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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discursos do sr. deputado Sousa Lobo, proferidos nas sessões de 9 e 11 de março, e que deviam ler-se a pag. 594, col. 2.ª, e 605, col. 1.ª, d'este Diario

O sr. Sousa Lobo: — Sr. presidente, tendo tido a palavra sobre a ordem, em conformidade com o regimento começarei por ler a minha moção, que é a seguinte:

«A camara, sentindo as condições em que o sr. ministro das obras publicas tem dado protecção á companhia dos caminhos de ferro portuguezes, passa á ordem do dia.»

O que vou dizer, terá principalmente por fim fundamentar esta moção; e por occasião de o fazer, referir-me-hei aos argumentos, não d'este ou d'aquelle deputado que tem sustentado as tarifas, mas em geral aos argumentos de todos.

Sr. presidente, principio por lamentar que o sr. Lourenço de Carvalho dissesse, que nós defendemos as nossas idéas com hyperboles e declamações! Pela minha parte, digo que não apresentarei hyperboles, porque as não sei fazer, e fugirei tanto quanto poder das declamações.

Sustentarei a opinião de que estou convencido, principalmente apresentando textos e fazendo ligeiros commentarios. Para começar d'esta maneira, peço licença a V. ex.ª para ler a legislação que diz respeito a esta materia, isto é, tanto parte do contrato de 14 de setembro de 1859, como parte da lei de 5 de maio de 1860, e sendo ellas curtas, podem-se ler rapidamente: depois consubstancia-las-hei.

Diz o artigo 44.° do contrato de 14 de setembro de 1859 que é o applicavel ao assumpto, o seguinte:

Para regular os preços de conducção de passageiros, gado e mercadorias, adoptar-se-hão como base as tarifas actualmente em vigor no caminho de ferro de leste, ficando os seus preços estabelecidos como maximos até á conclusão do caminho até á fronteira.

«§ 1.° Terminado o caminho de ferro á fronteira serão as tarifas modificadas por accordo entre o governo e a empreza.

«§ 2.º Cinco annos depois de entregues á exploração as linhas de leste e norte, e consecutivamente de cinco em cinco annos proceder-se-ha á revisão das tarifas.»

Diz depois no § 4.º:

«Na falta de accordo entre o governo e a empreza ácerca das modificações a introduzir nas tarifas do caminho de ferro de leste, tanto depois de concluido até á fronteira, como nas epochas marcadas para a revisão, terá cada uma das partes o direito de estabelecer o maximo das tarifas francezas, que n'esse tempo estiverem em vigor para os caminhos de ferro francezes; se não forem superiores ás que vigorarem anteriormente no caso da revisão de que tracta o § 1.°»

Esta é a doutrina do contrato de 14 de setembro de 1859, que eu resumo em pouquissimas palavras.

A companhia, quando tomou conta do caminho de ferro, obrigou-se a acceitar os preços que o caminho de ferro já tinha, até que fosse construido até á fronteira.

Construído até á fronteira tinha o direito de obter uma revisão, outra cinco annos depois de concluida a linha do norte e leste, e depois consecutivamente em prasos de cinco em cinco annos tinha o direito de obter novas revisões.

Estas revisões deviam ser feitas por accordo entre a companhia e o governo, mas quando este accordo não se desse, a companhia tinha o direito de preferir os maximos das tarifas francezas, comtanto que não fossem superiores ás que vigoravam anteriormente á primeira revisão. São as palavras e o sentido da lei.

Por consequencia partindo d'este principio, quaesquer que sejam as interpretações diversas d'esta, que se dêem, a essas interpretações opporei eu sempre a lei. (Apoiados.)

Vejamos até que ponto esta legislação é modificada.

E modificada um pouco pela lei de 5 de maio de 1860, artigo 1.°, § 1.°, em que se diz o seguinte:

«É o governo auctorisado a alterar, de accordo com a empreza, o artigo 44.° do mencionado contrato (contrato de 14 de setembro de 1859) 1.°, na parte que determina que os preços hoje em vigor no caminho de ferro de leste fiquem estabelecidos como maximos até á conclusão do mesmo caminhe, podendo desde já estabelecer-se o que dispõe o § 4.° do mesmo artigo para o caso da conclusão da linha até á fronteira; 2.° no disposto no § 6.° do mencionado artigo 44.°, substituindo as palavras producto bruto total do ultimo anno pelos seguintes termos: producto bruto das tarifas recebido pela empreza no ultimo anno, feita a deducção dos gastos materiaes da exploração.»

Ora esta segunda clausula não vem para o caso. Esta clausula refere se a uma hypothese, de que mais tardo tratarei, em que o governo fóra de todo e qualquer accordo, póde alterar as tarifas. A clausula que vem para o caso é unicamente a primeira em que se estabelece que a primeira revisão, que, segundo a legislarão anterior, só podia ter logar concluido o caminho até á fronteira, podesse ter logar desde logo.

