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SESSÃO DE 3 DE MARÇO DE 1879

Presidencia do ex.mo sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva

Secretarios - os srs. Antonio Maria Pereira Carrilho Barão de Ferreira dos Santos

SUMBIARIO

Depois do expediente o sr. presidente participou á camara que se achava concluida a impressão de todos os documentos mandados pela commissão de inquerito á penitenciaria central, louvando a imprensa nacional pela rapidez na execução d'este trabalho e igualmente a coadjuvação do empregado da tachygraphia Clemente José dos Santos; a este respeito votou-se unanimemente uma proposta do sr. Mariano de Carvalho. — Entre os srs. Sá Carneiro, Mariano de Carvalho, e presidente do conselho de ministros deram-se algumas explicações sobre a commissão de officiaes que o anno passado foram assistir ás manobras do exercito francez. — Na ordem do dia realisou-se a, interpellação do sr. Mariano de Carvalho ao sr. ministro da marinha a respeito das concessões de terrenos na Zambezia, feitas ao sr. Paiva de Andrada; fallando o sr. deputado interpellante, o sr. ministro da marinha, e o sr. visconde da Arriaga, que ainda ficou com a palavra reservada.

Abertura — Á uma e meia hora da tarde.

Presentes á chamada 53 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Machado, Carvalho e Mello, Osorio de Vasconcellos, Alfredo de Oliveira, Gonçalves Crespo, A. J. d'Avila, Lopes Mendes, A. J. Teixeira, Carrilho, Pedroso dos Santos, Pinto de Magalhães, Pereira Leite, Saraiva de Carvalho, Victor dos Santos, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, C. de Mendonça, Diogo de Macedo, E. Moraes, Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Mesquita e Castro, Fonseca Osorio, Francisco Costa, Pereira Caldas, Sousa Pavão, Frederico Arouca, Freitas Oliveira, Osorio de Albuquerque, Scarnichia, Barros e Cunha, Sousa Machado, J. J. Alves, José Frederico, Figueiredo de Faria, Namorado, Teixeira de Queiroz, Pereira Rodrigues, Sá Carneiro, Bivar, Manuel d’Assumpção, Correia de Oliveira, M. J. de Almeida, Alves Passos, M. J. Gomes, Manuel José Vieira, Nobre de Carvalho, Mariano de Carvalho, Miguel Dantas, Jacome Correia, Visconde de Balsemão, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Adolpho Pimentel, Fonseca Pinto, Alexandre Lobo, Rocha Peixoto (Alfredo), Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Pereira de Miranda, Barros e Sá, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Augusto Fuschini, Santos Carneiro, Conde da Foz, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Filippe de Carvalho, Francisco de Albuquerque, Gomes Teixeira, Van-Zeller, Paula Medeiros, Silveira da Mota, Costa Pinto, Anastacio de Carvalho, Gomes de Castro, Melicio, Brandão e Albuquerque, João Ferrão, J. A. Neves, Almeida e Costa, Joaquim Pires, Dias Ferreira, Pontes, Laranjo, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Sousa Monteiro, Mello Gouveia, Barbosa du Bocage, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Freitas Branco, Faria e Mello, Pires de Lima, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miranda Montenegro, Pedro Correia, Pedro Barroso, Thomás Ribeiro, Visconde de Andaluz, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Moreira de Rey, Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão - Os srs.: Nunes Fevereiro, Alipio Sousa Leitão, Emilio Brandão, Arrobas, Mendes Duarte, Avelino de Sousa, Bernardo de Serpa, Moreira Freire, Fortunato das Neves, Mouta e Vasconcellos, Guilherme de Abreu, Palma, Jeronymo Pimentel, Ornellas de Matos, J. M. Borges, Taveira e Menezes, Almeida Macedo, Luiz Garrido, Rocha Peixoto (Manuel), Souto Maior, Aralla e Costa, Miguel Tudella, Pedro Carvalho, Pedro Roberto, Ricardo Ferraz, Rodrigo de Menezes, Visconde da Aguieira, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da justiça, acompanhando tres certidões de processos de querella contra, policias de Portalegre, e satisfazendo assim a um requerimento do sr, deputado José Frederico Laranjo.

Foi enviado á secretaria.

Representações

1.ª Da camara municipal de Angra do Heróismo, pedindo que seja convertido em lei o projecto apresentado pelo sr. deputado Emygdio Navarro, em que propõe a derogação dos artigos 88.° e 231.° e seus §§ do codigo administrativo.

Apresentada, pelo sr. deputado Braamcamp, e enviada á commissão de fazenda, ouvida a de administração civil.

2.ª Dos habitantes do concelho de Villa do Conde, pedindo que não seja approvada a concessão do decreto de 26 de dezembro ultimo.

Apresentada pelo mesmo sr. deputado, e enviada á commissão do ultramar.

3.ª Dos habitantes do concelho de Fafe, no mesmo sentido.

Apresentada, pelo mesmo sr. deputado, e enviada á mesma commissão.

1.ª Dos habitantes do concelho de Aveiro, no mesmo sentido.

Apresentada pelo mesmo sr. deputada, e enviada á mesma commissão.

5.ª Dos escripturarios de fazenda do concelho de Mirandella, pedindo augmento de ordenado.

Apresentada pelo sr. deputado Pavão, e enviada á commissão de fazenda.

6.ª Dos escripturarios de fazenda dos concelhos da Villa da Ribeira Grande, e do Nordeste, districto de Ponta Delgada, no mesmo sentido.

Apresentada pelo sr. deputado Hintze Ribeiro, e enviada á commissão de fazenda.

7.ª Dos escripturarios de fazenda do concelho de Bragança, no mesmo sentido.

Apresentada, pelo sr. deputado Fonseca Pinto, e enviada á, mesma commissão.

8.ª Dos escripturarios de fazenda do concelho de Gaia no mesmo sentido.

Apresentada, pelo sr. deputado Carlos de Mendonça, e enviada á mesma commissão.

9.ª Dos escripturarios de fazenda dos concelhos de Trancoso, Aguiar da Beira, e Fornos de Algodres, do districto da Guarda, no mesmo sentido.

Apresentada pelo sr: deputado Osorio de Vasconcellos, e enviada á mesma commissão.

10.ª Dos guardas de saude da estação maritima de Belem, pedindo augmento de vencimentos.

Apresentada pelo sr. deputado Freitas Oliveira, e enviada á, commissão de saude publica, ouvida, a de fazenda.

ll.ª Dos parochos do concelho de Oliveira do Bairro, bispado de Aveiro, pedindo que não seja convertida em lei a proposta do sr. ministro da fazenda, que sujeita os bens dos passaes e os que constituem os patrimónios ecclesiasti-

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cos a pagarem, alem do imposto predial, mais 10 por cento do mesmo imposto.

Apresentada pelo sr. deputado Luciano de Castro, e enviada á, commissão de fazenda.

12.ª Dos parochos do concelho de Agueda, no mesmo sentido.

Apresentada pelo mesmo sr. deputado, e enviada á mesma commissão.

SEGUNDAS LEITURAS

Renovo a iniciativa do projecto de lei por mim apresentado em sessão de 18 de janeiro de 1877, com o n.º 2-VV, auctorisando o governo a mandar proceder á conclusão do aterro na margem do Tejo, entre a alfandega e a (estação do caminho de ferro do norte e leste, e á continuação de docas de abrigo. = J. J. Alves, deputado por Lisboa.

Foi admittida á discussão, e enviada com o projecto á commissão de obras publicas, ouvida depois a de fazenda.

O sr. Presidente: — Participo á camara, que se acha já completa a impressão dos documentos mandados pela commissão de inquerito á penitenciaria central.

Logo que haja um numero sufficiente de exemplares mandal-os-hei distribuir devidamente.

A mesa desempenhou-se o melhor que póde da incumbência que lhe fóra feita pela camara, e é dever meu fazer-lhe saber que merece louvor a imprensa nacional pela rapidez com que procedeu ao trabalho da impressão, e bem assim que o empregado da tachygraphia, o sr. Clemente dos Santos, coadjuvou a mesa com muito zêlo nos esforços que empregou.

Darei em breve para ordem do dia a eleição da nova commissão de inquerito parlamentar á administração das obras da dita penitenciaria.

O sr. Namorado: — Mando para a mesa um requerimento de João José Monteiro, continuo do supremo conselho de justiça militar, pedindo augmento de vencimento, e ser equiparado aos continuos das outras repartições do estado.

Peço a v. ex.ª que mande dar a este requerimento o competente destino.

O sr. Mariano de Carvalho: — V. ex.ª, dando conta á camara de que estava terminada a coordenação, revisão o impressão dos papeis relativos ao inquerito da penitenciaria central de Lisboa, louvou o merecimento e o trabalho de um dos mais distinctos empregados d'esta casa, o sr. Clemente José dos Santos.

. Sou de opinião que a economia não consiste em ter muitos empregados mal pagos, mas poucos, e bem remunerados.

N'este sentido apresento uma proposta para que a mesa fique auctorisada a arbitrar uma gratificação ao sr. Clemente José dos Santos pelo muito trabalho que teve na coordenação e revisão d'este relatorio.

O negocio é tão simples, que não me atrevo a pedir a urgencia d'esta proposta.

Leu-se logo na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a mesa fique auctorisada a arbitrar uma gratificação rasoavel ao empregado, o sr. Clemente dos Santos, que foi encarregado da coordenação e revisão dos documentos relativos á penitenciaria.

Sala das sessões, 3 de março de 1879. = Mariano de Carvalho.

Considerada urgente, foi admittida e approvada unanimemente.

O sr. Telles e Vasconcellos: — Mando para a mesa um projecto de lei. (Leu.)

Peço que seja considerado urgente, e desde já remettido á commissão de legislação civil, que me parece que se reune hoje.

Aproveito esta occasião para mandar para a mesa dois requerimentos, pedindo varios esclarecimentos pelos ministerios da guerra e da justiça.

Peço a v. ex.ª que mande dar a estes requerimentos o competente destino.

Leu-se logo na mesa o seguinte

Projecto de lei

Senhores. — Se aos representantes do paiz incumbe nos termos da lei fundamental do estado, promover quanto for concernente ao bem geral da nação, tambem ao deputado eleito o mandato popular impõe deveres de natureza mais restricta, mas de ordem não menos elevada de pugnar pelos melhoramentos do circulo que representa, advogando os legitimos interesses dos povos, sustentando os seus direitos, privilegios e regalias, no uso da larga iniciativa, que as leis reconhecem o asseguram aos corpos colegisladores.

Importante é o assumpto de que venho tratar, incontestavel o direito e a justiça, e legitima a aspiração dos povos a quem uma medida impensada, e irreflectidamente concebida, vexatoria e offensiva na sua applicação pratica, cortou interesses, e occasionou prejuizos, e seria flagrante injustiça desattender suas queixas e reclamações, não acudindo com prompto remedio ao mal que os opprime.

Desde longa data que as freguezias de Pinsio, Ribeira dos Carinhos, Tomares, Avelans da Ribeira e Codeceiro, ultimamente annexadas á comarca de Pinhel, faziam parte da circumscripção judicial da Guarda, entretendo as suas relações commerciaes com esta cidade, a cujos mercados concorriam com os productos do seu trabalho e industria, conciliando os seus interesses economicos e as relações da vida privada com os encargos do serviço publico, nos seus differentes ramos judicial, administrativo, e fiscal, não sendo para desattender a circumstancia de se acharem situadas aquellas freguezias amais curta distancia da Guardo do que de Pinhel, tendo para este ponto de percorrer caminhos e atravessar ribeiros, que na estação invernosa se tornava de perigosa vedação e difficil transito, alem das avultadas despezas a que ficam sujeitas, quando tenham que exercer funcções nas sedes das duas comarcas, segundo ' a diversidade do serviço publico a que tiverem de concorrer.

E para dar mais justa idéa da gravidade que sobre ellas pésa, bastará lembrar que nas execuções administrativas, por tributos ou rendas do estado, tem de ir solicitar guia á administração da Guarda para entrarem com o valor da execução na recebedoria de Pinhel.

Este estado anormal e oppressivo não póde continuar, porque offende os legitimos interesses d'aquellas povoações, sem que rasões de ordem publica ou de alta conveniencia! social auctorisem o sacrificio que affecta todas as classes sem distincção, privando o pobre e desvalido de se entregar regularmente ao seu trabalho quotidiano, e obrigando-o a despezas, que a sua pequena bolsa não comporta.

N’estas circumstancias, tenho a honra de apresentar o seguinte

projecto de lei

Artigo 1.° Ficam fazendo parte da comarca da Guarda, para os effeitos judiciaes e da administração de fazenda publica, as freguezias de Pinsio, Ribeira dos Carinhos, Tomares, Avelans da Ribeira e Codeceiro, que se acham desannexadas d'aquella comarca, a cujo concelho pertencem.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 28 de fevereiro de 1879. = O deputado, Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.

Considerado urgente, foi admittido á discussão, e enviado á commissão de legislação civil ouvida a de estatistica.

Tambem se leram na mesa os seguintes

Requerimentos 1.° Requeiro que, pelo ministerio da justiça, me seja en-

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viada uma certidão do corpo de delicto levantado na comarca da Guarda, cartorio de Carvalho, contra o escrivão do juiz ordinario de Gonçalo, e ao mesmo tempo certidão narrativa, não só da epocha em que chegaram ao conhecimento do ministerio publico as queixas contra o mencionado escrivão, mas do estado do processo e ultimo despacho n'elle proferido.

Sala das sessões, 3 de março de 1879. = O deputado, Telles de Vasconcellos.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, me sejam enviados com a possivel brevidade os relatorios dos officiaes syndicantes da administração do 12 de infanteria, principalmente o relatorio do mez de dezembro ultimo.

Sala das sessões, 3 de março de 1879. = O deputado, Telles de Vasconcellos.

Foram mandados expedir com urgencia.

Participação

Participo a v. ex.ª e á camara, que o sr. deputado por Amarante, José Taveira, não tem podido comparecer por motivo justificado. = Telles de Vasconcellos.

