fazer presumir a mente do legislador, e esta está bem expressa no relatorio e parecer da commissão.
O que é a palavra offensa tomada isolada, esporadicamente, que crime significa? Nos crimes pois de abuso de liberdade de imprensa quando se trata de offensa deve ella ser considerada como injuria, calumnia, ou diffamação, quer dizer a offensa que resulta expressamente da injuria, da calumnia, da diffamação e mais nada. Esta é a interpretação logica e grammatical. Tanto assim que é exactamente esta a interpretação que lhe dão os commentadores do codigo penal e a theoria do direito penal.
Assim o diz expressamente o sr. Fernandes Ferrão. Ora vir para aqui inverter o sentido commum e vulgar das palavras será um meio de opposição, mas não é o verdadeiro objectivo do jurisperito.

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Parece-me que não havia rasão em affirmar n'esta casa que estes decretos crearam novos crimes e novas penas; nem crearam novos crimes, nem crearam novas penas, (Apoiados da direita.) porque as penas que lá estão, a multa e a prisão correccional, já existiam, e se alguma cousa fizeram os decretos foi diminuir a pena de prisão relativamente aos crimes por abuso de liberdade de imprensa. (Apoiados da direita.)
Tambem fizeram grande impressão estas palavras (leu) as do artigo 10.° do mesmo decreto - embargos fundados em qualquer especie de privilegio.
Ha embargos do executado, de terceiro, e de impugnação ao direito dos credores que vem ao concurso. Facilmente se comprehende que a idéa do legislador quando se refere a que se não podem oppor embargos fundados em qualquer especie de privilegio, foi de determinar que nenhum privilegio póde ser graduado em primeiro logar, ou attendido a não ser o da fazenda, e das partes pelas multas e responsabilidades sobre os objectos de que trata o artigo 10.° do decreto.
Creio que a materia é clara, e parece impossivel que não se comprehenda.
É, como disse, a idéa do legislador, que fiquem completamente resalvados os direitos da fazenda e das pessoas offendidas.
Vou terminar, mandando para a mesa, se tanto for necessario, uma moção.
(Leu.)
Não quero concluir, porém, sem affirmar a v. exa. e á camara, na dupla qualidade de magistrado judicial e de deputado da nação, os altos serviços que o paiz deve no digno e illustre ministro da justiça, o sr. conselheiro Lopo Vaz, (Muitos apoiados.)
S. exa. é o grande reformador do processo criminal. O sr. Lopo Vaz, que tem o seu nome ligado, e com gloria, ao relatório e lei de 14 de junho de 1884, quiz completar a sua obra; este é o florão dos seus serviços, a nova reformação do direito penal.
O sr. Lopo Vaz, sempre que tem estado no ministerio, tem deixado bem firmados os seus creditos de jurisconsulto, que o paiz reconhece, como elles merecem, e os de estadista de primeira plana, que tem sabido tão justamente conquistar.
Tenho concluido.
(O orador foi muito cumprimentado.)
Apresentou a seguinte:

Moção de ordem

A camara, continuando a affirmar a sua approvação ás differentes disposições legislativas da dictadura, entra na ordem do dia, fazendo votes para que se ponha fim a esta já longa discussão. = J. Germano de Sequeira.
Foi admittida.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa):- Mando para a mesa uma proposta de accumnlação.
É a seguinte:

Proposta

Senhores.- Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo pede permissão á camara dos senhores deputados da nação para que possam accumular, querendo, com as funcções de deputados as que occupam no ministerio da guerra os srs. deputados José Maria de Sousa Horta e Costa e Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda.
Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 17 de junho de 1890.= A. de Serpa Pimentel.
Foi approvada.

O sr. Dias Costa (sobre, a ordem): - Permitta-me v. exa., sr. presidente, e permitta-me a camara, que eu, antes de cumprir o preceito regimental, lendo a minha moção de ordem, diga duas palavras ácerca das considerações que fez o illustre orador que me precedeu; não com a intenção de responder completamente ao seu discurso, mas para dar um testemunho da minha deferencia por s. exa.
Sr. presidente, o illustre deputado por Mafra mais uma vez evidenciou a sua sanha contra os julgados rnunicipaes, que s. exa. já uma vez classificou aqui de julgadorios.
Foi um ataque a fundo contra uma instituição util; mas esto assumpto está já tão exhausto, que apesar de haver dispertado muitas vezes a attenção da camara, s. exa. devo estar convencido de que passou a opportunidade de novos ataques, porque até os seus dignos collegas da magistratura judicial que ouviram o terrivel libillo contra os julgadorios não lhe corresponderam com os costumados apoiadorios. Permitia-se-me a phrase. (Riso.)
As reformas do illustre ministro da justiça são muito importantes e radicaes, mas os julgadorios ficaram! (Muitos apoiados.)
Esta instituição, que tantas iras merece a s. exa. mas que tão grandes beneficios tem prestado ao povo, ficou, não obstante os decretos promulgados em dictadura e o grande mérito do sr. ministro da justiça. (Muitos apoiados.)
Isto prova que a instituição não é tão má como parece. (Muitos apoiados.) Pelo menos, teve o merito de servir de pretexto para se augmentarem os ordenados dos juizes de direito e dos delegados do ministerio publico. (Apoiados.)
Com respeito ao julgado de Obidos, o meu amigo sr. capitão Machado e o mais competente para tratar do assumpto.
S. exa. tambem se referiu ao jury e disse que tem visto o jury dormir e errar.
Creia s. exa. que ás vezes e menos prejudicial á justiça o jury que dorme do que alguns individuos quando acordados.
Creia tambem o illustre deputado que o jury, mesmo quando é composto de homens pouco illustrados, presta relevantes serviços e tem uma grande virtude: o jury nem sempre será a rasão que julga, mas é sempre o coração que pulsa. (Apoiados.)
Em todo o caso eu folguei muito de ouvir o illustre deputado fazer a apologia do jury, embora reconhecesse a necessidade da sua reforma.
Effectivamente a magistratura popular tem altissima importancia e é uma das mais formosas reivindicações da liberdade. (Apoiados.)
Quanto aos embargos de que s. exa. fallou, eu declaro-me embargado. (Riso.) E prestada esta homenagem ao meu respeitavel collega, vou cumprir o preceito regimental lendo a seguinte moção:
«A camara, reconhecendo que a força e o prestigio do exercito dependem essencialmente da cohesão intima dos differentes elementos que o constituem, e convencida de que a reorganisação militar é uma necessidade superior de ordem publica, que deve ser collocada fóra dos antagonismos e das luctas partidarias, e baseada em principios claramente definidos, passa á ordem do dia. = F. F. Dias Costa, deputado da nação.»
A minha moção consta de duas partes. A primeira traduz os sentimentos que me animam n'este momento.
Foi com grande magua e com grande desgosto que eu, que tenho uma grande dedicação por tudo quanto se refere aos aperfeiçoamentos do exercito, vi aqui levantar ha dias um incidente, que não desejo renovar nem aggravar, quando mais não seja, por consideração pela camara, e ainda por consideração pela pessoa que o levantou.
Eu entendo que nós, militares portuguezes, somos soldados da mesma bandeira, filhos da mesma patria (Muitos apoiados); e quando se trata de reorganisar o exercito

