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Pois se s. ex.ª conhecia a falta de engenheiros, porque não havia de promover o alargamento d'esse quadro? Sempre julguei que o sr. marquez de Sá trataria d'este ponto; mas s. ex.ª limitou-se a ordenar que os officiaes que estavam nas escolas fossem introduzidos no quadro do corpo de engenheiros. É na verdade esta uma boa maneira de dar accesso.

Estas observações que faço não se podem julgar offensivas para o nobre marquez de Sá, porque ninguem mais do que eu respeita o seu caracter e a sua intelligencia; mas s. ex.ª foi infeliz na organisação do exercito; aconteceu lhe n'esta organisação o que aconteceu a Napoleão I na batalha de Waterloo, onde perdeu todos os seus louros ganhos em outras batalhas, ganhos com grande gloria. Portanto digo que foi infeliz. Voto contra.

Napoleão I, o Grande, que vencendo tantas batalhas, derrotando tantos exercitos e senhoreando-se de tantos estados, por fim foi vencido na batalha deWaterloo. O nobre marquez, mostrando sempre valor, coragem e decisão no campo da batalha, energia, acção e intelligencia superior nos negocios publicos, foi infeliz n'esta sua producção.

Quando se quer attender a tudo, separando-se do ponto principal, o resultado ha de ser Sempre negativo, sejam quaes forem os esforços de intelligencia que para isso se empreguem. Bem sei que em tempo de paz o accesso é tardio. Já em França, sendo Soult interpellado na camara por causa do pouco adiantamento da officialidade do exercito, elle respondeu: «C'est la guerre, qu'ouvre la carrière á nous jeunes guerriers». Mas no nosso paiz ha uma desproporção nas armas especiaes em relação ás outras, que se vêem tenentes de engenheria com vinte annos d'este posto, emquanto os de infanteria com a mesma data de assentamento de praça se acham nos postos superiores. Uma tal desigualdade revolta e o serviço soffre, porque se serve mal quando se dão differenças d'esta ordem, e com relação a officiaes com grandes habilitações scientificas. O mesmo acontece com os officiaes do corpo do estado maior do exercito. S. ex.ª acabou com a organisação da artilheria como ella tinha sido organisada em 1849. Havia artilheria a cavallo, que era muito mais conveniente do que da fórma que ultimamente foi organisada. Podia ter feito algumas modificações na organisação que existia, mas não acaba-la completamente.

Tinha muitos outros pontos sobre que fallar, mas se o fizesse seria um nunca acabar, e a camara talvez já esteja dizendo — que massador aquelle (riso); mas quem entra na discussão d'estas materias não póde deixar de dizer tudo que entende, mas singelamente; não póde haver bellezas oratorias, nem eu sou orador; sómente um bom orador poderia em um assumpto tão asado prender a attenção da assembléa por um estylo brilhante de phrases, brilhante de imagens, brilhante de figuras, emfim d'aquelles discursos que n'esta casa temos ouvido, que nos enlevam, nos encantam e nos extasiam.

Ora n'esta questão dá-se um facto muito importante, e peço á camara que o note. Eu n'esta questão estou com a maioria, e o sr. Sá Nogueira, deputado da maioria, está com a opposição. Eu fui para a direita, e elle veiu para a esquerda; não é de todo (riso). Houve um movimento, mas sustenta-se o equilibrio do fiel da balança. E creio que os meus amigos não me levarão isto a mal (riso), tanto mais quando lucram com a mudança, porque emfim passa para lá um illustre deputado irmão do ex-ministro o sr. marquez de Sá, e por esta qualidade deve ter uma maior importancia, alem das outras qualidades que o distinguem.

Fallou-se aqui em reserva. Ora eu devo dizer que não ha reserva, e seria curioso, como já disse, ver chegar a reserva composta de meia duzia de soldados. Já que fallei nos soldados direi duas palavras sobre a sua situação. Eu não preparei o meu discurso e vou fallando segundo as idéas que vão succedendo umas ás outras.

