O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 735

N.º 42

SESSÃO NOCTURNA DE 20 DE AGOSTO DE 1897

ex. sr.

Presidente do exmo. Sr. Eduado José Coelho

Secretarios - os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramires

SUMMARIO

Approvada a acta, foi lido o decreto de prorogação das côrtes até ao dia 31 de agosto, e um accordão do tribunal de verificação de poderes, validando a eleição do circulo n.º 23 (Villa do Conde). - O sr. presidente proclama deputado o sr. Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, e o sr. Luis José Dias manda para a mesa as ultimas redacções dos projectos de lei n.º 27,28,37 e 38.

Na ordem da noite entra em discussão o projecto de lei n.° 36, novação do contrato dos tabacos. - O sr. Dias Costa apresenta uma proposta, regulando a discussão do projecto, que é approvado, e o sr. João Franco Castello Branco uma questão previa, para que a camara se julgue incompetente para deliberar ácerca do projecto, emanante, pela fórma designada na lei, não se aparar se a companhia esta em divida ao estado de quaesquer quotas partes de lucros liquidos a elle pertencentes, sustentando esta proposta com largas considerações. - O sr. Baracho requer que esta proposta seja votada independentemente da discussão do projecto; e o sr. Avellar Machado que sobre esse requerimento recáia votação nominal, sendo os dois requerimentos rejeitados pela camara. - O sr. ministro da fazenda rebate a argumentação produzida pelo sr. Joio Franco, sustentando que a discussão do projecto não deve ser suspensa, o que é impugnado pelo sr. Mello e Sousa, que apresenta considerações identicas às expostas pelo sr. João Franco.- O sr. conde do Burnay requer varios esclarecimentos pelo ministerio da fazenda, e o sr. presidente declara que a commissão de redacção não fez alteração aos projectos n.º 27,28, 37 e 38; que estão sobre a meia as contas da junta administrativa da camara; e dá conta de ter recebido um telegramma dos operarios
constructores civis do Porto, encerrando em seguida a sessão.

Abertura da sessão - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada, 68 srs. deputados. São os seguintes: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alvaro de Castellões, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Bernardo Homem Machado, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Conde do Paçô Vieira, Eduardo José Coelho, Francisco Barbosa do Conto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Furtado de Mello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Frederico Ressano Garcia, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, João Abel da Silva Fonseca, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis João de Mello Pereira Sampaio, João Monteiro Vieira se Castro, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Paes de Abranches, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Augusto Correia de Sarros, José Bento Ferreira de Almeida, José da Cruz Caldeira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Frederico Laranjo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Luiz Ferreira Freire, José Malheiro Reymão, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria Pereira de Lima, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde da Ribeira Brava e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Antonio de Menezes e Vasconcellos, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde de Burnay, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Silveira Vianna, Joaquim Simões Ferreira, José Alves Pimenta de Avellar Machado e José Joaquim da Silva Amado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Augusto José da Cunha, Conde do Alto Mearim, Conde de Idanha a Nova, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jacinto Candido da Silva, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Antonio de Sepulveda, João Catanho de Menezes, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José de Abreu do Conto Amorim Novaes, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Dias Ferreira, José Gil de Borja Macedo Menezes (D.), José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria de Oliveira Matos, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Pinto de Almeida, Marianno Cyrillo de Carvalho, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Sertorio do Monte Pereira e Visconde de Melicio.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino, acompanhando o seguinte

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.º § 4.º, e da carta de lei de 24 de julho de 1885 no artigo 7.º § 2.º, depois de ter ouvido o conselho distado, nos termos do artigo 110.º da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes da nação portuguesa até ao dia 31 do corrente mez de agosto inclusivamente.

O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço, em 20 de agosto de 1897. = REI. = José Luciano de Castro.

Para a acta.

Página 736

736 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Accordão

Accordão os juizes no tribunal de verificação de poderes.

Mostra-se do processo e appensos, que no dia 18 de julho ultimo, ao procedeu á eleição de um deputado pelo circulo n.° 23 (Villa do Conde), por ter sido annullada aquella a que se havia procedido em 2 de maio, e que se mandou repetir por decreto de 18 de junho ultimo.

Mostra-se que nas quatro assembléas do concelho de Villa de Conde, não tendo comparecido eleitores em numero sufficiente para compor a mesa até duas horas depois da fixado para a eleição, os presidentes nomeados fizeram lavrar as competentes actas em que se declarou nota falta, sendo assignadas pelos respectivos presidentes, parochos e administrador do concelho, como tudo consta das actas que estão por appenso.

Mostra se que, nas tres assembléas da Povoa do Varzim, que fazem aparte do circulo, se formaram, as mesas regularmente e da mesma fórma se seguiram n´ellas todas as formalidades legaes, constando das respectivas actas, que na assembléa de Rates entraram na uma 252 listas, numero igual às descargas feitas nos competentes cadernos, a feito o apuramento verificou-se que todos os votos tinham recaído no cidadão Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, bacharel formado em direito; que nas assembléas de Amorim entraram 318 listas e procedendo-se ao apuramento todos os votos recaíram no mesmo cidadão, havendo a notar-se que foram incluidos n´este numero 2 listas mais do que as descargas feitas nos cadernos respectivos; que na assembléa dos paços do concelho entraram 391 listas, o feito o apuramento viu-se que todos os votos recaíram no mesmo Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, tendo-se feito em toda as actas a declaração, exijida em o n.° 5.° artigo 76.°, da lei de 21 de maio de 1896.

Mostra-se que, no dia 25 do mesmo mez, nos paços do concelho de Villa do Conde, se procedeu ao apuramento geral nos termos do disposto no artigo 81.° da lei eleitoral, o constituida a mesa, apresentadas as copias das actas, tanto da não eleição nas assembléas de Villa do Conde, como das que se effectuaram nas tres assembléas da Povoa de Varzim, e mais papeis concernentes, e nomeadas as commissões para exame das actas deram estas o seu parecer, e em consequencia, tendo-se procedido ao apuramento geral, de conformidade com esses pareceres, conheceu-se que o numero total do votos era de 961, tendo todos recaído no cidadão Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, em vista do que a mesa o proclamou eleito deputado, sendo que das respectivas actas constam terem sido outhorgados os poderes necessarios para que, reunido com os dos outros circulos eleitoraes da monarchia portugueza, faça, dentro dos limites da carta constitucional e dos actos addicionaes, tudo quanto for conducente ao bem geral da nação.

Mostra-se que n´este acto foi apresentado um protesto assignado pelo bacharel Bernardino Gomes Pereira Baptista e outros eleitores, e um contra-protesto apresentado pelo bacharel Daniel José Alves, e assignado por José Joaquim Martins de Araujo e outros eleitores, tendo sido ouvidos os cidadãos que compozeram as mesas das assembléas primarias, que se achavam presentes, e deram o seu parecer ou resposta, que tudo está junto ao processo.

São fundamentos do protesto:

1.° Não se ter procedido á eleição em nenhuma das quatro assembléas primarias do concelho de Villa do Conde, não tendo comparecido no local designado para a eleição nenhuma das pessoas competentes designadas para presidir ás nove horas da manhã, não podendo, portanto, ter-se lavrado as actos juntas ao processo, e tudo isto por plano feito e accordo dos cidadãos eleitores que deviam concorrer eleição;

2.° Nas assembléas primarias do concelho de Povoa de Varzim terem-se commettido illegalidades e violencias, taes como descarregar nos cadernos respectivos o nome dos eleitores que não foram á eleição, terem sido as assembléas invadidas por força armada que n´ellas permaneceu, o que foi causa do afastamento dos eleitores, que por medo deixaram de comparecer á eleição. E tendo-se requerido inquerito, a elle se mandou proceder sómente em relação aos factos accusados na Povoa de Varzim, por se julgar desnecessario emquanto á não eleição em Villa do Conde.

O que tudo visto, relatado, e tendo em attenção tudo quanto consta dos documentos e inquirição das testemunhas;

Considerando que, se á hora mareada para a eleição e uma hora depois ainda não tivesse apparecido o presidente nomeado, nem se tivessem recebido os cadernos do recenseamento eleitoral, nem os cadernos para se lavrarem as actas, lá estava o remedio nos artigos 49.° e 50.° da lei eleitoral.

Considerando que, são os proprios protestantes que se encarregam de dizer que, se não houve eleição foi porque os partidos só accordaram na abstenção, e as escripturas de protesto foram lavradas às tres e quatro horas da tarde, quando das actas consta que estas foram feitas às onze horas da manhã, e portanto, a essa hora findaram os actos eleitoraes em Villa ao Conde, sendo contraproducentes as referencias feitas aos respectivos parochos, porque elles não disseram que as actas se não tinham feito no local competente, mas pelo contrario, que se tinha apenas realisado um simulacro de eleição, sendo de notar que foram eleitores da Povoa de Varzim, e não de Villa do Conde em que o facto se deu, que vieram a lavrar escripturas de protesto às quatro horas da tarde, contra o que se fez ao onze horas da manhã, como consta dos autos;

Considerando que se não prova como devia que as assembléas de Povoa de Varzim fossem invadidas por força alguma armada, e pelo contrario, o que se prova é que um pequeno numero de policias ali estiveram completamenta desarmados, e se os eleitores, commungando nas idéas de um da partidos não concorreram á urna, não foi por medo da força armada, mas pelos motivos constantes, em parte, dos mesmos protestos, manifestos documentos juntos e depoimentos das testemunhas.

Considerando que, tambem se não prova, como devêra, que se descarregasse nomes de eleitores que não concorreram às eleições, e quando mesmo algumas descargas se fizesse illegalmente, como se allega, o numero era do pequeno que não podia influir no resultado geral da votação, e portanto não era causa dá nullidade da eleição, artigo 98.° § 1.° da lei eleitoral:

Por estes motivos e mais que dos autos consta, conclue pela validade da eleição, tendo sido votado unicamente o cidadão Luiz Cipriano Coelho de Magalhães, bacharel formado em direito, que obteve 961 votos.

Cumpra-se o disposto no § 5.º do artigo 98.° da lei eleitoral.

Arbitram ao juiz encarregado do inquerito das testemunhas na Povoa de Varzim a quantia de 27$000 réis.

Lisboa, 17 de agosto de 1897. = Castro e Solla = Firmino João Lopes = A. de Sá = Pereira Pimentel = F. Pereira = Pimentel.

Para a secretaria.

O sr. Presidente: - Proclamo deputado o sr. Lufe Cypriano Coelho de Magalhães.

O sr. Luiz João Dias: - Mando para a mesa as ultimas redacções dos projectos de lei n.ªs 27, 28, 37 e 38

Página 737

SESSÃO NOCTURNA N.º 42 DE 20 DE AGOSTO DE 1897 737

ORDEM DA NOITE

Discussão do projecto n.° 36

Leu-se na mesa. É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 36

Senhores.- Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposta de lei n.° 13-N, auctorisando o governo a modificar, de accordo com a companhia dos tabacos de Portugal, o contrato approvado pela carta de lei de 23 de março de 1891, e a effeituar as operações financeiras indicadas na mesma proposta.

Em harmonia com o plano que o governo resolveu seguir para debellar, ou pelo menos attenuar, a crise que de ha muito opprime o paiz, e que vos foi lucida e brilhantemente exposto pelo illustre titular da pasta da fazenda, deriva-se esta proposta da incontestavel necessidade de occorrer ao pagamento de encargos, em oiro, de reembolsar a divida fluctuante externa, e de acrescer, em quantia valiosa, as receitas do estado.

Ter-se-ha dado assim um grande passo para a restauração do credito publico, melhorando-se os cambios, augmentando-se a disponibilidade de capitães, hoje retrahidos com grave damno da actividade economica do paiz e do melhor aproveitamento das suas forças productoras.

Pelo seu largo alcance, obrigava, pois, a detido estudo a proposta sujeita ao exame da vossa commissão de fazenda, e d´esse estudo vem hoje dar-vos conta, animada, pela certeza de que supprireis com a vossa illustração as deficiencias de um trabalho, de sua natureza difficil, e cujas conclusões vos dignareis, sem duvida, apreciar cem a critica serena, e reflectida, que as circumstancias Decorrentes estão exigindo de todos os que prezem, como suprema ventura, a prosperidade da nossa patria.

O artigo 1.° da proposta ministerial refere-se principalmente às modificações a introduzir, de accordo com a companhia dos tabacos de Portugal, no contrato ora vigente entre esta companhia e o estado, modificações que se encontram traduzidas nas bases annexas á mesma proposta.

Confrontando essas bases com as adoptadas pela commissão, encontrareis em algumas d´ellas sensiveis differenças, de que importa, desde já, indicar a principal causa determinante.

A accentuada prosperidade da companhia concessionaria do exclusivo dos tabacos, a boa vontade com que se tem prestado a auxiliar todos os governos, sem distincção de côr politica, quando elles recorrem á poderosa influencia do seu credito, e ainda a margem sempre ampla que póde offerecer a novas transacções uma industria susceptivel de notavel desenvolvimento, naturalmente se impunham á consideração do actual governo logo que, assumindo a gerencia dos negocios publicos, reconheceu a imperiosa necessidade de procurar em operações financeiras de certo yulto os meios de acudir promptamente á crise que, desde 1891, se ía avolumando, por fórma a inspirar justas apprehensões, quer a governantes, quer a governados.

N´esta ordem de idéas, a companhia, a convite do illustre ministro da fazenda, e depois de previo e demorado estudo, submetteu á apreciação do governo, em 2 de julho findo, um projecto das bases que deveriam presidir á modificação do primitivo contrato.

Não se conformando com todas as bases d´esse projecto, o procurando alcançar para o thesouro as maiores vantagens possiveis, tratou o governo de realisar este proposito por meio de repetidas conferencias com o conselho de administração da companhia, ou com os legitimos representante d´este conselho.

O tempo surgia, e, não podendo realisar-se em 10 de julho, como se havia aprasado, a conferencia em que deveria ajustar-se a redacção definitiva das projectadas bases, por circumstancias alheias aos desejos do digno presidente o mesmo conselho, e que o obrigaram a ausentar-se de Lisboa n´esse dia, viu-se forçado o governo a cuidar d´essa redacção, sem a assistencia d´aquelle cavalheira, visto que devia ser-vos apresentado no dia 12 o relatorio e propostas de fazenda, no qual só faltavam as bases concernentes ao exclusivo dos tabacos.

Em taes condições, a companhia apressou-se a notar, pelo seu officio de 13 de julho, a falta de definitivo accordo, do que tambem logo, por parte do governo, foi devidamente informada a vossa commissão de fazenda. Resolveu então esta incumbir o seu relator especial de acompanhar o governo nas negociações, que haviam ficado accidentalmente incompletas.

Assim se fez, e após repetidas conferencias entre o governo e o conselho de administração da companhia, e nas quaes sempre interveiu o relator da commissão, accordou-se, por fim, na redacção das bases que vos são agora presentes, e que passaremos a justificar.

Antes, porém, de o fazer, cumpre o relator da commissão um grato dever consignando aqui a grande intensidade do esforço empregado pelo governo para attingir os melhores resultados para o estado, e a lisura e bons desejos do conselho de administração em secundar esse esforço durante as negociações.

Se estas não foram coroadas de melhor exito, não deveis, por esse motivo, increpar os negociadores, porque a todos animou a intenção de bem servirem o paiz. A partilha de lucros, assegurada para o estado em valiosa proporção, constitue, de resto, uma das caracteristicas essenciaes do projecto submettido á vossa apreciação, e serve de igual garantia às duas partes contratantes, tornando-as solidarias nos resultados obtidos, e compensando qualquer apparente desequilibrio nas vantagens attribuidas a alguma d´ellas.

Para harmonisar a fórma do presente projecto com a das bases do primitivo contrate, e facilitar a citação a analyse das novas bases, foram estas reduzidas a artigos, e paragraphos.

Sendo desnecessario reproduzir aqui quaesquer rasões justificativas expostas no relatorio ministerial, e com as quaes a commissão se conformou, bastará analysar e motivar as principaes alterações feitas nas bases annexas á proposta de lei de que se trata, sem fallar tambem de simples modificações de redacção tendentes a melhor clareza do texto.

Os quatro primeiros, artigos das novas bases são intimamente connexos, e podem, por isso, ser apreciados no seu conjuncto.

Comparando-os com as correspondentes bases da proposta ministerial, notar-se-ha uma redacção na quantia minima annual a que fica obrigada a companhia, alem da renda fixa que fôra estipulada no contrato de 1891.

Provém esta reducção, em primeiro logar, de se haver tambem diminuido de 1/2 por cento o sacrificio de lucros imposto aos vendedores e revendedores de tabacos, na parte que se refere ao desconto geral da venda.

Este desconto ficará sendo de 7 1/2 por cento; importa a sua diminuição de 2 1/2 por cento, em 195 contos de réis, em vez dos 234 contos de réis, que correspondiam a uma diminuição de 3 por cento.

D´este modo, embora com prejuizo para o thesouro, fica attenuado em 89 contos de réis o onus dos vendedo.