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não ha senão um só interesse a attender, é o interesse supremo da patria, e nada mais. (Muitos apoiados.) Nem armas, nem classes, nem pessoas. (Apoiados.)
Esto é que é o principio a que se deve attender na discussão da organisação do exercito, e não estar a manifestar, com lastimosa evidencia, que o exercito carece de mais alguma cousa, do que o augmento dos seus quadros. (Apoiados.)
Eu é que não quero contribuir para isto, nem nunca contribui.
Tambem eu chego tarde a este debate, e não só tenho contra mim a falta de meritos, como tambem me prejudicará a circumstancia de estar a camara fatigada com uma discussão que, embora serena e por vezes elevada, já vae longa; mas, só assim é, a culpa pertence só a quem fez uma dictadura tão nefasta, perpetua do tempo, indefinida no dinheiro; (Apoiados.) por consequencia a discussão havia de ser longa. (Apoiados.)
Tem-se tratado principalmente dos ataques á liberdade. Resta ainda desenvolver uma questão importante: a que se refere á chamada dictadura da defeza nacional, e este será o objecto especial do meu discurso, se assim poderei alcunhar as considerações que se me offerece apresentar, e para as quaes ouso pedir a benevola attenção da camara.
Devo desde já declarar que, embora se trate da especialidade do projecto de lei em discussão, os decretos relativos á defeza nacional estão concebidos em termos tão vagos, que não póde haver distincção entre a generalidade e a especialidade. (Apoiados.) Generalidade e especialidade são a mesma cousa. (Apoiados.)
Poderei eu porventura apresentar substituições ou emendas a decretos como aquelles que partiram do ministerio da guerra e do ministerio da marinha?
Para isso seria necessario elevado merito, que não possuo, e tempo de que não dispuz, e saber alem d'isto, qual o pensamento do governo sobre as varias causas que influem na questão da reorganisação do exercito. (Apoiados.)
Conheço, porventura, os planos do governo ácerca da politica externa, das necessidades da defeza do paiz e das relações naturaes que devem existir entre a organisação do exercito do continente, e do exercito colonial?
Posso acaso imaginar qual o papel que, segundo as idéas do governo, o exercito deve representar em relação ás colonias?
Porque aqui é que está o grande erro, é considerar a organisação do exercito como se Portugal fosse uma nação na metropole e uma outra nação no ultramar, quando metropole e colonias é tudo território de um só paiz. (Apoiados.)
Poderão estas idéas desagradar a quem me ouvir aqui, ou me honrar lá fóra com a sua critica.
Mas não é meu proposito conquistar applausos ou influencias a que não aspiro.
Não sou representante de instituições ou de classes, sou deputado da nação, e o meu dever é zelar-lhe os seus interesses legitimos.
Quizera eu, sr. presidente, restringir-me á especialidade do projecto, imitando assim, em relação á defeza nacional, os processos de critica que foram distinctamente applicados pelos meus bons amigos e illustres collegas os srs. Francisco Medeiros, Roberto Alves e Baptista de Sousa, ao exame dos decretos que restringem a liberdade de imprensa e modificam os processos judiciaes.
Mas, repito, os decretos que me proponho analysar não são susceptiveis de discussão distincta na generalidade e na especialidade, e por este motivo, ser-me-ha licito preceder a apreciação d'elles por breves considerações de caracter generico.
E de passagem direi qual a rasão que me obrigou a entrar no debate.
Não foi pela vangloria do deixar o meu nome humilde vinculado á discussão de um projecto, que de futuro ha de ser muitas vezes citado como contristador exemplo do desprezo do governo pelas regalias do parlamento.
Foi porque, tratando-se dos mais vitaes interesses da nação, mal iria ao somenos dos seus representantes se não procurasse, embora Convicto da inanidade do esforço, contribuir para desviar o governo do falso caminho que a si proprio traçou.
Ainda é tempo de mudar de plano.
Ainda é tempo para o governo desistir da perigosa insistencia em que anda empenhado repudiando a, cooperação das côrtes, quando essa cooperação mais indispensavel lhe era para que o paiz acceitasse resignado os sacrificios resultantes do um alargamento dos meios de defeza, imposto por uma necessidade tristemente revelada.
Comprehende-se que nas circumstancias extraordinarias que serviram de pretexto á dictadura, o governo em um interregno parlamentar, que elle proprio creou, assumisse poderes extraordinarios tambem, e decretasse o que houvesse por conveniente a bem da causa publica.
Aberto, porém, o parlamento, se o governo insisto nas auctorisações que a si proprio outorgou, na parte relativa ao exercito e á armada, é porque não confia nos representantes da nação, e, sendo assim, devo corresponder-lhe com igual sentimento.
Não me parece que a desconfiança seja a explicação de uma tal insistencia. De facto, como conciliar o procedimento do governo incumbindo á commissão superior de guerra, de que fazem parte tão illustres adversarios da actual situação politica, o estudo importantissimo da reorganisação do exercito, com uma suspeição tão contradictoria do sentimento que essa incumbencia frisantemente evidencia?
Não é tambem o receio das delongas inherentes aos debates de uma assembléa numerosa a causa do procedimento do governo. Já o dizia Dubois Crancé na primeira assembléa da França: «quand les grandes bases sont bien établis, les détails sont des jeux d'enfants».
Apresentasse o governo as bases, cuidadosamente estudadas, da reorganisação militar e a discussão seria breve; nem os detalhes são assumpto das leis e sim dos regulamentos.
Foi isto que o governo quiz fazer. Pois fique com a responsabilidade, que ninguem lh'a inveja.
As causas da dictadura foram outras.
Vejâmos qual a explicação apresentada pelos srs. ministros.
Escusado será dizer que nas referencias por mim feitas a s. exas. não ha, nem poderia haver; a menor intenção de desrespeito. A todos, e em especial ao sr. ministro da guerra, presto a homenagem da consideração que lhes pertence pelos seus meritos e virtudes e pelos altos cargos que exercem, sentindo estar em desaccordo com os seus actos, e ver me por isso obrigado a censurar em vez de applaudir.
Este dever, que me é imposto pela minha qualidade de deputado da nação, sobreleva a qualquer outro que advenha da minha posição militar; e, portanto, sem prejuizo da consideração que tenha por s. exa., direi o que entender, dentro do regimento.
Segundo o sr. presidente do conselho e ministro da guerra, era opinião quasi geral, antes de 11 de fevereiro, que o governo não tinha força para manter a ordem, e d'ahi a necessidade de fazer perceber que a opinião era errada, sendo uma tal manifestação de força a origem dos primeiros actos do governo, consignados nos decretos de 10 de fevereiro.
De maneira que o governo, auctorisando-se a tratar da defeza do paiz, o que queria era mostrar a sua força contra os que duvidavam d'ella!
Não comprehendo esta rasão; (Apoiados.) mas, emfim, o governo dava-a,