Os nossos soldados, senhores, são mal retribuidos, a sua paga e seu pret é insignificante, e portanto a sua alimentação é má.

Diz-se, e é verdade, que os generos alimenticios são caros, e todos os funccionarios têem vindo á camara pedir augmento de vencimentos, e grande parte tem sido attendida, e maximè a officialidade do exercito, porém o soldado não é gente, para este não ha generos caros; pois póde elle ser nutrido com um pret, que data de mais de um seculo. E os officiaes inferiores? Pois podem estes viverem distanciados como devem dos seus subordinados com 200 réis, 160 réis e 120 réis por dia? Não é possivel. É urgente remediar este estado. Os grandes; é de ordem das cousas têem sempre quem os proteja, os pequenos ninguem se lembra d'elles. Eu, senhores, não cessarei de levantar a minha voz n'este recinto a favor dos desprotegidos, e são geralmente os que sempre têem rasão.

Não ha, senhores, exercito em nação nenhuma do mundo aonde o soldado e os officiaes inferiores sejam mais mal retribuidos que no nosso paiz. Ha pouco eu fallei da consideração que devem merecer os militares em geral pela perda da liberdade que soffrem, consequencia necessaria da disciplina militar; então referi-me á liberdade politica. Vamos a ver como a perda da liberdade moral e physica do soldado influe na sua constituição organica.

Eu tenho observado que o maltez, homem do campo, trabalhador, passa peior que o nosso soldado. Um bocado de pão, e uma magra açorda é o seu sustento. Um trabalho rude e pesado, que não tem comparação alguma com o do soldado, é a sua occupação diaria. Vamos ao seu estado physico, gordo, boa côr, bella disposição, emfim magnifica saude. E o vestuario? O mais simples possivel, braços nus, pés nus, pescoço e peito ao ar livre, e alguns apenas uma camizolla quando o inverno é forte. E o soldado? Nesta parte direi que o soldado veste regularmente, e que não ha motivo para o lamentar. Postos estes dados, que são exactos, parecia que o soldado devia apresentar uma robustez senão superior ao menos igual á do maltez.

O contrario é o que se observa. O soldado definha-se e extenua-se de forças e morre em uma idade prematura. A estatistica militar de mortalidade no exercito não se póde comparar com as outras classes do povo, porque é muito superior. D'onde provém pois esta funesta desigualdade? O recruta deixando a sua vida do campo, o seu albergue paterno, deixa ali os seus habitos, a sua vontade, e mesmo a liberdade dos seus movimentos physicos. O soldado apertado, com a cabeça levantada, o pescoço entre talas (riso), e pergunto ao nosso illustre collega e amigo, o sr. dr. Beirão, se isto é hygienico? (riso.) Se o modo como o soldado deve andar, contrariado em todas as suas acções, fazendo lhe adquirir uma nova natureza, deve de certo contribuir n'esta transição para um estado melindroso, o qual muitas vezes se desequilibra e promove a sua destruição.

Qual o meio para obviar a tão grande mal? Uma alimentação mais nutriente, uma alimentação que o indemnise das perdas que acabo de expor, e não uma alimentação que, se em outras condições é soffrivel, na do soldado é pessima.

Um soldado nutrido simplesmente a legumes, difficilmente resiste á pressão que sobre elle se exerce. Quartéis com as condições hygienicas é uma necessidade igualmente. Não agglomerem soldados em cazernas, cujo ambiente é um veneno que elle aspira e o mata.

É preciso, senhores, que restituamos aos paes os mancebos que lhe tirámos para o serviço por alguns annos, sãos e robustos, e não enfermos, debeis e incapazes de adquirir o pão do dia. O soldado sem outro incentivo, porque não tem honras nem postos, merece e é digno que com elle se tenha todo o desvelo. Serve o seu paiz, este deve ao menos vesti-lo e nutri-lo bem; se se olha para a sua apparencia, olhe-se melhor para a sua conservação (apoiados).

