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O Orador: — Mas V. ex.ª, que tem sido tão generoso e tão benevolo para deixar discutir uma celebre questão das eleições de Villa Real em seis dias, não póde deixar de consentir que eu faça uma pequena divagação (apoiados).

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — O meu amigo, o sr. Coelho do Amaral, diz-me (em um áparte) que isto é politica. A fallar a verdade entendo que hoje não ha politica. A politica do dia é ter um governo que governe bem, que administre bem; não vejo outra politica (apoiados).

A opposição póde dizer — o governo não governa bem; mas a maioria diz — o governo anda bem, o governo administra bem. A opposição diz — o governo não é assas economico, o governo contrahe grandes emprestimos, o governo não garante a liberdade do cidadão, o governo não garante a segurança e tranquillidade publica; a opposição póde fazer estas accusações; mas a maioria diz — o governo governa bem, o governo administra bem, o governo é bom e não póde ser melhor; e portanto cada um está no seu posto (apoiados). Como diz Emilio Gerardin: «A minoria vota, o paiz julga; a maioria conta os votos, o paiz pede as rasões» (apoiados)

Portanto não ha mais nada a discutir senão — se o governo administra bem ou mal; se outro governo póde administrar melhor; ou se póde, supponhamos, garantir mais o principio de auctoridade, e não, para assim dizer, democratisar o paiz do modo como acontece na America ingleza, onde os comícios são tudo, e a auctoridade é nada. E preciso que o principio da auctoridade nos governos monarchicos seja respeitado, para que os delegados do governo tenham sempre em si a força e a energia que lhes compete, para manterem a ordem e o respeito ás leis (apoiados).

A politica de partidos não existe entre nós. Felizmente já não existe essa politica, e d'isso dou com sinceridade os parabens ao paiz. É preciso que eu seja imparcial, como o sou sempre em todas as questões, para dizer que a desapparição d'essa politica não é devida senão á regeneração. Ella fez arriar as bandeiras a todas as fracções partidarias; ficou tremulando sómente brilhante e illesa a bandeira da liberdade.

A regeneração (posso dize lo, porque sou insuspeito, visto que não concorri para esse movimento, antes pelo contrario o combati) entendo que se mostrou progressista e politica. E eu digo que se mostrou politica, porque acabou com os partidos e com as dissidencias entre as diversas fracções liberaes (apoiados); tirou todos os pretextos a qualquer futura desavença politica, fazendo fraternisar todos os partidos entre si, e para os estreitar com um abraço fraternal promoveu a reforma da carta.

Direi de passagem que sinto que no acto addicional ficasse uma lacuna importantissima, que vem a ser a reforma da camara dos dignos pares. Nós estamos sentindo todos os dias quanto essa reforma se torna indispensavel (apoiados), porque quando não o poder legislativo será absorvido pelo executivo, e esse equilibrio e essa harmonia entre os poderes politicos do estado desapparecem.

Eu vou dar a rasão em poucas palavras do que acabo de ponderar. A camara dos dignos pares é o correctivo para as demasias da camara dos deputados e do poder executivo. Como está constituida perde toda a sua importancia. Os governos podem aconselhar ao chefe do estado a dissolução das côrtes, quando estas se opponham a alguma medida por elles proposta. Os governos podem aconselhar ao chefe do estado a creação de novos pares, quando aquella camara esteja disposta a rejeitar as suas propostas ou irrogar censura aos seus actos. Por esta fórma o poder legislativo fica ao arbitrio do executivo, e o desequibrio apparece com todos os seus effeitos (apoiados).

O sr. Presidente: — Mas o sr. deputado está fóra da ordem. Leia em primeiro logar a sua moção de ordem.

O Orador: — Vou ler a moção, mas isso é uma cousa que nada significa, porque emfim eu hei de fallar, ou leia ou deixe de ler a moção. É uma ceremonia como outra qualquer, que effectivamente não tem nada para o caso; mas eu a lerei.

Eu disse que os homens, que formaram o governo da regeneração, tinham sido politicos a progressistas.

Foi politica pelas rasões que acabei de enunciar, e foi progressista porque foi a primeira que conheceu a sua verdadeira missão, tomando a iniciativa nos progressos materiaes do paiz. Assentaram-se os primeiros carris, abriram-se novas estradas, fizeram-se reformas importantes, estabeleceram-se telegraphos electricos, e o funccionalismo mudou de situação (apoiados).