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Se ella fosse a unica do governo, vá; mas o sr. Lopo Vaz apresenta outra muito diversa. Segundo s. exa., em consequencia de factos de todos conhecidos, uma corrente patriotica pediu a organisação do exercito e da armada, e fôra por motivo d'esta corrente que se tinham publicado os decretos da defeza nacional, os quaes muito contribuiram para pacificar o espirito publico.
Singular explicação para quem, como s. exa. e os seus collegas affirmavam na camara que em principios de fevereiro a opinião publica andava desvairada.
De maneira que, por um lado, o governo via a opinião desvairada e precisava mostrar força para a fazer entrar na ordem; e por outro lado acompanhava essa opinião no seu desvario, e o espirito publico aquietava-se!
Mas acompanhava-a fazendo alguma cousa de util? Não; auctorisava-se a si proprio afazer varias cousas, que aliás não fez, (Apoiados.) o que deu boa margem a que um deputado dissesse que se tratava, não de uma dictadura com relação a cousas militares, mas de uma poeirada lançada aos olhos do contribuinte, (Apoiados.) de cujas veias ha de saír transformada em sangue precioso pelo imposto addicional de 6 por cento que o governo lhe pretende lançar. (Apoiados.)
O illustre relator o sr. Pinheiro Chagas tambem deu uma explicação da dictadura, explicação que me parece haver sido perfilhada pelo sr. ministro da guerra; pelo menos, é o que se deprehende do discurso do sr. barão do Paço Vieira.
Segundo a nova explicação, o governo, em vista do notavel movimento patriotico não podia arredar a hypothese da guerra; havia muitas scentelhas de que podia provir uma conflagração, a reacção da Inglaterra contra nós, e, então se o povo tivesse de morrer, ao menos que morresse com honra.
Isto, em resumo, quer dizer que o paiz se preparava para a guerra.
Mas guerra contra quem? Necessariamente havia de ser contra uma nação estrangeira.
O que fez, porém, o governo? Augmentou a força publica? O que augmentou foi a força das guardas municipaes e os seus prets! (Vozes: - Muito bem.)
Então contra quem se queria armar o governo?
E depois, quando o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que sinto não ver presente, porque talvez tenha de me referir a s. exa. mais de uma vez; quando o sr. ministro dos negocios estrangeiros vinha dizer mais ou menos claramente que tinha continuado as negociações pacificas com a Inglaterra, ao passo que a opinião publica lhe dizia que o caminho a seguir era recorrer para as outras nações, como é que o paiz se devia preparar para a guerra?!...
Provocação de guerra, verdadeiro casus lelli, seria esta politica duplice de um paiz que, mantendo boas relações com outro, tratasse ao mesmo tempo de se armar para a lucta, sem inimigo definido, e portanto despertando inquietações ou suspeitas em paizes completamente estranhos ás nossas desavenças com a Inglaterra.
Por estas rasões não se comprehende realmente a causa da dictadura.
Reflectindo-se maduramente no proceder do governo, creio que se poderá affirmar sem receio de contestação que esta dictadura significa a restauração de uma politica odiosa e de que os srs. ministros hão de ainda arrepender-se.
O governo subiu inesperadamente ao poder; disse o sr. presidente do conselho.
Effectivamente era provavel que a situação progressista se conservasse muitos annos no poder, por isso que os seus serviços ao paiz foram importantissimos; mas depois de quatro annos de uma vida amargurada, quando todos os dias os ministros se viam atacados com as mais vehementes e improprias objurgatorias por alguns srs. deputados que então se sentavam d'este lado da camara e hoje são ministros da corôa, era de suppôr que em dia breve deixassem o poder, e aquelles que aspiravam a esses logares tinham tido muito tempo de se prepararem para bem cumprir a sua missão.
Mas s. exas. foram inesperadamente ao poder em relação á questão importante que havia a resolver, e em relação tambem a todos os ramos da administração publica, e por isso começaram a estudar.
Ora o paiz estava em circumstancias muito difficeis, entendeu que essas circumstancias não se harmonisavam com um ministerio de estudantes, e começou a pedir um ministerio que já tivesse o curso acabado.
A opinião publica anciava por qualquer providencia e nada se fazia. O que aconteceu portanto? Reuniu-se o conselho de ministros e resolveu fazer alguma cousa. E estou persuadido que foi o sr. ministro dos negocios estrangeiros quem deu a idéa.
Não estavam preparados, não havia estudos sobre a maior parte das questões a tratar, mas em todo o caso o sr. Hintze Ribeiro, a quem o sr. ministro da instrucção publica terá a bondade de transmittir o que digo, e que aliás nada tem de offensivo, encarregou-se de resolver todas as difficuldades e lembrou se de que para o governo poder adquirir a força e o prestigio de que carecia, era necessario imitar os processos do fallecido marquez de Thomar! E faço esta affirmação porque s. exa. no principio deste anuo, pronunciando na camara dos dignos pares o elogio funebre d'aquelle eminente homem d'estado, tez tambem a apologia do auctoritarismo, que na minha opinião póde dar a immortalidade a um Cromwell, a um Napoleão, a um marquez de Pombal; mas o que não póde é ser considerado como um systema regular de administração publica.
O systema regular não póde ser o da violencia e o do arbitrio dos ministros, ha de ser o da liberdade e da legalidade (Apoiados.) e assim como esses falsos patriotas que em noite calamitosa andaram a apedrejar os seus concidadãos, que não eram regeneradores, assim s. exas. arvorando o auctoritarismo em systema de governo, tambem apedrejaram a liberdade. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Reconheço, comtudo, que o sr. presidente do conselho não é o principal responsavel.
A s. exa. acontece o que costuma acontecer aos avós, quando se rodeiam dos netinhos.
Chamou para seu lado os netinhos politicos, não se lembrando que é sempre perigoso para um homem sisudo andar com creanças, ou contra ellas.
Começaram a fazer travessuras, a brincar com a liberdade e todos cabemos o resultado.
Fóra acceito pelos seus collegas o auctoritarismo preconisado pelo sr. Hintze Ribeiro; restava pol-o era pratica. Como não havia nada feito, e o tempo urgia, foi necessario trabalhar a toda a pressa.
Effectivamente á pressa escreveram os decretos de 10 de fevereiro e todos os da dictadura que se seguiram; e a pressa com todas as suas más consequencias produziu obra quasi vasta de idéas e replecta de erros, a que nem sequer escaparam os proprios decretos do ministerio da justiça, apesar de serem elles um singular phenomeno de retrogradação politica, illuminado pelos fulgores de um talento de primeira plana como é o do sr. conselheiro Lopo Vaz.
A pressa da obra ministerial já foi brilhantemente demonstrada pelos srs. Elvino de Brito e Baptista de Sousa. Pela minha parte já a havia reconhecido por uma circumstancia, que me parece curiosa, embora naturalmente seja classificada bysantina, porque infelizmente vivemos n'uma epocha de tão falso positivismo e de tão singular modo de ver as cousas, que todas as formulas se desprezam e são alcunhadas de ninharia politica.
Ainda ha pouco esta camara viu a extraordinaria semce-