Página 738

738 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

res e revendedores de tabacos, e attendidos equitativamente as suas reclamações.

Manteve-se a diminuição de 70 contos de réis, numeros redondos, nos descontos progressivos, e, attendendo-se a que o rendimento actual dos impostos de venda e de licença para venda de tabaco no continente do reino, os quaes ficam abolidos, é de cerca de 124 contos de réis, conclue-se que o sacrificio realmente exigido aos vendedores e revendedores é apenas de 141 contos de réis, proximamente.

Este sacrificio equivale a uma reducção de 0,9 por cento no desconto geral e de 1 por conto nos descontos progressivos, e, portanto, a um onus incomparavelmente inferior ao que, desde 1892, pesa sobre outras classes, e, em especial, sobre os portadores da divida publica e sobre os funccionarios do estado.

Não se conformou a companhia com a participação do thesouro na possivel redacção das commissões extraordinarias que ella, de moto proprio, concede aos seus agentes de venda, por entender que esta concessão era de natureza meramente particular e facultativa, e que alem d´isto haverão do ser estes bonus, na sua totalidade ou em grande parte, mantidos, para maior desenvolvimento das vendas, em que o estado fica bastante interessado. D´ahi uma nova diminuição de 56 coutos da réis no acrescimo de renda annual calculado pelo governo.

Este acrescimo ficou, pois, fixado do seguinte modo:

Pela diminuição de 2 1/2 por cento no desconto geral nos vendedores e revendedores 195:000$000

Idem de 1 por cento nos descontos progressivos....... 70:000$000 265:000$000

Pela prohibição da cultura de tabaco no continente...... 60:000$000

Pelo valor minimo actual e garantido da prorogação da concessão até 1926....... 250:000$000 310:000$000

Total................575:000$000

As duas primeiras parcellas foram determinadas em vista da escripturação da companhia. A terceira é bastante superior ao encargo correspondente, e a ultima foi calculada por simples approximação, do que não advirá prejuizo para o estado, visto elle ficar com partilha nos lucros; antes é de prever que, nos primeiros annos do novo contrato, terá a companhia do compensar, a favor do thesouro, o que faltar para o minimo garantido nossa partilha.

O anno social da companhia começando no 1.º do abril, e não sendo justo retrotrahir os effeitos do novo contrato a data anterior á da sua realisação, nem contar com o effeito de clausulas, que não possam desde logo applicar-se, por isso se modificou a redacção da base 2.º, correspondente ao artigo 2.° das bases annexas ao presunto projecto, indicando-se tambem qual foi o producto liquido do fabrico e venda de tabaco no anno social a que se fez referencia.

Com o § 1.° do mesmo artigo salvaguardou-se qualquer interpretação arbitraria na maneira de determinar, no futuro, a importancia d´aquelle producto.

No § 2.°, ainda do artigo 2.°, foi fixado em 5:475 contos de réis o minimo do producto liquido de fabrico e venda, contar do qual deve começar a participação do pessoal da companhia na distribuição do dito producto.

Esse minimo, que actualmente é de 4:900 contos do réis, correspondendo á maxima renda fixa de 4:500 contos de réis que a companhia é obrigada a pagar ao estado, acrescida de 400 contos de réis para remuneração do capital social a outros encargos, tem de ser augmentado com o supplemento de renda, calculado em 575 contos de réis, o que perfaz os 5:475 contos de réis indicados no citada $ 2.º

Convem a este respeito observar que o pessoal da companhia não ficará lesado no seu direito á partilha dos lucros, porque na dita quantia de 575 contos de réis figuram os 265 contos de réis do descontos aos vendedores e revendedores, descontos que já oram debitados aos lucros, e, quanto aos restantes 310 contos de réis, que representam um acrescimo de renda a pagar ao estado, devera ser largamente compensado o encargo resultante pelo desenvolvimento das vendas, o consequente diminuição das verbas de despeza, hoje improductiva, com o pessoal licenciado, que encontrará trabalho.

Fica tambem melhor assegurada a participação do pessoal, conformo a aspiração formulada pelos operarios manipuladores do tabaco perante a commissão de fazenda, porque a escripturação da companhia terá de separar claramente o producto liquido resultante da exploração dos seus exclusivos, dos lucros correspondentes a quaesquer operações estranhas á industria dos tabacos, visto que o estado passa desde já a ser comparte n´aquelle producto.

De passagem, e ainda a propósito das reclamações apresentadas pelos operarios, se observará que foi supprimida a base 7.ª da proposto de lei, ficando o assumpto n´ella considerado para ser regulado, por mutuo accordo entre a companhia e os interessados, os quaes manifestaram sempre a maior cordura e a mais justa comprehensão dos seus direitos e deveres, durante as relações que mantiveram com o relator da commissão, o que este gostosamente deixa registado.

Segundo o artigo 4.° das novas bases, ficará muito facilitada a concessão de licenças para venda de tabacos, tendo a companhia e o estudo o maior interesse em tal facilidade, que muito deve concorrer para o desenvolvimento do respectivo commercio.

No artigo 5.º das novas bases mantiveram-se, com as necessarias garantias, aos antigos depositarios, vendedores e revendedores do tabacos, os direitos consignados no n.° 10.° do artigo 5.° das bases annexas á carta de lei de 23 de março de 1891, excepto no que respeita aos descontos, que serão os estabelecidos pelo novo regimen.

Em relação às condições geraes de venda pretendia a companhia, que lhe ficasse salvaguardado o direito de organisar a venda por circumscripções, ou zonas, conforme só acha effectivamente estabelecido por virtude de contratos particulares celebrados outro a mesma companhia e alguns dos depositarios, vendedores e revendedores.

Em defeza d´esta pretensão allegava a companhia um parecer da procuradoria geral da corôa e fazenda favoravel ao seu supposto direito de estabelecer zonas ou circumscripções de venda, e ponderava ser estoe o melhor systema de repressão indirecta do contrabando.

Entendeu, porém, o governo, de accordo com a commissão, que seria inopportuno alterar n´aquelle ponto o texto do contrato vigente, e que os boletins de venda, de que trata o § 1.° do artigo 5.º das novas bases, constituiriam um systema igualmente efficaz para a dita repressão, e que em nada prejudicaria os contratos particulares acima mencionados, ou outros analogos que do futuro houvessem do realiasr-se por mutua conveniencia da companhia e dos seus principaes agentes da venda.

D´ahi as differença mais essenciaes entre o dito artigo 5.º e seus paragraphos, e a correspondente base 5.ª da proposta ministerial.

No artigo 6.° das novas bases, correspondente á base 6.º da dita proposta, fizeram-se simples alterações de redacção.

O artigo 7.º, correspondente á base 8.ª refere-se aos exclusivos do importação, fabrico e venda de tabacos no ultramar, reclamados pela companhia.

Julgou-se indispensavel, em primeiro logar exceptuar

Página 739

SESSÃO NOCTURNA N.° 42 DE 20 DE AGOSTO DE 1897 739

das novas concessões os territorios ultramarinos em que vigorasse qualquer regimen especial por virtude de diplomas legues, e a companhia, por seu lado, julgou tambem indispensavel que ficassem expressamente resalvados os seus direitos actuaes, garantidos pela carta de lei de 23 de março de 1891.

D´ahi as alterações de redacção e de materia no texto da base 8.ª, e consequentes alterações de redacção nos seus numeros, transformados em paragraphos do artigo 7.°

Em relação ao § 1.° d´este artigo, foi presente ao relator uma reclamação officiosa de um industrial açoriano, que não se conforma com a concessão do exclusivo da venda de tabacos no ultramar, por julgal-a offensiva dos seus direitos.

Com essa reclamação não se conformou a companhia, nem com a interpretação dada pelo mesmo industrial ao artigo 22.° do contrato annexo á citada lei de 1891 e mais legislação referente, desistindo apenas a companhia da pretensão que primeiro tivera de encorporar o dito archipelago, e o madeirense, no regimen vigente no continente do reino.

Não sendo possivel conciliar tão oppostos interesses, a commissões, de accordo com o governo, resolveu manter a doutrina do dito § 1.° Nem de outro modo ficaria viavel a proposta de lei, visto a companhia considerar essa doutrina como sendo condição essencial e impreterivel para o seu novo contrato, devendo tambem notar-se que, segundo informações fidedignas, é de pequeno vulto a importação do tabaco açoriano no ultramar, e grande o contrabando de tabacos estrangeiros n´esta parte do territorio nacional, mercê do regimen aduaneiro vigente.

A este gravissimo inconveniente, que de ha muito affecta as receitas ultramarinas, obvia o novo regimen de exclusivos concedidos á companhia, porque poderá ella importar, fabricar e vender tabacos, sem temer concorrencias illicitas, as quaes não poderão luctar com a diminuição nos preços de venda que ella ficará habilitada a fazer.

A concessão não é meramente graciosa, antes garante ao estado uma nova, e, porventura, abundantissima fonte de receita, visto a companhia cobrar apenas 40 por cento dos lucros, cabendo ao estado os restantes 60 por cento, alem de uma renda fixa, determinada pela importancia dos direitos de importação dos tabacos nos nossos territorios ultramarinos, durante o ultimo anno economico. Da concessão não poderão tambem advir quaesquer perturbações no viver normal das populações coloniaes, porque a todo fica mantido o direito de importar, com o regimen aduaneiro vigente, tabacos para uso proprio, e de aproveitar os das suas culturas em igual uso devendo a companhia expropriar, por sua conta, as fabricas existentes, indemnisando os seus proprietarios como for de justiça.

A vastidão do nosso dominio colonial onde possa tornar-se effectiva a nova concessão, naturalmente aconselha a prevenir a hypothese do estabelecimento de subconcessões, as quaes ficam dependentes da approvação do governo, e só poderão aproveitar a individuos e companhias nacionaes.

Finalmente, o ultimo paragrapho do artigo 7.° consigna vantagens analogas, em relação ao ultramar, às que foram concedidas á companhia, em 1891, para facilitar o aproveitamento das suas concessões.

O artigo 8.º das novas bases refere-se principalmente aos meios directos de repressão do contrabando, da qual dependerá em grande parte o augmento dos lucros da companhia e das correspondentes receitas do estado. Essa repressão não importa o augmento de despeza na fiscalisação aduaneira, a qual ficará a cargo da companhia. Julgou-se conveniente reservar para o governo a regulamentação da acção fiscal dos agentes privativos da companhia, que ficarão equiparados aos agentes fiscaes do estado, unicamente para os effeitos da missão especial que lhes compete.

O artigo 9.° não contém materia nova, e no artigo 10.° estabelece-se um tribunal arbitral em condições de facilitar a decisão de questões que não forem da alçada dos tribunaes ordinarios, e por fórma a offerecer a maxima garantia de imparcialidade e de rapidez na decisão dos pleitos. O novo tribunal substituirá vantajosamente os que foram creados, com fim identico, em 1891.º

Justificadas as alterações introduzidas nas bases annexas á proposta de lei n.° 13-N, resta agora considerar as suas outras disposições.

Sendo de incontestavel equidade que uma parte da receita havida pelo estado, em troca da prohibição da cultura do tabaco no continente do reino, vá directamente, e do melhor modo, aproveitar às pessoas interessadas actualmente na dita cultura, pareceu conveniente que esse modo esse estabelecido mediante previa consulta das estações mais competentes no assumpto, ante as quaes poderão ser discutidos os diversos alvitres que as condições locaes tornarem mais consentaneos com o fim benefico que se tem em vista. N´esta conformidade foi modificado o § unico do artigo 1.° da proposta ministerial.

Quanto ao artigo 2.° da mesma proposta, em que estão definidas as operações financeiras, que poderão derivar-se do artigo 1.°, julga a commissão que essa possibilidade é á um manifesto indicio do robustecimento do credito nacional.

Nas circumstancias actuaes, realisar um supprimento, em oiro, com um encargo não superior ao da divida fluctuante externa, e contratar importantes operações com encargos não superiores a 5 1/2 a por cento, comprehendendo juro, amortisação e despezas de emissão, se for realisado um novo emprestimo ou a conversão dos emprestimo a amortisaveis de 1891 e 1896 em outro a maior praso, de que 50 resultará notavel melhoria no orçamento, é, sem aula, animadora esperança de que os sinceros, esforços empenhados por todos os governos, e pela nação, desde as primeiras manifestações da crise, para uma honrada solução das dificuldades presentes, são reconhecidos dentro e fóra do paiz, e começam a produzir os seus naturaes resultados.

A commissão julgou conveniente fixar o maximo dos encargos das duas projectadas operações. Quanto ao mais, entendeu dever deixar ao governo a necessaria liberdade de acção, certa de que elle saberá dignamente corresponder á confiança, que lhe é attribuida, mas sem prejuizo da ulterior apreciação das côrtes.

Esperando que as alterações feitas de accordo com o governo merecerão o vosso assentimento, a commissão de fazenda é de parecer que a proposta de lei n.°13-N deve ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo a modificar, de accordo com a companhia dos tabacos de Portugal, o contrato de 26 de fevereiro de 1891, approvado pela carta de lei de 23 de março do mesmo anno, nos termos das bases annexas á presente lei, e que fazem parte integrante d´ella.

§ unico. O governo poderá applicar annualmente, durante um periodo não excedente ao da concessão de que trata o referido contrato, e pela fórma que for estabelecida em decreto especial, ouvida a commissão da cultura do tabaco do Douro e o conselho geral de agricultura, quantia não superior a 30 contos de réis, em beneficio da

Página 740

740 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

região vinhateira onde foi permittida a dita cultura pelas cartas de lei de 12 de março de 1884 e de 28 de abril de 1886.

Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo:

1.º A contratar um supprimento, em oiro, garantido pelas receitas disponiveis dos tabacos, sob as condições que mais convenientes forem para o thesouro, comtanto que o juro effectivo da operação não exceda o encargo actual da divida fluctuante externa;

2.° A contratar, quando o julgue opportuno, quer o reembolso das obrigações dos emprestimos auctorisados pelas cartas de lei de 23 de março de 1891 e de 21 de maio de 1896, quer a emissão de um novo emprestimo amortisavel em praso não excedente a setenta e cinco annos, do typo de juro que mais conveniente for, e garantido pelas receitas dos tabacos. Não poderá, porém, exceder 5 1/2 por cento, ao anno, o juro, amortisação e mais encargos das duas referidas operações, nem ser obrigatorio, para os seus portadores o reembolso dos actuaes titulos dos mencionados emprestimos de 1891 e de 1896, antes de 1 de janeiro de 1900.

Art. 3.° O governo dará conta às côtes do uso que fizer das auctorisações que lhe tão concedidas pela presente lei.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de fazenda, 5 de agosto de 1897. = José Dias Ferreira (vencido) = Adriano Anthero = Frederico Ramires = J. A. Correia de Sarros = Manuel Moreira Junior = João Pinto Rodrigues dos Santos = José Maria de Alpoim (com declarações em relação ao § unico do artigo 1.°) = Marianno de Carvalho (vencido) = Barbosa de Magalhães = J. Frederico Laranja = F. F. Dias Costa, relator.

Bases para a modificação do contrato

approvado pela carta a lei de 23 de março de 1891,
ás quaes se refere a lei da presente data

Artigo 1.° O estado desiste, desde já, da faculdade de dar por finda a concessão do exclusivo do fabrico de tabacos no continente do reino, ao cabo do primeiro periodo de dezeseis annos, conforme está preceituado no n.° l,° do artigo 6.° das bases annexas á carta de lei de 23 de março de 1891.

Art. 2.° A partir do 1.º de abril de 1897, inclusive, e com as reservas do tempo decorrido e das clausulas não immediatamente applicaveis, o producto liquido do fabrico e venda de tabaco no continente do reino, que, em qualquer anno, exceder o que se apurou no exercicio findo em 81 de março de 1897, será partilhado entre o estado e a companhia dos tabacos de Portugal, na proporção de 60 por cento para o primeiro e 40 por cento para a segunda.

A companhia garante, porém, ao estado, por esta partilha, a quantia minima annual de 575 contos de réis a mais da renda fixa a que se obrigou pelo seu contrato de 26 de fevereiro de 1891.

§ 1.° As sommas destinadas annualmente a quaesquer supplementos dos fundos de reserva e a amortisações industriaes, ou financeiras, não poderão ser fixadas pela companhia sem approvação do governo.

§ 2.° A participação do pessoal operario e não operario a que só refere o n.° 1.° do artigo 5.° das bases annexas á carta do lei de 23 de março de 1891, só recairá no producto liquido do fabrico e venda que exceder a 5:475 contos de réis annuaes.

Art. 3.° O desconto geral, a que se refere o n.° 10.° do citado artigo 5.° das bases annexas á carta de lei de 23 de março de 1891, fica reduzido a 7 1/2 por conto, e os descontos progressivos, constantes do mesmo numero e artigo e da actual tabella da companhia, são diminuidos de 1 por cento.

