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parte dos membros d'esta camara, ou quasi todos elles, fôssem de opinião diversa da de v. ex.ª, a respeito dos receios de que eu encarasse esta questão como pessoal e fosse menos prudente, ou faltasse de alguma fórma á dignidade e respeito devido a todos os membros d'esta casa, e que devo tambem a mim mesmo e á propria dignidade.
Esteja V. ex.ª certo que a questão para mim não é questão de violencia nem de desforço pessoal. Nunca a encarei como tal.
Disse o meu illustre collega que eu demorei alguns dias a minha resposta. Observe s. ex.ª que eu, encontrando no Diario uma cousa que não ouvi aqui, não podia responder logo, porque não podia dar resposta antes de ter conhecimento d'aquillo a que desejava responder.
Tendo este incidente tido logar na sessão de sabbado, e partindo eu n'esse mesmo dia para o Porto, não tive o menor conhecimento d'elle se não na terça feira, quando cheguei a esta casa. N'esse dia eu tratei de ver o extracto da sessão, porque não queria vir aqui apresentar uma insinuação contra s. ex.ª sem ter toda a certeza, e sem, pelo menos, ter procurado todos os meios para justificar que a minha insinuação era mais ou menos fundada.
V. ex.ª e a camara comprehendem perfeitamente que eu não podia vir apenas apresentar a auctoridade da minha opinião, a auctoridade da minha memoria. Eu tinha procurado as notas tachygraphicas ou os originaes que deram origem ao que se acha impresso no Diario, e só depois de ver e examinar cuidadosamente essas circumstancias é que podia vir aqui affirmar uma cousa de que eu me queixava, ou ficar silencioso e convencer-me á vista d'esses documentos que a minha memoria me era infiel, e que não tinha direito a queixar-me do illustre deputado e meu collega, que eu muito respeito, o sr. Santos e Silva.
Chegando eu a esta casa na terça feira de manhã, e tendo vindo na segunda á noite do Porto, procurei n'essa mesma terça feira ter conhecimento d'estes esclarecimentos, o que pude obter muito tarde, isto é, fóra da hora em que n'esta casa se falla em assumptos da natureza d'este, que e antes da ordem do dia.
Por consequencia, desde o momento em que eu tive conhecimento d'este incidente na terça feira e tratei d'elle na quarta pela manhã, parece-me que, a não ser por um calculo maravilhoso, para que eu não tenho competencia, mas sou o primeiro a reconhece-la em s. ex.ª, porque o illustre deputado é versado nas sciencias exactas, não se póde dizer que eu demorasse seis dias de infusão a minha resposta, quando a dei em menos de doze horas, depois de ter conhecimento do facto.
Ora, eu não aproveitei a ausencia do illustre deputado; não tive a minha palavra de estufa por longo espaço; não usei d'ella na propria occasião, porque a sessão levantou-se, como todos nós sabemos, em consequencia do tumulto que todos lamentámos, e não nos deixou a nós darmos explicações nem pedir rectificações.
Eu não pude fallar mais cedo do que fallei; e se fallei mesmo antes da ordem do dia, logo que cheguei, foi exactamente com o pensamento de evitar a censura do illustre deputado, que apesar d'isso me veiu fazer, de ter demorado o meu pedido de rectificações.
Não estou ao facto das praticas parlamentares, nem n'esse ponto tenho a menor pretensão de competir com os muitos conhecimentos do illustre deputado o sr. Santos e Silva; no entanto pela pequena pratica que tenho d'esta casa concluo que todos nós temos obrigação de assistir ao principio da sessão. Quando qualquer deputado se refere a outro que se não acha presente, este não tem de que se queixar senão de si mesmo. V. ex.ª sabe que a culpa é de nós todos; a resposta é muito simples; é em latim: sibi imputet.
Modifiquei as minhas queixas em attenção á ausencia de s. ex.ª; eu tinha tenção de ser um pouco mais longo, e talvez mesmo mais desagradavel ao meu collega, se elle estivesse presente; como não estava, limitei as minhas observações ao que vem publicado no Diario sem alteração alguma; e não esperei por s. ex.ª, porque não podia dar estas explicações senão antes da ordem do dia.