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remonia do governo por occasião de serem convocadas as côrtes geraes para o reconhecimento do herdeiro da corôa.
A circumstancia a que alludi é a que vou narrar. Todos os relatorios que precedem os decretos, devem ser feitos e assignados nos proprios ministerios, porque os ministros não vão ao paço fazer relatorios e sim submetter decretos á assignatura regia. Aconteceu, porém que, alguns relatorios dos decretos da dictadura não foram datados das respectivas secretarias d'estado.
Estão n'este caso o de 20 de fevereiro de 1890, que modificou a organisação do processo eleitoral da camara dos dignos pares, o de 10 de março de 1890, que dissolveu a camara municipal de Lisboa e o de 29 de março do 1890, que se refere á imprensa. Estes relatorios foram datados do paço!
Note v. exa. a coincidencia; isto não quer dizer nada no fundo, porque os actos da dictadura são exclusiva invenção do governo mas denuncia a pressa com que se procedeu. Para os decretos de somenos importancia escreve-se ministerio do reino, presidencia do conselho de ministros, etc.; aquelles que eram mais odiosos foram datados do paço!
Ainda mais. Em todos os decretos de dictadura é da boa praxe, e do melhor direito, inserir um artigo, em que o governo se obriga a dar conta ás côrtes das disposições legislativas assim decretadas. Pois tambem essa homenagem devida ao parlamento foi esquecida em alguns decretos.
Não se inseriu esse artigo no decreto n.° 1 de 10 de fevereiro de 1890 sobre a organisação da defeza do porto de Lisboa, nem no que reorganisa o exercito, nem no que é relativo á eleição dos pares, nem no que diz respeito á censura theatral, nem, finalmente, no que tem o n.° 3, de 29 de março de 1890, e trata de incompatibilidades suspeitosas.
Os unicos decretos dictatoriaes, que revelam uma orientação clara e definida, são os que provieram do ministerio da justiça. Baseados em principios, que eu não perfilho na sua totalidade, foram redigidos com cuidado, e acataram se todas as formulas. Alguns decretos d'aquelle ministerio não encerram o artigo a que me refiro, porque eram já execução de outros em que o governo se auctorisava a fazer um certo numero de cousas.
A falta que se nota nos decretos que citei significa pressa de quem os redigiu e ao mesmo tempo denuncia o menosprezo habitual do governo pela systema da legalidade. (Apoiados.)
N'esta parte da dictadura de que estou tratando, ha a mais absoluta carencia de orientação no modo de resolver a questão militar. Uma das provas muito evidente e muito eloquente d'esta asserção deriva-se da nomeação do sr. Vasco Guedes para ministro da guerra.
O sr. Vasco Guedes foi nomeado ministro da guerra, porque? Porque o sr. presidente do conselho entendeu que as colonias exigiam a mais seria attenção dos poderes publicos e era bom que houvesse no governo quem as conhecesse, não pelo que se lê e estuda nos livros, mas por tel-as visto e palpado as suas necessidades, e, quem, alem d'isto não fosse novo na idade. Foram estas as proprias palavras de s. exa.
Todos sabem que o sr. presidente do conselho é um distincto jornalista e muito propenso ao emprego de uns piparotes litterarios que vulgarmente têem outra designação. Mal pensava s. exa. que um d'esses piparotes feriria um ministro nascituro, o sr. Julio de Vilhena, que nunca foi ás colonias nem as palpou e assim recebia in ovo um titulo de incapacidade.
O que o sr. Serpa tambem não podia prever era que d'ahi a tres dias o ministro da guerra havia de ser exonerado, não obstante possuir as singulares qualidades de velhice e saber colonial que o recommendavam para a pasta da guerra!
Não digo mais nada a este respeito. E assim o sr. ministro da guerra se convencerá de que os sentimentos que me animam ao entrar no debate eram, e são, realmente aquelles que manifestava na minha moção de ordem. Não desejo aggravar as difficuldades em que o governo se encontra. Combato-o em nome da boa politica, d'essa sciencia de bem governar os povos, e não em nome d'essa outra politica, arte a que recorrem os partidos para mutuamente se degladiarem.
Não desejo n'este momento que o governo saia das cadeiras do poder; sáia mas depois de julgado pela opinião publica. (Apoiados.)
O programma ministerial apresentado pelo sr. António de Serpa, quando em janeiro entrara n'esta casa o novo ministerio, é tambem a prova provada de que o governo não tinha idéas assentes sobre a organisação militar, pois que s. exa., quando se referiu ao exercito, só fallou nos celebres 5.000:000$000 réis, e ainda ha pouco, na camara dos pares, fez o mesmo.
Apresentando o novo ministerio, a camara popular, disse o sr. Serpa que o exercito custava 5.000:000$000 réis, e era necessario que produzisse os resultados que têem direita a esperar os que pagam esta quantia; acrescentou que não tratava de resolver a questão de uma vez, mas sim de começar a resolvel-a.
Quer dizer, o governo queria começar a resolver a questão em janeiro e em fevereiro, queria já uma resolução completa. (Riso. - Apoiados.)
Tambem no discurso da corôa se mostra bem qual a importancia que ao governo merecem as questões militares, porque se dizia n'esse discurso que era indispensavel lançar os primeiros elementos de defeza nacional, como se porventura Portugal fosse um paiz completamente desarmado.
O sr. ministro da guerra deve saber qual é o armamento de que o paiz dispõe, qual é o numero de homens que podem ser chamados ás armas.
Se o paiz tiver, em hypothese, 100:000 espingardas modernas, embora de modelos differentes, 200 boas peças de campanha, e poder mobilisar, com mais ou menos regularidade, mas, emfim, chamar ás armas 60:000 homens, que estejam dispostos a sacrificar a vida na defeza da patria, evidentemente não está no caso do um paiz em que seja necessario lançar os primeiros delineamentos da defeza nacional. (Apoiados.) O que é necessario é aperfeiçoar as instituições militares existentes.
Mas o governo só tom uma preoccupação: alardear serviços e desmerecer os dos seus antecessores, embora do proprio partido regenerador; não ignorava que a ultima obra importante do sr. Fontes Pereira de Mello fôra a reorganisação do exercito em 1884, e, talvez por isso mesmo, quiz dar n'essa reforma um golpe decisivo; o resultado é o que se está vendo, e muito se ha de ver ainda.
Circumstancia tambem notavel. O governo ascendeu ao poder em circumstancias especiaes, de todos conhecidas, e era natural que pensasse em attender a uma necessidade evidente e inadiavel, qual é a da reorganisação das forças ultramarinas.
Pois nem uma só palavra se encontra a este respeito nos decretos dictatoriaes!
Sabe v. exa. quantos exercitos ha em Portugal? Ha cinco, incluindo as forças encarregadas do serviço do policia: o da metropole, o da Africa oriental, o da Africa occidental, o de Macau e Timor, e o da India, todos com quadros privativos. E quando é necessario acudir ao Bihé, o sr. ministro da marinha declara que não tem 100 homens em Angola, o sr. Serpa Pinto contesta, dizendo que organisou uma expedição de 50:000 homens, e o governo dispensa-se em uma dictadura tão larga de attender ás necessidades militares das colonias!
Creio ter demonstrado a ausencia da mais somenos orientação positiva nos actos do governo, que se referem á defeza nacional. (Apoiados.)