Art. 4.° São abolidos os impostos de venda e de licença para venda de tabaco no continente do remo, passando as licenças, que serão isentas de qualquer imposto, a ser concedidas gratuitamente pela companhia a todos os que as requisitarem, e devendo a formula d´estas licenças ser previamente approvada pelo governo.

Art. 5.° Salvo o disposto no artigo 3.°, continuam garantidos os direitos dos antigos depositarios, vendedores por grosso, vendedores a retalho e revendedores, a que se refere o § 5.° da base 9.º da lei de 22 de maio de 1888, e que estão consignados no n.º 10.° do artigo 5.° das bases annexas á carta de lei de 23 de março de 1891, não podendo a companhia estipular condições de venda, que contrariem os mesmos direitos.

§ 1.° Os depositarios, vendedores e revendedores ficarão obrigados a apresentar mensalmente á companhia, e pela fórma por esta regulada, boletins que permitiam, apreciar qual a distribuição do tabaco, de fabrico nacional, pelos diversos concelhos do reino, devendo ser feita a fiscalisação d´este serviço segundo o disposto no artigo 3.° da carta de lei de 19 de maio de 1864, e no artigo 77.° do decreto de 22 de dezembro do mesmo anno, na parte applicavel.

§ 2.° A infracção das clausulas estipuladas entre a companhia e os depositarios, vendedores e revendedores, alem da indemnisação, quando houver logar a ella, importa a suspensão ou a perda, conformo os casos, das regalias que competem aos referidos depositarios, vendedores e revendedores, se a infracção for commettida por estes.

§ 3.° As questões sobre a interpretação e execução das clausulas de que trata o paragrapho precedente serão resolvidas pelo tribunal arbitrei, estatuido no artigo 10.° das presentes bases, e o direito de reclamação prescreve decorridos seis mezes.

Art. 6.° Ficam expressamente revogadas as auctorisações concedidas pelas cartas de lei de 12 de março de 1884 e de 28 de abril de 1886 para a cultura de tabaco no Douro, não sendo tambem permittida esta cultura em qualquer ponto do continente do reino durante a vigencia do contrato a que se referem as presentes bases.

Art. 7.° É concedido á companhia o exclusivo da importação do tabacos em rama e manipulados, nacionaes ou nacionalisados, e o do fabrico e venda de todos os tabacos nos territorios portugueses do ultramar, sem prejuizo, porém, do regimen especial que, n´esta data, vigorar nos ditos territorios por virtude de accordos internacionaes, ou de quaesquer diplomas de legislação interna, quando estes ultimos hajam sido promulgados anteriormente á carta de lei de 23 de março de 1891, ou, havendo sido promulgados ulteriormente, não contenham disposições contrarias ao preceituado nas bases onnexas á mesma lei, e sendo o dito exclusivo regulado nos termos dos paragraphos seguintes.

§ 1.° É facultado aos particulares o despacho de importação de tabaco nos territorios a que se refere o presente artigo, mediante o pagamento dos direitos ora vigentes nesses territorios, e sem prejuizo do disposto no artigo 22.° das bases annexas á carta de lei de 23 de março de 1891. A importancia dos mesmos direitos constituirá receita da companhia, e será contada para os effeitos do disposto, no § 3.° do presente artigo.

§ 2.° A companhia pagará annualmente ao estado uma quantia igual á correspondente aos direitos de importação de tabacos que houverem sido cobrados pelo thesouro, durante o anno economico de 1896-1897, nos territorios do ultramar, onde for applicavel a presente concessão.

$ 3.° Dos lucros que a companhia realisar em virtude da dita concessão, depois de attendido o que fica disposto nos dois paragraphos precedentes, e deduzida uma quantia igual aos lucros que a companhia auferiu, durante o seu anno social de 1896-1897, pela venda de tabacos nos referidos territorios do ultramar, pertencerão ao estado 60 por cento, e 40 por conto á companhia.

§ 4.° Ficam exclusivamente a cargo da companhia as

Página 741

SESSÃO NOCTURNA N.º 42 DE 20 DE AGOSTO DE 1897 741

expropriações e indemnisações ás fabricas de tabacos actualmente existentes nos territorios ultramarinos, a que se refere o $ 2.º do presente artigo.

§ 5.° Com prévia auctorisação do governo poderá a companhia subdividir a concessão dos seus exclusivos no ultramar em concessões especiaes, comtanto que estas concessões sejam feitas a individuos, ou companhias, nacionaes.

§ 6.° São applicaveis á dita concessão as disposições do n.° 2.° e primeira parte do n.° 9.° do artigo 6.°, e o artigo 26.° das bases annexas á carta de lei de 23 de março de 1897.

Art. 8.° O estado porá á disposição exclusiva da companhia um numero de praças da guarda fiscal não superior a 500, cujos vencimentos serão pagos pela companhia; facultará a esta e nas mesmas condições de encargos, os meios de fiscalisação que forem necessarios para os territorios ultramarinos onde for applicavel a presente concessão; concederá aos empregados fiscaes da mesma companhia, nos, termos que forem determinados em decreto regulamentar, e unicamente para o seu fim especial, as prerogativas dos agentes fiscaes do estado; e não poderá modificar, em relação ao tabaco, as disposições fiscaes vigentes, sem accordo com à companhia, promovendo, todavia, o mais rapido andamento e decisão dos processos fiscaes, de natureza sumularia.

Art. 9.° São auctorisadas, como até agora, as recebedorias de fazenda a arrecadar quaesquer pagamentos por conta da companhia.

Art. 10.° As duvidas que se suscitarem entre o governo e a companhia, ou entre esta e o seu pessoal operario e não operario, ou entre a mesma companhia e quaesquer depositarios, vendedoras e revendedores, serão decididas, ex equo et bono, sem recurso, por um tribunal arbitral composto de um presidente e de quatro vogaes cujas nomeações serão reguladas pela fórma seguinte: dois vogaes serão nomeados pela parte reclamante e dois pela parte reclamada pertencendo aos quatro vogaes a nomeação do presidente, por mutuo accordo, e, na falta d´este, será presidente o juiz do supremo tribunal de justça que por este tribunal for nomeado em sessão plena.

§ 1.° Os pleitos dependentes do tribunal arbitral consideram-se resolvidos a favor da parte reclamante quando, dentro do praso de um anno a contar da datada reclamação, não seja proferido accordão, salvo caso de força maior, reconhecida pelo proprio tribunal; ou demora motivada pela parte reclamante, e tambem reconhecida pelo mesmo tribunal.

§ 2.° Por mutuo consenso das partes litigantes poderão ser deferidos ao julgamento do tribunal arbitral, de que trata o presente artigo, e nas condições n´este preceituadas, quaesquer pleitos ainda pendentes da arbitragem a que se referem-os artigos 12.° a 14.º das bases annexas á carta de lei de 23 de março de 1891.

Sala das sessões da commissão de fazenda, 5 de agosto de 1897. = José Dias ferreira (vencido) = Adriano Anthero = Frederico Ramires = J. A. Correia de Barros = João Pinto Rodrigues dos Santos = José Maria d´Alpoim (com declarações em relação ao artigo 6.º) = Manuel Moreira Junior = Barbosa de Magalhães. = Marianno de Carvalho (vencido) = J. Frederico Laranjo = F. F. Dias Costa, relator.

Exclusivo do fabrico de tabacos

Pela carta de lei de 23 de março de 1891, que approvou o contrato de 26 de fevereiro do mesmo anno, concedeu o estado, pelo espaço de trinta e cinco annos; o exclusivo do fabrico de tabacos no continente do reino, mediante uma renda annual progressiva de 4.250:000$000 réis a 4.500:000$000 réis e uma partilha de lucros alem de certo limite d'estes.

No intuito de tirar d'este monopolio maior rendimento para o thesouro, redigi a proposta de lei n.° 9, que submetto ao vosso esclarecido criterio.

Tem o estado o direito de dar por findo o contrato de 1891, ao cabo do primeiro periodo de dezeseis annos que termina em 1907, comtanto que previamente reembolse ao par os titulos emittidos pelos primitivos concessionarios em representação do emprestimo de 15 000:000$000 réis feito ao governo.

Este restricção é muito importante, porque complica a remissão do monopolio com uma operação financeira que póde, conforme ser circumstancias do paiz dentro de dez annos, ser vantajosa ou prejudicial para o thesouro. E, note-se bem, se ao governo não convier em 1907 resgatar a concessão, continuará a companhia, que actualmente a explora, usufruindo-a por mais dezenove annos sem ser obrigada a quaesquer novos encargos ou sacrificios.

Segundo a minha proposta de lei, o estado desistirá desde já do direito de remir o monopolio na epocha legal, mas em compensação a companhia, a mais da renda fixa a que está obrigada pelo contrato, entregará ao thesouro em cada anno, durante o resto da concessão, 60 por cento de producto liquido do fabrico e venda que exceder o do ultimo exercido, garantindo como minimo annual proveniente da referida partilha a quantia de 250:000$000 réis.

Esta annuidade correspondo á de 510:000$000 réis paga sómente nos ultimos dezenovo annos do contrato, tornando-se para calculo da equivalencia o juro de 5 por cento ao anno.

Pelo contrato de 1891 foram garantidos aos antigos depositarios, vendedores por grosso, vendedores a retalho e revendedores, a que se refere o $ 5.° da base 9.ª da lei de 22 de maio de 1888, um regular abastecimento de tabaco e descontos não inferiores a 10 por cento, sempre que continuem a prestar devidamente as suas contas. Esses individuos têem, alem d´isso, direito a descontos progressivos de 4 ou 5,5 por cento quando a importancia das compras por elles realisadas em cada trimestre attingir respectivamente 3:000$000 ou 45:000$000 réis.

Taes commissões da venda representam annualmente avultado despendio. No ultimo exercicio montaram a réis 1.183:5740$47 só no continente, isto é, a 15,15 por cento da venda total, já liquida de recambies, que foi réu 7.810:329$485.

É justo exigir dos vendedores e revendedores de tabaco uma pequena diminuição dos seus lucros, para acudir às urgencias do thesouro, ao mesmo titulo porque se impozeram pesados sacrificios, aos credores do estado e aos funccionarios publicos.

Entendo, pois, que deve a companhia ser auctorisada a reduzir de 3 por cento o desconte geral de venda e de 1 por cento os descontos progressivos o que representaria em relação ao exercicio findo uma economia respectivamente de 234:219$438 réis e 70:302$776 réis. Mas a companhia póde ainda poupar, a maior parte dos bonus extraordinarios, na importancia, de 78:312$085 réis? que no mesmo exercicio se viu na necessidade de conceder para estabelecer o regimen de venda por circumscripções, e que não terão. mais motivos de subsistir desde que a lei proscreva tal regimen. E n´estes termos é de equidade que a companhia, que não pretende auferir beneficio algum da reducção das commissões de venda, fique obrigada á pagar annualmente ao estado mais a quantia de réis 360:000$000.

Em compensação, proponho que para facilitar o desenvolvimento do consumo sejam abolidos todos os impostos de venda de tabaco no continente que incidem de facto sobre os vendedora e revendedores e que rendera actualmente cerca, de 124:000$000 réis. O sacrificio por elles soffrido será, pois, sómente de pouco mais de 180:000$000

Página 742

742 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

réis e póde traduzir-se na reducção de 1,4 por cento no desconto geral o de 1 por cento nos descontos progressivos.

Invadida pela phylloxera, em 1862 ou 1863, aquella feracissima região do Douro, que é afamada em todo o mundo pelos preciosos vinhos que produz, pouca importancia se as de principio a esse facto, não se prevendo desde logo a funestos consequencias que d´ahi haviam de derivar.

Foi só em 1869, guando o mal já ía alastrando em larga escala, que a opinião publica, esclarecida com o que se passava em França, começou a sobresaltar-se.

Nomearam-se desde então numerosas commissões officias, umas temporarias, outras permanentes, para estudarem esta complexa questão.

Entretanto, porém, a terrivel epiphytia disseminava-se por todo o districto vinhateiro do Douro, de onde mais tarde irradiou para o resto do paiz.

As estações competentes, firmadas na experiencia de outras nações, recommendaram, como meio de defeza, o emprego do sulphureto de carbone, que o governo chegou a vender pelo terço do seu custo de producção; mas esse conselho foi recebido com descrença quasi geral.

Quanto às vinhas inteiramente perdidas propunham os homens de sciencia a sua replantação com cepas americanas, moa os povos desconfiavam ainda da resistencia d´estas, ultimas e não as adoptavam senão excepcionalmente e a medo.

E o governo, que tambem parecia bastante hesitante a tal respeito, ao nomear, em 1 de agosto de 1876, uma das commissões a que me referi, incumbiu-a já de estudar a cultura que devia substituir a vide, se esta tivesse de ser condemnada; o que muito provavelmente animou outra commissão, successora d´aquella e denominada de estudo a tratamento das vinhas do Douro, a pedir, em setembro de 1878, auctorisação para ensaiar a cultura do tabaco aos postos experimentaes, embora entendesse que esta cultura não seria propria para a maior parte dos terrenos d´aquella zona.

Iniciou-se então uma propaganda, que de dia para dia se tornava mais activa, para que essa cultura fosse permittida aos povos durienses.

A pressão sobre os poderes publicos attingiu o seu maximo no anno de 1883. Os comicios de proprietarios repetiam-se, as representações das camaras municipaes succediam-se; jonaes havia que defendiam apaixonadamente a causa dos lavradores do Douro, e alguns membros do parlamento instavam vivamente com o governo para que auctorisasse a cultura do tabaco.

Debalde espiritos mais reflectidos mostravam os inconvenientes que d´ahi haviam de resultar para os povos interessados e para o paiz inteiro. Debalde observavam que das experiencias feitas até então se deduziam conclusões inteiramente oppostas a tal cultura.

A corrente passou por cima d´elles, arrastou o proprio governo, que sempre se mostrara receioso a tal respeito, e venceu até o novo ministro das obras publicas, Antonio Augusto de Aguiar, que fôra quem, pouco antes no parlamento, mais energicamente verberara, na sua dupla qualidade do homem de sciencia e par do reino, a introduzir essa cultura no paiz.

Que os povos d´aquella região vendo os seus vinhedos, que lhes davam fama e riqueza, devastados pelo terrivel hemipterio, adherissem a quaesquer receituarios mais ou menos phantasiosos, facto é este que não póde causar a minima estranheza: perante situação tão afflictiva não admira que a esperança fallaz se tornasse convicção, a convicção clamor, e o clamor exigencia.

Mas que os poderes publicos não tivessem sabido ou podido occorrer, em tempo opportuno, com remedio efficaz áquelle mal, ou, não o encontrando, ao menos com o desengano, foi deveras para sentir.

Assim nasceu, medrou e radicou infelizmente a cega crença n´um recurso que não era recurso, como os desastres ulteriores o vieram confirmar. Assim, tranisigndo com erros e imposições, se foram dar falsas satisfações ao Douro, com reaes e graves prejuizos para o thesouro.

Como quer que seja, o parlamento votou, sob proposta do governo, a lei de 12 de março de 1884, que instituiu a cultura do tabaco no Douro, a titulo de ensaio, por espaço de tres annos sómente, não podendo a área applicada a essa cultura exceder 1:000 hectares.

E a lei de 28 de abril de 1886 prorogou aquelle praso até 31 de dezembro de 1890.

Desde essa epocha tal cultura é illegal.

Apesar d´isso o contrato de 26 de fevereiro de 1891, no n.° 11.° do artigo 5.° das suas bases, obriga a companhia a consumir todos os annos, no seu fabrico, tabaco da região do Douro até o maximo de 20 por cento, em peso, da totalidade das vendas no continente, pagando por esse tabaco um bonus de 100 réis em kilogramma a mais do preço mercantil que lhe for estipulado.

Mas não obstante a protecção que lhe foi assim concedida a cultura do tabaco no Douro está decadente, como se deprehende do quadro seguinte, onde compendiei as quantidades de tabaco nacional que a companhia tem comprado nos differentes annos da sua existencia e as quantias por que as pagou.

[...ver tabela na imagem]

A experiencia está feita; e o resultado, como era de prever, foi negativo.

Ainda assim esta compra forçada é um encargo para a companhia, traz comsigo consequencias graves e não produz beneficies equivalentes para as populações que a lei teve em vista proteger.

Parece-me, pois, chegado o momento do prohihir absolutamente a cultura do tabaco no Douro, tanto mais que lei alguma a auctorisa e só por tolerancia tem continuado a existir.

A companhia, em compensação, elevará de mais réis
a renda que paga ao estado, o que excede bastante a quantia de 46:739$355 réis que tem despendi-no, em media, na acquisição do tabaco nacional.

D´essa nova annuidade de 60:000$000 réis será uma parte destinada a auxiliar os cultivadores do Douro a replantar os terrenos actualmente occupados pelo tabaco.

A proposta de lei, que estou considerando, concede tambem á companhia o exclusivo da exploração dos tabacos nas nossas provincias ultramarinas, com excepção da Guiné.