Mas a circumstancia de s. ex.ª não estar presente, não, era motivo para eu deixar de dar as minhas explicações. Apesar do pequeno conhecimento que tenho das praticas parlamentares, parece-me que só esta em uso esperar-se para - fallar, quando o deputado precisa dirigir-se a algum sr. ministro: e nas sessões passadas ha já precedentes, póde mesmo dizer-se que esta em pratica, posto que não de todo seguida, que não estando presente o ministro a quem o deputado se quizer dirigir, mas estando outro qualquer membro do gabinete, o deputado, em vez de esperar pelo, competente, expõe o que quer, encarregando-se o ministro presente de avisar o collega do que se passou.
Eu fallei aqui da proxima ascensão do meu collega ao ministerio, é verdade, no entretanto como era ainda deputado como eu, e estando presentes outros tantos nossos collegas, que o podiam informar do que eu dissesse, entendi que não tinha necessidade de estar esperando até que s. ex.ª quizesse apparecer.
E por esta occasião, permitta-me o meu collega que eu levante apenas uma expressão de s. ex.ª; d'estas expressões habituaes no meu collega, e que eu não levo a mal, porque é proprio das intelligencias elevadas carregar as expressões quando se dirigem a intelligencias acanhadas, como a minha, com receio muito natural, de que, não exprimindo a phrase bem clara, não possa ser comprehendida. Mas permitta-me que levante a expressão ferir pelas costas. Deixo ao meu collega decidir se esta phrase é parlamentar, e se é mesmo rigorosamente delicada, porque, na minha qualidade de deputado novo, não o sei fazer.
S. ex.ª contentou-se, para demonstrar que não tinha feito alteração alguma na interrupção que eu lhe fiz, com a circumstancia de que a tinha encontrado nas notas tachygraphicas.
E exactamente o que eu disse; não me queixei. Disse que a interrupção não vinha como eu a tinha feito, mas que não era culpa dos srs. tachygraphos, nem de s. ex.ª De que eu me queixei foi da alteração da resposta dada por s. ex.ª á pergunta que eu tinha feito; resposta que o meu collega' diz que, se estivesse exactamente fiel com o que tinha dito, me seria muito mais desagradavel. Pois eu declaro ao meu collega que o que não quero é aceitar a sua generosidade; eu quereria antes que o illustre deputado dissesse com toda a exactidão os termos de que se serviu, embora fortes, que ferissem profundamente, e repassados mesmo d'aquelle ridiculo que s. ex.ª podesse empregar contra um homem, que mal se póde defender aqui pela circumstancia de contar apenas vinte e tantos dias de parlamento. Preferia tudo isso á sua generosidade; quereria antes isso, do que ver que o meu collega modificava ou alterava no Diario aquillo que tinha dito aqui.
S. ex.ª diz que o fez por generosidade, e eu entendo que o fez para produzir o effeito contrario; mas não quero escolher. Quero ver antes a reproducção fiel da verdade do que aqui se passou, mas a haver mudança, parece-me, como a resposta me dizia respeito, que devia ser eu o unico juiz que julgasse peior a resposta que tinha obtido, ou a substituição que tinha apparecido no Diario. Por todas as rasões declaro a v. ex.ª que preferia a verdade do que se passou aqui, ainda que fosse muito mais forte, porque quero antes a ferida terrivel e profunda, mesmo o ridiculo atroz, do que a generosidade do illustre deputado, que francamente me offenderia muito mais do que um dito passageiro e violento em uma occasião de discussão agitada. Se essa generosidade existisse, era pelo menos uma declaração tacita, que eu sem a generosidade de s. ex.ª não podia ter vida parlamentar. N'estas circumstancias é que eu me não deixo collocar.
Creia s. ex.ª que eu continuarei a apresentar as minhas opiniões todas as vezes que o julgar necessario para cumprir os deveres que me impoz o mandato que recebi para entrar n'esta casa. E mesmo para me reservar o direito de repudiar as de s. ex.ª é que dei as pequenas explicações que tiveram logar na sessão da quarta feira. Declaro a v. ex.ª e á camara que estou completamente satisfeito com as explicações que me deu o meu illustre collega, o sr. Santos e Silva; mas a camara decidirá se essas explicações, se esse reconhecimento dos meus dotes intellectuaes, se esta consideração, se esta predilecção pela minha pessoa, podem de alguma fórma combinar com a declaração terminante e absoluta que s. ex.ª apresentou aqui por occasião d’aquella excitação, declarando-me «o illustre deputado não' me parece talhado para levar ninguem a modificar as suas opiniões». Contra esta sentença absoluta é que me quiz revoltar. Mostrei ao illustre deputado que, apesar de todas as suas sentenças, apesar de todas as suas opiniões, apesar de todos estes julgamentos de infallibilidade, e n'isto não offendo a s. ex.ª, não aceitava o seu julgamento, nem as suas probabilidades de infallibilidade. Contra isto é que eu quiz protestar, para mostrar que apesar do tudo isto eu havia de fallar aqui quando o julgasse necessario.