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Apreciada a dictadura militar, sob o ponto de vista geral, é tempo agora de considerar a especialidade do projecto, analysando os decretos que dizem respeito ao assumpto.
Eu podia tambem citar, como prova da precipitação com que fôra feita a dictadura, a redacção do relatorio que precede os decretos n.ºs 1, 2 e 3 de 10 de fevereiro; mas como parte do principio de que só não commetto erros de linguagem quem não falla ou escreve, eu que fallo n'este momento devo estar tambem errando, e não desejo ser demasiado severo, quando realmente devo fazer a possivel diligencia para merecer da benevolencia da camara desculpa para as incorrecções do meu dizer.
Com o pensamento dos decretos n.ºs 1 e 2 concordo plenamente. Estou convencido de que as nações para serem respeitadas é necessario que sejam fortes; fortes pela sua boa administração, e completa organisação militar.
Infelizmente não basta o direito para garantir a soberania das nações; os seus pleitos não se resolvem nos tribunaes, e sim nos campos de batalha.
A força garante o direito e a paz.
Já o dizia Mirabeau na tribuna franceza: a fraqueza attráe a guerra, uma resistencia geral seria a paz universal.
E agora reparo que duas vezes citei oradores da primeira assembléa franceza. Não se infira d'ahi que eu professe as idéas politicas que imperam n'aquelle paiz.
Sou monarchico constitucional por convicção e dever. A monarchia constitucional é compativel com todas as liberdades publicas, a sua origem legitima e o seu melhor esteio entre nós. Nem, segundo o respeito que devo ás leis do reino, eu poderia ter outro credo politico sem primeiro obter a minha demissão de official do exercito, a que muito me ufano de pertencer.
O decreto n.° 1 tem por objecto a defeza do porto de Lisboa. Mas a defeza do territorio nacional, não consiste só na defeza do porto de Lisboa.
No relatório falla-se da defeza de Lisboa e seu porto, e não simplesmente na defeza do porto. São cousas distinctas.
A quem ler o decreto, parecerá á primeira vista que se nós fortificarmos o porto de Lisboa, poderemos dormir perfeitamente descansados porque ficaremos ao abrigo de qualquer golpe de mão; mas se o ataque vier pela nossa fronteira do Alemtejo e tiver por objectivo Setubal e a margem esquerda do Tejo?
Comprehende a camara que pão me é licito entrar em desenvolvimentos a este respeito. Apenas direi que reputo inadiavel a construcção das obras já projectadas para a defeza sul de Lisboa, e que se ultime o estudo das posições defensivas em que as nossas forças militares hão de oppor-se succesivamente á marcha de qualquer atacante, logo que seja violado o solo da patria.
Lisboa ficará agora ao abrigo de um bombardeamento maritimo, não póde ser facilmente atacada pelo norte, mas ficará ainda indefeza pelo sul.
Quanto custam as fortificações do porto de Lisboa, seu armamento e outros meios defensivos? Custam 6.000:000$000 reis, dos quaes 5.000:000$000 réis são para couraçamento do Bugio (1.500:000$000 réis), armamento de segurança e primeiro municiamento, e 1.000:000$000 réis para torpedos e torpedeiros.
Pois se o governo com o porto de Lisboa vae gastar 6.000:000$000 ou 7.000:000$000 réis, porque réis 6.000:000$000 é o orçamento do ante-projecto, e não gastará menos de 7.000:000$000 réis, desde o momento em que essa necessidade é impreterivel e obriga a grandes sacrificios da nação, pergunto, com que auctoridade se apresenta o governo a pedir-lhe mais impostos, se tudo quiz fazer em dictadura, sem consideração alguma pelo parlamento?
É por isso que eu affirmo haver o governo commettido um grande erro politico. Se o governo se apresentasse ás côrtes com propostas de lei provendo ás impreteriveis necessidades da defeza nacional e baseadas em principios claramente definidos, teria assim a força moral de que carece para pedir novos impostos, e o paiz acceitaria resinado esse encargo; mas assim não o acceita.
E depois onde se ha de ir buscar dinheiro?
Pois o sr. ministro da fazenda, de certo com as melhores intenções, mas com pessimismo exagerado, vem dizer á camara que a situação financeira é temerosa, e é n'esta occasião que se querem impor despezas d'esta ordem, sem regras e sem preceitos? É manifesta a incoherencia do governo.
Comprehendo que se façam despezas para a defeza nacional, mas é necessario precisar os principios essenciaes do plano que se tem em vista, e é indispensavel que os representantes da nação saibam qual o pensamento do governo sobre o modo como quer levar esse plano á pratica. Só assim elles poderão approvar conscienciosamente qualquer augmento de despeza e os impostos que devera fazer-lhe face.
Se se tratasse do finis vitx a que ha pouco se referiu o meu illustre mestre e antigo amigo o sr. José Julio Rodrigues, eu diria ao governo que gastasse tudo, porque antes queria morrer armado e pobre, do que rico e sem honra; (Apoiados.) mas não estamos n'essas condições, se têem bom fundamento as noticias que dá o sr. ministro dos negocios estrangeiros com relação ás negociações com a Inglaterra.
Passando agora a analysar o decreto n.° 2, devo desde logo observar uma circumstancia notavel: é que todas as reorganisações do exercito são decretada em dictadura. Foi o que aconteceu em 1832, 1837, 1849, 1863, 1864, e ainda com a ultima reorganisação de 30 de outubro de 1884 com a qual o governo quer acabar de vez, mas na peior das opportunidades.
Quaes são as consequencias de se organisar o exercito d'esta maneira? E que a despeza do ministerio da guerra que em 1870-1871 era de 3.500:000$000 réis, actualmente e de cerca de 6.000:000$000 réis; porque e necessario contar com mais de 5.000:000$000 réis de despeza ordinaria e com aquelles centos de contos que não figuram n'aquelle ministerio, mas que são pagos pelo paiz aos reformados. Em vinte annos augmentou-se a despeza ordinaria do ministerio da guerra quasi em 2.500:000$000 réis, e o exercito cada vez tem menos força e peior organisação!
É inadmissivel que se continue no systema de legislar para o exercito em dictadura, sempre com um augmento extraordinario de despeza e sem vantagem real para a defeza do paiz. Basta considerar o que succedeu com a ultima reforma.
A organisação de 1884 representa nas cousas militares o mesmo systema que a homoepathia representa na medicina. Em 1884 crearam-se mais regimentos, mas dividiu-se o mesmo effectivo por esses regimentos, o que representa uma dynamisação, e depois destacaram-se dos regimentos, baterias e batalhões, para que a acção homoepathica se estendesse á maior parte do paiz. E agora parece que vae fazer-se o mesmo, segundo as affirmações do sr. ministro da guerra.
A reforma de 1884, sob o ponto de vista da legalidade, ainda tinha uma vantagem, era que o sr. Fontes não assumiu a dictadura para a decretar sem ter uma desculpa, embora de constitucionalismo apparente, que era a approvação de um projecto de lei na camara dos deputados e na commissão de guerra da camara dos pares.
A organisação de 1884 fixára o praso de um anno para a sua execução, e um limite para o acrescimo de despezas.
Esta dictadura que pretende destruirá organisação referendada pelo sr. Fontes, não marca praso nem fixa o acrescimo de despeza; é um mau progresso nas dictaduras militares.