Já disse á camara que não sou regenerador, nem o fui; e pelo contrario a combati, pois que era deputado da maioria n'esta casa, era irmão do ministro que geria a pasta da guerra, e era chefe de uma repartição no commando em chefe d'El-Rei. Não recebi beneficio algum da regeneração, antes pelo contrario fui punido, porque fui exonerado da commissão que exercia, e preterido na primeira promoção que houve. Mas isto não é cousa alguma, ou não significa nada, são cousas pequenas e insignificantes, para que deixe de conhecer os relevantes serviços que aquella administração fez ao paiz. Ella traçou a estrada da politica e do progresso, as que lhe tem succedido não têem feito mais que marchar sobre seus passos, e proseguir no systema por ella planeado (apoiados).

Para dar a gloria merecida aos homens importantes d'aquella epocha, a quem a historia ha de fazer a devida justiça, é bom que um homem imparcial levante n'esta casa a sua voz, e diga toda a verdade (apoiados).

Agora me lembra referir-me ao distincto orador d'este lado da camara (apontando para a direita), o sr. Torres e Almeida, cujos dotes oratorios aprecio, cuja intelligencia

respeito. Ouvi com muito prazer o seu discurso, mas devo declarar que sinto que, tendo s. ex.ª architectado, para assim dizer, o seu discurso da maneira a mais elegante, e o quizesse depois rematar com uma cupula, á imitação de outros oradores da maioria, a qual consistiu n'uma apostrophe violenta á opposição.

Disse s. ex.ª: «Ahi estão os reaccinarios, ahi estão os conservadores, ahi estão os absolutistas; e d'aqui está o progresso hasteando a sua bandeira». Isto faz-me lembrar o que diz mr. Guizot, quando trata da justiça politica: entre la politique e la justice toute intelligence et corruptrice, et tout contact est pestilentiel. Quer dizer que a politica faz curvar a intelligencia, e submisso a ella faz desconhecer a justiça.

Foi o que aconteceu ao sr. Torres e Almeida, que se deixa seduzir pela politica, fazendo, por assim dizer, perder todo o effeito do seu bello discurso.

Pois, senhores, nós que temos conhecimento da historia antiga, nós que sabemos a Illiada de Homero, a de David e Virgilio, quero dizer, que temos noticia da historia dos gregos e dos troyanos, e ignorâmos ou fingimos ignorar acontecimentos tão recentes e tão proximos de nós? Não é possivel. Só uma fascinação indesculpavel de politica nos póde fazer soltar similhantes phrases (apoiados).

A minha proposta é a seguinte:

«§ unico. Ficam em vigor todas as disposições que pelo mencionado decreto foram derogadas.»

Talvez que isto não fosse preciso, mas sempre é bom que se declare n'este projecto de lei, que continua em vigor a legislação anterior.

Vamos á organisação do exercito, e peço desculpa a v. ex.ª e á camara de ter feito esta divagação. (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

A questão da organisação do exercito é uma questão original e nova nos annaes parlamentares.

Toda a camara sabe a causa que moveu a apresentação da proposta de lei por parte do sr. ministro da guerra.

Em 1862 pediu o governo auctorisação para organisar o exercito, e o nobre marquez de Sá da Bandeira, que pediu essa auctorisação, não fez uso d'ella senão a respeito da artilheria; parou ahi e não sei as rasões que teve para isso.

No anno seguinte pediu o nobre marquez nova auctorisação, dizendo que já tinha colhido os dados necessarios e convenientes, e que o governo estava habilitado para fazer uma organisação do exercito. As bases para a auctorisação eram as mesmas que se tinham apresentado quando se pediu a auctorisação anterior, e a camara tornou a conceder nova auctorisação ao governo para organisar o exercito.

Logo que eu vi as bases, julguei que o nobre marquez de Sá da Bandeira não poderia fazer cousa alguma, mas votei a auctorisação porque queria ver o milagre, e mesmo porque se á minha intelligencia, que eu reconheço ser pequena e acanhada, a questão se afigurava d'este modo, apesar das bases poderia o nobre ex ministro, com a sua intelligencia superior, chegar a um resultado conveniente. Não fallei, votei mesmo pela auctorisação, mas alguns dos meus collegas hão de recordar se do que eu lhes disse, que com aquellas bases não era possivel fazer cousa alguma.