Inteirada.

O sr. Sá Carneiro: — Mando para a mesa uma representação dos empregados de fazenda do districto de Villa Real, em que pedem augmento de vencimento.

A situação d'estes empregados, tão exiguamente remunerados, moverá a attenção d'esta camara, e ella de certo os ha de attender, no que fará um acto de justiça.

Mando tambem para a mesa um requerimento do capitão Diniz, ajudante de campo do general da 1.ª divisão militar, em que pede que lhe seja applicado um artigo do regulamento da remonta.

Por esta occasião, v. ex.ª e a camara, não me levarão a mal que eu agradeça a um dos meus illustres collegas, director da parte politica de um jornal que se publica n'esta capital, a inclusão do meu nome como um dos comilões d'este paiz; sentindo que os meus amigos não vão ajudar-me a comer as sobras que me ficaram da minha viagem de recreio.

Ora o illustre deputado, esclarecido, como deveria ficar, depois de uma carta que dirigi a um membro da outra casa do parlamento, digno par por nascimento, não deveria continuar a investir com a missão militar mandada ás grandes manobras.

O sr. Pedroso dos Santos: — Mando para a mesa um projecto lei para ser annexada, para todos os effeitos administrativos, ao concelho de Castello Branco a freguezia de Louriçal do Campo, que actualmente faz parte do concelho de S. Vicente da Beira.

Este projecto é precedido de um relatorio, no qual faço referencia a um documento, que tambem mando para a mesa.

Peço a v. ex.ª que se digne remetter estes documentos á respectiva commissão, a fim de dar quanto antes o seu parecer.

O sr. Mesquita e Castro: — Mando para a mesa um requerimento de Primo José da Rocha, alferes de infanteria n.º 2, pedindo que lhe seja pago o soldo em divida desde 5 de março a 26 de abril de 1876, e que lhe foi suspenso pelo ministerio da marinha e ultramar.

A pretensão do requerente é justissima, pelas rasões que allega; por isso peço a v. ex.ª que mande dar a este requerimento o competente destino.

O sr. Saraiva de Carvalho: — Peço a v. ex.ª o obsequio de convidar o sr. ministro da justiça a comparecer n'esta casa, antes da, ordem do dia, porque desejo inlerrogal-o sobre o uso que o ministerio tem feito das auctorisações que lhe têem sido concedidas pelo parlamento.

Nós concedemos ao sr. ministro da justiça auctorisação para reformar a organisação judicial, e eu desejo saber qual é o uso que se tem feito d'essa auctorisação.

Desejo mais conversar com s. ex.ª a respeito das propostas de lei que o governo prometteu ácerca do registo civil.

Não sei quaes são as idéas que o governo tem a este respeito; o que sei é que o registo civil deu logar a uma crise. Por isso desejo conversar com o sr. ministro da justiça ácerca das idéas que s. ex.ª porventura tenha sobre as propostas de lei que ha de trazer ao parlamento em nome do ministerio.

O sr. Carvalho e Mello: — Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que, se tivesse, assistido ás sessões em que foi discutido o projecto de lei relativo á nova organisação da Guiné, o teria approvado nos termos em que foi votado.

Igualmente declaro que teria approvado o projecto relativo ao acrescentamento dos direitos sobre o tabaco e á reorganisação da fiscalisaçâo, com a emenda proposta pelo sr. deputado Pereira de Miranda, acrescentado de disposição expressa para que nenhuma admissão, promoção ou aposentação no serviço fiscal podesse ser decretada sem que precedesse inspecção de uma junta militar de saude. = O deputado pelo circulo n.º 34, Adriano José de Carvalho e Mello.

Mandou-se lançar na acta.

O sr. Nobre de Carvalho: — Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que faltei ás tres ultimas sessões da camara por motivo justificado. = Manuel Thomás -Ferreira Nobre de Carvalho.

Inteirada.

O sr. Visconde de Balsemão: — Tinha pedido a palavra para dirigir algumas perguntas ao sr. ministro das obras publicas, mas como s. ex..a não está presente, peço a v. ex.ª o favor de me reservar a palavra para quando o sr. ministro estiver presente.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Mando' para a mesa o requerimento de Joaquim Theophilo Machado, pedindo dispensa para ser aposentado como amanuense da secretaria do governo civil do districto de Angra do Heroismo.

O sr. Freitas Branco: — Mando para a mesa, uma representação dos habitantes da freguezia da Aldeia, do concelho de Monsão, pedindo a sua annexação a outro concelho, para os effeitos judiciaes; e igualmente um requerimento de Manuel Baptista Machado, ajudante de praça de 2.ª classe, pedindo que se lhe tornem extensivas as regalias que se concedem aos capitães quarteis mestres, veterinários e picadores do exercito.

O sr. Mariano de Carvalho: — O meu illustre collega, o sr. Sá Carneiro, comprehendeu mal as minhas intenções.

Eu já declarei que não censuro os militares que foram em commissão assistir ás manobras que ultimamente se realisaram em França. O dever d'esses militares era acceitar a commissão para que foram nomeados e receber a remuneração que se lhes dava, e, portanto, não tenho motivo para os censurar. Quem eu censuro é o governo que os nomeou, porque entendo que um paiz pequeno como o nosso, e em circumstancias financeiras tão pouco plausiveis, não póde estar a nomear commissões tão numerosas para irem ao estrangeiro.

Por consequencia o illustre general, o sr. Sá Carneiro, não interpretou bem as minhas palavras; porque, repito, não censurei os illustres officiaes que foram ao estrangeiro em commissão; o meu fim unico foi censurar o governo que os nomeou, e esses officiaes, acceitando a commissão para que eram nomeados cumpriram o seu dever, porque outra cousa não lhes competia fazer.

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O sr. Brandão e Albuquerque: — Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Participo a v. ex.ª que por incommodo de saude deixei de assistir ás tres ultimas sessões. = José da Costa Brandão e Albuquerque.

Inteirada.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): — Quando ouvi fallar o illustre deputado, o sr. Mariano de Carvalho, pareceu-me que s. ex.ª se referiu á commissão de officiaes que eu mandei a França por occasião das ultimas manobras.

Preciso declarar que não acceito a censura que s. ex.ª me quer fazer, e se carecer de mais largas explicações a este respeito estou prompto a dal-as.

O sr. Paula Medeiros: — Chamo a attenção do governo sobre a crise economica com que está lutando a ilha de S. Miguel.

Sr. presidente, aquella outr'ora tão prospera terra, ha annos a esta parte tem soffrido immenso, devido a varias causas, sendo uma dellas a notavel depreciação da laranja nos mercados inglezes, as escassas colheitas de cereaes, principalmente milho, que é não só primeiro ramo da sua riqueza, como o sustento das classes menos abastadas, e estes males aggravados com as grandes sommas de numerario que da ilha têem saído para a compra de milhares de moios de milho, para recuperar a falta d'este genero que tem ali havido; e alem d'isso o retrahimento dos capitães que têem tido as caixas filiaes que ali existem dos bancos de Lisboa, tudo accumulado tem produzido uma crise economica assustadora, cujos funestos resultados affectam todas as classes, e mais sensivelmente a operaria, e jornaleiros, que querem trabalhar e não acham onde; para tamanho mal não encontram outro expediente mais do que a emigração, e as embarcações que andam n'este serviço não são bastantes para dar vasão a gente que quer abandonar a terra onde nascera, porque n'ella só encontram a miseria!

Sr. presidente, nenhuma das ilhas adjacentes tem contribuido em tão grande escala para os cofres do estado, como a ilha do S. Miguel, e a prova é que ella rende mais do duplo dos outros dois districtos dos Açores reunidos; tem por isso os michaelenses direito a ser attendidos pelo governo na calamitosa crise por que estão passando.

Um meio de que eu me lembro, para empregar alguns operarios, seria a construcçâo de um edificio para a alfandega de Ponta Delgada, porque o que existe, alem de não ter nenhuma das condições precisas, é tão acanhado, que o governo paga annualmente grandes alugueis por armazens, para abrigar muitas mercadorias que dão ali entrada.

Sr. presidente, esta obra é uma necessidade ha muitos annos reclamada, tanto pelos dignos chefes d'aquella importante repartição, como pela associação commercial de Ponta Delgada.

Sei que estão já feitos os planos para tal construcçâo, mas eu pedia ao governo que, sobre a escolha do local, mandasse ouvir a associação commercial d’aquella cidade.

Concluo, pois, sr. presidente, pedindo aos srs. ministros que se acham presentes, se dignem communicar ao sr. ministro das obras publicas, que sinto não ver presente, a urgente necessidade, que ha, de mandar dar começo á obra que eu indiquei, ou a qualquer outra, comtanto que as classes operarias encontrem quanto antes trabalho, porque, do outra maneira, seria deixar a um perfeito abandono a existencia de centenares de operarios que luctam com a fome e com a miseria.

O sr. Dias Ferreira: — Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a v. ex.ª e á camara, que o sr. deputado Emilio Brandão não tem comparecido, e não poderá ainda comparecer a algumas sessões, por incommodo de saude.

3 de março de 1879. = Dias Ferreira.

Inteirada.

O sr. A. J. Teixeira: — Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que, por motivo justificado, tenho faltado a algumas sessões. =A. J. Teixeira. Inteirada.

O sr. Sá Carneiro: — As explicações do sr. Mariano de Carvalho deveriam ter-me satisfeito; mas, se a accusação de s. ex.ª é ao governo e não á rainha pessoa, para que é a cada passo a publicação do meu nome?

Eu não quero prescrutar as intenções do illustre deputado; mas, depois de umas certas explicações que houve entre nós ha alguns annos, julguei que não mais se entreteria com a minha pessoa.

O ilustre deputado accusa o governo por ter mandado uma missão militar ao estrangeiro para assistir ás grandes manobras. Pois eu, opposiçâo, e no logar do sr. Mariano de Carvalho, accusaria o governo por não ter mandado nos annos anteriores alguns militares assistir ás grandes manobras. Não só as nações grandes e ricas mandam militares assistir ás grandes manobras no estrangeiro. A Belgica e a Suissa mandaram nos annos anteriores ás grandes manobras duas missões a dois paizes.

Eu ignoro quem sejam os seus informadores militares, mas tenho observado que raras vezes dão informações exactas ao seu jornal; o, por ultimo, o illustre deputado perde o seu tempo em se entreter com a minha pessoa no seu jornal.

Emfim, sr. presidente, vou concluir, porque o assumpto não vale a pena de tomar tempo á camara; mas declaro que, não sendo um Rhadamanto, mas não faltando eu ao respeito a ninguem, tambem do mesmo modo não admittirei que me faltem a elle.

ORDEM DO DIA

Interpellação do sr. Mariano de Carvalho ao sr.. ministro da marinha, ácerca da concessão de terrenos da Zambezia, feita pelo governo a Paiva de Andrada

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço a v. ex.ª que, antes de entrar na materia da interpellação, me permitta dizer ao sr. presidente do conselho de ministros que para mim é completamente indifferente nem me importa nada que s. ex.ª acceito ou não as censuras que lhe faço; e que, emquanto a discutirmos este assumpto e outros relativos ao ministerio da guerra, estou completamente á disposição de s. ex.ª, quando a presidencia haja por bem determinar que entremos n'essa discussão.

Quanto ao sr. José Paulino de Sá Carneiro, já lhe dei a explicação que lhe podia dar, de que não tive o minimo intuito de censurar s. ex.ª nem os outros officiaes que foram ao estrangeiro, mas sim de que tive o intuito de censurar quem os nomeou.

A publicação dos nomes não póde ser offensiva para ninguem. Isso não era um facto escondido. Os nomes estavam publicados no Diario, e eu tinha direito de os reproduzir. Esse direito mantenho. Mas não desenvolvo agora mais esta materia, porque a julgo inopportuna.

Posto isto, passo á materia da interpellação, que, como v. ex.ª se dignou annunciar á camara, é o decreto de 26 de dezembro de 1878, pelo qual se fizeram a Joaquim Carlos Paiva de Andrada, capitão de artilheria do exercito portuguez, largas concessões na provincia de Moçambique.

Posso dizer, sem immodestia, que esta interpellação... (Sussurro.)

Peço a v. ex.ª que me permitta interromper-me por alguns momentos até que os srs. deputados occupem os seus

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logares, porque a minha voz é fraca, e no meio da confusão não posso fazer-me ouvir-me.

O sr. Presidente: — Peço aos srs. deputados que occupem os seus logares e que prestem attenção.

O Orador: — Dizia eu que a materia d'esta interpellação é das mais importantes que se podem apresentar a qualquer parlamento, porque n'este pequeno papel que aqui tenho, e que é o decreto de 26 de dezembro de 1878, são concedidas a um official do exercito portuguez, nada mais e nada menos, do que 9:000 leguas quadradas de terrenos mineiros, 40 leguas quadradas de terrenos agricolas e todas as florestas que existem na immensa bacia hydrographica do Zambeze, grande parte da qual ainda não é bom conhecida, o alem d'isso todas as minas de carvão de pedra que em tal area se possam encontrar.

E, por consequencia, enorme o que se concedeu; é enorme não só pelo valor que tem em si, como tambem pelas consequencias que póde trazer relativamente á segurança do dominio portuguez na provincia de Moçambique, e ás eventualidades que podem resultar para o thesouro portuguez, tanto pela necessidade de operações militares que permittam occupar os terrenos de cuja area se fez concessão, como pelas reclamações e indemnisações a que mais tarde talvez fique sujeita a nação.

Esta questão, pela sua excessiva grandeza, e por outras circumstancias com ella connexas, é tambem excessivamente complicada.

Pôde ella considerar-se debaixo do ponto de vista politico, em relação, como já disse, á segurança do nosso dominio em Moçambique, e a eventualidades futuras de reclamações e indemnisações que possam vir a pesar sobre a nação portugueza.