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Quando se fez a organisação de 1S84 adoptaram-se umas bases, mas o governo fez o que quiz. Declarava-se que se respeitavam os direitos legitimamente adquiridos pelos alumnos da escola do exercito; tal não aconteceu. Não admira; era a victoria do obscurantismo e da ignorancia contra a luz e contra o saber.
Extinguia-se a classe dos alferes graduados. Tirava-se assim o estimulo principal para obter um recrutamento vantajoso de officiaes para as armas de infanteria e cavallaria, porque bem poucos rapazes de verdadeiro merito se sujeitarão a estudar um curso, que é trabalhoso, para no fim d'elle ficarem soldados, e ganharem 400 réis diarios, até que as contingencias da escala determinem a promoção a alferes. Emquanto isto não acontece, o candidato a official vae fazendo tirocinio para segundo cabo e sargento, e na arma de cavallaria só no fim de largos annos chega a almejada promoção!
Não é com este systema que as duas armas tenho muitos officiaes de verdadeiro merito.
Em quasi todos os paizes civilisados, o alumno militar é promovido a alferes logo que termina o curso da arma ou serviço militar a que se destina. A Allemanha é uma das excepções, bem o sei.
Nós queremos ser prussianos em cousas militares, mas nunca o havemos de ser; temos o nosso caracter nacional, e havemos de ser portuguezes, com todas as suas virtudes e os seus defeitos. Podem pôr-nos capacetes e fazer-nos usar grandes golas, havemos sempre de ser portuguezes, valorosos e disciplinados se obedecermos a generaes como foram D. Sancho Manuel, os marquezes de Marialva e das Minas e tantos outros que illuminam com o brilho da sua fama as paginas da nossa historia.
O sr. Fontes, em 1884, promettia respeitar os direitos adquiridos pelos alumnos então matriculados nos cursos de infanteria e cavallaria da escola do exercito.
Pois esses alumnos, que haviam feito um contrato verdadeiramente bilateral com o governo, estabelecendo-se mutuos deveres e direitos, viram-se privados dos seus justos direitos, apesar do respeito que deviam merecer as promessas do grande estadista!
Foi necessario que viesse a carta de lei de 16 de julho de 1885 remediar, e só em parte, a violencia odiosa feita contra quem não dispunha de meios legaes para se oppor a tal infracção da boa fé dos contratos.
Pela organisação de 1884 fez-se uma guerra guerreada aos lentes militares das escolas superiores do paiz. Foi a victoria das idéas mesquinhas que já predominavam na reforma de 1864 e que continuam a florescer; foi em virtude d'essas idéas que o actual ministro da guerra foi privado de attingir a graduação de general.
O sr. Fontes, que eu estou convencido que não errava intencionalmente para prejudicar alguem, foi o proprio que mais tarde emendou uma parto das violencias decretadas em 1884 sem o menor fundamento nas bases em que devia assentar a reforma.
O decreto organico de 1884 tem 249 artigos, a maior parte de caracter regulamentar, e muitos com o de verdadeiros sobrescriptos de varias cores: uns parecidos com petalas de roseira e outros com cardos.
Como exemplo dos taes sobrescriptos citarei um côr de rosa, e que o actual ministro teve a infelicidade de entregar ao destinatario. Foi o artigo 237.°, no qual, em estylo sybilino se estabeleceu que os desenhadores do antigo archivo militar ficassem considerados como desenhadores de 1.ª classe, sem prejuizo de qualquer direito que tivessem como militares. Sabem o que isto quiz dizer perante as sabias decisões do ministerio da guerra? Foi que um dos taes desenhadores que passou a maior parte da sua vida a copiar os poucos desenhos que lhe distribuiam obteve a sua reforma com a graduação de general de brigada e com o soldo mensal de 90$000 réis; como se tivesse soffrido as contingencias de quem está ao serviço activo do exercito, e quando apenas tinha direito á graduação de major e soldo de 54$000 réis! Não me animo a accusar o sr. ministro da guerra pela inacceitavel interpretação que os funcionarios do seu ministerio deram ao tal artigo. Tenho a certeza de que s. exa. é completamente estranho a esse acto, embora lhe pertença responsabilidade legal.
Vejâmos agora um só exemplo dos sobrescriptos da outra especie.
Pela reforma de 1884 julgou-se que não haveria inconveniente em os officiaes permanecerem largos annos em diversas commissões. Estabeleceu-se, porém, uma excepção singular relativamente aos officiaes que exercem o magisterio publico; a esses limitou-se-lhes o accesso, ainda mesmo quando satisfizessem a todas as condições exigidas para a promoção.
Adoptou-se tambem um principio muito curioso e foi que os professores da escola do exercito não podessem ter posto superior ao de capitão, ao passo que os seus collegas das escolas superiores preparatorias podem ascender até coroneis! Assim devia ser; pois não é muito aproveitavel no serviço das armas a pratica adquirida em longos annos de ensino de chimica, de economia politica, etc.?! Prejudicial a esse serviço é que haja officiaes que se demorem no ensino das sciencias militares!
Seja, porém, como for, o que é preciso é mais garantias para os professores da escola do exercito, porque o magisterio é como a magistratura, precisa ter solidas garantias, porque tambem não é bom confiar demais na austeridade dos funccionarios. Por exemplo, quando um professor tem de julgar da applicação dos seus discipulos, se se lembrar de que ámanhã um ministro da guerra o póde demittir, ou póde mandal-o servir sob as ordens do pae de um alumno, que se julga prejudicado com a classificação dada, é possivel que a sua consciencia hesito ante o cumprimento de penosos deveres. E se não hesitar emquanto for novo e inexperiente do mundo, quando chegar á idade da desenganos poderá hesitar, com grave prejuizo do proprio decoro e das conveniencias do serviço publico.
Escusado será dizer que os celebres sobrescriptos não se derivam das bases a que me referi. Foram obra do arbitrio da commissão encarregada em maio de 1884, de apresentar ao governo um projecto de reforma do exercito e são da exclusiva responsabilidade de quem acceitou taes singularidades.
O systema seguido com as reformas militares em 1884 foi mau; mas o do actual governo ainda é peior e traduz um grave erro politico.
Como já tive occasião de dizer, fôra mais rasoavel e mais prudente, não publicar o decreto n.° 2 de 10 de fevereiro que só veiu dispertar no espirito do exercito desconfianças e ambições, quando realmente do que se precisava era de calmação. Portanto a occasião não era azada para isso!
Se se queria fazer preparativos para a guerra, então em vez de fazer elencos de reformas, era necessario chamar as reservas, e, sem apparatos inconvenientes, providenciar do melhor modo para corrigir os erros e supprir as deficiencias mais immediatamente nocivas da organisação de 1884.
A verdade é que o governo não pensava em guerra; o que queria era restabelecer a ordem, amedrontando uns e lisonjeando outros com beneficios feitos ou promettidos. Em relação ao exercito, o erro do governo foi grave: não se acalmam os espirites quando os receios pelo futuro vera substituir outra impressão dolorosa.
O sr. ministro da guerra de certo comprehende estas minhas palavras e a rasão porque não entro em mais largas considerações sobre o erro politico a que me refiro, a inopportunidade do decreto n.° 2, tal como foi redigido.
A reforma de 1884 foi mais cautelosa: as suas bases não deixavam a menor duvida sobre as grandes vantagens com que se queria lisonjear certas classes do exercito.