A camara deu ao nobre marquez de Sá da Bandeira a auctorisação que elle pediu, e deu-lh'a conforme a pediu sem lhe impor novas condições, porque é preciso confessar, que o parlamento teve sempre por s. ex.ª grande consideração e respeito (apoiados), e nunca s. ex.ª lhe pediu alguma cousa que elle não lhe concedesse. S. ex.ª commetteu mesmo algumas vezes actos irregulares, que todos os homens commettem, e nunca por elles foi censurado.

S. ex.ª tratou de fazer uma organisação do exercito conforme entendeu, reformou mesmo a organisação ultimamente dada á artilheria, e a nova organisação do exercito appareceu de repente publicada. E digo de repente, porque não se soube cá fóra cousa alguma extra officialmente a respeito d'essa organisação, houve um sigillo completo a respeito d'ella.

Eu sinto na verdade ter de fallar na organisação do exercito na ausencia do nobre marquez de Sá da Bandeira, se fosse possivel estimaria que s. ex.ª estivesse presente, porque effectivamente é desagradavel para mim dizer que a organisação não é boa por estas ou aquellas rasões, não estando presente o seu auctor.

Declaro a todos os lados da camara que quando votei a auctorisação julguei que o governo apenas poderia melhorar as armas especiaes, e que nada mais podia fazer, nem isso era preciso.

E por esta occasião permittam-me os nobres ministros, que estão presentes, que eu faça uma observação que talvez não lhes seja agradavel.

Eu vejo que a organisação de 1849 foi assignada por todos os ministros. Então estava a solidariedade ministerial em todo o seu apogeo. E assim devia ser, porque a auctorisação para essa organisação foi dada a todo o ministerio e não ao ministro da guerra individualmente, e se o ministro da guerra tivesse de retirar-se em consequencia dessa organisação, devia retirar se todo o ministerio, porque todo elle tinha tomado a responsabilidade da medida (apoiados).

N'uma cousa muito secundaria, como é a reforma do hospital de Runa, eu vejo que essa reforma foi tambem assignada por todo o ministerio. Ahi estão todos os ministros assignados; e se isto é assim n'uma medida de pequena importancia, quanto mais o não deve ser na organisação da força publica, medida de grande monta, que não póde deixar de ser questão governamental; n'esta entendo eu que o governo devia ser solidario (apoiados).

«Mas o sr. ministro da guerra não propoz alterações á reforma, annullou-a». Como não havia de ser assim se o nobre marques de Sá abandonou a sua obra?

E que significa não querer o nobre marquez de Sá pugnar pela reorganisação que publicou? De duas uma — ou considerou que não tinha elementos solidos para se sustentar diante das apprehensões que havia, e que nasciam da opposição que soffria a sua obra, ou s. ex.ª julgou que havia, não digo symptomas de insubordinação, mas descontentamento na sua milicia politica, e que ella se achava um pouco abalada.

S. ex.ª já declarou na camara alta que = se retirára a tempo para salvar o ministerio =. Mas s. ex.ª, como ministro da corôa, depois de ter publicado a sua medida, não devia abandona-la senão parlamentarmente. O homem valoroso no campo da batalha, o homem que tem affrontado tantos perigos, receiar caír n'uma questão no parlamento, custa a admittir, porque não corresponde isso ao digno caracter do nobre general.

Eu, se fôra ministro, viria sustentar a minha obra; cairia sim, mas apresentaria os fundamentos por que tinha publicado aquella organisação; mostraria as rasões que tivera para a fazer, e depois, se a camara votasse contra, sairia por aquella porta fóra. Mas sem isto, retirar o general do campo da batalha aos primeiros tiroteios, retirar sem fazer um reconhecimento em fórma, sem combater com o inimigo, nada, não póde ser. Um general deve dar a batalha; se perdeu ou se ficou no campo, paciencia. Aqui a batalha era com a maioria, mas devia da la, e se a maioria a quizesse vencer, então devia retirar o nobre general, e com elle o general em chefe e todo o exercito (riso).