Não é nova esta idéa, a que implicitamente já alludem as bases annexas ao contrato de 26 de fevereiro de 1891, no n.° 1.° do artigo 6.°, quando concedem aos actuaes concessionarios o direito de preferencia em igualdade de condições no caso que o governo resolva tornar extensivo o exclusivo do fabrico dos tabacos a qualquer porção de territorio portuguez fóra do continente do reino.

A experiencia dos ultimos annos mostra que, a despeito da vastidão do nosso dominio colonial e do desenvolvimento que tem tido recentemente, as quantidades de tabaco registadas para consumo e as respectivas importan-

Página 743

SESSÃO NOCTURNA N.º 42 DE 20 DE AGOSTO DE 1897 743

cias são em extremo diminutas e pouco crescem de um anno para outro.

Isto mesmo é corroborado pela leitura do seguinte quadro, que reune o movimento do consumo de tabacos da companhia no ultramar, não obstante todos os esforços por ella empregados para alargar esse consumo:

[...ver tabela na imagem]

Para valorisar fonte de receita tão importante não é de certo o estado a entidade mais propria; e por isso ao governo pareceu conveniente deixar essa tarefa a uma empreza, beneficiando, porém, dos lucros que da habil exploração do tal exclusivo hão de necessariamente advir.

E porque a companhia tem já garantido na lei o seu direito de preferencia, e tambem porque a unificação do regimen dos tabacos no continente e ultramar sob uma unica administração offerece manifestamente vantagens superiores á subdivisão por duas ou mais emprezas, que reciprocamente se haviam de prejudicar na sua constituição o exercicio, é que se justifica a disposição consignada na proposta de lei para que a concessão seja feita aos actuaes concessionarios dos tabacos.

Quanto ao systema de partilha nos lucros, a incerteza sobre o desenvolvimento do consumo e a extrema dificuldade da fiscalisação aconselham, como meio mais racional e equitativamente vantajoso para ambas as partes contratantes, que o governo, em vez de receber da companhia uma renda fixa, que nenhum elementos seguros havia para definir a priori seja antes interessado na receita liquida por uma determinada percentagem.

Como vereis, a proposta de lei estabelece que, deduzidas as quantias que o governo e a companhia auferiram, no ultimo exercicio e que d´este modo ficam salvaguardadas, o excesso do rendimento liquido seja partilhado na proporção de 60 por cento para aquelle e 40 por cento para esta.

Taes são as principaes modificações que o governo julga conveniente fazer no contrato de 26 de fevereiro de 1891, do accordo com a companhia dos tabacos de Portugal, com o fim de augmentar de modo notavel os rendimentos do thesouro.

Quanto às outras disposições da lei, são demasiado obvias as suas vantagens para que eu precise encarecel-as. Concorrem tambem para habilitar o governo a pôr em pratica o seu plano financeiro, de que confia a immediata melhoria da situação actual.

N.º 13-N

Artigo 1.º É auctorisado o governo a modificar, de accordo com a companhia dos tabacos de Portugal, o contrato de 26 de fevereiro de 1891, approvado pela carta de lei de 23 de março do mesmo anno, em conformidade das bases annexas a esta lei e que d´ella fazem parte integrante.

§ unico. O governo poderá applicar annualmente até á quantia de 30:000$000 réis, em beneficio da região vinhateira do Douro.

Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo:

1.° A contrahir um emprestimo ou supprimento, eu oiro, garantido pelas receitas disponiveis dos tabacos, sob as condições que mais convenientes forem para o thesouro, comtanto que o juro offectivo da operação não exceda encargo actual da divida fluctuante externa.

2.° A contratar, quando o julgue opportuno, tanto o rembolso das obrigações dos tabacos dos emprestimos de 1891 e 1896, como a emissão de um novo emprestimo, amortisavel em praso não excedente a setenta e cinco annos, do typo de juro que mais conveniente for, e garantido pelas receitas dos tabacos. O juro effectivo do novo emprestimo não poderá exceder 4 1/2 por cento ao anno, em o reembolso dos actuaes titulos ser obrigatorio para os portadores antes de 1 de janeiro de 1900.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d´estado dos negocios da fazenda, em 12 de Julho de 1897. = Frederico Ressono Garcia = Henrique Barros Gomes = Augusto José da Cunha.

fases para a modificação do contrato
approvado por lei de 23 de março de 1891, relativo
ao exclusivo do fabrico de tabacos

Base 1.ª

O estado desiste desde já da faculdade de dar por finda a concessão do exclusivo do fabrico de tabacos no continente do reino, ao cabo do primeiro periodo de dezeseis annos, conforme está estabelecido no § 1.° do artigo 6.° das bases annexas á lei de 23 de março de 1891.

Base 2.ª

A partir do 1.° de maio de 1897 inclusive, o producto liquido do fabrico e venda de tabaco no continente, que, em qualquer anno, exceder o que se realisou no exercicio findo em 31 de março de 1897, será partilhado entre estado e a companhia, na proporção de 60 por cento para o primeiro e 40 por cento para a segunda. A companhia garante, porém, ao estado, por esta partilha a quanta minima annual de 670:000$000 réis a mais da renda fixa a que já está obrigada pelo seu contrato.

$ unico. A participação do pessoal operario e não opeario, a que se refere o n.° 1.° do artigo 5.° das bases annexas á lei de 23 de março de 1891, só recairá no producto liquido do fabrico e venda que exceder a 6.446:000$000 réis.

Base 3.ª

O desconto geral, a que se refere o n.° 10.° do artigo 5.° das bases annexas á lei de 23 de março de 1891, fica reduzido a 7 por cento e as commissões progressivas constantes do mesmo texto e da actual tabella da companhia são diminuidas de 1 por cento.

Bane 4.ª

É abolido o imposto de venda e de licença de venda de tabaco no continente, passando as licenças a serem concedidas gratuitamente pela companhia.

Base 5.ª

Continua garantido o direito dos antigos depositarios, vendedores por grosso, vendedores a retalho e revendedores, a que se refere o § 5.° da base 9.ª da lei de 22 de maio de 1888, a um regular abastecimento, computarei pelo maximo consumo trimestral nos quatro trimestres anteriores á citada lei, ficando tambem entendido que esta garantia é individual o não transmissivel, caduca logo que, durante seis mezes, o commerciante haja suspendido o seu negocio, era haja infringido os condições de venda estabelecidas pela companhia, ou se haja conluiado para obter indevido desconto.

Por sua parte a companhia não poderá applicar condições de venda que se opponham às garantias dos vendedores, ficando todavia expressamente salvaguardado o direito de exigir as necessarias cauções o organisar a venda por circumscripções.

Página 744

744 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

As infracções por parte dos vendedores importam perda dos direitos concedidos.

Base 6.ª

É supprimida a cultura do tabaco no Douro, e em nenhum outro ponto do continente sorá permittida durante a vigencia do contrato.

Base 7.ª

O governo de accordo com a companhia estabelecerá a fórma segundo a qual se realisarão as transferencias de officina sem prejuizo dos operarios transferidos.

Base 2.ª

É concedido á companhia o exclusivo da producção, importação de tabacos em rama, fabrico e venda de todos os tabacos nas provindas ultramarinas, exceptuada a da Guiné, nos termos seguintes:

1.° O despacho de tabaco manipulado á facultado aos particulares com os direitos ora vigentes em cada provincia, que não poderão ser diminuidos. O producto d´esses direitos será receita da companhia.

2.° A companhia pagará no estado annualmente uma quantia igual á recebida pelo thesouro nas provincias ultramarinas, proveniente dos direitos do importação de tabacos no anno de 1896-1897.

3.° Dos lucros, que a companhia realisar pela concessão auctorisada por esta base, depois de attendido o que fica disposto nos dois numeros anteriores, e deduzida uma quantia igual á que a companhia auferiu pela venda do tabacos nos provincias ultramarinas, segundo o regimen da lei de 21 de março de 1891, no seu exercicio de 1896-1897, pertencerão ao thesouro portuguez 60 por cento e 40 por cento á companhia.

4.º Ficam exclusivamente a cargo da companhia as expropriações e indemnisações às fabricas de tabacos actualmente existentes nas provincias ultramarinas de que se trata.

5.° Com approvação de governo a companhia poderá subdividir esta concessão geral em concessões especiaes.

6.° São applicaveis a esta concessão as disposições dos n.° 2 e primeira parte do n.º 9 do artigo 6.° e o artigo 26.°, tudo do contrato de 26 de fevereiro de 1891.

Base 9.º

O estado porá á disposição exclusiva da companhia até quinhentos guardas fiscaes, cujos vencimentos serão pagos por esta; facultar-lhe-ha, nas provincias ultramarinos, tambem por conta d´ella, os meios especiaes do fiscalisação que se mostrarem necessarios; concederá aos empregados fiscaes da mesma companhia, com as devidas reservas, e no seu fim especial, as prerogativas dos agentes fiscaes no estado; e não poderá modificar em relação ao tabaco as disposições fiscaes vigentes, som accordo com a companhia, promovendo, todavia, o mais rapido curso e decisão dos processos fiscaes do natureza summaria.

Base 10.ª

São as recebedorias d´estado auctorisadas, como até agora, a acceitarem o recolherem quaesquer pagamentos por conta da companhia.

Secretaria d´estado dos negocios da fazenda, em 12 de julho de 1897.- Frederico Ressano Garcia = Henrique de Barros Gomes = Augusto José da Cunha.

Pertence ao n.° 36

A vossa commissão do ultramar conforma-se com o parecer n.° 36 da commissão de fazenda, relativo a modificações no contrato com a companhia dos tabacos do Portugal e ás operações financeiras mencionadas no respectivo
projecto de lei.

Sala das sessões da commissão do ultramar, 9 de agosto de 1897. = Marianno de Carvalho (vencido)= Gaspar de Guiros Ribeiro = Barbosa de Magalhães = Borbosa Vieira = J. M. Alpoim (com declarações com respeito á cultura do tabaco do Douro) = Adriano Anthero = Correia de Burros = Manuel Moreira Junior = José Frederico Laranjo = L. Poças Falcão = F. F. Dias Costa.

O sr. Dias Costa (relator): - Sr. presidente, para regularmos, de uma fórma conveniente, a discussão do projecto de lei n.° 36, tenho a honra do mandar para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a discussão do projecto do lei n.° 36 seja regulada do seguinte modo:

1.° A discussão começará pelo artigo 1.° do projecto;

2.° Seguir-se-ha a discussão das bases do que trata o mencionado artigo do projecto, grupadas pela seguinte fórma:

a) Artigos 1.° a 5.° das bases;

b) Artigo 6.°, idem;

c) Artigo 7.°, idem;

d) Artigos 8.° a 10.°, idem;

3.° Serão depois discutidos conjunctamente os artigos 2.° a 4.° do projecto. = F. F. Dias Costa, deputado pelo circulo n.° 34 (Arouca).

O sr. Presidente: - Está em discussão.
(Pausa.)

Como ninguem se inscreve vae votar-se.
Foi approvada.

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.°

O sr. Franco Castello Branco (para uma questão previa): - Como o sr. presidente sabe, pediu, nos termos do regimento, para lhe serem enviados alguns documentos, indispensaveis, não só no seu entender, mas no da opposição d´esta camara, para se habilitarem a discutir a proposta do governo relativa á novação do contrato com a companhia de tabacos.

Sabe tambem o sr. presidente que esses documentos lhe foram enviados, e que d´elles se fez publicação no Diario do governo, assim como igualmente s. exa. sabe que, na folha official, sobre o mesmo assumpto, foi hoje tambem publicado um relatorio assignado por cavalheiros muito distinctos, dois dos quaes são altos funccionarios do estado, cuja competencia em assumpto de contabilidade o orador é o primeiro a reconhecer. Faz desde já esta declaração, a fim de que, no decorrer da sua exposição, qualquer critica ou referencia que tenha de fazer a esse trabalho não possa ser, por fórma alguma, inquinada de menos consideração, quer pelas pessoas d´esses cavalheiros, quer pela competencia que, como d´isso, n´este assumpto, é o primeiro a reconhecer-lhes.

Sabe s. exa., como vinha dizendo, muito bem, que hoje foi publicado na folha official um relatorio ácerca do producto liquido do fabrico o venda dos tabacos no ultimo exercicio de 1896-1897, o s. exa. que, de certo não deixou de ler os sobre documento, como tambem não deixou de ler os sobre o mesmo assumpto ha dias publicados, e de fazer o sou confronto, ha de ter reconhecido, como todos reconhecem, que os peritos nomeados pelo governo não concordaram com as coutas apresentadas e enviadas a esta camara pela companhia dos tabacos, em relação ao ponto principal para esta discussão, qual é o de saber, em primeiro logar, qual foi o producto liquido do fabrico e venda do tabaco no exercicio de 1896-1897, e, em segundo logar, quaes são os principios ou regras a seguir na organisação das contas da companhia, a fim do se conhecer se ha ou não quota parte de lucros a dividir com o estado.

Página 745

SESSÃO NOCTURNA N.°42 DE 20 DE AGOSTO DE 1897 745

Este documento, a que acaba de referir-se, tem hoje, pela publicação que lhe foi dada, um caracter official, e o orador podia referir-se ainda a outros factos de que se occupou a imprensa periodico, relativamente ao assumpto, e que viviam trazer para esta discussão, em relação ao ponto restricto e concreto de que se está occupando, informações divergentes, quer do relatorio da commissão nomeada pelo governo, quer das contas enviadas pela companhia a esta camara, mas não o faz, porque se quer simplesmente servir de documentos officiaes.

Sendo, como é, uma das bases adoptadas no projecto em discussão, para fixação da receita ou rendimento que d´elle póde advir para o estado, a fixação do producto liquido do fabrico e venda do tabaco no ultimo exercicio, como se vê do artigo 2.° das bases annexas ao projecto, e havendo por outro lado uma disposição terminante, clara e perceptivel na lei de 1891, que creou o monopolio dos tabacos, na qual se determina que, desde que a companhia falte a dois pagamentos successivos das quotas que ao estado pertencem nos lucros do producto liquido do fabrico e venda dos tabacos, isso importa o direito para o estado de rescindir o contrato, parece-lhe que ha uma questão previa a decidir, para dignidade do parlamento e honra de todos.

Antes de se entrar na apreciação propriamente dos fundamentos, das bases, e dos preceitos da proposta de lei, que o governo trouxe ao parlamento, é sobre a qual a commissão formulou o projecto que está em discussão, deve-se precisar com exactidão as respectivas contas.

Quem lesse a proposta do governo, o lasse depois o projecto da commissão, havia de concluir que, sobre este ponto definido, concreto é preciso, - qual foi o producto liquido do fabrico e venda do tabaco no exercicio de 1896 - 1897,- não só não havia duvida absolutamente alguma, mas nem mesmo nenhuma se podia levantar; entretanto, uma commissão nomeada pelo governo, em relatorio publicado na folha official, não só não acceita, mas contesta, e formula sob bases divertes a conta dos rendimentos e despezas do fabrico e venda do tabaco, em ordem a chegar ao apuramento de qual foi o producto liquido do fabrico venda no exercicio de 1896-1897.

Basta a divergencia que se encontra entre as contas feitas pela commissão nomeada pelo governo e as apresentadas pela companhia, para que a camara não possa proseguir n´esta discussão, sem que, de uma fórma legal e indiscutivel, se
conheça qual é o producto liquido no ultimo exercido, a fim de, em vista d´elle, só poder julgar da partilha que pertence ao estado.

Isto, porém, não é tudo, é indispensavel ainda como indagação igualmente importante, que se reconheço, quer em relação a esse exercido, quer em relação aos exercicios anteriores, se houve já producto liquido a dividir pelo estado, porque se o houve, não tendo a companhia feito essa divisão, deve applicar-se-lhe a disposição da lei de 1891, e rescindir a contrato.

Quem é porém, competente para avallar essa questão, e julgal-a por fórma a não poder ser contestado o seu julgamento, nem pela companhia nem pelo governo, e poder sei: acceito pelo parlamento e pelo paiz, como sendo um facto ácerca do qual não é permitticdo haver duvidas nem suspeitas de qualquer especie, é, nos termos da lei de 1891, o tribunal arbitral.

Elle, só elle, e mais ninguem, é competente para resolver estas questões.

Nem o governo, nem a commissão por elle nomeada, nem qualquer commissão de inquerito eleita por esta camara para examinar às contas da companhia, póde ter, nem mais poder, nem mais auctoridade, do que aquelle tribunal que, repete, é, pela lei, é unico que tem competencia.

É este o principio que está terminantemente prescripto na seguinte disposição da lei de 1891:

«Artigo 12.° As duvidas entre os concessionarios e o governo serão resolvidas por um tribunal arbitrai, composto de cinco membros.»

Que existem motivos para duvidas entre os concessionarios e o governo ácerca da fixação de qual seja o producto liquido do fabrico e venda nos diversos exercicios depois da constituição, da companhia, está isso hoje demonstrado pelos documentos publicados, por isso que, por um lado, ha uma commissão nomeada pelo governo que diz que o producto do ultimo exercicio é superior em 300 contos de réis áquelle que foi accusado pela companhia, e, por outro lado, ha um officio da companhia contestando os fundamentos d´aquelle relatorio e sustentando as conclusões dimanadas dos documentos por ella até agora apresentados, quer aos seus accionistas, quer ao parlamento.