Pôde considerar-se debaixo do ponto de vista meramente colonial, indagando-se se o systema que o governo seguiu, fazendo aquella concessão, será o mais proficuo para o engrandecimento das nossas colonias.

Pôde considerar-se debaixo do ponto de vista ainda economico, avaliando se os bons principios e os verdadeiros preceitos de administração colonial consentem e admittem a concessão de excessivos monopólios.

E, finalmente, póde a questão considerar-se pelo lado da legalidade, indagando se o governo, nas concessões que fez, se manteve dentro da orbita que as leis lhe traçam. Parece-me, sr. presidente, que todas as questões ganham em ser successivamente estudadas conforme os variados aspectos que podem apresentar, e, por isso, como o regimento me dá o direito de usar da palavra mais algumas vezes, como pela natureza da questão esta interpellação vae tornar-se geral independentemente de qualquer requerimento, por ora limitar-me-hei a considerar a concessão de 26 de dezembro de 1878 sob o aspecto da legalidade.

O sr. Visconde da Arriaga: — Peço a palavra.

O Orador: — A rasão por que assim procedo é clara e simples. Uma vez que se provo que as, concessões feitas ao sr. Paiva de Andrada são illegaes, é' claro que essas concessões por isso mesmo são irritas e nullas, n'esse caso não temos a discutir senão a responsabilidade do governo em fazel-as, e escusado seria, desde que as concessões fossem nullas, considerar os seus effeitos economicos e politicos.

É por isso que, falhando ainda agora da verdadeira monstruosidade d'estas concessões, não quiz alargar-me n'esta especie de considerações, nem me alargarei ainda.

Bastar-me-ha dizer que, sendo de 413 kilometros quadrados a area de toda a Califórnia, aonde no anno de 1866 havia mais de 3:000 companhias em trabalhos de mineração de oiro, a area concedida ao sr. Paiva de Andrada para mineração de oiro excede metade da area de toda a Califórnia.

Na America para uma determinada area mais de 3:000 companhias, em Portugal um só homem!

Poderia dizer mais, que na Austrália existem mais de

2:000 minas e 2:000 companhias ou emprezas exploradoras n'uma area que é apenas a metade d'aquella que foi concedida ao sr. Paiva de Andrada.

Mas, repito, ponho por ora de parte estas questões, assim como ponho de parte a questão da extraordinaria pressa que houve em fazer a concessão.

Effectivamente um inglez chamado Walker pediu ao governo simplesmente 50:000 hectares de terreno em Moçambique, esse negocio levou dezoito mezes a resolver, e terminou por um indeferimento em 2 de dezembro de 1878; e o sr. Paiva de Andrada em quarenta e seis dias obteve milhares de vezes mais do que pedia o inglez Walker!

Mas repito: não insisto por ora sobre estas questões; tudo isto será mais tarde largamente discutido e demonstrado.

Passo, por conseguinte, á questão da legalidade; e a proposito d'ella e mesmo antes d'ella terei de fazer ao sr. ministro da marinha algumas perguntas que possam esclarecer o debate.

A primeira das perguntas refere-se a uma palavra repetidas vezes empregada no decreto da concessão, que é a palavra exploração.

Esta palavra não me parece que esteja muito em uso na nossa legislação, nem que tenha nenhuma significação juridica bem definida, entretanto, na parte em que respeita a minas, a palavra exploração, que julgo derivada do francez, está definida com effeito.

Se recorrermos ao decreto de 31 de dezembro de 1852, que regulou e modificou a legislação mineira em Portugal, encontra-se, do modo que essa lei o definiu, o significado da palavra exploração.

Peço perdão á camara de ter de ler tanto para que esta questão fique elucidada; entretanto, é preciso ler, e até já um distinto orador disse que esta questão era de ler, reler e tornar a ler (Apoiados.)

O preambulo do decreto de 31 de dezembro de 1852 diz o seguinte:

«No decreto que temos a honra de apresentar a Vossa Magestade distinguem-se os trabalhos da pesquiza e exploração de minas, em trabalhos de pesquiza e trabalhos de exploração. Deixa-se livre ao proprietario do solo, ou a qualquer, com o seu consentimento, fazer pesquizas para descobrir e reconhecer os depositos de substancias mineraes; suppre-se com a auctorisação do governo a falta de consentimento do proprietario do solo, dando-se certas condições. Porém, quando os trabalhos tomam o caracter de exploração, isto é, quando as investigações tem de ser feitas por poços ou galerias, não poderão ser estes trabalhos emprehendidos pelo proprietario do solo, nem por qualquer outro sem previa permissão do governo; porque podendo n'elles ser compromettida a segurança de pessoas ou de cousas, é indispensavel sujeital-os ás regras da arte e á vigilancia da administração.»

Aqui está definida a palavra exploração, mas, para que não fique duvida nenhuma, temos o decreto de 22 de dezembro de 1862, ácerca de minas no ultramar, no qual se encontram as seguintes disposições:

«Artigo 10.° A auctorisação para pesquiza não permitte senão fazer o reconhecimento do solo por inspecção da superficie, e por excavações a céu aberto ou por sondagens.

«§ unico. Quando o pesquizador achar necessario abrir' poços ou galerias de exploração, requererá ao governador da provincia licença para este fim. Esta licença será só para reconhecer a existencia, riqueza e mais condições do jazigo, e não dá direito ao pesquizador a aproveitar-se do minerio que extrahir, senão depois de obter concessão para lavra.»

Aqui está de novo empregada a palavra exploração' como differente de lavra. Quem explora, procura reconhecer a existencia de mineral, mas não póde aproveital-o.

Se recorrermos ao regulamento de tantos de janeiro de 1853, do decreto de 31 de dezembro de 1852, que reformou

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a legislação mineira em Portugal, encontrámos o seguinte: «Artigo 19.° As investigações por meio de trabalhos de exploração não podem começar-se sem previa permissão do governo.

«Artigo 35.° Quaesquer que sejam os minerios extrahidos no progresso da exploração, e que por sua natureza não possam ser lavrados senão em virtude de um acto de concessão, é absolutamente prohibido vendel-os ou commercial-os debaixo de nenhum pretexto ou fórma, por si ou por qualquer agente.»

O decreto de 4 de dezembro de 1869, cujas fontes são o decreto de 22 de dezembro do 18Õ2, que reformou a mineração no ultramar, e o decreto de 31 de dezembro de 1852, relativo a minas do continente do reino, conserva esta mesma significação para a palavra exploração. Diz elle:

«Artigo 5.° Os trabalhos destinados a reconhecer as condições geognosticas e mineralógicas, e a importancia industrial dos depositos ou jazigos de substancias mineraes, constituem as pesquizas e as explorações.»

E, pois, evidente, segundo a linguagem adoptada em technologia de minas, que na nossa legislação as palavras pesquiza, exploração e lavra ou mineração, se podem definir da seguinte fórma: pesquiza consiste em procurar se ha; exploração, em provar como ha; lavra ou mineração, em aproveitar o que ha. (Apoiados.)

Na pesquiza, o individuo que deseja obter a concessão de uma mina, percorre o terreno, e se reconhece que ha indicios ou vestigios de um filão, ou massa mineira, trata de reconhecel-o por trabalhos superficiaes; mas, se isto não basta para se organisar uma empreza mineira, trata de verificar se o filão tem continuidade para permittir lavra promettedora; se tem as condições que para a lavra são necessarias para produzir lucros; se a condição de transporte, e muitas outras, permittem essa lavra.

N'este segundo trabalho ha exploração, por meio de poços e galerias, e n'estes trabalhos é necessaria a intervenção do governo para se garantir a segurança de pessoas e cousas. E conhecendo-se que o filão ou massa mineira se presta a lucros fructuosos, pede-se a lavra ou mineração. (Apoiados.)

Esta é a significação que está nas nossas leis, e que é usada em technologia de minas. E parece-me mesmo que o sr. Paiva de Andrada no seu requerimento, cuja copia tenho aqui, reconhece esta differença, porque diz que pede:

«O privilegio exclusivo de fazer pesquizas e explorações de minas n'uma dada area;

«O direito de mineração de oiro n'essa mesma area.»

Assim o proprio sr. Paiva de Andrada claramente distingue exploração de mineração ou lavra.

Isto que parece claro pela linguagem adoptada nas nossas leis, e pelo requerimento do sr. Paiva de Andrada, está excessivamente confuso no decreto da concessão.

N'este decreto, em algumas partes, e por algumas condições, parece que a palavra exploração é unicamente empregada no sentido technico da palavra.

Assim, por exemplo, na concessão 5.ª, dá-se:

«O privilegio exclusivo por vinte annos da exploração das minas de ferro, cobre e outros metaes, situadas na região designada em o n.º 1.°»

E no artigo 4.° estabelece-se que estas concessões caducarão sé as minas encontradas não forem registadas no praso de dez annos.

Assim esta exploração da concessão 5.ª parece não ser lavra, e. não permitte aproveitar cousa nenhuma.

Pelo contrario, na concessão 2.ª, exploração parece significar lavra, porque os seus productos ficam sujeitos a imposto, e a exploração no sentido legal não póde dar productos materiaes de nenhuma especie.

Em face de tão estranha confusão pergunto ao sr. Ministro a palavra exploração no decreto tem a accepção technica e legal, ou significa apenas lavra, ou tudo conjunctamente?

O sr. ministro percebe que eu não estou a censurar o emprego da palavra — exploração — que está no decreto; procuro o esclarecer-me sobre a accepção que se póde dar á palavra; e conforme a accepção for assim hão de ser dirigidas as minhas observações.

Passo a outro ponto, sobre o qual preciso tambem dirigir algumas perguntas ao sr. ministro da marinha.

Quando se compara o requerimento do sr. Paiva de Andrada com o decreto da concessão notam-se differenças essenciaes.

A primeira differença é em relação á area.

O sr. Paiva de Andrada pedia a area comprehendida entre os parallelos de 15° e 20° de latitude meridional e os meridianos de 41" e 52° de longitude da ilha de Ferro.

O governo concedeu uma figura composta de um parallelogrammo e dois semi-circulos, cujas dimensões não podem avaliar-se sem que se reconheça exactamente a distancia de Tete ao Zumbo, pelo menos com a approximação em tal material e tal paiz possivel.

Por mais que me quizesse informar pelos meios não officiaes que estão á minha disposição, não pude saber qual é ao certo a distancia de Tete ao Zumbo. Se, por exemplo, recorro a documentos de caracter official que estão publicados, acho n'um relatorio muito notavel, do governador de Tete, o sr. Truão, ser a distancia de Tete ao Zumbo de 80 leguas; por outro lado, no relatorio de viagem do major Gamitto, de Muata a Cazembe, affirma-se que a distancia de Tete ao Zumbo é de 120 leguas.

Estes documentos estão publicados no discurso notavel que o sr, ministro dos negocios estrangeiros pronunciou na outra casa do parlamento. Se recorrer por outro lado aos mappas mais acreditados, apparece-me uma notavel divergencia.

A differença de longitude dada por Vogel é de 4º 38', o que coincide com as 80 leguas de distancia apontadas pelo sr. Truão.

O mappa acreditadissimo de Stieler, Perterman e Perthes dá a differença de longitude de 3º 1'.

Pergunto - sabe o governo qual é essa distancia? Pode dizel-a precisamente?

E quando digo precisamente, não faço questão de um, dez ou vinte kilometros, contento-me com a approximação de algumas leguas.

Qual é a distancia de Tete a Zumbo? Peço a s. ex.ª que tome nota, e que n'este ponto responda como poder, ou com a precisão que poder. Bem vê que a pergunta é de importancia, porque sem se conhecer esta distancia não é possivel. a avaliação da area que foi concedida.

Por outro lado nota-se ainda que em alguns casos, não digo em todos, porque não quero affirmar senão a verdade, o governo concedeu mais, e muito mais, do que lhe era pedido.

Por exemplo, o sr. Paiva de Andrada pedia o privilegio exclusivo por vinte annos, para mineração de oiro em terrenos da provincia de Moçambique, entre os limites geographicos que elle designava.

O governo, em logar de conceder essa mineração só por vinte annos, como era pedida, concedeu que fosse perpetua, illimitadamente em relação ao tempo, das minas comprehendidas n'outra area differente.

Desejo saber qual a rasão por que pedindo o sr. Paiva de Andrada só a mineração por vinte annos, lhe foi concedida perpetuamente?

Em alguns outros pontos ainda se notam discrepâncias entre o que foi pedido e o que foi concedido.

Por exemplo: o sr. Paiva Andrada pediu o privilegio exclusivo por vinte annos para pesquiza e exploração de minas com excepção das de oiro e de carvão de pedra, como aqui se vê no seu requerimento dentro de certa area. O governo começou por alterar a arca pedida, porquanto a concedida é muito differente da requerida, o talvez muito maior.

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Mas alem d’isso o sr.' Paiva de Andrada não pediu a mineração nem o privilegio de lavrar e aproveitar os mineraes durante vinte annos; solicitou apenas o direito de explorar, e depois acrescentou que, em relação a todas as minas, as podesse registar, entrando nas condições normaes da lei relativa a minas.

O governo deu-lhe mais. Deu-lhe ainda o privilegio exclusivo durante vinte annos para explorar, mas ampliou de dois a dez annos o praso legal para registar.

Desejava, pois, que o sr. ministro me explicasse qual a rasão d'estas differenças.

Faço estas perguntas que são essenciaes para que esta concessão se possa comprehender perfeitamente; e não se deverá tornar reparado que as faça quando n'outro logar homens, muito distinctos pela sua sciencia e pela sua auctoridade, mostraram que este decreto -de concessão era ao mesmo tempo enorme no dar, e de concessão mais que spartana no explicar a doação.

Este decreto, disse alguem, precisaria de longos e naturaes commentarios para ser entendido. Assim não são para estranhar as perguntas que faço para esclarecer o assumpto, quando a outros muito mais sabidos e illustrados tem elle causado grandes duvidas.

Agora passo a outro ponto; e vem a ser examinara questão da legalidade. Consiste em investigar, se o governo nas concessões que fez se manteve dentro da orbita que as leis ordinarias lhe traçam.