Assim é que eu entendo — solidariedade inteira; meia solidariedade, não póde ser; ou toda ou nenhuma (apoiados). Mas o sr. marquez de Sá não quiz combater no campo parlamentar, no campo legal, e depois retirar-se se ficasse vencido; abandonou a sua obra dizendo: «Não é boa, deixá-la.» Não teve este amor da paternidade que se costuma ter ás proprias obras; deu-lhe o ser e abandonou a.

Ora, se isto assim é, como a camara não póde duvidar, como querem que eu sustente a reorganisação do exercito? Eu digo — o nobre marquez condemnou-a, eu condemno-a tambem; o nobre marquez disse que ella era má, eu digo que é pessima; o nobre marquez diz que ella se não póde sustentar, eu digo tambem que se não póde sustentar.

E o nobre marquez não se escandalisa com isto; porque me contou outro dia um individuo que, tendo fallado com elle e tendo lhe dito «sinto que v. ex.ª tivesse esse desgosto», elle respondêra: «não me importa nada d'isso». Eu tambem fazia o mesmo; tambem dizia — não me importa nada d'isso (riso).

E está visto que, tendo sido a obra abandonada pelo seu proprio auctor, julgando elle que aquella obra não podia preencher os seus fins, o nobre ministro da guerra actual não tinha outra cousa a fazer senão reprova-la e propor a sua annullação.

Ouvi dizer ao nobre deputado, o sr. Sá Nogueira, que = a commissão de guerra devia dar o seu parecer =. Mas se o proprio auctor a condemna, para que é que a commissão de guerra ha de dar parecer? Se a commissão de guerra quizesse indicar todos os pontos em que ella não é boa e quizesse discuti-la aqui em uma sessão legislativa, não dava conta d'isso, era obra para duas sessões legislativas. Já vê o illustre deputado que a commissão de guerra não póde fazer o que elle quer; e cá para mim não preciso do seu parecer e da discussão para fazer o meu juizo; elle está feito.

O meu amigo, o sr. Camara Leme, fallou em effeito retroactivo. Não ha tal effeito retroactivo.

A lei de 1835 garantiu as patentes; mas aonde estão aqui patentes? Major general é uma denominação que confundiu os dois postos de brigadeiro e marechal.

A lei de 1835 é uma lei ordinaria que podia ser derogada por outra. Aonde estavam os direitos dos brigadeiros para terem um posto superior? Alem de que, a lei só poderia ter execução no dia 10, segundo se estabelece no mesmo decreto. A nomeação de majores generaes é do dia 7; logo foram promovidos quando não havia lei; despacho illegal e nullo. A retroactividade dá-se em quasi todas as leis; dá-se nas dos vinculos e n'outras mais aonde houver direitos, quanto mais n'estes que não existiam. Nas leis penaes é que não póde haver retroactividade.

O meu illustre amigo, o sr. Camara Leme, annulla e não annulla a organisação; porque, por um lado offerece umas novas bases para ella, e por outro lado diz querer que ella venha á discussão. Offerecer umas novas bases é destruir os alicerces, e mesmo os cabôcos em que assenta todo o edificio; e querer depois discutir o projecto, tirando-lhe as bases, não é possivel! Ha uma desharmonia em querer estudar a questão e em apresentar ao mesmo tempo novas bases para uma nova organisação.

O nobre deputado podia apresentar uma nova organisação completa, podia dar-se a esse trabalho e está muito habilitado para isso. De outro modo não sei como possa levar por diante os seus desejos.

Vamos á organisação.

Nós não precisâmos de organisar o exercito. A organisação de 1849 tem todos os elementos de uma boa organisação.

E tanto assim é, que o nobre marquez, dizendo que a machina organica do exercito tem andado perfeitamente, que o serviço publico não tem sentido paralysação, mostra no seu relatorio que não havia necessidade de alterar a organisação antiga, segundo a sua propria confissão. Leia-se o relatorio.

Do que nós precisámos é de soldados, cavallos e armamento, segundo as novas invenções, material de guerra, e mais nada.

Os quadros são bons; o que falta é isto.

Se a cavallaria não tem instrucção é porque lhe faltam cavallos; se a infanteria a não tem é porque lhe faltam sol-