SESSÃO DE 12 DE MARÇO DE 1888
ti-social. É no principio da reparação do damno que Spencer funda a sua theoria penal, a que apenas alludo de passagem, pois teria de me alongar demasiadamente, se pretendesse dar uma idéa completa da mesma theoria, onde ha muito que aproveitar. Alem d'isso conheço que a legislação de um paiz não póde ser modificada de uma só vez, de improviso, mas que tem de seguir lentamente o movimento evolutivo, que é a lei a que obedecem tambem as sociedades.
As conquistas da idéa são faceis de antever; mas a realisação ou a transformação da idéa em instituição pratica, é difficil. (Apoiados.)
Um systema penitenciario não se completa só com a creação de cadeias cellulares, e o problema da criminalidade não se resolve só com a existencia de algumas cadeias bem organisadas no sentido de uma repressão severa. (Apoiados.)
Um insigne criminalista italiano, Beltrani Scalia, é de opinião que um dos mais importantes factores que podem contribuir para a diminuição dos crimes consiste nas providencias que se adoptem a respeito dos menores abandonados, dos vagabundos, dos ociosos e medicantes, dos que só revoltam contra a auctoridade paterna e dos que têem pães viciosos, incapazes de exercerem o poder paternal e de que portanto devem ser privados, passando para a tutela social.
D'estas instituições nos dão um exemplo eloquente a Inglaterra com as ragged schools e as home for little boys, com as escolas industriaes e de reforma; a França com as suas colonias agricolas e a America com os seus estabelecimentos similhantes, entre os quaes avulta o de Elmira, onde vigora o regimen da indeterminate prison, que vae sendo imitado pelos outros Estados.
Estas instituições têem um caracter mais preventivo do que repressivo, e se devem existir na base de um systema penitenciario completo, demandam tambem que no vertice d'este se colloquem as sociedades de patronato para darem amparo e direcção aos delinquentes que voltem á sociedade depois de cumprida a pena, (Apoiados.)
Saíu ha dias da penitenciaria de Lisboa um individuo que tinha uns pessimos precedentes, que havia praticado uma verdadeira serie de crimes de furto Este individuo já tinha estado no Limoeiro muitas vezes, o tinha até frequentado já uma escola de pick pockets, onde se aprendia a subtrahir subtilmente um objecto qualquer sem a menor oscillação de um manequim em que se fazia a experiencia de prestidigitação rapinante (Riso.)
Perguntando-lhe o que tencionava fazer, disse «-Eu vou para a liberdade com bons propositos, mas se porventura amanhã não poder trabalhar, que farei para viver?»
Não tenho coragem para suicidar-me. O que hei de fazer? -» Este homem foi recommendado ao presidente da camara municipal d'esta cidade, a fim de lhe dar occupação e está hoje trabalhando com muito zelo e assiduidade, como já trabalhara dentro da prisão em que esteve mais de dois annos, salvo o erro.
Assim como este facto, dão se muitissimos outros, principalmente em relação aos individuos que saem das penitenciarias para os grandes centros urbanos, porque os que vão para as aldeias, ou têem lá o seu modo de vida anterior, ou alguns bens, e em todo o caso da parte dos vizinhos não ha tanta repugnancia em admittil-os como jornaleiros. Um individuo póde ter estado dois ou tres annos na cadeia por ladrão, sair e voltar para a sua terra, o lavrador, precisando que elle lhe vá cavar uma vinha, não tem a menor repugnancia em admittil-o aos trabalhos ruraes. Não succede o mesmo nos trabalhos da cidade que são feitos dentro de casa, ou nos ateliers.
Portanto em relação aos centros urbanos ha a necessidade de quem humanitariamente se encarregue de promover a collocação dos individuos que saem das prisões, para que a fome não os arraste ao crime, ou para que as más companhias de antigos camaradas os não afastem do caminho do dever. (Apoiados.)
Ha muitas pessoas inclinadas ao bem felizmente, e basta olhar para os estabelecimentos de beneficencia dispersos por esta cidade. A creação de sociedades protectoras doa delinquentes não seria difficil. Sei que não póde decretar-se a caridade. A idéa é um pouco nova entre nós, e é necessario por isso chamar repetidas vezes para ella a attenção publica. Póde ser que d'este modo se consiga a creação de instituições tão beneficas como esta. A propaganda do bem nem sempre é infructifera e o egoismo não impera no mundo com dominio absoluto. (Apoiados.)
Entrarei agora n'outra ordem de considerações, e peço á camara que me releve estas digressões.
Um dos principios fundamentaes do systema penitenciario é a morigeração dos réus.
Não se inventaram cadeias cellulares, unicamente para opprimir, vexar, esmagar, torturar, emfim reduzir o individuo physicamente a um anemico e moralmente a um louco. (Apoiados.)
N'este caso, o mais simples, o mais suave e menos dispendioso seria a forca. O systema penitenciario creou-se para a morigeração dos delinquentes. (Apoiados.)
Isto leva-me portanto ao desejo de que entre nós se introduza o principio dominante hoje em quasi todas as nações cultas, o estabelecimento da liberdade condicional.
A liberdade condicional tem muitos partidarias em França, desde longos annos. Na Inglaterra, na Irlanda, na Austria, na Hollanda, na Finlandia, na Russia e em todos os Estados americanos domina este principio salutarissimo.
Tem sido acceito por muitos povos depois de ter tido larga experiencia na Inglaterra e na Irlanda.
As estatisticas têem mostrado que no Reino Unido com este systema tem diminuido não só o numero dos individuos encarcerados, mas tambem o numero das reincidencias.
Alguns criminalistas menos crentes na possibilidade da regeneração dos condemnados, dizem que, se porventura na Irlanda têem diminuido as reincidencias e a criminalidade, tem tido n'esse facto uma influencia muito grande o derivativo da emigração para a America.
Eu bem sei que a emigração influe poderosamente em todos os povos na diminuição da criminalidade.
Quem emigra é porque não está bem no meio social que deixa, é porque na lucta pela vida não tem probabilidades, de victoria.
Dos que estão n'aquelle caso uns reagem pelo crime; outros procuram na emigração a saída de um meio hostil e outros adoptam o expediente tragico do suicidio.
Por consequencia a emigração influe muito, quer na Irlanda, quer na Italia, quer em outra qualquer parte, na diminuição da criminalidade, e por isso não serve para tirar valor ao systema penal progressivo, quando se compare com outro.
Mas o que é facto é que as estatisticas, que não cito para não fatigar a attenção da camara, comprovam as excellencias do systema penal progressivo, em que a liberdade condicional dos condemnados é parte integrante e essencial do systema.
Eloquentemente o demonstra Beltrani Scalia no seu excellente livro La riforma penitenziaria in Italia, comparando o systema irlandez com o belga com um criterio altissimo o uma auctoridade de mostro insigne
Eu devo, porém, lembrar á camara que a liberdade condicional não é principio que se possa introduzir irreflectidamente na legislação como uma novidade auspiciosa e como consequencia do principio da mitigação da penalidade, filho das idéas philosophicas do seculo XVIII, e que domina não só os legisladores, como a magistratura.
Ha um grande numero de homens de sciencia que, fundando-se no estudo antropologico dos Criminosos, no exame das estatisticas e na sociologia, proclamam que ha muitos