Desde que estas duvidas se levantam, é, no entender do orador, absolutamente indispensavel que ellas se aclarem; mas como já o demonstrou, ninguem tem competencia para o fazer senão o tribunal arbitral.

Esta camara póde mandar fazer qualquer inquerito por alguns dos seus membros ou por quaesquer individuos que para esse fim nomeie, mas sejam quaes forem os resultados a que se chegar, a companhia tem é direito de dizer que não a acceita, não concorda, e a camara não tem meio algum para lhe impor o julgamento ou decisão a que ella, directamente, ou por delegados seus, tenha chegado. É esse o motivo que por parte da opposição não se propõe qualquer inquerito ou investigação a este respeito.

A commissão, póde dar informações de caracter official, mas essas informações não são, nem indiscutiveis para a camara, nem acceitaveis para a companhia, que não tem a curvar-se senão diante da decisão do tribunal arbitral.

Apurado este primeiro ponto, que ao orador, lhe parece absolutamente indiscutivel e indubitavel e apurado tambem que não ha concordancia entre os documentos emanados da companhia, e o relatorio firmado peta commissão nomeada pelo governo, resta-lhe ainda mostrar á camara, para que ella tenha mais um elemento de informação com que possa illustrar o seu espirito e fundamentar o seu julgamento, como é que, pela interpretação do contrato e dos estatutos, em relação ao anno de 1896-1897, não só o producto liquido foi superior ao que diz a companhia, mas superior ao que consta do relatorio da commissão nomeada pelo governo e ainda que houve logar á partilha de lucros entre o estado e a companhia.

Poderá, depois d´isso, a camara, porque supponha haver n´esta discussão uma questão politica, que não existe, determinar-se pelo principio da confiança no governo e recusar a questão previa, mas as rasões que o orador produzir, os factos que apresentar, a discussão que sobre o assumpto só travar, serão do conhecimento do paiz, que observa a todos, que tem a maxima attenção fixada sobre esta questão, que é importantissima, quer sob o ponto de vista moral, quer sob o ponto de vista dos interesses do estado, e julgará cada um na medida do cumprimento dos deveres que tiver patenteado n´esta discussão.

E antes de mais nada, deve dizer, que, foi o governo quem deu corpo, importancia e valor às duvidas que se tinham suscitado, á argumentação que se tinha já adduzido em relação às contas apresentadas pela companhia, nomeando uma commissão para investigar.

Quando o governo formulou a sua proposta; quando a commissão elaborou o seu projecto, não precisou nem de investigar nem de inquerir, porque se julgava seguro que, por parte da companhia, se tinha procedido por fórma a não se poderem levantar duvidas nem hesitações, mas desde que é o governo quem, por iniciativa sua, nomeia uma commissão para investigar e inquerir sobre o assumpto, é elle que reconheceu que havia essas duvidas, e este facto importa, por parte do governo, uma declaração tacita de que não eram absolutamente descabidas.

A commissão investigou e começou por dizer:

«O producto liquido do fabrico e venda dos tabacos tem

Página 746

746 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de ser a differença entre a somma dos lucros illiquidos e as das despezas inherentes ao fabrico e á venda.

«Em que consistem essas despezas, que são muitas o varias, é o que a lei não diz. De similhante omissão resultam todas as dificuldades para o apuramento que se nos exige.

«Porque as despezas a deduzir dos lucros illiquidos podem dividir-se em duas categorias: despezas inquestionaveis, como são as da compra dos tabacos e accessorios, ferias, custeio das machinas e dos motoros, illuminação, transportes, commissões e bonus de venda, fretes, seguros, fiscalisação preventiva; o despezas questionaveis, como são os descontos, participação de pagamentos, ordenados ao pessoal dos escriptorios, administração, gastos de installação e outras.

«De serem questionaveis uns ou outros d´estes encargos, resultam para a liquidação fiscal alterações sensiveis.

«Comtudo, para destrinçar as despezas, que hão de ser deduzidas dos lucros illiquidos, das que o não devam ser, não ha disposição expressa ou normas legaes. A separação ha de ser feita conforme o criterio de quem a fizer ou conforme a interpretação que se der ao pensamento do legislador.»

Depois explicando a fórma como fez a classificação dos encargos diz:

«Foi, pois, segundo o nosso criterio, que fizemos a classificação dos encargos que têem de ser considerados para o apuramento definitivo dos lucros em que o estado é interessado, e o dos que devem ser excluidos d´esta operaração, visto que a escripturação da companhia está evidentemente arramada só para dar todos os esclarecimentos aos accionistas, e não ha, repetimos, officialmente estabelecidas regras ou preceitos para que do mesmo passo seja facil e completo o exame das operações de que resulta participação do estado nos lucros da empreza.»

Desde que é a commissão nomeada pelo governo que faz uma affirmação d´esta ordem, pergunta, se a camara póde, antes de esclarecer este ponto fixar as bases precisas para a partilha dos lucros e a fórma por que a base d´essa partilha ha de ser formulada pela companhia votar qualquer prorogação do contrato, um conjuncto de vantagens e privilegios para a companhia, continuando a deixar no vago, no indefinido, sujeito a duvidas e contestações, este ponto importantissimo para os interesses que o estado tem n´este contrato?

A commissão entendeu, a seu ver, que devia deduzir das bases de liquidação apresentadas pela companhia, relativas às diversas operações do fabrico e venda da tabacos, um terço dos ordenados do pessoal do administração o dos escriptorios centraes em Lisboa e Paris, os descontos por antecipação do pagamento, as despezas de fiscalisação privativa, amortisação de gostos de installação e amortisação de bemfeiterios. Mas, pergunta o orador, porque é que a commissão deduziu estes despezas e não outras ?

Procedeu segundo o seu criterio, conforme ella affirma.

Mas quem afiança á camara qual ha de ser ámanhã o criterio do tribunal arbitral?

Então, é pelo criterio individual de tres pessoas, aliás muito respeitaveis e competentes, mas que são as primeiras a dizer que não têem base legal para se desempenharem da commissão que lhes foi incumbida e que tiveram de dirigir-se pelo seu criterio e fazer uma obra arbitraria, que se ha de tomar uma resolução tão importante?!

Pois pensa a camara, que póde ir votar por bom um contrato que deixa atraz de si esta porta aberta para todas as questões, para todas as contestações, e até para constantes embaraços e difficuldades para que o estado haja da companhia aquillo que lhe pertencer!

O orador é dos que sustentam, que não só aquellas despezas devem ser deduzidas pela companhia, mas muitas outras. E sustenta isto a vista da letra da lei de 1891 e dos proprios estatutos da companhia, que longe de contrariarem as bases d´aquella lei, ainda as confirmam por uma fórma expessa e clara.

A questão é tão simples e clara que o orador não tem duvida em affirmar que se o sr. presidente, cujo espirito recto do elevado julgador não só lhe conhece, mas que está attestado palas provas que tom dado uma longa pratica do exercicio da magistratura, fosse chamado a resolvei-a com certeza não decidia a favor da companhia em relação a maneira como ella fórma as suas contas.

O orador vae demonstrar á camara que effectivamente a applicação estricta do artigo 5.º da lei de 1891 e do artigo 62.° dos estatutos da companhia, dão logar a que se possa exigir da companhia que formule as suas contas em ordem mais util, mais lucrativa e vantajosa para o estado, e quer ainda admittir que nem o governo nem a camara quererão, sem dirimir previamente este ponto, ir reconhecer a companhia não só o direito a manter-se no usufracto do monopolio, mais a prorogal-o por mais dezenove annos, cereando-o de vantagens o garantias verdadeiramente extraordinarias.

A questão, no entender do orador, é de si clara e facilmente apprehensiva á intelligencia a mais mediana; tudo está em que não haja uma opinião antecipada em querer julgar por uma fórma ou outra; e os que são representantes do paiz e que portanto têem obrigação de zelar os seus interesses, não esquecendo a justiça que a todos é devida, e por conseguinte devidas tambem á companhia com quem se contratou, se preoccupem sobretudo em defender os interesses do paiz, de preferencia a quaesquer outros.

No artigo 5.° diz-se:

«Artigo 5.° Os concessionarios do exclusivo ficam obrigados:

«l.° A dividir os seus lucros liquidos com o estado e com o pessoal operario e não operario pela fórma seguinte:

«Do producto liquido do fabrico e venda deduzir-se-ha, em primeiro logar, a importancia fixa de 5:150 contos de réis, comprehendendo a renda fixa - o dividendo do capital e dos titulos de fundador da sociedade, em conformidade dos estatutos - 5 por cento para o pessoal operario e 1 por cento para o pessoal não operario, estes 6 por cento do rendimento que exceder a 4:900 contos de réis.

«Do resto, deduzir-se-ha 10 por cento para fundo de reserva, destinado a completar dividendos, e em caso de necessidade a attender a alguma despega extraordinaria e á depreciação do activo, dividindo-se os 90 por cento restantes na proporção de 60 por cento para o estado e de 40 por cento para os concessionarios.

«Os lucros a dividir com o pessoal operario, não operario e com o estado, serão liquidados e pagos no praso maximo de seis mezes a contar do fim do anno a que elles se referirem.»

A lei manda, que para o calculo do producto liquido do fabrico o venda, no qual o estado tem interesso, se deduza primeiro uma quantia de 5:150 contos de réis, mas diz maio, o que é importante, que essa verba de 5:150 contos de réis comprehende, primeiro, a renda fixa. Essa renda varia conforme os annos, mas nunca chegou ao máximo de 4:500 contos de réis.

Se se tomar, em relação ao ultimo exercicio de 1896-1897 a renda de 4:400 contos de réis e se se lhe applicar a disposição legal que manda que os direitos que se cobram nas alfandegas sobre tabacos sejam cada anno deduzidos na conta da renda, como em 1896 -1897 esses direitos importaram em 183 contos de réis, ter-se-ha 4:217.

A lei, porém, manda deduzir mais, «o dividendo do capital e dos titulos de fundador da sociedade em conformidade dos estatutos, 5 por conto para o pessoal operario e 1 por cento para o pessoal não operario, sendo estes 6 por cento do rendimento que exceder a 4:900 contos de reis», e fazendo-se essa deducção, 270 contos de réis do

Página 747

SESSÃO NOCTURNA N.º 42 DE 20 DE AGOSTO DE 1897 747

dividendo de 6 por cento do capital de 4:500 contos de réis, que é o capital desembolsado e 27 contos de réis dos 10 por cento para os fundadores, encontra-se 4:514 contos de réis.

Restava ainda deduzir os 6 por, cento do rendimento que exceder, os 4:900 contos de, réis, mas como segundo as contas da companhia não só não houve excesso, mas nem sequer se chegou a attingir a verba da 4:900 contos de réis, nada deduziu nem augmentou. O orador, porém, que está fazendo a analyse das verbas que representam a importancia de 5:150 contos de réis, nos precisos termos da lei, quer admittir por inteiro o pagamento da parte relativa ao pessoal operario e não operario e por isso deduz os 6 por cento sobre o excesso dos 4:900 contos de réis, que representa cerca do 15 contos de réis o obtem o total de 4:529.

Não deduz mais nada, porque a lei nada mais manda deduzir, mas comparando esta importancia com, os 5:150 contos de réis nota que, ha um excesso de cerca de 650 contos de réis que, pergunta, para que é que a lei manda deduzir antes de entrar na partilha de estado.

Não sendo para cobrir as verbas apontadas, porque essas já foram deduzidas, e não se podendo admittir que o legislador quizesse fazer presente á companhia de uma verba tão importante para ella a distribuir pelos seus accionistas, verse da analyse, desde, que seja feita de boa fé e com intenção de defender os interesses do estado sem offender os interesses da companhia, que esses 650 contos de réis ficaram manifestamente ali aferrolhados, a fim de que a companhia tivesse uma larga margem para cobrir as despezas que não fossem do fabrico o venda, que no principio do artigo se manda retirar antes do calculo para os 650 contos de réis.

Fazer-o que a companhia faz, transformar em seu proveito esta margem de 600 e tontos contos de reis para que a lei não dá explicações, que não se comprehende em nenhuma das suas designações, e ao mesmo tempo carregar ainda como despezas do estado as despezas de fiscalisação e de administração de toda a ordem, como a orador depois demonstrará, é querer comer a dois carrinhos.

Contra isso é que o orador protesta, porque nem o paiz está tão rico que possa sustentar morgados, nem o parlamento tem o direito...

O orador nota que o sr. presidente do conselho só está sorrindo, e não sobe a que attribuir, n´uma discussão tão importante, o sorriso de s. exa.

O sr. Presidente do Conselho dó Ministros (José Luciano de Castro): - Observa que não se sorriu, mas declara que só para á rhetorica do orador lhe convem o seu sorriso, não o nega a s. exa.

O Orador: - Parece-lhe extraordinario que o chefe do governo só sorria do que diz o deputado que defendo os interesses do estado.

O sr. presidente: - Explica ao orador que o sr. presidente do conselho já declarou que s. exa. estava em equivoco, porquanto não se havia sorrido, não lhe parecendo por isso que s. exa. deva insistir n´esse ponto.

O Orador: - Responde que ninguem, do lado da camara onde se senta, ouviu similhante declaração, mas desde que o sr. presidente lh´o. assevera, o orador toma-a como feita, accentuando o serviço prestado pela mesa ao governo com esta observação, porque por muito elevada que seja a posição em que o sr. presidente do conselho se encontra, ella não é superior á de qualquer deputado da nação.

Cruzam-se varios apartes, levantando-se um certo susurro.

O sr. Presidente: - Pede ordem, que se declara com forca para manter, e observa que insinuações não são argumentos.

O Orador: - Pergunta quem fez insinuações.

O sr. Presidente: - Responde que houve um aparte que reputa como uma insinuação.

O Orador: - Pergunta se foi elle quem a fez.

O sr. Presidente: - Responde que foi um outro sr. deputado.

O Orador: - Proseguindo, lamenta que num assumpto d´esta natureza, n´uma questão de tanta importancia, em que os incidentes se levantam com tal força, com tal significação e com tal auctoridade, que o governo se vá obrigado a proceder como hoje demonstrou em documento publicado no Diario do governo, o governo se apresente e proceda por fórma que não dá garantias, nem da serenidade, nem da independencia, nem da imparcialidade que o anima na defeza dos interesses do paiz.

A paixão é má conselheira para estes assumptos, e a camara tem visto que na exposição que o orador está fazendo tem posto absolutamente de parte tudo que podesse significar uma insinuação para quem quer que seja ou um ataque pessoal, falla com calor n´este assumpto, porque o assumpto, que é melindroso, o inspira; mas tem propositadamente procurado afastar das suas palavras qualquer cousa que podesse provocar as paixões politicas.

Não apresenta estas considerações com fim politico, pois ninguem do lado da camara onde só senta pretendo substituir os homens que estão nas cadeiras do poder; trata unicamente da defeza dos interesses do paiz, que a todos devem merecer a maior consideração.

Torna a repetir: os 600 contos de réis que sobram, depois de decomposta toda a verba dos 5:150 contos de réis, não são lucro e apanagio da companhia e não lhe dão o direito do poder deduzir dos lucros liquidos do fabrico e venda as despezas geraes de fiscalisação, de administração, tudo quanto entender, porque isso seria monstruoso, e não se póde admittir que se dê á lei uma interpretação que seria ofensiva de quem a propoz o de quem a votou.

Essa larga margem de seiscentos e tantos contos do réis foi deixada intencionalmente, porque a companhia tomava conta do um pessoal numeroso, superior às necessidades do fabrico, ficava auctorisada a estabelecer uma fiscalisação sua o a estabelecer bonus ou descontos em relação á venda para augmentar o consumo.

Alem d´isso, é absurdo o admittir-se que a companhia possa gastar conforme quizer, e que o estado tenha de supportar as consequencias d´esses gastos. Interpretada a lei por esta fórma, a companhia póde ámanhã gratificar os seus empregados como quizer, póde fazer na fiscalisação às despezas que entender, porque todos os despezas que faça, seja de que ordem for, são despezas do fabrico e venda, e, portanto, sempre de ordem a diminuir o lucro.

Se assim fosse, se esse principio se admittisse, se se entrasse na votação do projecto antes de se aclarar este ponto, não com uma decisão da camara, mas pela unica fórma por que a companhia póde acceitar essa decisão, que é o julgamento do tribunal arbitral, pergunta, se valia a pena estar a desperdiçar tempo a estabelecer uma partilha de lucros perfeitamente illusoria, absolutamente sujeita á vontade o á interpretação da companhia?!