Agora peço á camara que seja benevola para comigo, consentindo que eu aproveite esta occasião de proferir algumas palavras sobre um negocio que me é pessoal, e que é do meu dever dar sobre elle algumas explicações, visto que a camara já d'elle tem conhecimento.

O nobre marquez de Sá na camara dos dignos pares respondeu a algumas observações que eu tinha feito por incidente n'esta casa sobre um despacho que me dizia respeito e que elle annullou. Disse s. ex.ª que = um deputado militar na outra casa lhe fizera grave censura dizendo que elle marquez tinha praticado uma grande injustiça na maneira como tinha procedido. Que elle não fizera mais que ouvir, á vista das reclamações dos lesados, as estações competentes, o procurador geral da corôa, o jurisconsulto junto ao ministerio da guerra, secção administrativa do conselho d'estado, etc. Que á vista da uniformidade das opiniões elle annullaria o despacho, e que mandava para a mesa os documentos, isto é, os informes =. Não era mais que um extracto, pelo qual se vê que os factos não estão bem mencionados. Agora a camara permittirá que eu diga algumas palavras.

O nobre marquez mandou ouvir todas as estações, e não quiz ouvir o que lhe dizia a sua intelligencia. Saiu, ficou a sua opinião, eis o modo de ver dos jurisconsultos. Pois s. ex.ª, um general antigo, cheio de merecimentos e de um talento superior precisava, para avaliar uma questão puramente militar, consultar um outro general ou alguns jurisconsultos? Um general distincto, premiado no campo da batalha, vae perguntar por um serviço identico a um letrado ou advogado, se tal militar que praticou tal feito merece tal ou tal recompensa? Mas não era isto; era saber se o premiado devia ou não gosar as consequencias d'essa recompensa? S. ex.ª não olhou para si, e não viu que em si mesmo estava o que perguntava. O procurador geral da corôa será um homem eminente em jurisprudencia, mas para entender do serviço feito no campo da batalha não o julgo competente, e mesmo não lhe cedo a palma. Os cavalheiros da secção administrativa do conselho d'estado, são na verdade elevadas capacidades, os seus serviços e os seus conhecimentos os tem elevado aquelle eminente logar; mas saber como e quando o militar pratica um acto de bravura, e como se devem regular as antiguidades dos postos por taes feitos conferidos, póde ser que não sejam, emquanto a mim, os mais competentes. Ss. ex.ª não levarão a mal (nem sei quem foram) que eu faça n'esta parte uma excepção aos seus conhecimentos. Mandar informar ás estações sobre factos, entende-se; mas perguntar a opinião sobre um objecto, no qual o ministro deve estar mais habilitado que outro qualquer, e por elle resolver, não se comprehende. E a responsabilidade do acto á quem pertence? Não é ao ministro? E persuade-se qualquer ministro que, por ouvir tal ou tal estação, a responsabilidade á menor? Se o ministro não póde resolver qualquer questão sem ouvir todas as estações, em pessimas condições está elle? Todos os podem substituir com vantagem.

E uma cousa extraordinaria o que estamos presenciando no nosso paiz. Um ministro tem um pensamento definido sobre um objecto, confecciona uma proposta, apresenta-a ao parlamento, sustenta-a e defende-a; por fim é approvada seguindo os tramites, é sanccionada e publicada. O mesmo ministro quer applica-la, mas, oh caso extraordinario!! Não sabe como, e manda consultar o jurisconsulto ou o delegado do procurador da corôa junto ao seu ministerio. Este dá-lhe logo uma interpretação a seu modo, principia a torturar as letras, e a dizer—as palavras dizem isto, mas o seu espirito é outro. O legislador não teve essas intenções, portanto o espirito está ás vezes em contradicção com a letra da lei. A lei é o corpo, e a alma o espirito ou a intelligencia do tal delegado. Vae ter com o ministro e expõe lhe a sua opinião; o ministro redargue, que a sua opinião era outra; porém o delegado diz-lhe: «V. ex.ª não teve essa idéa, e está

enganado, o espirito da lei é outro, e assim não póde ter a applicação que v. ex.ª quer». O ministro sujeita-se á opinião do delegado do procurador da corôa, e é este o que despacha e não o ministro.