Deixe-me ainda a camara protestar contra uma asserção do illustre deputado, que se referia ás minhas punhadas sobre as banquetas aos susurros e gritos. Achava-me n'essa occasião, e parece-me que a memoria do illustre deputado não precisa ser extremamente milagrosa para se recordar que me achava diante d'elle, em sitio aonde não havia banquetas em que podesse bater, e onde só podia bater no ar, o que não podia produzir sem que incommodasse os sensiveis ouvidos de s. ex.ª
Disse o meu illustre collega que =eu tinha devassado as suas intenções, e que não era sua a asserção absoluta que lhe attribuia =. Não quiz devassar as intenções do illustre deputado; não fiz mais do que referir me á asserção do illustre deputado nas palavras de que = não estou talhado para levar ninguem a modificar as suas opiniões =. Nem ha necessidade de devassar as intenções de uma pessoa quando se explica tão franca e claramente. A asserção do illustre deputado é muito clara; ella importa uma declaração de incapacidade de que ninguem póde duvidar. Agora com as explicações que s. ex.ª deu, e que me satisfizeram completamente, declaro que, se as tivesse dado na propria occasião, eu não tinha trazido a questão a esta casa.
Agora ha aqui apenas uma asserção que v. ex.ª permittirá que eu a levante com toda a serenidade de animo. O digno collega, o sr. Santos e Silva, fez aqui uma insinuação relativamente á questão de que tem sido eleito livremente pelo seu circulo, porque nunca tinha sido recommendado por governo algum. Não affirmo nem nego, porque ignoro. O que eu sabia é que s. ex.ª nunca tinha sido guerreado por governo nenhum. Creio que é mesmo da historia parlamentar que s. ex.ª tem merecido a todos os governos a consideração precisa para nunca ser guerreado por nenhum; as. auctoridades administrativas da localidade conformam-se sempre com a vontade dos eleitores quando tratam de eleger o illustre deputado, o que realmente é uma cousa muito honrosa, muito gloriosa para s. ex.ª, e que eu lhe não quero disputar. É certo que s. ex.ª mereceu sempre a maior aceitação aos governos, ás auctoridades locaes, e aos eleitores do circulo que tem a honra de representar!
Eu não tive n'este ponto tanta felicidade, mas se saí eleito não foi porque meu pae era o administrador d'aquelle circulo. O illustre deputado, occupado só com a historia parlamentar d'esta casa, parece desconhecer a historia politica do paiz; talvez uma cousa lhe não deixe tempo para conhecer da outra. Entretanto, s. ex.ª que proclamou a inutilidade de ser escriptor n'um paiz como este, o que, tomado a serio e admittido, reduziria tudo a um estado de torpor e de indolencia, que sem duvida havia de ser de grande vantagem para a sciencia e illustração d'esta terra. S. ex.ª, que disse isto, desde o momento em que fez uma tal declaração não admira que ignore a historia politica d'este paiz.
Pois fique o illustre deputado sabendo que ha mais de trinta annos que meu pae tem conquistado pelos seus actos e procedimento a sympathia e amisade de todos os seus vizinhos, e ha mais de trinta annos que elle faz na sua localidade de accordo com os seus amigos as eleições, sem nunca perder uma só. O illustre deputado póde muito bem ser que nunca lhe aconteça, mas ha de ter visto que outros por muito segura que tenham a eleição, lá soffrem de quando em quando uma derrota; porém meu pae ha mais de trinta annos ainda ali não soffreu nenhuma, os seus amigos sempre combinaram com elle, sempre aceitaram qualquer indicação que elle quizesse fazer, ou elle a aceitava dos seus amigos, porque tem esse costume, não quer votos á força, sempre combinaram elle e os seus amigos em quem haviam de eleger; e estando oito annos successivos na opposição, venceram a eleição no oitavo anno como no primeiro e nos demais, com a auctoridade Contra, e com toda a guerra possivel, que lhe faziam os governos, que não tinham por meu pae e pelos seus amigos d'aquelle circulo a mesma consideração que têem tido, e de certo continuarão a ter pelo illustre deputado.