Contra isso protesta, e ha de protestar sempre o orador e toda a esquerda da cornara. A responsabilidade não será da opposição, que a não quer, que a não assume. O partido regenerador votou o contrato de 1891 às cegas, votou-o são a fé honrada, e ainda hoje o é igualmente para o orador, de um ministro que lhe disso que sem isso a bancarrota estava imminente; mas, quando mais tarde se viu o que se tinha votado, ficaram surprehendidos; a lição da experiencia e a situação de hoje, que não é como a de então, obriga á mais prudencia, a mais cautela.

Póde haver duvidas sobre a interpretação da lei, póde a commissão dizer que não ha norma nem base para se poderem fixar precisamente quaes são as despezas que devem ser deduzidas para o calculo do producto liquido do fabrico e venda a dividir pelo estado, mas basta haver

Página 748

748 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

essas duvidas para que a camara não possa, no interesso do paiz, prosseguir n´esta discussão.

E se ainda ha duvidas, o orador lerá um officio que hoje foi publicado no Diario do governo, em que a companhia diz:

"Por ultimo, esta companhia pondera que os estatutos, segundo o § 4.° do artigo 2.°, fazem parte integrante das bases da lei, e que no artigo 52.° dos mesmos estatutos se deduz claramente que o producto liquido da exploração dos tabacos é o que sobejar depois do pagos todos os gastos, encargos o amortisações, rendas do estado, etc., isto é, todas as despezas que se prendem com a exploração da industria dos tabacos."

A companhia sustenta n´este officio que pelos seus estatutos, que fazem parte integrante das proprias bases da lei, por uma disposição d´ella, póde gastar tudo, porque tudo que gastar ha da ser deduzido para a conta do producto liquido a dividir polo estado, nos termos dos estatutos. Ora, não é isso, affirma o orador, o que os estatutos dizem, e acrescenta que, ainda que o dissesse, não podia ter valor juridico, porque nenhum ministro, approvando estatutos, póde ir alem do que a lei regula, estabelece e estatuo.

Os estatutos não contêem, entretanto, como disse, similhante disposição, antes pelo contrario, o que contêem é uma clara e positiva determinação que corrobora o confirma por completo a interpretação que o orador está dando ao artigo 5.° da lei de 1891.

O § 4.° do artigo 2.° da lei diz com effeito que "os estatutos farão parte integrante das presentes bases,; mas desde que os estatutos fazem parte integrante das bases, á uma horaria juridica querer sustentar que n´elles se podia determinar mais, ou cousa diferente, do que está nas bases da lei. A este respeito crê que não ha necessidade de fazer largas divagações.

O artigo 52.°, citado pela companhia, diz o seguinte:

"Os productos liquidos do exercicio, depois de deduzidos todos os encargos, constituem os lucros.

"Esses productos liquidos compõem-se:

"1.° Dos lucros liquidos realisados pela exploração dos tabacos, deducção feita:

"a) De todos os gastos, encargos e amortisações, assim como da renda devida ao estado;

"b) Do quinhão que pertencer aos operarios e empregados;

"c) De 10 por cento do excedente destinado á reserva;

"d) E da participação do governo, tudo conforme as bases approvadas pela lei do 23 de março de 1891.

"2.º Dos lucros liquidos provenientes da exploração de industrias accessorias.

"3.° Dos lucros liquidos provenientes do emprego dos fundos sociaes, juros, commissões, e em geral de todos os resultados obtidos sobre os operações independentes da industria da tabacos.

"Os lucros especificados nos n.ºs 2.° e 3.º do presente artigo, sendo alheios á industria da concessão, são propriedade exclusiva da companhia, e não entram nas partilhas com o governo e operarios."

Ora, se é pelou estatutos, por esta disposição que o orador leu, que as contas hão de ser formuladas em ordem a poder conhecer-se ao ha base para participação, e qual ella é, como é, pergunta, que se póde mandar tirar como deducção a propria participação que se quer conhecer.

Pois, quer saber-se se ha participação para o estado, a quanto monta essa participação, e vae buscar-se para base do calculo uma base que diz: deduzida a participação a dar ao estado. Se se deduz a participação, conclue o orador, é porque ella já está antes conhecida, e logo o que prova é que o ministro, que referendou o contrato de 1891 o que depois approvou os estatutos, não se poz em contradicção lamentavel, e pelo contrario na lei fixou bases e preceitos para calcular o producto liquido da venda e fabrico, e nos estatutos, que só se referem á companhia, approvou que se fixassem as bases para apurar os lucros liquidos da companhia, que são aquelles com que o estado nada tem.

E, com effeito, o que tem o estado com o que a companhia siga esto ou aquelle processo, esta ou aquella fórma na divisão dos lucros aos accionistas, desde que a participação do estado esteja calculada conforme a lei? Com o resto não tem nada o governo, e por isso nos estatutos se determinou que dos lucros a dividir é deduzida a partilha a dar ao estado; logo, essa partilha já era anteriormente conhecida. O contrario mesmo seria absurdo.

Uma cousa não tem nada com a outra, o está perfeitamente evidenciado qual foi o pensamento do legislador e do ministro que mais tardo approvou os estatutos, sem contestação da companhia, ao formular as bases, por um lado para calcular a participação do governo, e por outro para regular a fórma como a divisão dos lucros pelos accionistas só devia fazer.

Deduzir-se uma quantia que ainda não se conhece, exactamente para se chegar a conhecer essa quantia, é que é por tal fórma extraordinario, phantastico, que chega a duvidar-se que haja alguem que possa sustentar similhante absurdo.

Uma das verbas que tinha de se abater para fazer a divisão pelos accionistas é exactamente a que se queria conhecer, e n´estas condições chega a ser inacreditavel que haja quem sustento esta idéa, quem queira que este argumento sirva de base para a novação do contrato.

Póde a camara votar como quizer, o governo decidir como entender, que não desfaz por fórma nenhuma a argumentação que o orador está apresentando, e que não deixará do apresentar senão quando o tribunal arbitrai lhe disser que não tem rasão. N´esse dia, todos ficam bem collocados; o governo o a maioria porque reconheceram antes de dar um passo n´esta discussão deviam liquidar este ponto, e a opposição porque fica com a consciencia de ter cumprido o seu dever.

A unica entidade que tem poder para dizer quaes são os lucros liquidos da companhia, qual o criterio, qual a base por que devem ser reguladas as contas da companhia, não se cansa de o dizer, é o tribunal arbitrai. É elle o unico que póde julgar e resolver, com toda a serenidade o imparcialidade, o que convem e ao deve fazer antes de se ir prorogar o contrato. Isto é o que se devo fazer; antes d´isso, faz mal o parlamento, faz mal o governo, se insistir em levar por diante o projecto.

Não é o desejo do orador, nem sua intenção, provocar retaliações da parte da maioria ou do governo; o seu desejo é, unicamente, poder convencer o governo o a maioria, que é quem governa, de que é indispensável, primeiro de que tudo, sujeitar esta questão ao tribunal arbitral.

N´uma questão d´esta importancia, em que o proprio governo tem duvidas, e a prova é que nomeou uma commissão para a estudar, em que essa commissão tambem tem duvidas, pois, como o manifesta no seu relatorio, não tem bases seguros para proceder, guiando-se apenas pelo seu criterio, em que toda a esquerda da camara tem duvidas, como do resto as tom toda a gente, não parece ao orador, que se possa, levianamente, sem a dirimir, passar adianto.

É, n´esta trapalhada de productos liquidos, em que não é possivel chegar-se a um accordo, em que a propria imprensa do governo não é concorde, porque n´um jornal diz-se que o producto liquido no exercicio de 1896-1897 foi de 3:436 contos do réis, ao passo que noutro se afirma que foi do 4:649 contos de réis; em que a companhia diz que foi do 4:465 contos de réis o a commissão de 4:845 contos do réis, havendo ainda quem assevero que foi de 6:250 contos de réis, é exactamente n´esta barafunda que e o governo e o parlamento querem decidir que

Página 749

SESSÃO NOCTURNA N.° 42 DE 20 DE AGOSTO DE 1897 749

se caminhe como sobre uma base e terreno firme, seguro, claro e aberto, em ordem a comprometter o paiz por mais dezenove annos, levando-o por uma senda tão escura e tortuosa.

O resultado a que se chega, segundo o criterio que se adoptar na organisação das contas, é differente. A commissão, segundo o seu criterio, chegou a um resultado de mais 200 ou 300 contos de réis do que o que confessa e accousa a companhia, e, segundo é criterio do orador, baseado na interpretação da lei, como vem expondo, o resultado é ainda mais eloquente e importante do que o da propria commissão.

Em primeiro logar o orador contesta base da organisação das contas da companhia, porque esta tomou por base o producto do fabrico, quando, em sua opinião, devia
tomar o da venda, porque esse é que representa capital realisado.

Obtido, como ponto de partida, qual foi a quantia apurada pela companhia pela venda e direitos aduaneiros, na precisa interpretação da base 5.ª da lei de 1891 que manda deduzir só as despezas de fabrico e mais nenhuma, porque para todas ás outras fica uma larga margem de 600 e tantos contos de réis; o orador vae mostrar; servindo-se dos proprios algarismos da companhia, que já ha logar á partilha de lucros.

A venda, confessada pela companhia no seu relatorio foi de 7:926 contos de réis. Deduzindo-se as despezas de fabrico, 1:392 contos de réis, e as commissões e descontos progressivos, que a lei manda deduzir e que importaram em 1:122 contos de réis, tem-se o producto liquido de fabrico e venda de 5:412 contos de réis.

Deduzindo-se depois d´estes 5:412 contos de réis a importancia fixa de 5:150, restam 163 contos, mas como ha a acrescentar-se-lhe 282 contos de réis de direitos das alfandegas chega-se ao lucio liquido de 446 contos de réis.

Abatendo-se d´estes 446 contos de réis os 10 por cento para fundo de reserva ou sejam 44 contos ficam 432 contos de réis, verba sobre que se deve fazer á partilha entre a companhia é o estado, da qual a este pertence 60 por cento ou 241 contos de réis.

A commissão, calculando segundo o seu criterio, chegou a um resultado, o orador chegou a outro; a camara, porém, é que não póde proceder por igual fórma por isso que a companhia tinha o direito, de reagir contra qualquer resolução que ella tomasse.

N´estas condições, o caminho naturalmente indicado, o unico a seguir, é entregar a questão ao tribunal arbitral, porque á resolueção d´esse é que não póde ser contestada pela companhia, e só depois d´essa resolução é que, a seu ver, póde discutir-se se é conveniente não aos interesses do estado fazer a novação do contrato com a companhia por mais dezenove annos.

Até lá, tudo quanto se fizer só póde representar um prejuizo importante para o estado, de muitos contos de réis em relação ao presente e de alguns milhares em relação ao futuro.

Como já teve occasião de dizer no principio do seu discurso, não se trata simplesmente de saber se já houve logar á partilha de lucros e quaes as bases que se devem estabelecer para essa partilha, mas tambem, e o que é mais importante, de verificar, se já tendo havido logar a essa partilha, em dois annos successivos, á companhia deixou de afazer, porque n´esse caso o estado tem o direito a rescindir a concessão, o que seria de uma altissima importancia para as finanças do estado, quer se quizesse voltar ao regimen da liberdade ou da administração, quer se quizesse continuar no regimen do monopolio, sob outras bases e com outra companhia.

O orador não affirma que tenha havido já a quota de lucros liquidos que o estado devesse receber, o que affirma é que o estado ainda nada recebeu. E não faz essa
affirmação porque, não se cansará de o dizer, não tem competencia para isso, mas o tribunal arbitral a que, insiste, a questão deve ser sujeita.

Terminando, dirá que não é permittido aos homens publicos de paiz algum, e muito, menos ao governo, em circumstancias difficeis como as que atravessâmos, circumstancias de ordem financeira e politica por um lado, com a possibilidade de uma nova reducção dos juros da divida publica, é por outro com o proceder dos inimigos das instituições que procuram as faltas e os erros dos governos para os apontar como compromettendo os interesses do paiz em proveito de clientella politica proceder ao de leve, ligeiramente, em questões importantissimas como esta.

Fazendo este appello ao patriotismo da camara, á sua independencia e dignidade, manda para a mesa a seguinte

Questão previa

Propomos como questão previa, nos termos do artigo 131.° do regimento, que a camara se julgue incompetente para deliberar ácerca do projecto de lei em discussão, por se não achar apurado se as contas da companhia dos tabacos, de Portugal, relativas aos annos decorridos desde a sua constituição, estão formuladas de harmonia com o artigo 5.° da lei de 23 de março de 1891 e se a mesma companhia está em divida ao estado de quaesquer quotas partes de lucros liquidos a elle pertencentes. = João Franco Castello Branco = Arthur Alberto de Campos Henriques = José Estevão de Moraes Sarmento = José Bento Ferreira de Almeida = José Adolpho de Mello e Sousa = Luciano Monteiro = Dantas Baracho.
Foi admittida.

(O discurso será publicado na integra guando o orador restituir as notas tachygraphicas.

O sr. Dantas Baracho: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, em conformidade com o artigo 131.º § 1.° do regimento, que a questão previa entre em discussão separadamente do projecto de lei = Dantas Baracho.

O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro votação nominal sobre o requerimento do sr. deputado Baracho. = Avellar Machado.

O sr. Presidente: - As questões previas, em regra, entram em discussão conjunctamente Com a materia a que ellas se referem, excepto quando a camara, em virtude de requerimento apresentado por um sr. deputado, resolve o contrario.

É este o caso que eu vou sujeitar á votação da camara.
Consultada a camara sobre o requerimento do sr. Avellar Machado, foi rejeitado, e em seguida igualmente rejeitado o requerimento do sr. Baracho.

O sr. Presidente: - Em virtude da decisão da camara fica a questão previa, apresentada pelo sr. João Franco, em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Cabe-lhe a honra de responder ao illustre leader da opposição regeneradora, a um dos mais distinctos membros da camara, cuja eloquencia viva e quente, quando não consegue convencer os adversarios, deixa-os pelo menos perplexos, na duvida. O orador, porém, como não quer que a camara fique sob a influencia da eloquencia elevada de s. exa., vae responder-lhe serenamente, mais serenamente do que s. exa. fallou.

Começará por dizer que não lhe reconhece privilegio exclusivo de defensor unico dos interesses do estado, por

Página 750

750 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Isso que todos que estão na camara os defendem com tanto calor e com tanta energia como s. exa.

Defendeu, porém, s. exa. esses interesses quando, durante quatro annos de governo, deixou as contos da companhia sem as verificar, para só agora acordarem os seus Zêlos de defensor da interesses do estado?!

Decorreram os exercicios de 1892-1893, 1893-1894, 1894-1895 e só em 1895 é que o então presidente do conselho e ministro da fazenda, para poder fazer o seu relatorio, dirigiu um officio á companhia concebido nos seguintes termos:

«Ministerio da fazenda. - Direcção geral da thesouraria.- 1.ª repartição.- Illmo. e exmo. sr.- Para conferencia de uns trabalhos que se estão organisando n´esta direcção e que têem de servir para o proximo relatorio financeiro de s. exa. o sr. ministro da fazenda, venho rogar a v. exa. se digne enviar-me uma nota extrahida das minutas das contas existentes nesta thesouraria, indicando o seguinte pelos diversos annos da gerencia d´essa companhia:

«1.° Importancia da venda creditada em cada anno;

« 2.° Importancia dos direitos de importação encontrados na renda de cada anno;

«3.° Importancia dos diversos encontros feitos em cada anno, descriminando as proveniencias pela somma das respectivas contas em cada anno.

«Alem da nota que fica indicada, careoe s. exa. dos seguintes esclarecimentos:

«1.° Nota do rendimento liquido do fabrico e venda da companhia, para saber como tem sido executado o n.° 1.° do artigo 5.° do contrato;

«2.ºImportancia da compra annual de tabacos do Douro, nos termos do n.º 11.º do mesmo artigo;

« 3.º Nota dos valores, se foram designados no inventatrio, dos predios, utensilios e mechanismos entregues á companha, conforme o artigo 7.º do contrato.

« Como s. exa. deseja começar a escrever o seu relatorio no dia 7 de junho proximo, roga esta direcção que a remessa das, sendo possivel, se effectue antes d´aquelle dia.

« Deus guarda a v. Exa. Direcção geral da thesouraria,
30 de maio administração da companhia dos tabacos de Portugal. = O director geral, Peresterllo de Vasconcellos.»

A companhia respondeu-lhe com outro:

« Illmo. sr. - Em satisfação ao officio de v. exa. de 30 de maio ultimo, cabe-me a honra de remetter incluso a v. exa. o seguinte:

« 1.º Notas da renda paga pela companhia ao estado, desde 1 de maio de 1891 até 31 de março ultimo;

«2.º Nota dos direitos de importanção recebidos pela companhia na fórma acima referida;

«3.º Extracto das contas com esse ministerio, relativas ao 1.º, 2.º, 3.º e 4.º exercicios da companhia. O ultimo mostra um saldo a favor da companhia de 1:771$673 réis.