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O processo agora foi differente. Já o illustre deputado, sr. Elvino de Brito, com aquella proficiencia que s. exa. sempre manifesta nos assumptos de que trata, demonstrou que não eram realmente bases a simples enumeração de reformas que se encontra no decreto n.° 2. D'ahi as incertezas, as duvidas e as desconfianças que inquietaram o espirito de algumas classes do exercito, e que se manifestaram publicamente pela fórma que todos conhecem, evidenciando o desacerto do novo processo e as pessimas consequencias de se tratar com animo leve de assumpto que exige sempre os maiores cuidados.
O sr. Presidente: - Deu a hora. O illustre deputado póde terminar o seu discurso, ou então ficar com a palavra reservada.
O Orador: - Então se v. exa. me dá licença, fico com a palavra reservada.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito comprimentado por muitos dos seus collegas dos dois lados da camara.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a mesma que estava dada para hoje, e eu peço aos srs. deputados que compareçam mais cedo para se entrar na ordem do dia ás tres horas.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e meia da tarde.

Proposta de lei apresentada n'esta sessão pelo sr. ministro da fazenda

Proposta de lei n.° 131-B

Senhores.- Approximando-se o fim do anno economico de 1889-1890, é indispensavel providenciar para que a cobrança dos impostos e demais rendimentos e recursos do estado, na metropole e provincias ultramarinas, no exercicio de 1890-1891 se faça com a devida auctorisação parlamentar. N'esse intuito e no de sobrestar tanto quanto possivel no augmento dos encargos do estado; estabelecendo outro sim novos preceitos sobre ordenamento e pagamento de despezas por leis especiaes; e ao mesmo tempo auxiliar provisoriamente a camara municipal de Lisboa com os recursos necessarios para o desempenho dos encargos a que a obrigou a legislação ainda vigente, tem o governo a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo l.° É auctorisado o governo a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos, na metropole e provincias ultramarinas, relativos ao exercicio de 1890-1891, e a applicar respectivamente o seu producto ás despezas ordinarias do estado na mesma metropole e provincias ultramarinas, correspondentes ao citado exercicio, nos termos das leis de 21 de junho de 1883, 15 de abril de 1886, 30 de junho de 1887, 23 de junho de 1888, 19 de junho de 1889, decretos de 17 e 20 de dezembro de 1888 e demais legislação em vigor ou que vier a vigorar, e do parecer sobre os respectivos orçamentos datado de 10 do corrente mez de junho de 1890.
§ 1.° O governo applicará á receita geral do estado em 1890-1891, para compensar o pagamento da dotação do clero parochial das ilhas adjacentes, a quantia de réis 61:000$000 deduzida do saldo disponivel dos rendimentos, incluindo juros de inscripções, vencidos e vincendos, dos conventos das religiosas supprimidos depois da lei de 4 de abril de 1861.
§ 2.º A contribuição predial do anno civil de 1890 é fixada e distribuida pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, nos termos do que preceituam os §§ 1.° e 3.° do artigo 6.° da carta de lei de 17 de maio de 1880.
§ 3.° O addicional ás contribuições predial, industrial, de renda de casas e sumptuaria do anno civil de 1890 para compensar as despezas com os tribunaes administrativos, viação districtal e serviços agricolas dos mesmos districtos, é fixado na mesma quota, respectivamente lançada em cada districto, em relação ao anno civil de 1889.
§ 4.° A conversão da divida consolidada interna em pensões vitalicias, nos termos da carta de lei de 30 de junho de 1887, continuará a ser regulada, no anno economico de 1890-1891, pelo preço de 58,536 por cento do nominal das inscripções a converter, isto é, pelo juro real de 5 1/8 por cento.
§ 5.° As quotas do cobrança da rendimentos publicos, no anno de 1890-1891, que competem tanto aos inspectores da fazenda publica, dirigindo repartições de fazenda districtaes, como aos escrivães de fazenda, serão reguladas respectivamente pelas mesmas tabellas actualmente em vigor, nos termos do disposto no decreto com força de lei de 23 de julho de 1886.
§ 6.° Continuam em vigor no exercicio de 1890-1891 as disposições do § 4.° do artigo 1.º da lei de 30 de junho de 1887 e as do § 10.° do artigo 1.° da lei de 23 de junho de 1888.
§ 7.° É o governo auctorisado a adiantar sem juro á camara municipal de Lisboa, mais a quantia de 100:000$000 réis por conta da somma que se liquidar a favor da mesma camara, no ajuste de contas antigas, entre o respectivo municipio e o thesouro, ficando a camara responsavel pelo reembolso da quantia adiantada com o juro de 5 por cento ao anno, quando da citada liquidação nenhum credito resulte a favor da mesma camara, ou, resultando for inferior ás sommas adiantadas nos termos d'esta disposição e da do § 14.° do artigo 1.° da carta de lei de 19 de junho de 1889.