O governo não recorreu ao acto addicional, e a meu ver fez bem, porque não é para questões como esta, para concessões d'esta ordem que se devem aproveitar as disposições extraordinarias concedidas ao governo por aquelle diploma; para casos graves e urgentes, para providencias de interesse geral. Esta opinião não é só minha, manifestou-a o sr. ministro da marinha na camara dos dignos pares, e por isso applaudo; defendeu-a o sr. procurador geral da corôa e fazenda, que tambem por isso applaudo.

Estamos, pois, dentro das leis ordinarias, e n'ellas devemos procurar se o governo cumpriu ou não os seus deveres, ou se exorbitou d'elles.

Para este effeito divido a questão em tres partes: concessão de minas, concessão de florestas, e concessão de terrenos.

Examinarei qual é, no estado da nossa legislação, o direito a respeito d'estas especies de concessões.

O direito sobre minas divide-as em dois grupos; o primeiro grupo comprehende a generalidade de minas, que pertencem á soberania do estado. O estado tem sobre essas minas a posse do direito publico, a soberania, mas a propriedade dellas é de quem as descobre, regista e manifesta nos termos das leis. Ao governo só compete regular o modo como este direito de descoberta, registo e propriedade ha de ser exercido. '

O outro grupo comprehende na metropole, ou no continente do reino, as minas abandonadas.

Sobre essas o governo tem a posse de direito civil, o direito da propriedade: são verdadeiros proprios nacionaes. O governo vende-os, arrenda-os, afóra-os, nos termos legaes, como fez a respeito da mina de Aljustrel.

Quanto ao ultramar, este segundo grupo é mais numeroso; n'elle comprehendem-se as minas abandonadas de certa epocha por diante, mas comprehendem-se tambem as minas conhecidas e não exploradas. Todas estas são verdadeiras propriedades da nação, verdadeiros proprios nacionaes, a respeito dos quaes as leis tomaram disposições especiaes.

O governo concedeu ao sr. Paiva de Andrada a posse das minas de oiro conhecidas, mas não explorar as comprehendidas na area fechada pelas semi-circumferencias mais afastadas de dois circulos, tendo como centros a villa de Tete e o forte do Zumbo, e como raio a extensão de 36 leguas ou 2 graus, e pela linha parallela tangente aos mesmos circulos.

Concedeu-lhe mais a posse das minas de carvão de pedra conhecidas e não exploradas, pertencentes ao estado, situadas na bacia hydrographica do Zambeze.

Tudo isto quanto o governo concedeu, a respeito da posse de minas, de minas que são proprios nacionaes, é regulado pelas disposições do artigo 45.° do decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1869.

As disposições d'este artigo são as seguintes:

«Artigo -15.° São propriedades do estado:

«1.° As minas abandonadas;

«2.° As já conhecidas e não exploradas, e situadas em terrenos do estado, ou sujeitas á soberania portugueza.

a § 1.º O governo publicará, com a possivel brevidado, no Diario do governo uma relação das minas a que se refere este artigo.

«§ 2.° Fica salvo ao governo ò direito de fazer concessões directas d'estas minas a sociedades ou companhias, para a exploração em grande de uma zona mineira.»

Todas as palavras d'este § 2.° devem ser ponderadas e pesadas, para se ver se o governo, pelas auctorisações que tem, exorbitou, ou se procedeu dentro dos limites dellas.

Em primeiro logar se diz: «fica salvo ao governo 0 direito de fazer concessões directas».

Concessões directas, quer dizer concessões feitas directamente pelo governo á entidade que ha de aproveitar e lavrar as minas.

Agora, continua ainda: «d'estas minas».

«D'estas» quer dizer: minas abandonadas, ou conhecidas e não exploradas.

As minas haviam de ser tão conhecidas, que o governo tinha de publicar uma relação dellas no Diario official.

De maneira, que são estas minas abandonadas, ou conhecidas e não exploradas, que o governo póde conceder, e sem intermediario de nenhuma especie.

Mas conceder a quem?

Continua a lei: « a sociedades ou companhias».

Portanto, o governo ha de conceder umas certas minas directamente a sociedades ou companhias.

E se se quizer saber com que um, tambem a lei o diz. E para se poder explorar em grande uma zona mineira.

Alguém tem querido deprehender d'esta ultima phrase da lei, que o governo ficou auctorisado a conceder uma zona mineira inteira; mas não é assim.

O que O governo póde conceder é as minas abandonadas, ou conhecidas e não exploradas, com o, fim de se poder explorar em grande uma zona mineira. É muito differente do se poder conceder uma zona mineira.

Assim, por exemplo, succedendo que uma sociedade ou companhia lavre uma certa mina, que obteve pelos termos ordinarios das leis; se na região d'essa mina houver minas do estado, abandonadas ou conhecidas e não exploradas, e se a essa sociedade ou companhia convier a exploração dellas n'essa zona, póde pedir a concessão dellas ao governo, e o governo póde fazer essa concessão. (Apoiados.)

É esta a interpretação que eu dou ao artigo, mas não me faço cargo d'ella. Parece-me boa esta interpretação do artigo, é a que eu lho dou, mas não me faço cargo d'ella, nem firmo n'este ponto a minha argumentação.

A minha objecção ao governo funda-se em não ter elle concedido o que devia conceder e como devia conceder.

As palavras «concessões directas d’estas minas a sociedades ou companhias» querem evidentemente excluir um intermediario qualquer. Ora, as concessões que se fizeram não foram feitas a sociedades ou companhias, cuja organisação, cuja seriedade, cujos meios e cuja composição o governo conhecesse, e podesse, portanto, apreciar. (Apoiados.)

O governo fez uma concessão a Paiva de Andrada, individuo que não conheço, e ao qual não quero irrogar a minima censura nem fazer offensa de especie nenhuma, mas que não é nem sociedade nem companhia; isto é, o governo, pelas meras disposições do decreto de 26 de de-

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zembro de 1878, fez uma concessão indirecta, porque fez a Paiva de Andrada uma concessão para elle organisar companhias, que finalmente hão de ser proprietárias das minas. (Apoiados.) Portanto infringiu a lei n'esta parte. (Apoiados.)

Póde talvez dizer-se, mas eu não quero tambem firmar a minha argumentação n'este ponto, que infringiu a lei igualmente, porque não fez a concessão por concurso.

Creio que se póde dizer isto com fundamento, porque o § 2.° a que já me referi, dizendo que fica salvo o direito de se fazerem concessões, não creou direito novo, mas resalvou um direito anterior. Esse direito anterior estava creado no decreto de 22 de dezembro do 1852, artigo 9.°, que o decreto de 4 de dezembro de 1869, artigo 45.°, em cousa alguma alterou n'esta parte.

Mas o decreto de 22 de dezembro de 1852 no artigo 9.° diz:

«Artigo 9.° Os jazigos de minas já conhecidas no ultramar são propriedades nacionaes, cuja lavra será concedida pelo governo a quem offerecer em concurso mais garantias e vantagens ao estado.

«§ unico. O governo publicará com a possivel brevidade uma relação d'estas minas, para resalvar qual é o terreno que fica livre aos pesquizadores.»

Logo, se o decreto de 22 de dezembro de 1852 tinha disposições sobre o que constituia, por assim dizer, o direito commum mineiro, em virtude do qual se podiam conceder minas a quem as descobrisse, manifestasse e registasse; se tinha uma disposição especial que permittia conceder por concurso as minas que não fossem propriedade do estado a quem mais garantias offerecesse ao estado em concurso; se o decreto de 4 de dezembro de 1869 contém do mesmo modo disposições do direito commum mineiro e uma disposição especial para as minas que são propriedades do estado; se este decreto resalva o direito creado pelo de 1852, que obriga o concurso, é claro que sem concurso não póde o governo conceder.

De modo que eu podia muito bem increpar o governo por ter prescindido da formalidade do concurso. (Apoiados.)

E verdade que se póde. dizer, e já se disse, porque não faltam nunca subterfugios, que a palavra directas, que se emprega no decreto de 1869 põe de parte a idéa de concurso, mas não me parece que tal rasão possa colher. Para isso seria necessario negar a significação das palavras e rasgar todos os diccionarios da lingua. Seria necessario affirmar, que o adjectivo indirecto tanto vale como posto em hasta publica.

Chegaríamos a conclusões que deixariam no escuro a celebre confusão das linguas da Torre do Babel.

Mas de mais a mais na propria legislação do ultramar está explicado o que quer dizer directo e indirecto.

O decreto de 4 de dezembro de 1861, modificando a lei de 1856, a respeito de concessão de terrenos, diz o seguinte no § 1.° do artigo 1.°:

«A concessão será indirecta, e independente de hasta publica, e dos termos e formalidades prescriptas no capitulo 4.° da lei de 21 de agosto de 1856.»

A lei de 21 de agosto de 1856 permittia concessões indirectas, feitas pelos governadores da provincia, mas exigia a hasta publica, e exigia certos termos e formalidades. A lei de 1861 modificou tudo, indicando claramente que directo não quer dizer sem hasta publica.

Perguntarei agora ao sr. ministro da marinha com que auctorisação fez uma concessão a um individuo, que ha de organisar as companhias, de cuja seriedade e importancia o governo não póde formar idéa, em cuja constituição não póde intervir, porque nos termos da concessão apenas se exige que as companhias se sujeitem ás leis portuguezas.

A concessão feita pelo governo não se limita a dar a posse das minas conhecidas e não exploradas, ou das minas abandonadas, de que reza o decreto de 4 de dezembro de 1869. O governo concedeu muito mais, porque concedeu o privilegio exclusivo de exploração, dentro de uma area bem ou mal determinada, e aqui se mostra a necessidade de definir claramente o que quer dizer a palavra «exploração» n'este decreto.

Ora, a nossa legislação mineira no ultramar, pelo que respeita a exploração, é effectivamente clara e não póde admittir a menor duvida. Todo o portuguez tem direito de fazer pesquizas e explorações, comtanto que obtenha licença do governador geral da provincia, em conselho, ouvido o engenheiro de minas, o essa licença não póde nunca exceder a area de 2:500 hectares, e não póde constituir privilegio exclusivo ao monopolio de ninguem. (Apoiados.)

Como é que o sr. ministro da marinha concede um privilegio, um monopolio, contra todas as disposições prescriptas na lei? Não ha lei alguma que permitta a concessão de monopolio nem de privilegio a respeito de pesquizas, de exploração ou de lavra; mas, pelo contrario, qualquer portuguez ou estrangeiro póde pesquizar, explorar, o, se descobrir, registar e adquirir direito á posse.

Não ha, repito, na lei, nada que auctorise o governo a conceder privilegios exclusivos de pesquiza, exploração ou lavra. Como foi então que o governo concedeu esses privilegios exclusivos e creou esse monopolio? Como estabeleceu um direito privilegiado?

Passo agora da questão das minas, ácerca da qual ficam expostas as minhas duvidas, á questão das florestas.

O governo, não póde conceder das propriedades nacionaes senão o que a lei expressamente lhe deu o direito de conceder. O governo aqui é mero administrador, e procede em virtude de uma procuração restricta e limitada, que não póde substabelecer senão quando da procuração expressamente conste o direito de substabelecimento. O governo administra em virtude de procuração, que são as leis, nos termos e limites que as leis marcam. Nada mais.

Haverá lei que permitta ao governo, conceder o direito de explorar as matas que são propriedade do estado, que são verdadeiros proprios nacionaes. Posso provocar o sr. ministro da marinha a dizer qual ti lei, a data d'ella, ou o artigo ou paragrapho que consente que o governo conceda a exploração das matas que são proprias do estado. Que eu saiba, a unica legislação que se refere ás matas do ultramar é a lei do 21 de agosto de 1856, que diz:

«Artigo 1.º Todos os terrenos baldios do ultramar pertencentes ao estado poderão ser alheados por algum dos modos estabelecidos no artigo 5.° d'esta lei.

«§ unico. São exceptuados:

«3.° As matas já existentes, especialmente as situadas nas vizinhanças da costa e portos de mar ou rios navegáveis, que pela qualidade e abundancia das suas madeiras deverem ficar reservadas para dellas se cortarem e mais commodamente extrahirem as que forem precisas para o serviço do estado.»

A interpretação que eu dou a esta disposição é que o governo não póde conceder matas nenhumas, e, mais que muito, não póde conceder as que estiverem nas regiões que se avizinham das costas do mar ou rios. Todas as vezes que se queira violar as leis, ou se violam, ha o cuidado de arranjar interpretações que sirvam para o caso, mas eu não quero fazer questão com o sr. ministro da marinha ácerca da interpretação que elle na camara dos dignos pares deu a tão clara disposição.

Basta-me recorrer ao artigo 11.° da mesma lei, onde se

lê:

«As arvores que existirem nos terrenos, quando estes forem vendidos ou emprazados, apropriadas para as construcções navaes ou civis do estado, ficarão no perpetuo dominio da fazenda nacional, sendo para esse fim previamente marcadas e arroladas.»

Portanto, ainda que o sr. ministro da marinha queira allegar a seu favor que só são exceptuadas, pelo n.º 3.° do artigo 1.°, as matas situadas nas costas e portos de mar,

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o artigo 11.°, que trata de grupos de arvores situadas no interior, não diz que o governo póde alhear essas arvores; pelo contrario, estabelece que não podem ser vendidas, antes hão de ser arroladas e marcadas, para ficarem na posse do estado. Não sei como será facil ao sr. ministro saír d'estas difficuldades creadas pela lei.

Mas supponhamos que surgem grandes facilidades, que, apesar de a lei dizer que o governo não póde vender nem as matas nas proximidades dos rios e costas, nem as que em outros pontos vegetam, o governo, por subtileza juridica, em que tudo se defende, pretende a faculdade de alhear matas. Ainda assim, não o poderia fazer senão nos termos da lei, que são a venda ou o emprazamento. Ora, o governo não concedeu terrenos ao sr. Paiva de Andrada nem por venda nem por emprazamento; deu-lhe gratuitamente o direito de explorar todas as matas, de aproveitar todos os seus productos, na enorme bacia hydrographica do Zambeze. (Apoiados.)