Alem déste saldo a companhia ainda é creadora de réis 400:000$000, saldo do emprestimo gratuito de 600:000$000 réis, e possue por liquidação de outros emprestimos bilhetes do thesouro, a vencer em 30 do corrente , na importancia de 754:378$665 réis;

« 4.º Nota dos tabacos do Douro das colheitas de 1890 a 1893, recebidos e liquidados pela companhia, nas datas mencionadas na referida nota.

« Para completar as informações de que s. exa. o sr. ministro da fazenda falta:

«1.º Nota do rendimento liquido do fabrico e venda da compnhia para como tem sido exercutado o n.º1.º do artigo 5.º do contato;

«2.º Nota dos valores do inverno dos predios, utensilios e machinismo entregues á companhia, conforme o artigo 7.º do contrato.

«Para satisfazer ao primeiro ponto, tomo a liberdade de enviar a v. exa. relatorios d´esta companhioa relativos aos exercicios findos, pelos quaes se reconhece que os lucros liquidos do fabrico e venda estão, por emquanto, muito longe de attringir a cifra de 5.150:000$000 réis a que se refere o citado n.º 1.º do artigo 5.º (contas de lucros e perdas n.º 2 dos documentos).

«Quanto ao segundo ponto, os inventarios da régie, devidamente valorisados, acham-se nesse ministerio, na direcção geral da contabilidade publica.

«Deus guarde a v. exa. Lisboa, 5 de junho de 1895.- Illmo. e exmo. sr. conselheiro director geral da thesouraria do ministerio da fazenda. = O presidente do conselho de administração da companhia dos tabacos de Portugal, Francisco Izidoro Vianna.»

Não tendo, porém, ao que parece, o sr. Hintze Ribeiro ficado satisfeito com a remessa do relatorio impresso da companhia, replicou no seguinte officio:

«Ministerio da fazenda. - Direcção geral da thesouraria. - Primeira repartição.-I11mo. e exmo. sr. - Accusando a recepção do officio de v. exa., de 5 do corrente, e dos documentos que o acompanham, venho rogar a v. exa. que com relação às cifras dos relatorios d´esta companhia, sejam organisadas as notas pedidas por s. exa. o sr. ministro da fazenda em officio do dia 4, e a demonstração do n.° 1.° da segunda parte do officio de v. exa.

«Deus guarde a v. exa. Direcção geral da thesouraria, 6 de junho de 1895.-I11mo. e exmo. sr. presidente do conselho da administração da companhia dos tabacos de Portugal. = O director geral Perestrello de Vesconcellos.»

A este officio respondeu a companhia com est´outro:

«Illmo. e exmo. Sr. - Tenho a honra de accusar o officio do v. exas., n.° 11:272, livro 65, de 6 do corrente.

«Com relação ao § 1.° do artigo 5.° do contrato que trato da divisão dos lucros, a remessa que fizemos a v. exas. dos relatorios d´esta companhia fornecem elementos fidedignos com os quaes se póde examinar a questão.

«A conta corrente de lucros e perdas mostra á simples vista que os resultados da exploração dos tabacos está muito inferior á importancia fixa de 5:150 contos de réis, de que trata o referido artigo.

«Prescindindo de mais averiguações, basta citar o seguinte facto, cuja veracidade v. exa. póde verificar pelos mesmos relatorios, e é que, no primeiro exercicio a companhia, para distribuir aos accionistas 6 por cento, teve de recorrer ao fundo de reserva, retirando deste a somma de 182:218$796 réis para esse effeito; e no segundo e terceiro exercicios apenas poude restituir áquelle fundo as quantias de 46:568$694 réis n´um, e 24:477$640 réis no outro, restando ainda 111:172$462 réis para completar a verba primitiva.

«No emtanto a escripta d´esta companhia está á disposição d´esse ministerio para toda e qualquer averiguação que s. exa. o ministro deseje mandar fazer.

«Deus guarde a v. exa. Lisboa, 11 de junho de 1895.- Illmo. e exmo. sr. conselheiro director geral da thesouraria do ministerio da fazenda. = O presidente do conselho de administração da companhia dos tabacos de Portugal, Francisco Izidoro Vianna.»

É de notar que, tendo-se dado por satisfeito o governo, de que o sr. João Franco fazia parte, com esta explicação, s. exa. venha agora censurar o actual governo porque na sua opinião procedeu com menos escrupulo.

Quando o orador redigiu a proposta de fazenda actualmente em discussão, estava intimamente convencido de que

Página 751

SESSÃO NOCTURNA N.º 42 DE 20 DE AGOSTO DE 1897 751

a epocha da partilha de lucros ainda não tinha chegado e ainda hoje o está, mas tendo-se levantado duvidas a tal respeito no parlamento e na imprensa, o governo immediatamente nomeou uma commissão de pessoas idoneas, cuja competencia o sr. João Franco não contestou, para averiguar se effectivamente essas duvidas tinham fundamento. Crê que não se lhe podia exigir mais.

A commissão apresentou o seu parecer, que o governo fez seu, mas não concordando a companhia com as conclusões da commissão, e havendo portanto um conflicto levantado entre o governo e a companhia, é claro que elle ha de ser resolvido pelo tribunal arbitral.

Era, portanto, escusado s. exa. follar tanto n´esse tribunal, parecendo talvez querer influir no seu julgamento com a sua voz auctorisada, pois que, como s. exa. muito bem disse, as palavras proferidas na camara, não são só para os deputados que a compõem, mas tambem para o paiz.

N´estas condições, parecia melhor ao orador deixar o tribunal dirimir esse ponto e não entrar n´elle tão pronunciadamente como s. exa. o fez.

O orador, pelo menos, que não quer que a sua opinião possa por fórma alguma influir n´esse julgamento, não acompanha s. exa. n´essa discussão, parecendo-lhe mesmo que s. exa. talvez devesse ter procedido com igual diacrição.

Desde que se appella para o tribunal, que é a instancia competente, não lhe parece conveniente que o parlamento deva manifestar-se desde já sobre um ponto tão melindroso como este é.

Mas, na opinião de s. exa., se a questão vae para o tribunal, suscita-se então uma questão previa, a de não se poder julgar do projecto antes da sentença do mesmo tribunal. Com isto não póde o orador concordar e vae dizer a rasão porque.

Pela conta da companhia, no ultimo exercicio da 1896 -1897 faltavam 500 contos de réis, numeros redondos, para chegar á partilha de lucros, e pelo parecer da commissão os lucros augmentaram apenas 195 contos de réis, e não 200 ou 300 contos de réis como s. exa. disse, estando portanto a 300 contos de réis da partilha, o que não lhe parece que altere, o projecto de fórma á camara não se poder pronunciar-se sobre elle.

Se realmente do parecer da commissão resultasse a convicção de que a partilha estava para breve ou que já havia logar a ella, então a discussão do projecto devia ser adiada, mas desde que tal caso se não dá e que ainda se está muito distante d´essa partilha, não vê rasão para tal adiamento.

Não vae causar a camara com discussão de numeros, porque sabe quanto isso é fastidioso, todavia não póde deixar de rectificar alguns erros commettidos pelo sr. João Franco nos seus calculos.

S. exa. citou o artigo 5.º da lei de 1891 e, interpretando-o segundo o seu criterio, foi buscar para base do calculo e rendimento maximo de 4:400 contos de réis, o que não é assim, porque é de 4:500 contos de réis, e deduziu d´elle 183 contos de réis do rendimento do direito dos tabacos, 270 contos de réis de dividendo para o capital e 27 contos de réis para os fundadores.

Este é um outro erro commettido por s. exa., pois que sendo o capital da companhia, não de 4:500 contos de réis mas de 9:000 contos de réis, embora não tenha chamado senão metade, para o calculo deve-se contar o dividendo por inteiro, feto é, 540 contos de réis.

S. exa., porém, não procedeu assim, o pegando na cifra
de 5:150 contos de réis, sobre a qual a lei não dá explicação nenhuma, interpretou-a ao sabor da sua paixão politica, commettendo um erro grosseiro, porque contou apenas com o dividendo de metade do capital, porque só metade está chamado, quando o resto pode ser chamado ámanhã. E que esta maneira de argumentar é fraca, reconheceu-o s. exa. recorrendo á prova directa, e apresentando as suas contas que o orador vae procurar traduzir.

S. exa. só quer saber o que a companhia vende n´um anno, mas ha de permittir que lhe diga que não é assim que se fazem as contas de uma empreza d´esta natureza, e n´este ponto não ha para o orador a menor duvida de que as contos estão perfeitamente claras.

Comprehende-se perfeitamente que se o tabaco fabricado durante um exercicio fosse consumido durante esse mesmo exercicio, não havia dificuldade nas contas, porque o valor d´esse tabaco, vendido pelo preço da tabella das vendas, representava para todos os effeitos a receita bruto da companhia; mas como tal não succede, pois que ha sempre uma porção de tabaco fabricado, como não póde deixar de o haver, como já o havia na regie, e no proprio contrato se reconhece a necessidade d´esse stock, pois se estabelece que no dia em que findar o contrato os concessionarios são obrigados a entrar com 800:000 kilogrammas, a conta torna-se um pouco mais complicada.

O processo seguido pela companhia, que não é o adoptado pelo sr. João Franco no seu calculo, é o seguinte: o tabaco, por exemplo, fabricado este anno, foi de 2.000:000 e tantos mil kilogramma que, segundo o preço da tabella, valem 700 contos de réis. Se esse tabaco fosse todo consumido no mesmo exercicio não havia nada a deduzir, mas como 430:000 kilogrammas passaram para o exercicio seguinte, e como não é justo que seja sobrecarregado o exercicio com despegas que não aproveitou, faz-se figurar como compra do exercicio immediato, sendo as despezas do fabrico compensadas com a receita da venda, e, portanto, tem de deduzir-se essa importancia. Mas se d´esse exercicio passou uma certa porção de tabaco para o exercicio seguinte, tambem se recebeu uma outra porção do exercicio anterior, que igualmente tem de se deduzir.

Este é o processo seguido pela companhia. O sr. João Franco, porém, partiu do valor venal do tabaco vendido e tomou por base a venda, emquanto a companhia toma por base os rendimentos do fabrico.

O sr. João Franco tomou por base do venda effectiva 7:926 contos de réis e deduziu depois as despezas de fabrico, os bonus, menos aquelles que classificou de extraordinarios, e chegou a 5:412 contos de réis de lucros liquidos no exercicio de 1896-1897. D´estes deduziu depois 5:150 contos de réis e ficaram-lhe 262 contos de réis, aos quaes juntou 183 contos de réis de receita das alfandegas por importação de tabaco, concluindo assim que o lucro liquido era de 445 contos de réis, dos quaes, abatidos 44 contos de réis para fundo de reserva, pertenceriam ao estado 241 contos de réis.

O orador, procedendo á contra-prova, para mostrar a inanidade d´esses calculos, diz que se elles fossem verdadeiros; a companhia tinha de ir procurar o dividendo obrigatorio ao fundo de reserva, e, pergunta se é admissivel que uma companhia, que pelos seus estatutos é obrigada a recorrer a esse fundo, póde ao mesmo tempo dar partilho de lucros.

O orador não cita mais numeras porque não quer cansar a camara, mas não se póde esquivar a declarar que já não liga uma grande importancia á questão, embora ella faça objecto de uma questão previa e o sr. João Franco se exaltasse na defeza d´ella, sustentando não ser a camara competente para deliberar sobre o projecto em discussão.

A divergencia entre o parecer da commissão, que o governo faz seu, e a companhia, versa apenas sobre 196 contos do réis, o que, como disse, não influe na vantagem e conveniencia do projecto que se discute.

Se na vigencia da lei actual se provasse que tinha havido excesso para a partilho de lucros, a questão era gravissima por mais de um aspecto, pois era preciso saber se o estado tinha direito o exigir da companhia os pagamentos em atrazo, porque é necessario que a camara saiba que a lei e os estatutos dizem que os lucros a dividir com

Página 752

752 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

o pessoal operario e não operario e com o estado serão pagos no praso maximo de seis mezes. Se s. exa. tivesse luto isto, de certo não argumentava como argumentou, chegando até a fallar no direito de rescisão do contrato.

O que não se comprehende é que, havendo um contrato que liga a companhia com o estado, pelo qual ao cabo de seis mezes será paga a partilha de lucros que houver, o governo não trato de inquirir se tal partilha existiu, o tendo duvidas a esse respeito, se contentasse apenas com as rasões que a companhia lhe apresentou e que constam do officio que o orador já leu á camara.

Pois o governo, que sabe que tem partilha com o banco de Portugal, não procura saber qual a quantia que lhe compete, e se não ha partilha, o motivo por que a não houve? Porque não procedeu de igual fórma para com a companhia dos tabacos e só agora o sr. João Franco se mostra tão zeloso pelos interesses do estado?

A questão previa, porém, não prejudica a discussão do projecto, e até lhe parece que a justifica e dirá as rasões porque.

Supponha-se que a despeza com a saude e beneficencia figura em 1896-1897 em 55 contos de réis. Como a partilha da lucros incido sobre o excesso do lucro liquido do anno seguinte, que importa que esta somma de 55 contos de réis figure n´esse exercicio?

Mas mais. O recenseamento do pessoal operario está calculado no exercicio de 1896-1897 em 104 contos de réis, mas como esta despeza tende a diminuir, se for tirada do exercido de 1896-1897 essa verba, o estado é que será prejudicado, porque á medida que os lucros vão augmentando augmenta tambem a partilha.

É por esta rasão que o orador diz que a questão perdeu para elle toda a importancia. Se pelo parecer da commissão se reconhecesse que só estava muito proximo da epocha da partilha da lucros, seria elle o primeiro a pedir que se retirasse o projecto da discussão, mas, como tal não succede, e ainda faltam 300 contos de réis para attingir a quantia marcada na lei, não ha inconveniente algum em que a discussão prosiga.

Resumindo, dirá que desde que se levantaram duvidas, o governo nomeou uma commissão, que essa commissão apresentou um parecer que o governo fez seu, e que, divergindo das contas apresentadas pela companhia, está levantado um conflicto que ha de ser resolvido pelo tribunal arbitral, que tem de fixar as regras não só para o exercicio de 1896-1897, mas para todos os exercicios e, se porventura, o que não póde acreditar, se provar que nos annos anteriores houve lugar á partilha de lucros, levantar-se-ha então a questão de saber qual será o meio de coagir a companhia a liquidar e a pagar.

Está intimamente convencido de que não ha tal partilha, por isso que a commissão nomeada, composta de pessoas que foram escolhidas entre as mais proprias para zelar os interesses do estado, deu um parecer, de que a companhia diverge, mas divergencia que é relativamente pequena.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir eu notas tachygraphicas.)

O sr. Mello e Sousa: - Eu continuarei a tratar da questão previa, visto que foi da quesito provia que tambem o sr. ministro da fazenda tratou, e porque realmente é a questão principal.

Disse o illustre ministro da fazenda que durante quatro annos o governo transacto deixara do apurar qual era a participação do estado, como devia ter feito, e, para fazer valer este sen argumento, s. exa. serviu-se de uns officios trocados entre a companhia e o ministro da fazenda d´aquelle epocha, o sr. Hintze Ribeiro, officios que estão publicados, para provar assim que a companhia tinha dado os esclarecimentos.

Pela leitura do proprio officio da companhia, a camara viu que taes esclarecimentos não tinham sido dados, e que a companhia se limitára a enviar um relatorio, dizendo que d´elle se concluia que não havia participação de lucros, estando até muito distante d´elles. Do relatorio, porém, não se podia concluir isso. A camara viu que nem o proprio ministro póde tirar essa conclusão, e foi obrigado a nomear uma commissão.

Censurou s. exa. o meu bom amigo, sr. João Franco, porque havia emittido a sua opinião particular, que elle teve o cuidado do affirmar que era unicamente sua, porque essa opinião podia influir na sentença que tivesse de ser proferida pelo tribunal arbitral; mas s. exa. não se cansou de o repetir, disse-o por varias vezes, que estava convencido de que não havia partilha.

Ora, sr. presidente, é muito mais grave uma declaração d´esta ordem, feita dos bancos do poder, por quem tem por primeira obrigação defender os interesses do estado, do que a opinião formulada pelo sr. João Franco.

Disse-nos mais o sr. ministro da fazenda, e tambem o repetiu por bastantes vezes, que o governo acceita como seu o parecer da commissão.

Não ha nada mais leviano, sr. presidente, do que esta declaração; e se digo isto, não é porque não considere muitissimo, - e n´este ponto faço minhas as palavras do illustre deputado sr. João Franco, - não é porque não respeite muito os illustres membros da commissão nomeada pelo governo, mas é porque elles têem o cuidado de resalvar a sua responsabilidade, dizendo no seu relatorio que não viram a escripta da companhia. Dizem-o claramente, viram apenas o que nós vimos, o que está publicado no Diario do governo. Tiveram apenas vinte e quatro horas para verem essas contas, e formularam a sua opinião, som verem a escripta, simplesmente pelo seu criterio.

Pois apesar d´estas declarações formaes da commissão, de que as conclusões a que chegaram são tomadas pelo seu criterio, o governo acceita essas conclusões immediatamente, sem mais observações.