§ 8.° É auctorisado o governo a levantar na metropole, de conta das provincias ultramarinas, pelos meios que julgar mais convenientes, até á quantia de 500:000$000 réis para pagamento das despezas com obras publicas nas mesmas provincias, no exercicio de 1890-1891, sendo o juro e amortisação desse capital pago por uma consignação especial annual e successiva de 50:000$000 réis pelo augmento das receitas aduaneiras das mesmas provincias, nas termos do § 16.° do artigo 1.° da carta de lei de 19 de junho de 1889.
§ 9.° A despeza extraordinaria do estado na metropole, no referido exercicio do 1890-1891, despeza a que é applicavel o disposto no § 1.° do artigo 10.° da lei de 21 de junho de 1883, é fixada, afóra a que tiver de ser satisfeita por meio de recursos especiaes, tudo conforme a legislação vigente ou que vier a vigorar, nos termos do mappa junto a esta lei e que d'ella faz parte, em 2.500:500$000 réis, a saber:
Ao ministerio dos negocios da fazenda, 76:500$000 réis;
Ao ministerio dos negocios da guerra, 333:000$000 réis;
Ao ministerio dos negocios da marinha e ultramar: direcção geral de marinha, 150:000$000 réis; direcção geral do ultramar, 1.342:000$000 réis.
Ao ministerio das obras publicas, commercio e industria, 605:000$000 réis.
§ 10.° Nenhuma despeza, incluindo as auctorisadas por leis especiaes, de qualquer ordem ou natureza, ordinaria ou extraordinaria, quer se refira á metropole, quer ás provincias ultramarinas, que não esteja incluida ou não caiba nas verbas das tabellas decretadas em virtude da lei annual das receitas e despezas publicas, poderá ser ordenada, e a respectiva ordem registada na direcção geral da contabilidade publica, visada pelo tribunal de contas e paga pelos cofres competentes, sem a preliminar abertura, no ministerio da fazenda, de credito a favor do ministerio a que competir a despeza, determinando-se pelo ministerio da fazenda no respectivo decreto, que será fundamentado em conselho de ministros e publicado na folha official, o artigo, capitulo, secção ou verba das tabellas onde a mesma despeza deva ser escripturada. A disposição d'este paragrapho é de execução permanente.
§ 11.° Fica suspensa, durante o anno economico de

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SESSÃO DE 17 DE JUNHO DE 1890 709

1890-1891, a execução de todas e quaesquer auctorisações concedidas ao governo por leis ou deposições especiaes e geraes de qualquer ordem ou natureza, promulgadas até 31 de dezembro de 1889, para a creação de quaesquer empregos ou funcções publicas, modificação dos respectivos vencimentos, alargamento de quaesquer quadros, estabelecimento de novas escolas, institutos, ou modificação dos existentes, emfim o uso do toda e qualquer auctorisação concedida até ao dia ultimo do anno civil proximo findo, para augmento, nos termos d'este paragrapho, por qualquer fórma, dos encargos do estado, e em relação ao que se achar descripto nas tabellas de despeza, tanto da metropole, como do ultramar, que forem decretadas em virtude das disposições d'esta lei. Sómente ficam exceptuados das disposições d'este paragrapho os augmentos de vencimento por diuturnidade de serviço de qualquer ordem, estabelecidos na legislação vigente.
§ 12.° O governo, com o fim de diminuir a importancia da divida fluctuante poderá, se as circumstancias dos mercados assim o aconselharem, contratar a collocação nos mesmos mercados, pela fórma que julgar mais conveniente, dos titulos de divida fundada actualmente na posse da fazenda, ficando auctorisado não só a modificar o typo dos titulos de que se trata como a crear quaesquer outros, que para o fim indicado forem necessarios, não podendo, porém, no uso das faculdades que lhe são concedidas por esta auctorisação, resultar para o thesouro maior encargo annual do que o encargo máximo correspondente á divida fluctuante que for amortisada.
§ 13.° O governo decretará nos mappas das receitas e nas tabellas de distribuição de despeza as necessarias rectificações, em harmonia com esta lei e com o citado parecer de 16 de junho de 1890, em que as receitas ordinarias sito avaliadas, na metropole em 40.972:694$400 réis e nas provincias ultramarinas em 3.424:676$900 réis, e as despezas: na metropole, ordinarias em 42.934:397$336 réis e nas provincias ultramarinas, ordinarias, extraordinarias e de vencimentos de inactividade em 4.545:636$352 réis.
Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Ministerio dos negocios da fazenda, aos 17 de junho de 1890.= João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

MAPPA DA DESPEZA EXTRAORDINARIA DO ESTADO, NA METROPOLE, PARA O EXERCICIO DE 1890-1891 A QUE SE REFERE A LEI D'ESTA DATA E QUE DELLA FAZ PARTE

Ministerio dos negocios da fazenda

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Ministerio dos negocios da guerra

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Ministerio dos negocios da marinha e ultramar

Direcção geral da marinha

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Página 710

710 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Direcção geral do ultramar

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Ministerio das obras publicas, commercio e industria

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Ministerio dos negocios na fazenda, aos 17 de junho de 1890. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.
Foi enviada á commissão ao orçamento.

O redactor = Rodrigues Cordeiro.

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