Não houve aqui venda, não houve emprazamento, houve dadiva! A unica interpretação da lei é, que o governo não podia conceder matas nenhumas, nem as que estão situadas proximos dos rios e costas do mar, nem as do interior, não podia conceder nem uma arvore; prohibia-lh'o a lei. Aquellas mesmas arvores que se encontrarem em terrenos de que o governo possa dispor, e pelo seu desenvolvimento sirvam para quaesquer obras do estado, ficam sempre na sua posse, embora o terreno seja concedido, sendo previamente arroladas e marcadas. E o que diz a lei. (Apoiados.)

Mas suppondo mesmo que o governo podia alhear arvores, não o podia fazer senão nos termos do artigo 5.° da lei de 21 de agosto de 1856; e esse artigo diz: que se póde alhear, mas é por emprazamento directo ou por venda. Ora, o governo nem alheou por um modo nem por outro, concedeu o direito gratuito de exploração, exactamente o que em nenhum caso, por nenhuma interpretação podia conceder. (Apoiados.)

Em virtude de que lei e com que auctorisação legal, nas proximidades da abertura do parlamento, fez o governo uma concessão d'esta ordem, dando gratuitamente florestas e todos os productos que possa dellas privilegiadamente auferir o sr. Paiva de Andrada?! (Muitos apoiados.)

Repito, não ha lei alguma que auctorise o governo a fazer uma concessão d'esta ordem. (Apoiados.)

E se algum precedente serve, a prova provada de que o governo não reconhece em si o direito de conceder, por meios ordinarios de administração, a, exploração das matas do estado, está ria proposta de lei de 10 de janeiro de 1877, assignada por uma auctoridade para mim scientificamente insuspeitissima, e para os illustres ministros, politicamente competentissima, a do sr. Andrade Corvo; porque s. ex.ª, n'essa proposta de lei, pede auctorisação ás côrtes para conceder a uma companhia o uso gratuito das madeiras, pedras, e mais materiaes de construcçâo que se encontram nos terrenos pertencentes ao estado!

Pois se o proprio governo reconheceu, trazendo ás côrtes uma proposta que elle não podia conceder as madeiras extrahidas das arvores que estão nos terrenos do estado sem concessão parlamentar, como é que podia fazer esta concessão legalmente e cinco dias antes da abertura do parlamento?! (Apoiados.).

Resta-me agora considerar a questão dos terrenos.

Entendeu-se em 1856 que se devia reformar o que havia na nossa antiga legislação, a respeito de concessões de terrenos no ultramar; fez-se para isso a lei que ha pouco citei de 21 de agosto de 1856, que marcava os casos e os modos como podiam ser alheados os terrenos do ultramar, e as formalidades a que essas alheiações haviam de ficar sujeitas.

Mais tarde, em 1861, tendo a guerra da America dado esperanças de que a cultura do algodão se desenvolveria com facilidade nas nossas provincias ultramarinas, prescindiu-se de algumas das restricções que a lei de 1856 punha á alheação de terrenos, e ampliou-se a uma lei de modo tal que as acquisições de terrenos por particulares ou emprezas ficassem facilitadas.

Em todo o caso, o decreto de 1861 que tem hoje força de lei, decreto que foi promulgado em virtude do acto addicional, e mais tarde confirmado pelas côrtes, impõe certas e determinadas restricções na concessão de terrenos, porque se entendeu, e muito bem, que se não devia deixar aos governadores geraes do ultramar e aos governos a completa liberdade de alhear terrenos na extensão e pelo modo e fórma que quizessem. (Apoiados.)

Pela lei de 1856 os governadores do ultramar tinham a liberdade de alhear, por emprazamento ou venda, até 500 hectares de terreno; e o decreto de 1861 ampliou essa area de 500 a 1:000 hectares, de modo que alem d'esta superficie não podem esses funccionarios conceder ma>s cousa alguma.

Pelo que respeita ao governo, o decreto de 1861 mantem na maxima parte as disposições da lei de 1856, por isso que continuou a auctorisar o governo a conceder terrenos n'uma area muito maior do que a de 500 ou 1:000 hectares.

Em todo o caso as concessões hão de ser directas, e o governador de qualquer provincia ultramarina não póde fazer concessões maiores do que 1:000 hectares. Uma vez feita a concessão a qualquer individuo, ou companhia, não póde, nem um, nem outra, obter nova concessão sem se provar que foi aproveitada mais de metade da area primeiro concedida.

Ora, o governo fez uma concessão ao sr. Paiva de Andrada, para elle a traspassar a uma companhia, e é este o «primeiro ponto em que elle infringiu a lei, porquanto esta exije claramente que as concessões sejam directas, pela mesma rasão que a respeito das minas, isto é, por ser necessario conhecer o grau de seriedade das companhias, a sua composição, os seus estatutos, emfim todas as condições a que no seu viver estão sujeitas. O governo, em logar de fazer uma concessão directa, unica que a lei lhe permittia, fez uma concessão indirecta. (Apoiados.)

Quando n'este paiz havia mais respeito pelas leis, e menos invenções e subtilezas escolasticas, para só auctorisarem os governadores das provincias ultramarinas a ampliar as concessões que elles podiam fazer, de 500 hectares de terreno a 1:000 hectares, julgou-se necessario trazer ao parlamento uma proposta de lei, a qual foi apresentada pelo sr. Carlos Bento, e como não houvesse tempo para essa proposta poder ser approvada, legislou-se em virtude do acto addicional, sendo a final confirmado o decreto por uma lei do 1863.

Tudo isto, repito, se julgou necessario fazer no tempo em que havia mais respeito pela lei.

Agora o governo, por um simples decreto, ou dá ao governador geral da provincia de Moçambique o direito de fazer concessões maiores do que a area de 1:000 hectares, ou pratica o absurdo de tornar quasi infinita, em relação ao tempo, a tradição do objecto concedido. Ou o governador não póde conceder de cada vez senão 1:000 hectares de terreno, e, n'esse caso, a tradição póde levar, pelo menos, 100 annos, o que é absurdo, ou o governo se permitte a liberdade de auctorisar o governador de Moçambique a conceder aquillo que, por lei, não póde conceder. (Apoiados.)

Falta me ainda uma ultima especie de privilegios concedidos pelo governo, sem que para isso, que me conste, haja lei que o auctorise. E a que se contém na condição 2.ª, que diz o seguinte:

« O privilegio exclusivo, por vinte annos, da exploração com machinas aperfeiçoadas, de qualquer outra mina de oiro na referida area.»

Já apresentei as minhas objecções na parte relativa á condição, pela qual se concede o privilegio exclusivo de uma exploração.

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Agora voa tratar do que diz respeito ao privilegio exclusivo do emprego de machinas aperfeiçoadas.

Em virtude d'esta concessão, ninguem poderá n'aquella area empregar machinas aperfeiçoadas na exploração das minas de oiro, senão o sr. Paiva de Andrada, ou a companhia por elle formada. É o que está aqui expresso e claro. (Apoiados.)

Poderão os indigenas, ou quaesquer outros individuos, explorar as minas de oiro com machinas não aperfeiçoadas, mas com machinas n'estas condições só o sr. Paiva de Andrada, ou a companhia que elle organisar, e mais ninguem. E o que consta da leitura que fiz, ou aliás terei de confessar que não sei ler. (Apoiados.)

Pergunto ao sr. ministro da marinha o que são machinas aperfeiçoadas, applicadas á mineração aurífera, e qual foi a lei que o auctorisou a conceder mais este monopolio. E não julgue s. ex.ª que a pergunta a respeito de machinas aperfeiçoadas seja ociosa, ou destinada a crear-lhe embaraços de responder.

S. ex.ª sabe, como eu, que as minas de oiro se podem classificar em tres grandes grupos: minas de quartzo, minas de alluvião profunda e minas de alluvião superficial.

Nas minas de quartzo o oiro acha-se envolvido em rochas de extrema dureza, e é necessario muitas vezes ir procural-o a grandes profundidades, quebrar essas rochas por meio de machinas especiaes, para depois de quebradas extrahir dos fragmentos o oiro.

Quanto ás minas de alluvião profunda, é necessario fazer excavações até uma grande profundidade, para se poder encontrar a alluvião aurífera, que, lavrada e tratada por diversos modos, podendo ser, ou deixar de ser, por meio de machinas aperfeiçoadas, produzem o precioso metal.

Nas' minas de alluvião superficial que ordinariamente se, encontram nas margens dos rios, colhe-se a areia á superficie do solo, e extrahe-se d'ella o ouro por lavagens mais ou menos perfeita.

O processo mais elementar de que ainda usam os chins, os negros da Africa, e. de que se usa tambem na Austrália, consiste no emprego de uma simples gamella em que se recolhe a areia aurífera, que se agita n'uma porção de agua, esta leva a areia que é mais leve e fica no fundo do recipiente o oiro que é mais pesado.

Este é o meio primitivo, d'aqui por diante começa uma serie de meios mais ou menos aperfeiçoados, mas entre os quaes desejo que o sr. ministro da marinha me distinga claramente o que é machina aperfeiçoada e o que o não é.

Por exemplo: n'uma primeira phase de progresso, era logar de se empregar a gamelinha dos pretos, usa-se uma serie de canaes, e ao longo d'elles, arrastada por um fio de agua, corre a areia aurífera.

A agua, em virtude da inclinação que os canaes têem, leva o quartzo e a terra, e o oiro deposita-se no fundo.

O meio mais grosseiro é serem estes canaes immoveis, meio mais aperfeiçoado é terem movimento de trepidação.

Esta póde ser dada, ou directamente pelas mãos de homens, ou por meio de machinas movidas a braço, ou por quedas de agua, ou por vapor.

E n'estes canaes umas vezes recolhe simplesmente o oiro, outras vezes é absorvido por uma camada de mercúrio.

No meio d'isto tudo qual é o limite entre machinas aperfeiçoadas, e o que não é; como se distingue uma cousa da outra?

Parece-me que é necessario que o sr. ministro, que fez a concessão, e que deve saber perfeitamente tudo isto, onde acaba o apparelho grosseiro, e onde começa a machina aperfeiçoada, nol-o diga, para que saibamos quaes os direitos do concessionario, e até que ponto chegaram os privilegios exclusivos que o governo houve por bem de dar lhe.

Resumindo: pergunto ao governo o que se entende pela

palavra exploração empregada no decreto da concessão, qual é a sua significação precisa.

Em segundo logar qual é a distancia de Tete ao Zumbo, conforme resulta dos documentos officiaes que devem existir no ministerio da marinha, o que o sr. ministro ha de conhecer perfeitamente, aliás não concederia uma area cujos limites não fossem conhecidos.

O espirito de infracção do leis e a generosidade para com o concessionario, inclino-me a acreditar que não iria até ao ponto de lhe conceder uma area indeterminada.

Terceiro: o que entende s. ex.ª por machinas aperfeiçoadas; quer dizer, onde pára o direito de qualquer mineiro, e onde começam os direitos exclusivos do monopolio do sr. Paiva de Andrada e das companhias que elle formar.

Quarta: e esta pergunta é nova, porque não me occorreu fazel-a ainda agora, a lavra das minas concedidas ao sr. Paiva de Andrada fica ou não sujeita a todos os preceitos e disposições do decreto de 4 de dezembro de 1869 sobre mineração.

Depois: se a exploração de minas concedida ao sr. Paiva de Andrada ou ás companhias que elle formar, qualquer que seja o sentido da palavra exploração, fica ou não sujeita aos preceitos e regras que o decreto de 4 de dezembro de 1869 marca a respeito de explorações.

E finalmente: em que lei se auctorisou o sr. ministro para fazer concessões indirectas a um individuo em logar de as fazer directamente a companhias ou sociedades, qual lei o auctorisou a conceder privilegios exclusivos e a crear monopólios, qual o auctorisou a conceder o direito de exploração das matas do estado, e qual o auctorisou a dar ao governador do Moçambique faculdades que a lei não lhe deu?

Tenho concluido por agora.

O sr. Ministro da Marinha (Thomas Ribeiro): — Quando entrei n'esta casa imaginava que o illustre deputado interpellante me poria a questão, que queria levantar ácerca da concessão feita ao sr. Paiva de Andrada, sob todos os aspectos pelos quaes s. ex.ª entendia, e muito bem, que podia e devia ser encarada.

S. ex.ª, porém, entendeu que devia dividil-a, em vez de a tratar em globo, como me parecia que devia ser tratada, e se me não engano, s. ex.ª propoz-me uma questão previa.

Julgo ser esta a fórma pela qual posso encarar as perguntas que me dirigiu o sr. Mariano de Carvalho.

Procurarei não saír dos limites que strictamente me quiz marcar o illustre deputado, respondendo unica e exclusivamente sobre a legalidade com que o governo entendeu haver feito a concessão do que trata o decreto de dezembro proximo passado, e esforçar-me-hei por demonstrar, o mais claramente que ser possa, que o governo não quiz por modo algum, porque não o podia fazer, saír da stricta legalidade.

Essa legalidade está marcada dentro dos termos essenciaes e especiaes das leis, que o decreto da concessão marcou por mais de uma vez; e se s. ex.ª me permitte, visto que a questão é simplesmente de legalidade, começo por dizer em geral qual foi a idéa do governo.

Em primeiro logar, o illustre deputado referiu-se á area da concessão para a exploração das minas.

O governo, na outra casa do parlamento, foi arguido, o arguido acremente, por não ter seguido os conselhos que lhe dava a junta consultiva do ultramar, e porque havia uma certa discordancia entre os pedidos primitivos e a concessão feita.

Sr. presidente, a verdade é que o sr. Paiva de Andrada pediu mais do que o governo concedeu, e o governo, limitando essa concessão aos termos, que logo direi a v. ex.ª e á camara, entendeu que havia assim seguido o mais possivel as indicações da junta consultiva do ultramar.