Portanto meu pae sempre ali venceu as eleições, sempre, sem uma unica excepção.
Não houve por consequencia nenhuma asserção que eu precise levantar, porque esta claro que, se um proprietario de uma localidade faz ali com os seus amigos ás eleições ha mais de trinta annos sem haver experimentado ainda o que é ter uma eleição duvidosa, esse individuo não precisa ser auctoridade administrativa para continuar a faze-las, principalmente quando as fez por oito annos successivos sendo opposição.
Agora declaro a v. ex.ª que não entro em mais largas considerações. As explicações que deu o sr. Santos e Silva, relativamente á sua posição n'esta casa, satisfizeram-me completamente, e áparte apenas estas pequenas differenças, eu estou satisfeito, e a questão para mim não é pessoal.
Peço desculpa á camara e aos meus collegas, se por acaso proferi alguma palavra que não merecesse a sua aceitação e fosse menos propria da dignidade d'esta casa. Eu farei quanto podér, sempre que fallar perante esta assembléa, para me conter dentro dos limites da dignidade do parlamento e da minha propria dignidade (apoiados).
Tenho concluido.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Costa e Almeida (para um requerimento): — Ha pouco tinha eu pedido a palavra para responder a algumas considerações politicas feitas pelo meu illustre collega e amigo o sr. Magalhães e Aguiar, mas tendo V. ex.ª declarado que se ía passar á ordem do dia, impossivel me era hoje responder a essas considerações; porém como o illustre deputado o sr. Ferreira de Mello requereu se consultasse a camara sobre se ella permittia que elle usasse da palavra para responder ás observações feitas na sessão de hoje pelo sr. Santos e Silva, e a camara lh'o permittiu, por isso requeiro que v. ex.ª consulte a camara sobre se ella consente que eu responda desde já ás considerações politicas que foram hoje apresentadas pelo sr. Magalhães e Aguiar.
Vozes: — Falle, falle.
O sr. Presidente: — Eu consulto a camara.
Consultada a camara, decidiu que se desse a palavra ao sr. Costa e Almeida.
O sr. Costa e Almeida: — Eu serei muito breve, porque não quero tirar tempo á camara com questões de pouca significação; tenho apenas que levantar algumas phrases e asserções proferidas n'esta casa pelo meu illustre collega e amigo o sr. Magalhães e Aguiar; o illustre deputado começou mesmo por declarar que, não havendo objectos importantes de que tratar, aproveitava a occasião para protestar contra uma asserção feita na outra casa do parlamento pelo meu prezado amigo e digno par do reino, o sr. conde de Samodães. Esta asserção era de que =as eleições de deputados que tinham tido logar ultimamente no districto do Porto tinham sido feitas com completa abstenção da auctoridade. O meu amigo, o sr. Magalhães e Aguiar, contestou a exactidão d'esta asserção, e, referindo-se ás eleições do districto do Porto, tomou para typo e para exemplo da sua contestação a eleição no 2.° circulo eleitoral de Villa Nova de Graya, e a eleição do circulo de Marco de Canavezes, que elle tão dignamente representa n'esta casa. Pois são exactamente estas mesmas duas eleições que eu tomo para typo e para modelo, a fim de mostrar ao illustre deputado que a sua contestação e asserção não é inteiramente exacta, salvo o respeito que tributo ao meu illustre collega e amigo.
O sr. conde de Samodães, digno governador civil, que foi, do districto do Porto, disse na outra casa do parlamento, e disse muito bem, que = as eleições no districto do Porto tinham sido feitas por um grupo politico que representava a situação actual, sem que interviesse directamente a auctoridade administrativa =. Disse a verdade. Por os dois exemplos que o illustre deputado citou, provou exactamente a verdade d'esta these, e a inexactidão da asserção do illustre deputado.
Eu conheço sufficientemente o districto do Porto, porque resido ha muitos annos na sua capital. Tenho relações com muitos dos cavalheiros dos diversos circulos eleitoraes do districto do Porto, faço, mesmo frequentes digressões a alguns dos concelhos d'aquelle districto, onde tenho relações, e até familia e bens; estou portanto no caso de dar testemunho insuspeito da exactidão da asserção pronunciada pelo sr. conde de Samodães.
A eleição do 2.° circulo eleitoral de Villa Nova de Gaia