Mas acceita o que? Se a propria commissão declara:
(Leu.)

É a propria commissão que diz que ha despezas questionaveis e despezas inquestionaveis, e que resolveu segundo o seu criterio.

Mas se ha despezas questionaveis, acceita o governo já, sem nenhuma preoccupação, um criterio que não é o do tribunal arbitral, unico que é competente para resolver este ponto?

Isto é extraordinario, e, tanto mais, permitta-me s. exa. que eu o diga sem nenhuma hesitação, hesitação que eu sentiria se os cavalheiros que firmam este documento tivessem resolvido sobre um problema de contabilidade publica, financeira ou bancaria, porque n´esse caso hesitaria em dizer que a base que s. exa. tomaram não é exacta; mas trata-se de um problema de contabilidade fabril, de contabilidade industrial, o que é muito differente.

Ao ponto a que hoje se tem levado a contabilidade mercantil, que chega a ser uma aciencia professada n´uma escola especial, os differentes ramos de contabilidade divergem essencialmente, e por isso, sr. presidente, o partir numa questão de industria de fabrico, para o apuro de lucros, do producto do fabrico, em lagar de partir do producto da venda, é um erro. N´este ponto respondo tambem a uma observação, em que s. exa. o sr. ministro insistiu muitas vezes; o partir do fabrico, em logar do producto da venda, é um erro, (Apoiados) e um erro facilimo de demonstrar.

Imagine v. exa. uma empreza que fabricasse 100 contos de réis e apenas vendesse 50. Para o fabrico dos 100 contos de réis tinha despendido 20 contos de réis: para a venda dos 50, tinha despendido 10. Da parte do fabrico e não da venda deduzia, noa 100 contos de réis fabricados, os 20 de despeza do fabrico, e da despeza da venda, de-

Página 753

SESSÃO NOCTURNA N.° 42 DE 20 DE ACOSTO DE 1897 753

duzia os 10; ficava, portanto, um lucro de 70, quando se tinham vendido ao 50 contos, de réis!

De maneira que, note v. exa., a empreza que entrasse n´este caminho, augmentava o producto fabricado e distribuia um dividendo enorme, no primeiro anno, mas no segundo anno, tinha o armazem cheio de producto fabricado e catava fallida. (Apoiados.)

Isto é evidente, não tenho duvida nenhuma em sustentar que, numa questão de contabilidade fabril o industria], não se póde partir senão do producto da venda, do producto real, que é o que fica apurado. (Apoiados.)

Pois se fabricou menos do que vendeu, deduzem-se as despezas do fabrico ?! Mas quaes despezas, se vendeu mais do que fabricou?!

Isto só se póde fazer, quando é para partilhar lucros com outro ! Garanto a v. exa., que não ha industrial nenhum, para apurar lucros para si, que escripture por esta fórma. (Apoiados.)

Era s. exa. que nos dizia, que se tinha aberto conflicto.

Ora um conflicto sobre a base essencial do projecto, um conflicto sobre o ponto principal, o de determinar onde começa a partilha do estado, é um conflicto capital, que explica completamente a questão previa. (Apoiados )

Pois se não sabemos a partir do que é a partilha do estado, como é que podemos fazer um contrato para estipular que a partilha será tal ou tal?!

Varios erros corrigia o sr. Ressano Garcia, com muita habilidade e talento, como é proprio de s. exa., mas sem corrigir cousa nenhuma.

Dizia s. exa., que o sr. João Franco tinha dito que a differença entre o parecer desta commissão e as contas da companhia era de 200 a 300 contos de réis. S. exa. o sr. João Franco citou por alto, como todos viram, e disse: «são 200 contos de réis».

Pois o sr. ministro da fazenda corrigiu este erro, e disse:

«S. exa. enganou-se nos seus calculos, não são 200 contou de réis, são 195!»

E ainda outros como este, e d´esta força, s. exa. corrigiu, repito, com aquella habilidade e talento que todos lhe reconhecem.

E, dizia s. exa.: «estamos ainda longe dos 300 contos de réis da partilha»!

Mas que insistencia em dar opinião anticipada! (Apoiados.)

Que dados tem s. exa. para assim fallar, que bases?!

Quando s. exa. censurava o sr. João Franco por ter dado a sua opinião sem bases, dizia s. exa., é o nobre ministro que o assevera -, estamos ainda a grande distancia dos 300 contos de réis!

S. exa. diz que não ha conveniencia, em adiar a discussão do projecto, porque estamos a 300 contos de réis de distancia da partilha! Com que base falla s. exa. assim?!

É deveras extraordinario!!

Outra correcção. Não são 10 por cento do dividendo que se dá aos fundadores, é outra cousa. É: são 10 por cento dos lucros, mas como os dividendos são lucros, mais cousa menos cousa, devem ser 10 por cento dos 270 contos de réis, e por consequencia o calculo do sr. João Franco está bem feito, e a correcção do sr. ministro da fazenda ficou só na outra cousa.

O sr. João Franco partiu nos seus calculos da renda de 4:500 contos de réis, mas o sr. ministro da fazenda querendo fazer mais uma correcção partiu de 4:400 contos de réis porque, dizia elle, se partisse da renda maxima sommava muito mais. É verdade, sommava mais 100 contos de réis.

Depois veiu um argumento capital: é que o sr. João Franco calculava o dividendo sobre 4:500 contos de réis, quando o capital não era de 4:500 contos de réis mas do 9:000. Ora, eu só explico este argumento pelo mesmo processo de contabilidade, fabril que manda calcular pelo fabrico e não pela venda. Só assim se póde explicar esta contabilidade de dar dividendo a quem não deu dinheiro.

Dá-se dividendo sobre a parte com que entraram, e note v. exa. que já é muito rasoavelmente remunerador, sem precisar da industria do tabaco.

Sabe v. exa. a quanto montam os lucros no ultimo exercicio, que não são dos tabacos? A 317 contos de réis; por consequencia tinham uma remuneração rasoavel. Não é preciso ter dó d´estes pobres accionistas.

A commissão reconheceu que as contas estavam regulares. Não reconheceu tal, porque não viu a escripta. Pareceu-lhe que a escripturação está feita para os accionistas entenderem, porque para o estado é que não ha meio de perceber, e termina dizendo que não percebia nada.
(Leu.)

É para não haver duvidas.

O parecer da commissão não é sobre a escripta, é sobre o que nós conhecemos; pois o sr. ministro da fazenda pareceu insinuar que a commissão acceitava, como perfeitamente boa, a escripturação de onde se provava aquelle resultado.

Depois fez favor de explicar que no apuro que fez o sr. João Franco havia a contar com o tabaco que vinha do anno anterior. O sr. João Franco offereceu dar as contas para publicar.

O sr. João Franco calculou como quer o sr. Ressano Garcia, mas a companhia é que não fez tal; mette-lhe as despezas do fabrico do anno, tira-lhe o saldo é vae para diante. As contas do sr. João Franco estão perfeitamente feitas, como o sr. Ressano Garcia quer, e não como a companhia as fez.

Dizia-nos s. exa. que desde que diminuisse o stock augmentava o lucro. Aqui não percebo. S. exa. quiz explicar, mas depois não repetiu o argumento. Se a companhia diminuir o stock mais vendeu e por consequencia mais lucrou ; e então não posso perceber como é que diminuiu o lucro. Se conseguisse vender tudo que tinha fabricado n´aquelle anno mais ganhava.

Depois apresentava-nos s. exa. diversas verbas para
provar que era absurda a distribuição proposta pelo sr. João Franco, que não cabia nos lucros que a companhia tinha auferido. Mas a conta não é muito difficil de fazer.

Apesar da citação dos algarismos fatigar a camara, não descendo a detalhes, posso dizer que dentro da verba de 5:150 contos de réis, primeiro calculada, cabia toda a despeza, excepto, é claro, a verba das amortisações, porque as amortisações têem de ser deduzidas, segundo os estatutos, dos productos liquidos.

Depois dizia-nos s. exa. que todos os argumentos produzidos pelo sr. João Franco foram contra, o estado e a favor da companhia. Isto é deveras original; e confesso a v. exa. que me custou a comprehender. S. exa. explicava que tinha a verba fixa de 104 contos de réis; parece-me que se referia aquella deducção pelo adiantamento de pagamentos.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Peço perdão, pessoal licenciado:

O Orador: - V. exa. disse que eram 104 contos de réis e eu julguei que se referia aquella deducção.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - V. exa. está citando uma verba exacta, 104 contos de réis, mas é do pessoal licenciado.

O Orador: - Perfeitamente; muito obrigado a v. exa. Eu julguei que v. exa. se referia a outra de prompto pagamento.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano, Garcia): - Não me referi a essa verba.

O Orador: - Se v. exa. quer ter a paciencia de me ouvir, como eu tive o prazer enorme de o ouvir pacientemente, eu já vou servir-me dos seus argumentos.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Eu

Página 754

754 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

não gosto de interromper, mas s. exa. estava attribuindo-me uma cousa eme eu não disse.

Aceitei immediatamente a emenda e dou as mãos á palmatoria, e o corpo ao castigo, mas eu não podia deixar de me referir aos famosos 104 contos de réis, porque esses são deveras extraordinarios; um desconto para apurar lucros do uma industria, á conta de um pagamento de adeantamentos feito pelos devedores, é tudo quanto ha de mais extraordinario.

Mas vamos ao argumento do sr. ministro.

Disse s. exa.: «que ficaram 104 contos de réis do pessoal licenciado e que essa verba, que não se repete e que os senhores não querem que esteja, augmenta a partilha».

Então v. exa. julga, que a companhia não descobrirá outro pessoal licenciado e não ha de fazer contas, por uma certa fórma, com respeito a partilhas?

Note v. exa. que essas verbas foram para as despezas a liquidar, por ter sido feito o licenciamento dos operarios do legado João Paulo Cordeiro.

Era um onus que a companhia tinha.

E s. exa. terminou o seu discurso, assegurando que estava inteiramente convencido de que não havia partilha. Não posso deixar de insistir n´este ponto, porque v. exa. comprehende e a camara a leviandade que ha, desde que s. exa. concorda em que havia conflicto, que tinha de ser resolvido pelo tribunal arbitral, a leviandade que ha, em que por parte do governo se insista, que está inteiramente convencido de que não ha partilha! (Apoiados.)

O governo está convencido que de não ha partilha, acceita as contas do uma commissão respeitabilissima, mas que não viu a escripta, (Apoiados) que declara positivamente que não viu a escripta e as contas da companhia!

Sr. presidente, tanto as contas da companhia como as contas da commissão, feitas em muito curto espaço de tempo, não estão certas (Apoiados), e posso provar, em face do relatorio da companhia, que o não estão.

Ha uma maneira facil e rapida de conferir essas contas, é ir á conta de lucros e perdas da companhia, conta que se encontra no relatorio, e fazer o que vou dizer:

Acceita-se o resultado apontado pela companhia, por hypothese, como liquido da industria dos tabacos, e como estão deduzidas todas as despezas, só resta acrescentar todos os lucros auferidos, sem ser do fabrico do tabaco; é simples e summario; todos o comprehendem.

Estou prompto a dar as contas a quem quizer vel-as, e conferir com quem quizer conferil-as.

Segundo o apuramento da companhia, ella perdeu, na industria do tabaco em 1891-1892, 172:671$000 réis; está nas contas publicadas no Diario do governo.

D´esta perda ha a deduzir os lucros extraordinarios que ella teve sem ser da industria dos tabacos; juros e descontos 104 contos de réis; o coupon de abril, 689$000 réis; obrigações, 1:692$000 réis; rendimento da propriedade, 630$000 réis; total 107 contos de réis; abatendo, por consequencia, d´aquelle prejuizo esta totalidade de 107 contos de réis, que é um encargo obtido separadamente, teremos um prejuizo real de 65 contos de réis; todavia a conta de lucros e perdas do relatorio apresenta um lucro de 17 contos de réis.

Desafio a quem quer que seja, a contestar com cifras, que a companhia devia ter um prejuizo de 65 contos de réis. Pois no relatorio dá aos accionistas 17 contos de réis.

No relatorio de 1892-1893, segundo a conta, a companhia teve de lucros 60 contos de réis. A estes 50 contos de réis é preciso acrescentar os lucros da conta de lucros o perdas, juros, descontos, coupons, etc., o que perfaz 152 contos de réis; a companhia devia ter, portanto, um lucro de 212 contos de réis; pois a conta que está aqui no relatorio diz que foram 316:578$000 réis. Devia ter do lucros 212 contos de réis, pois segundo o relatorio, para os accionistas foram 316 contos de réis, e para o estado 813 contos de réis.

Em 1893-1894 aconteceu a mesma infelicidade; segundo a conta, a companhia teve um prejuizo de 10 contos de réis nos tabacos; mas segundo o relatorio teve 212 contos de réis em outras industrias, apurando-se 192 contos de réis de lucros liquidos; pois o relatorio dá 294 contos de réis para os accionistas.

Em 1894-1895, a mesma cousa: devia ter 167 contos de réis de lucros liquidos, e segundo as contas do Diario do governo teve 268 contos de réis; pois, no relatorio tem 273 contos de réis.

Só o anno de 1895-1896 é que está exacto, e este ultimo anno, o tal que ha de servir do base, devia dar o lucro de 566 contos e todavia a conta de lucros e perdas dá 466 contos de réis. Ha positivamente aqui um erro de verba, que é facil de descobrir immediatamente. Qualquer ao ler as contas vá que estão erradas. Tudo isso que está dado por exacto, está errado.

Eu devo dizer a v. exa. que a companhia, é tambem bancaria, pois tem uma carteira de descontos superior a alguns bancos importantes e que por consequencia exerce a industria bancaria, mas como sómente está isenta de contribuição pela industria dos tabacos, todos os outros lucros têem de ser collectados em contribuição industrial. Em tres annos, sr. ministro da fazenda, devem ser 68 contos do réis para o estado, fóra 34 contos de réis de multa!

O sr. Ministro da Fazenda (Ressono Garcia): - Isso é commigo?

O Orador: - É com v. exa.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - E nos annos anteriores com quem era?

O Orador: - Era com v. exa., que sendo administrador da companhia e tendo, segundo a lei, de mandar ao escrivão de fazenda uma nota detalhada de todos os lucros que não fossem dos tabacos, a não mandou:

Era v. exa. quem, administrador da companhia dos tabacos, segundo a lei da contribuição industrial, tinha obrigação de mandar ao escrivão de fazenda a nota detalhada dos lucros da companhia, mas mandou-lhe só os relatorios, exactamente como a companhia os mandou ao sr. Hintze Ribeiro, relatorios de que não se concluo cousa nenhuma.

Não ha duvida alguma: a isenção é sómente para os lucros da industria dos tabacos, a companhia ganhou 249 contos de réis no tabaco, mas nas outras industrias ganhou 317 contos, isto no exercicio de 1896-1897. O escrivão de fazenda não taxou porque a companhia, de quem o actual ministro da fazenda era administrador, não lhe mandou nota detalhada dos lucros nem lhe citou, como era sua obrigação, o artigo pelo qual é isenta de contribuição pela industria dos tabacos. Esse governo nunca teve de apurar os interesses do estado com a companhia, porque não teve de fazer nenhum contrato com ella, e quando os quiz apurar, ella mandou-lhe o relatorio, cujo estudo serve para tudo, até para se chegar á conclusão de que as contas estão erradas.

Vozes: - Muito bem. (O orador foi muito comprimentado.)

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.) O sr. Conde de Burnay: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, sejam remettidos com urgencia a esta camara o contrato do emprestimo dos tabacos de 1896, bem como todas as propostas que o governo recebeu e a correspondencia trocada a respeito dessa operação. = Conde de Burnay.

Mandou-se expedir.

O sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração alguma aos projectos de lei n.os 27, 28, 37

Página 755

SESSÃO NOCTURNA N.º 42 DE 20 DE AGOSTO DE 1897 755

e 38. Vão, portanto, ser enviados á camara dos dignos pares.

Cumpre-me tambem informar a camara que estão sobre a mesa as contas da janta administrativa da gerencia de 8 de fevereiro a 7 de julho de 1897, que vão ser remettidas á commissão administrativa.

Por ultimo dou conta á camara de se ter recebido o seguinte

Telegramma

Exmo. presidente camara dos deputados. - Porto. - Operarios constructores civis Porto, em numero tres mil, protestam contra representação mestres Gaia.

Ámanhã ha sessão nocturna. A ordem da noite é a continuação da que estava dada, e mais os projectos n.ºs 46, reforma de contratos do banco de Portugal e 45, arroz partido.

Está levantada a sessão.

Eram doze horas da noite.

Documento enviado para a mesa n´esta sessão Justificação de faltas
Declaro que faltei ao sessões de hontem, diurna e nocturna, por ter ido assistir ao funeral do dr. Sousa Martins, de quem era amigo havia muitos annos. = O deputado, José Frederico Laranjo.

O redactor = Sá Nogueira.

Página 756

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×