O governo, concedendo ao sr. Paiva de Andrada, não o

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que elle pediu, e de accordo com elle, modificando essa concessão, entendeu que, em vez do lhe conceder o que elle pedia, por uma certa limitação, devia não só restringir essa area da concessão para a exploração de minas, mas devia principalmente, e este foi o meu intuito politico, fazer a concessão de uma zona mineira em sentido differente da zona por elle pedida. Isto é, marcando-lh'a em vez de ser no sentido de norte sul, no sentido do nascente ao occidente, para tocar o termo do limite, que os mappas mais auctorisados, e por exemplo aquelle que traz o nome do sr. marquez de Sá da Bandeira, de sempre saudosa memoria, nos dão n'aquelle extensíssimo territorio.

Por este facto vê a camara perfeitamente que algum intuito politico teve o governo quando fez esta concessão ao sr. Paiva de Andrada no sentido em que lh'a fez.

O governo portuguez entendeu que tinha direito, e isto foi debatido e largamente questionado na camara dos dignos pares, ao territorio que vae 36 leguas para alem do Zumbo, porque é ahi exactamente que esses mappas assignalam os limites do nosso dominio.

O governo deseja muito, e deseja por motivos que talvez tenha ainda do explicar á camara, porque a questão politica reserva-a s. ex.ª o digno deputado que me procedeu, para outra occasião, para occasião que melhor lhe convenha, explicar mais largamente os motivos por que, em logar de conceder uma maior area na direcção de norte a sul, concedeu uma area mais pequena, e no sentido de leste a oeste.

Ora, eu não posso positivamente ter a respeito da distancia que vae de Tete ao Zumbo informações differentes d'aquellas que póde obter o illustre deputado interpellante. Mas o que nós precisamos saber unicamente é se o termo da concessão é justamente o que se assignal-a ao territorio portuguez na região da Zambezia, isto é, 36 leguas acima do Zumbo. (Apoiados.)

S. ex.ª sabe perfeitamente que os documentos a que eu podia soccorrer-me estão marcados mathematicámente, porque são os mappas.

S. ex.ª, citando um mappa, ou um documento que diz que essa distancia é de umas 80 leguas...

O sr. Mariano de Carvalho: —O que disse foi que o relatorio de um dos mais distinctos governadores diz que essa distancia é de 80 leguas, que outros dizem que é de 120, e que ha emfim uma grande divergencia a este respeito.

O Orador: — Ha uma grande divergencia a este respeito, mas o que nós precisámos saber unicamente é, se marcado o limite da concessão a uma certa distancia alem do Zumbo, elle é verdadeiramente o limite do nosso dominio.

A distancia entre essas duas povoações não se sabe bem, mas não vejo mesmo que seja muito necessario saber-se, porque os termos da delimitação da concessão alem do Zumbo estão perfeitamente marcados no decreto a que s. ex.ª alludiu.

S. ex.ª começou por notar que em Portugal se dava a um homem só uma area muitissimo grande para explorar as minas; e eu estimo bem que a camara fique convencida de que a exploração das minas não é a concessão do territorio em que esta faculdade é dada a qualquer companhia.

O territorio fica sendo de quem era. A concessão da exploração das minas é uma cousa muito differente da concessão do territorio.

Pôde n'um territorio de muitas leguas haver só um, dois ou tres pontos em que se possa explorar um jazigo mineiro.

Por consequencia a questão da area do terreno com que se tem querido arguir o governo não é absolutamente aquillo que muitos imaginam.

Dentro d'essa area dá-se auctorisação para que um concessionario possa explorar as minas, e explorar as minas não é, nem póde ser, a exploração do terreno em que ellas estão comprehendidas.

S. ex.ª quiz tambem comparar o que acontece com os exploradores de ruinas na Califórnia, na Austrália e em todos os paizes, aonde tem afluído muita gente, a fim de proceder á lavra dos jazigos mineiros que ali existem, com o que devia acontecer nas nossas provincias ultramarinas, sem se lembrar do que infelizmente ali acontece ha tantissimos annos.

Nas nossas possessões apenas tem apparecido rarissimos individuos que tenham querido o exclusivo das minas, e isto na provincia de Angola, que não é a provincia de Moçambique.

Se s. ex.ª quizesse ler uma parte do relatorio de um illustre ministro, cuja memoria é sempre adorada por todos nós, o sr. Rebello da Silva, relatorio que não leio, porque não quero cansar a camara nem dar á discussão maiores dimensões do que as que lhe deu o illustre deputado interpellante, veria que quando em 1869 aquelle illustre ministro publicava o seu decreto a respeito de minas dizia: «Está-se voltando toda a attenção da Europa para os nossos territorios mineiros, especialmente na provincia de Moçambique!»

São decorridos dez annos, sr. presidente, essa grande attenção da Europa, esse grande desejo de explorar minas na Zambezia, ainda não chegou a traduzir-se em factos!

Apparece pela primeira vez um solicitante para que se lhe concedam os meios de poder explorar essa região, e pergunta o illustre deputado se são identicas as circumstancias dos grandes paizes mineiros, onde andam centenares, milhares e até milhões de pessoas trabalhando, ás da Zambezia, onde não ha nem cultura de terrenos, nem quem explore as minas, sejam ellas de que qualidade, ou abundancia forem! (Apoiados.) Por consequencia, é preciso que os exemplos possam colher; e para isso é preciso que as circumstancias se identifiquem.

Perguntou o illustre deputado o que se entendia pelas palavras «exploração de minas»; e s. ex.ª notou muito bem, que na nossa legislação se encontram as palavras pesquiza, exploração, lavra e aproveitamento de minas. E tambem s. ex.ª indicou, por muito judiciosas definições, que o sr. Paiva de Andrada, ou a companhia por elle organisada, tem de entender da seguinte fórma estas tres palavras: pesquiza, procurar-se-ha; exploração, procurar como ha; lavra, aproveitar o que ha.

Mas entende v. ex.ª e entende a camara, que haverá quem faça viagens muito longas, quem exponha as vidas, e quem dispenda em larguissima escala os capitães necessarios, só pelo prazer de ver se n'uma região remota ha minerio, e como ha esse minerio? (Apoiados.)

Isto não podia ser, nem ha lei nenhuma que auctorise a suppor isso; e vou ler um artigo, que s. ex.ª já citou, onde vem a resposta á sua pergunta.

(Leu o artigo 45.º do decreto de 4 de dezembro de 1869.)

Sr. presidente, o ministro que referendou este decreto sabia qual era o valor da palavra" exploração empregada na ultima parte do artigo que acabo de ler.

Esta exploração em grande quer dizer — que explorar, n'este sentido, é o mesmo que pesquizar, explorar, no sentido restricto da palavra, e emfim lavrar e minerar, tirando todo o proveito que necessariamente devo provir da concessão. É a interpretação legal.

E agora a respeito mesmo d'esta pergunta, vou dar outra resposta ao illustre deputado.

S. ex.ª entende que por este preceito legal, o governo só tinha direito de dar, de fazer concessão, para melhor dizer, das minas conhecidas que fossem, por consequencia, consideradas minas do estado, mas nenhuma outra que n'essa região possa haver. Isto não póde ser assim.

O artigo 45.° d'este decreto dispõe para uma hypothese

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especial; nos outros artigos d'elle regula-se o direito de cada individuo a pesquizar, explorar e lavrar esta ou aquella mina que descubra. É o preceito generico; o artigo 45.° abre uma excepção facultando ao governo concessões de exclusivos em favor de sociedades ou companhias que pretendam explorai' em grande uma certa zona mineira.

O legislador entendeu que podia ser de vantagem ter de fazer uma larga concessão a uma companhia. Isto é natural.

E como poderia o paiz esperar que de outro modo houvesse uma exploração em grande em qualquer provincia ultramarina?

Creio que nem o paiz, nem ninguem, podia esperar similhante cousa.

No reino sabemos nós que, pelas condições de vizinhança e commodidade, é possivel a uma empreza emprehender a exploração de uma, ou duas minas, com certas vantagens; mas no ultramar, tendo-se de organisar companhias para sitios insalubres e sujeitos a tantas contrariedades, quem solicitaria concessão para explorar uma só mina de extensão e riqueza incerta? Quem o quereria fazer? Com certeza ninguem.

Quando o governo promulgou o decreto de 1869, e n'elle no artigo já citado se refere á concessão das minas do estado para a exploração em grande de uma certa zona, considerou essas minas, já como incentivo aos emprehendedores, que levavam a certeza da existencia de minerio ali, já como indicação certa de que n'aquelle territorio havia uma zona mineira.

Se quizesse exclusivamente facultar a concessão d'essas minas do estado fallava dellas pura e simplesmente, e não de uma zona mineira.

A rasão porque a lei, ou o decreto de 1869, facultou a concessão d'estes privilegios n'uma certa zona foi, de certo, para garantir os interesses legitimos dos que ousassem, em tão aventurosas emprezas, arriscar as suas vidas e os seus capitães.

Nós somos assim. O primeiro que vae é um heroe; depois vae o segundo, depois vae o terceiro, depois vão vinte e trinta, depois ha umas poucas de companhias que querem ir explorar. Pois, praza a Deus que viessem, que ainda ha logar para todos, sem perigo de se atropelarem. Haveria companhia séria que quizesse, sem estas concessões de exclusivo, por amor da arte, simplesmente por amor da arte, sujeitar-se a todas as eventualidades tristissimas que muitas vezes esperam estas emprezas?

Parece-me que a letra e o espirito da lei responde plenissimamente á pergunta que s. ex.ª fez.

Mas, diz-se que a concessão que se fez é um erro. Eu não estou d'isso convencido; bem ao contrario, entendo que ella é altamente vantajosa para aquella nossa provincia ultramarina.

Mas, com relação a esta concessão, o illustre deputado pareceu dar a entender que eu tinha empenho pessoal por esta ou aquella pessoa

Sr. presidente, nos actos que tenho praticado até hoje, e são poucos, porque não estou ha muito tempo no governo, nunca me decidi senão, e em casos principalmente de tanta magnitude, pelo que me parece justo.

Não tenho vontade nenhuma de prejudicar o meu paiz; mas é possivel que com as melhores intenções commetta um erro em que o prejudique.

Commetti-o eu?

Eu quero pedir aos meus collegas da maioria, especialmente áquelles que me não conhecem, que não olhem para esta questão como questão politica, que ponham de parte qualquer adherencia ou afinidade de amisade, que porventura possa haver para com o governo, e principalmente para commigo, que sou o principal n'esta questão, e decidam, como decide um jury, em sua consciencia.

Ha cousas com que ninguem que se preze póde e deve transigir, por mais instantes que sejam os conveniencias politicas.

Tratando-se de uma questão em que esteja compremettida a dignidade, a segurança de uma parte do paiz, eu não apertaria, com vontade, a mão d'aquelle que por favor votasse em pró de uma concessão d'estas, julgando-a perniciosa. (Vozes: — Muito bem.)

Eu saio daqui de muito boa vontade, e abraço áquelles que me condemnarem; porque eu valho pouquíssimo, e acima de mim está o paiz e está a sua dignidade (Apoiados.)

Dito isto, e áquelles que me conhecem sabem que o digo com a mão no coração, continuo a responder ás perguntas do meu illustre amigo o sr. Mariano de Carvalho.

Nós limitámos, digo nós, porque o governo tem responsabilidade n'este assumpto, limitámos a concessão ao sr. Paiva de Andrada em differentes pontos; como já disse a v. ex.ª, tenho aqui os mappas para os mostrar, aos que não quizerem acreditar na minha palavra; nós limitámos a area por elle pedida para a sua exploração, dando uma nova direcção, a que nos levou um intuito politico e patriotico; limitámos tambem o tempo d'esta concessão, porque o decreto de 1869 as estabelece por tempo illimitado; fizemos tambem com que o sr. Paiva de Andrada, e elle se prestou a isso com a melhor vontade, é preciso fazer-lhe esta justiça, em logar do pagar pela exploração das minas aquillo que a lei marca expressa e terminantemente, que é 1 por cento, desse 5 por cento á fazenda de todo o producto d'essas minas. Por consequencia parece-me que se em algum outro caso apparecem, no confronto da concessão e do requerimento do sr. Paiva de Andrada, algumas divergencias por s. ex.ª notadas, foram ellas devidas justamente ás limitações a que me tenho referido.

Mas nós fizemos uma concessão ao sr. Paiva de Andrada quando devia ser feita a uma companhia ou sociedade anonyma devidamente organisada. O illustre deputado já sabe, porque assistiu a toda a discussão da camara dos dignos pares, que esta concessão complexa depende essencialmente da constituição d'esta companhia.

Se o sr. Paiva de Andrada não constituir a companhia, a concessão caduca isso facto. Até por um caso de força maior, porque elle não tenha meios para fazer por sua conta esta exploração. Por consequencia marcou-se um praso, e outras condições indispensaveis em todas as concessões para as tornar definitivas. Creia o illustre deputado que se essas condições não forem satisfeitas a concessão fica nulla.

Muitos governos que antecederam ao actual fizeram concessões a varios individuos, o em todas ellas se vê que taes concessões ficaram sempre dependentes da concessão definitiva.

Foi isto aconselhado pelo conselho do ultramar, hoje pela junta consultiva e pelo sr. Mártens Ferrão, dignissimo procurador geral da corôa, ficando as concessões para serem consideradas definitivas só depois da organisação das companhias e da apresentação dos seus estatutos. Por consequencia o illustre deputado sabe muito bem que as companhias que se organisarem devem ser portuguezas, ou hão de ficar sujeitas a todas as leis portuguezas se forem estrangeiras, o hão de formular os seus estatutos, segundo a legislação portugueza, relativa ás sociedades anonymas.

O sr. Mariano de Carvalho: — Na concessão que se dá, não se segue forçosamente que haja sociedades anonymas, póde ser que as haja de outra natureza.