Eu se estivera n'aquellas cadeiras não lhe daria muito que fazer, eu queria a responsabilidade dos meus actos, resolve los segundo a minha rasão e intelligencia, e não vir desculpar me com as opiniões dos outros, que as emittem ás vezes sem o menor estudo nem mesmo escrupulo, porque d'ellas não lhe provém o menor compromettimento nem a mais leve responsabilidade. Pois que, senhores, um estudante, porque na universidade de Coimbra foi premiado em direito romano, póde resolver uma questão militar? Um outro, que foi premiado em direito publico, póde resolver uma questão de fazenda? Outro, porque teve o accessit em direito das gentes, póde emittir o seu parecer sobre objecto de viação publica?

O nosso paiz ainda se resente da antiga magistratura, aonde o juiz de fóra era tudo; elle superintendia as alfandegas; elle cobrava impostos, fazia recrutamento, etc. Os delegados do procurador da corôa junto aos ministerios sabem de tudo e resolvem tudo. Estas entidades foram creadas no tempo do ministerio do sr. Fontes Pereira de Mello. S. ex.ª julgou que os ministros não podiam passar sem aquelles conselheiros; considerou os ministros como juizes ordinarios, que careciam de um assessor, e elles effectivamente assim se julgam, porque não decidem nada sem que o homem de lei seja ouvido. O nobre marquez de Sá, não obstante a sua elevada intelligencia, mandava remetter tudo ao jurisconsulto, ainda nas cousas mais simples.

Eu pedi ao nobre marquez a minha exoneração de chefe da repartição d'aquelle ministerio, porque a minha opinião nada valia sem a sancção do tal jurisconsulto, e o meu amor proprio não consentia que eu me sujeitasse a um desaire de tal ordem. Se as cousas assim se passam, o jurisconsulto é o que despacha. Que consideração dão os srs. ministros ao seu saber e á sua intelligencia? E de que lhes servem os chefes e directores, se as suas opiniões e informações nada valem? Bem sei ou imagino que tal creação proviesse da mania de mandar ouvir o procurador geral da corôa sobre todos os assumptos; e não podendo este dar solução rapidamente sobre tão variados negocios, o expediente tornava-se menos expedito e mais nocivo. O procurador geral então despachava para todos os ministerios, agora são os seus delegados.

Eu não entro na minha questão, porque é sempre difficil sustentar uma questão pessoal sem que se suspeite parcialidade. Ainda que eu dissesse bocadinhos de oiro, como se costuma dizer, a camara presumiria interesse proprio; e a argumentação, por mais vigorosa e convincente que parecesse, na bôca do interessado perdia parte da sua intensidade. Na camara está um cavalheiro distincto pelo seu caracter, pela sua probidade, pela sua intelligencia; tem assento no lado da maioria, é uma das suas illustrações. A injustiça que eu julgo ter praticado o nobre marquez de Sá é uma grave censura ao decreto por aquelle cavalheiro apresentado á assignatura regia do infeliz monarcha que já não existe. E ao illustre deputado Belchior José Garcez que compete repellir a censura como acto injusto, illegal e arbitrario, que, como tal, se traduz a annullação d'aquelle decreto, assignado pelo novo Rei que felizmente nos rege.

Desejo que o sr. ministro da guerra me explique quaes as idéas que tem a respeito das modificações que cumpre fazer na antiga organisação do exercito, e me diga se tenciona apresenta-las ainda n'esta sessão, como é de necessidade.

Mando para a mesa a minha proposta, e peço á camara desculpa de lhe ter tomado tanto tempo com as considerações que tenho feito (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.