O Orador: — Em todo o caso, emquanto essa companhia ou sociedade não estiver constituida legalmente, segundo a legislação portugueza, não póde tornar-se effectiva a concessão.

Fallou o illustre deputado sobre a concessão das florestas.

A concessão de exploração das florestas pertencentes ao

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estado na região da Zambezia é feita segundo os preceitos estabelecidos, ou a estabelecer pelas leis e regulamentos para a conservação das mesmas florestas. Estas concessões, que parecem diversas, são sempre uma só e a mesma concessão nas suas differentes partes.

Nós fazemos uma concessão a uma companhia que desejamos fosse poderosa para que com os seus capitães fizesse o que nós até agora não temos podido fazer, nem sei quando o poderemos fazer, ou se convirá que o façamos. (Apoiados.)

No nosso intuito era preciso que aquella companhia podesse organisar-se com seriedade.

O decreto de 1869 apenas concede, para a exploração de minas, lenha, carvão e mato.

Nós não podiamos n'um paiz inhospito deixar esta companhia sem os recursos necessarios para construir os seus depositos e os seus barracões, e amparar as suas galerias.

A lei de agosto de 1856, limitando as faculdades do governo quanto á concessão das florestas, deixou-lhe a ampla faculdade de regular a fruição das arvores, ou florestas, que não entrassem n'aquella limitação ou excepção. Alem d'isso nenhuma lei prohibe ao governo que dê, ou conceda o usufructo d'essas florestas do estado, seja para aproveitar os seus productos naturaes, seja os seus productos industriaes.

Nas florestas mesmas reservadas para o estado póde o governo regular a sua limpeza; e quando, por exemplo, um tufão ou um temporal caír sobre as matas do estado, e derrubar ou quebrar uma parte dos seus arvoredos, póde alguem a creditar que o governo está privado, á falta de leis, de mandar limpar essa floresta dos troncos e ramos que por meio d'elle ficassem partidos?

Isto, sr. presidente, são actos de pura e simples administração; escusa mesmo o governo de Portugal de fazer taes concessões, podia fazel-as o governador da provincia, podia fazel-as a auctoridade local.

(Interrupção que se não percebeu.)

Se houver quem compre. Assim dizia o meu illustre amigo, o sr. Ferrer, que imaginou que era chegar a companhia, cortar toda a madeira e vendel-a S. ex.ª só não se lembrou que não havia quem comprasse, que era a condição essencial para haver venda. Quanto custa uma tonelada de transporte entre Tete e Quilimane? 27$000 réis, isto só para aluguer n'uma barca, não contando com o pessoal e com as mil eventualidades de uma aventurosissima viagem.

Repito: o aproveitamento das florestas, é um acto de pura administração; mas, o que nós queremos, e o que aqui se diz plenissimamente, é que os exploradores fiquem sujeitos aos regulamentos feitos, ou a fazer, para a conservação das mesmas florestas.

Nós não damos florestas, porque as não devemos nem podemos dar; não as vendemos, porque não as podemos vender. Lá está a lei de 1856, que diz claramente aquillo que deve ser reservado para uso do estado. Não podemos ir alem d'isso.

A legislação que temos a respeito de florestas é effectivamente deficiente.

Nós precisamos de regular este serviço não sómente no ultramar, no reino tambem.

Por isso é que o illustre deputado podia e devia exigir do governo era que fizesse os regulamentos necessarios com referencia a este ponto importantissimo da governação; mas na falta d'elles, querer coarctar a acção governativa em um acto de tão pura o simples administração, isso é que me parece que não póde ser.

Recordo-me agora que tambem desloquei a resposta á pergunta que o illustre deputado me fez a respeito de machinas aperfeiçoadas.

Essa pergunta era a proposito de mineração, e eu devia

ter respondido immediatamente, mas a ex.ª tambem se tinha esquecido, ao que me parece.

Eu já disse ao illustre deputado que, a este respeito, a respeito de instrumentos aperfeiçoados, de machinas aperfeiçoadas, s. ex.ª sabe mais do que eu, e tem mesmo uma certa necessidade de saber mais do que eu.

S. ex.ª encaminhou para esse lado os seus estudos, em que muito tem aproveitado, e eu encaminhei os meus para outra parte; mas apesar d'isso parece-me que a resposta é o mais simples possivel.

O que o governo quiz fazer com esta clausula foi exactamente resalvar aos povos da Zambezia o seu ganha-pão na exploração de algumas areias de oiro, e no modo porque elles até agora o tem conseguido.

Elles, sem nenhuns methodos aperfeiçoados, sem machinas modernas, sem instrumentos de nova especie, sem cousa alguma d'essas, talvez só com a gamelinha pura e simples, de que o illustre deputado se lembrou com muita rasão, vão aos rios, e ali apanham ordinariamente o seu oiro, de que fazem depois remessas para Moçambique o outros pontos.

Ora, se nós não dissessemos absolutamente nada a este respeito, se dissessemos unicamente: dentro d'esta area pertence a exploração do oiro a esta companhia, podia acontecer que ella se julgasse no direito, e talvez se julgasse com rasão, de privar todos áquelles povos do seu antigo trafico e industria.

As palavras machinas aperfeiçoadas não são, pois, um privilegio, são uma limitação. O que, pois, se quiz, foi resalvar a esses povos a continuação da sua pequena industria. O illustre deputado chegou a pensar que elles podiam tambem alcançar machinas aperfeiçoadas; todavia, eu creio que ainda d'aqui a vinte ou trinta annos, se esta concessão não tiver caducado, elles hão de continuar a ir com a gamelinha aos rios buscar as areias de oiro para arranjarem os meios da sua subsistencia, que é muito parca, porque elles são muito modestos nos alimentos e no trajar.

Creio ter respondido ás perguntas que me fez o illustre deputado. Se o não fiz tão cabalmente como s. ex.ª desejava, depois tomarei a palavra; mas pediria a s. ex.ª, que tem muita capacidade para isso, que pozesse á questão em toda a sua largueza, tratando principalmente do que é essencial, e não só de fazer a todo o momento perguntas, as quaes realmente podem vir preparadas de modo que não possam ter desde logo uma cabal resposta, sem ser vontade minha occultar o que sinto a respeito de um ou outro ponto de doutrina.

S. ex.ª sabe que é isso muitissimo difficil, e eu sei que o parlamento não é nenhuma universidade, assim como não desejo que a universidade venha a ser um parlamento. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

(S. ex.ª não reviu, este discurso.)

O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Visconde da Arriaga: — Sr. presidente, apressei-me a tomar a palavra n'este debate, e peço desculpa; mas, como v. ex.ª e a camara sabem que a concessão feita ao sr. Paiva do Andrada foi baseada sobre uma consulta da junta consultiva do ultramar, da qual tenho a honra, de ser membro, por isso espero que acamara achará justificado o meu desejo de me inscrever tão depressa como o fiz, para fallar na materia da interpellação, afim de poder explicar o mais brevemente possivel essa consulta, que tão mal interpretada tem sido, tanto na camara dos pares como na imprensa do paiz, fazendo uso da sua doutrina os que combatem e defendem o governo, conforme lhes faz conta. (Apoiados.)

V. ex.ª e a camara sabem muito bem que Portugal tem um grande patrimonio territorial na Africa. Talvez sejamos

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nós a nação que possue maior area de territorio n'aquella parte do mundo, depois da Inglaterra.

E agora mesmo na Inglaterra, e na França sobretudo, se está discutindo a respeito d'esse grande patrimonio, porque a crise financeira e economica que está atravessando a Europa, o excesso de producção manufactureira na França e na Inglaterra, alem dos productos fabris e agricolas dos Estados Unidos, mais baratos, que estão perturbando o estado economico d'estes paizes, concorre para que todos estejam olhando para o nosso patrimonio colonial, que é immenso, como um grande centro de consumo e de producção.

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara.

O Orador: — E tudo isto, repito, faz com que os estranhos pensem e discutam as colonias portuguezas, que são grandes, e que no futuro poderão e deverão ser um grande centro de consumo e de producção. (Apoiados.)

Eu vou dizer á camara o que são as concessões de terrenos nas provincias do nosso ultramar; e devo dizei o, porque ha muitos annos que trato d'estes negocios, e todos os dias estão apparecendo pedidos, tanto de estrangeiros como de nacionaes, e a junta do ultramar está dando consultas continuadamente, sempre no interesse de melhorar as condições economicas d'aquellas provincias, e no sentido de as lançar n'um caminho de prosperidade, sendo estes os unicos desejos e sentimentos da junta. (Apoiados.)

Os governos constitucionaes de Portugal têem feito tudo quanto têem podido fazer para desenvolver as nossas colonias.

Nós temos-lhes dado administração, legislação, pautas baratas, representação nacional, e gasto muito dinheiro com ellas; parece-me que d'este modo temos procurado bem reparar e remir a falta dos governos absolutos, que nos entregaram, as colonias como mercados de escravos, e nada mais. Com essa grande chaga social, com essa vergonha humana, que tudo destruia e nada edificava. (Muitos apoiados.)

Tanto os Estados Unidos como a Inglaterra têem feito grandes concessões de terrenos nos territorios que lhes pertencem; a Inglaterra no Canadá e na Austrália, a companhias e a particulares, e os Estados Unidos no seu immenso territorio, e é assim que se têem ido colonisando e enriquecendo áquelles dois paizes.

Portugal, querendo seguir o mesmo caminho, publicou a lei de 25 de agosto de 1856, para vender o aforar os terrenos coloniaes; mas, infelizmente, nem vendeu nem aforou, não appareceu ninguem, e os orçamentos ultramarinos, como a camara póde verificar, não apresentam um só real de vendas ou de fóros.

E triste, e magoa fazer esta confissão.

Mais tarde, como não vendia nem aforava, publicou o decreto de 4 de dezembro de 1861, que foi approvado por esta camara, e regulamentado depois pelo decreto de 10 de outubro de 1865, para fazer concessões de terrenos, de graça, apenas com um pequeno foro de 10 réis por cada hectare, como reconhecimento da soberania do estado.

Appareceram n'este sentido alguns pedidos, e fizeram-se algumas concessões de terrenos, tanto em Angola como em Moçambique, como logo demonstrarei, mas este appêllo á iniciativa particular, com magoa o devemos confessar, nada, absolutamente nada, tem produzido!

Quando em 1860 rebentou a guerra civil dos Estados Unidos, guerra terrivel entre o sul e o norte, federaes e confederados, os portos do sul foram bloqueados pelos estados do norte; como os estados do sul são um grande centro agricola da producção de algodão (o maior do mundo), houve uma grande crise economica na Europa por causa do algodão. (Apoiados.)

O algodão, segundo todos os economistas, é o principal genero de consumo no mundo, mais do que as bebidas espirituosas, os cereaes, o tabaco e o arroz.

A humanidade de um pólo ao outro veste-se de algodão.

A raça branca, bronzeada, amarella, preta, toda a familia humana, desde que nasce até que morre, é vestida pelo algodão.

E por que o algodão no tempo da guerra da America entre o norte e sul passou a ter um valor de mais 200 por cento do que tinha tido até ali, preço altamente exorbitante, algumas nações da Europa se lembraram ou pensaram em produzir algodão.

A Inglaterra mandou produzil-o na Austrália, ilhas Maurícias e India; e a França nas Antilhas e Algéria.

Alguns ensaios se fizeram tambem no nosso ultramar, e foi a necessidade do algodão que obrigou os nossos governos a serem mais radicaes na concessão de terrenos no ultramar, e a promulgarem a legislação que acabei de citar.

Sr. presidente, eu peço a v. ex.ª e á camara licença para tratar de outros assumptos antes de entrar na questão das concessões, especialisando-as, porque são tão poucas as vezes que tratámos d'estas questões de Africa, que eu desejo estabelecer uma estrada larga para chegarmos á verdade; e se assim não o fizesse, não comprehenderia o meu officio de empregado do estado, encarregado de estudar e esclarecer estas questões.

Em primeiro logar tratarei da escravidão, depois tratarei das occupações, depois da colonisação, e finalmente das concessões de terrenos, e sobretudo d'aquella que está em debate — Paiva de Andrada.

Sr. presidente, com respeito á escravidão devo dizer, que era uma vergonha para este paiz que ella continuasse, porque diga-se a verdade, era indecoroso estar o governo a receber nas alfandegas do ultramar 8$000 réis por cada homem que era exportado (Apoiados.), e com o sangue, e só com o sangue dos infelizes pretos, sustentar toda a sua administração — era o delírio e a vergonha no estado! (Apoiados.)

O primeiro homem que transportou escravos foi um capitão inglez da ilha de Santo Antão (Cabo Verde). Este capitão levou 42 escravos para uma propriedade na Carolina do norte (Estados Unidos), não se lembrou este capitão que conduzia para a America uma mercadoria, que mais tarde havia produzir a guerra mais desastrosa de que fallam os annaes da humanidade, e que teve origem n'aquelle infame trafico; o sul, proclamando as suas instituições particulares, o estado da escravidão; o norte, proclamando a liberdade e emancipação dos escravos; eis a origem d’aquella immensa guerra, que quasi ía pondo em perigo aquella robusta e admiravel nacionalidade, rompendo o laço federativo. (Apoiados.)

A escravidão é a causa da guerra de Cuba, e das perturbações que por muito tempo hão de afligir aquella rica possessão hespanhola; a escravidão, como disse, foi a causa da guerra dos estados do norte e sul da America; a escravidão, como diz Toqueville, antes de terminar este seculo, causara grandes males ao Brazil, obrigando a raça branca, que se suppõe superior, a luctar em guerra de extermínio com a raça preta. A escravidão, ou o homem cousa, com o tempo mata e dilue todas as instituições que o tomam como base. (Apoiados.)

A este respeito, declaro a v. ex.ª que nas duas vezes que estive em Africa, quando ouvia fallar nas vantagens da escravatura, protestava sempre contra ella, dominado pelos principios da liberdade; e sustentei sempre, muitas vezes contra todos, os meus principios, e felizmente vi triumphar com o tempo as minhas idéas contra este nefasto crime. (Apoiados.)

E v. ex.ª e a camara hão de permittir-me, que conte agora um facto que me diz respeito, e que já está publicado no Diario do governo, e tenho pena que não esteja vivo e aqui presente o sr. duque de Loulé, que, foi, quem me nomeou governador geral de Moçambique, por ser mi-

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nistro dos negocios da marinha e ultramar em 1851, e quando me despedi d'este illustre homem d'estado, disse-me, ultimas palavras: — proteja os pretos.

Vou em breves palavras dar conhecimento do facto, e agradeço ao sr. Mariano de Carvalho o ter annunciado a sua interpellação, porque deu logar a eu referir este acontecimento perante uma assembléa illustrada; o finalmente conto-o, porque quando pratiquei este acto sobre escravidão, não lhe dei grande importancia, e hoje vanglorio-me de o haver praticado.

Quando em 1851 cheguei a Moçambique como governador geral, o governador de Quilimane, o sr. Romero, officiou-me, dando parte:

«Aqui não se póde viver, ha uma questão que traz a villa n'uma verdadeira guerra civil. A familia Azevedo e a familia Romão exigem perante o juizo ordinario a posse de um prelo fugido na Zambezia, com toda a sua familia, que anda por 53 pessoas, assim como toda a sua fortuna, que é grande, Este preto foi escravo da familia Azevedo; passou depois a ser escravo da familia Romão, e em consequencia de desavindas entre as duas familias fugiu para o sertão, e como conhecia muita gente em Quilimane começou a negociar, a constituir familia e a enriquecer-se, a riqueza do preto foi a causa da reclamação judicial das duas familias, para o mesmo lhe ser entregue com todos os seus haveres.»

Ora, como aquellas duas familias a que me refiro exigiam, segundo o direito da escravidão, o preto com toda a sua fortuna, familia e escravos, a povoação de Quilimane dividiu-se em partidos.

Uns interessavam-se a favor da familia Azevedo, outros interessavam-se a favor da familia, Romão, e ainda outros interessavam-se a favor do negro, porque faziam negocios com elle, e o preto dava boas contas.

Estabeleceu-se, emfim, a guerra civil, e por isso o governador expoz-me que não se podia viver ali, e que resolvesse eu aquella questão.

Era juiz de direito o sr. Abranches, que é hoje juiz em uma das varas de Lisboa.

Respondi ao governador que, como eu ali tinha estado na qualidade de juiz durante alguns annos, como tinha sido bem recebido por toda a gente, e como conhecia as duas familias, sondasse se queriam que eu fosse arbitro para julgar o caso.

Não esperaram pelo correio. Um navio inglez do cruzeiro, passados dez ou doze dias, trouxe-me a resposta e cartas das duas familias considerando-me arbitro para resolver a questão.

Examinei o negocio, vi todos os documentos, e fiz lavrar uma portaria, não como arbitro, mas como governador geral, em nome do governo e do paiz que representava, e dos sentimentos de Sua Magestade a Rainha, que reprovava todos estes actos de tyrannia e de cubiça, para que se considerassem livres áquelles cincoenta e tres negros, ordenando tambem ao governador de Quilimane que procedesse contra áquelles que por avareza attentassem contra a fortuna ou contra a liberdade dos individuos de que se tratava. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Sabe v. ex.ª como me responderam? Recebi de toda a parte cartas de agradecimento, mesmo das duas familias, que miravam unicamente a não se ver supplantada uma pela outra.

Mas o que é ainda mais para admirar, é que ninguem em Quilimane se tinha lembrado de que um negocio d'esta natureza não podia nem devia ter outra solução. Chegaram a fazer propostas de combinação, para que o negro desse parte da sua fortuna para se remir, comprando a carta de alforria, e remindo do mesmo modo os outros membros da sua familia. Na liberdade nunca ninguem pensou, era moeda falsa na costa de Africa!

Dei parte d'isto ao governo da metropole, mas ninguem me respondeu.

Só seis annos depois, estando eu aqui, e sendo ministro o sr. marquez de Sá da Bandeira, que tinha como secretario de gabinete o sr. Ferreira Passos, collega de v. ex.ª no conselho ultramarino, é que este cavalheiro me mandou um officio, dizendo que o governo tinha approvado a minha portaria, e dado ordem para d'ahi por diante, em Moçambique, os negocios d'esta natureza se resolverem como eu tinha resolvido.

Nas paginas do Diario do governo d'esse tempo (1858) estão publicados os documentos, que podem ahi ser examinados.

O marquez de Sá da Bandeira, Manuel Passos e Vieira de Castro foram os tres ministros que, era 1836, aboliram a escravatura, e escolheram em Portugal dois homens illustres, Íntegros e energicos, dois homens que reunissem todas as condições para poderem ir governar as duas Africas — a oriental e a occidental.

Escolheram o almirante Noronha para ir governar Angola, e o marquez de Araquety para ir governar Moçambique, recommendando-lhe que fossem inexoraveis contra o trafico da escravatura.

Entregaram até áquelles homens integerrimos decretos assignados em branco pela Rainha, para condecorarem nas duas Africas, em Angola e em Moçambique, áquelles que se entregassem á cultura do algodão, do café, do anil, da canna de assucar; emfim todos áquelles que se entregassem á cultura, em grande, de qualquer dos productos coloniaes.

Sabe v. ex.ª qual foi o resultado? Recambiaram para Lisboa os decretos assignados em branco, porque não encontraram a quem conferir mercês, tudo tratava de negocios de escravos, e ainda não tinha apparecido, como hoje, o amor ao trabalho licito, glorioso e proficuo, aquelle que civilisa e honra a humanidade, e não aquelle que a deshonra e deprava, como era a escravidão. (Apoiados.)

Pela morte do marquez de Araquety foi governar a provincia de Moçambique o general Marinho, e foi como secretario meu irmão, que todos conheceram aqui; eram dois homens honrados, eram a honra personificada. (Apoiados.)

Chegaram a Moçambique, e estavam lá tres navios hespanhoes de Cuba, que se empregavam na escravatura — o brigue Relâmpago, o brigue D. Pedro, e a galera Gloria, com 3:000 negros promptos para seguir viagem.

O sr. general Marinho apresou estes navios: houve empenhos, moveu-se a cidade inteira para pedir que só por essa vez os deixassem saír; o general e meu irmão foram inexoraveis, cumpriram á risca as ordens do governo, ordenadas pelo barão da Ribeira de Sabrosa, ministro da marinha..

O resultado d'isto foi que dez mezes depois eram demittidos, mas não venderam a patria, nem atraiçoaram a consciencia, e chegaram a Lisboa com as mãos limpas, como tinham levado. (Apoiados.)

Um d'estes navios perdeu-se; o outro, o Relâmpago, foi armado em guerra e serviu de cruzador, e com a galera Gloria deu-se um caso vergonhoso; esta galera, fundeada no Tejo, foi reclamada pelo governo hespanhol; não sei o que se passou diplomaticamente; a verdade é que uma corveta de guerra hespanhola em 1841 veiu ao Tejo, tomou posse da galera e arvorou a bandeira hespanhola!

Vejam v. ex.ª e a camara, por este facto, que tal era a influencia dos homens que se entregavam ao commercio dos pretos, a esta grande e enorme chaga social! (Apoiados.)

Deixamos a escravatura, e vamos tratar das occupações. Principiamos pela bahia de Lourenço Marques, na provincia de Moçambique.

Esta bahia é immensa, mas está perfeitamente deshabitada; desaguam sete rios n'esta bahia, mas o conflicto que tivemos com a Inglaterra tem-se opposto ao seu desenvolvimento, que começa a apparecer depois que terminou este conflicto.

O capitão Oien, quando por ordem do seu governo son-

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dou o canal de Moçambique fez tratados com os regulos proximos com a bahia em que estes regulos reconheciam a soberania ingleza, e a Inglaterra dirigiu para ali navios commerciaes n'este intuito; d'aqui a decadencia e estacionamento de Lourenço Marques, e os queixumes do governo portuguez.

Finalmente accordou-se que a França fosse arbitra d'este pleito entre Portugal e a Inglaterra, e a França decidiu a nosso favor; desde este momento Lourenço Marques tomou alento, e hoje vae em caminho de prosperidade, e para esta muito deve concorrer o caminho de ferro para o Transvaal.

Quando o sr. Rodrigues de Freitas ha dias perguntou ao ministro dos negocios estrangeiros se a Inglaterra havia solicitado de Portugal permissão para entrar, pela bahia de Lourenço Marques, tropas para a guerra dos zulus, fiquei immensamente satisfeito com a resposta do ministro, que disse que alguma cousa havia a este respeito, e que quando fosse occasião viria á camara pedir alguma auctorisação se fosse necessario.

Este facto é muito significativo.

A Inglaterra, que tinha tanta facilidade em mandar pela costa oriental reforço ao seu exercito em operações contra os zulus, não o fez comtudo, e veiu pedir á sua alliada esta permissão de que se trata.

Isto mostra que aquella potencia respeita a arbitragem de París.

Vindo pedir-nos permissão para a passagem das suas tropas, o que podia deixar de fazer se, porventura, não fosse aquella arbitragem, a Inglaterra reconhece os nossos direitos e a grande justiça d'aquella arbitragem.

Deixando a bahia de Lourenço Marques, vamos seguindo pela costa abaixo, e entremos em Inhambane.

E uma terra muito commercial e laboriosa, a povoação da provincia aonde ha mais brancos, e muito saudavel.

Diz-se no continente africano que Inhambane é a Cintra da Africa.

Tem já muitas familias brancas, e teve lá um governador, o pae do sr. Arouca, nosso collega, que deixou ali muitas sympathias e muitas saudades, concorrendo muito para a prosperidade d'esta povoação.

Continuando a nossa navegação, entremos em Sofala.

Sofala é onde estão as minas do oiro, chamadas as minas do Quiteve.

O nosso estabelecimento aqui é muito pequeno; está hoje muito reduzido, e o sertão invadido pelos indigenas, as auctoridades portuguezas e quasi todos os habitantes passaram do continente para a ilha que lhe está em frente — a ilha de Chiloane.

Ali é que está o governador e mais auctoridades portuguezas, e em Sofala conservámos apenas um destacamento e uma fortaleza.

Continuemos a navegar, e entremos em Quilimane.

Quilimane é uma das terras mais ricas da provincia.

O Zambeze, com as suas cheias, deixa n'aquelles terrenos uma grande quantidade do nateiro, e o arroz, o feijão, as ervilhas, emfim todos os vegetaes proprios para comer produzem ali extraordinariamente. Pôde dizer-se que é como o Egypto a este respeito.

E agora, que estamos tratando de concessões, ha uma cousa que vou lembrar a todos os meus collegas, porque emfim póde haver alguem que queira aproveitar esta lembrança.

Diz-se que esta concessão, que o governo fez, é muito valiosa. Pois eu vou citar á camara a maior concessão que o governo podia fazer.

É a do prazo Luabo, praso que foi dos jesuitas.

Na verdade é uma pena não haver alguem que intente fundar ali uma colonia. Tenho dito a muita gente que se podia estabelecer ali uma rica colonia, mas não tem havido ninguem que o queira fazer, porque a tendencia toda da nossa população é fugir para o Brazil, e não para a Africa.

Este prazo pertencia aos jesuitas, como disse, e vou mostrar á camara o que elle vale.

Li toda a correspondencia para os capitães generaes de Moçambique, e tropecei nas ordens do marquez de Pombal mandando prender os jesuitas para que fossem enviados, para Goa, e tirando-lhes todos os bens que possuiam em Quilimane.

Realmente fiquei espantado do que produzia o prazo Luabo, á vista do inventario a que o capitão general Mello o Castro mandou proceder em 1760, segundo presumo.

O marquez de Pombal, quando expulsou a ordem dos jesuitas, deu ordens para Moçambique e Goa para que os os que ali existissem fossem presos, inventariando-se todos os seus haveres.

Chegou o navio com a ordem a Moçambique, e não communicou com a terra; o capitão foi o unico que saltou em terra, entregou as ordens regias (cartas de prego) ao capitão general, e depois de dadas as providencias necessarias, a respeito da prisão dos jesuitas e arrestacão dos seus bens, é que o navio communicou com a terra. Fazendo-se tudo em segredo, tive occasião de ver em toda a sua plenitude toda a producção inventariada do prazo Luabo. Fiquei admirado do quanto a natureza ali era pródiga em producção — milho, ervilha, feijão e mandioca — era tudo aos milhares de alqueires.

Hoje aquelle prazo está quasi abandonado, e a concessão d'elle a uma companhia agricola para o explorar seria de grande conveniencia para essa companhia e para a provincia de Moçambique, porque alem d'aquelles productos pela sua enorme extensão é muito apto para a cultura do assucar e do café.

Quando o sr. José Maria Eugenio de Almeida comprou o paul do marquez de Niza junto a Villa Franca, eu vi um documento em que se dizia que aquelle paul era a melhor terra de Portugal. Este paul foi dado por El-Rei D. João 1 á filha de João das Regras; e no documento em que tal dadiva era feita, dizia-se: «Dou-vos este terreno por n'este paiz não haver terra melhor com que galardoar os serviços que vós me fizestes nas côrtes de Coimbra — 1385».

Quando vi este documento, tinha os olhos pregados no prazo dos Quintos (Luabo), que no meu entender seria a melhor concessão a fazer a quem tivesse amor pelo engrandecimento do nosso ultramar. (Apoiados.)

Agora vou passar a tratar dos outros pontos relativos á occupação e á exploração de terrenos; mas não podendo concluir hoje, e estando quasi a dar a hora, peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para a sessão immediata.

Vozes: — Muito bem

(O orador fui comprimentado por alguns srs. deputados.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): — Mando para a mesa uma proposta de lei sobre uma convenção postal universal, que tem por fim modificar algumas das bases da convenção antiga.

(Esta proposta será publicada no fim da proxima sessão.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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