Effectivamente assim se fez. Logo que esta lei modificou n'este ponto a legislação anterior, a companhia pediu que lhe fosse concedida a primeira revisão. Essa revisão foi-lhe concedida, e como lhe era permittido preferir os

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maximos das tarifas francezas, que então estavam vigorando, foram-lhe concedidas esses maximos que, se me não engano, eram de 25 por cento, mais que os preços anteriores, mas esta concessão estava auctorisada pela lei.

A meu ver é esta a unica legislação que ha a este respeito, e como não vejo revogada a disposição da lei de 14 de setembro de 1859, que estabeleceu que a segunda revisão das tarifas e as subsequentes, não possam ter logar senão depois de concluida a linha do norte e leste, entendo que a legislação em vigor era um obstaculo a que a segunda revisão se realisasse, porque a linha ferrea do norte e leste ainda não está concluida, falta ainda a construcção da 5.ª secção.

Mas diz-se que a lei de 5 de maio tambem n'este ponto modificou a legislação anterior e que na clausula 5.1 do § 2.° do artigo 1.° se estabelece essa modificação, porque essa clausula diz, que o caminho de ferro do norte seja aberto á circulação unicamente com as secções até á margem esquerda do Douro; e por consequencia que desde que isso se estabeleceu, como a lei anterior exigia para se contar o praso para a revisão que o caminho de ferro fosse entregue á circulação, a hypothese realisa-se, e por tanto ha muito tempo que a companhia tinha o direito de exigir uma revisão e só agora, tarde e muito tarde (e talvez se entenda que lhe devemos agradecer isso) é que instou por ella.

Parece-me, porém, que não é assim. Parece-me que na legislação citada, isto é, na clausula 5.ª do § 2.° do artigo 1.° da lei de 15 de maio, não se encontra uma só palavra d'onde se possa, interpretando a lei no sentido logico e grammatical, deduzir tal illação.

Em primeiro logar lembro a V. ex.ª e chamo para este ponto a attenção da camara, que na lei de 5 de maio de 1860 ha apenas um artigo que se occupe n'um paragrapho da revisão das tarifas, que é o artigo 1.° § 1.°, mas esse § 1.° não diz uma unica palavra relativamente á segunda revisão.

Por consequencia como é que se póde interpretar a lei n'este sentido, se ella n'este artigo 1.° § 1.°, que trata unicamente de tarifas, não diz uma palavra a tal respeito; e não se occupa mais de tarifas no resto do texto, porque ácerca d'ellas nada mais diz?

Por outro lado a clausula 5.ª do § 2.° do artigo 1.° o que é?

Já se sabe que é uma parte do paragrapho. Vejamos agora o que é o paragrapho todo. O paragrapho trata de tudo menos de tarifas. Trata de estabelecer condições relativamente á largura das vias; trata de estabelecer condições relativamente ao peso dos carris; trata de conceder auctorisação á companhia para deixar de fazer movimentos de terra para segunda via desde logo e para os fazer muito mais tarde, isto é, quando as linhas ferreas attingirem um certo rendimento; trata finalmente de estabelecer novas condições relativamente aos prasos para a concessão de vias ferreas; em summa o paragrapho trata de muitos assumptos, mas não diz uma só palavra a respeito de tarifas, nem uma só palavra. Ora como é que a um artigo, que trata de tudo, menos de tarifas, se póde dar a interpretação que combatemos?

Uma lei tão mal feita, tão mal organisada, eu não interpretaria assim senão quando as suas palavras fossem tão formaes, tão claras que ninguem podesse hesitar em lhe dar esse sentido, essa interpretação. ¦

Eu vou ler a clausula 5.ª

A clausa 5.ª diz assim:

«Os caminhos de ferro de leste e norte até á margem esquerda do Douro estarão concluidos e promptos para serem entregues á circulação, o primeiro dentro de dois annos e meio, e o segundo dentro de tres annos a contar da approvação do contrato pelas côrtes; devendo o do norte estar completo com a ponte sobre o rio até á margem do Douro na cidade do Porto dentro de quatro annos a contar da mesma epocha.»

Já V. ex.ª vê que esta legislação, não só não revogou a legislação anterior, mas até a confirmou.

O que diz a legislação anterior?

Diz que não se póde proceder pela segunda vez á revisão das tarifas senão desde que estiverem perfeitamente concluidos os dois caminhos de ferro do norte e leste (apoiados), e a mesma legislação, referindo-se ao caminho de ferro do norte, diz «o caminho de ferro até á margem direita do rio Douro, até á cidade do Porto».

Vejamos se a legislação que acabo de citar revoga a legislação anterior ou a confirma.

Eu entendo que, longe de a revogar, a confirmou.

O que diz a referida clausula 5.ª? A clausula 5.ª diz «o caminho de ferro do norte até á margem esquerda do rio Douro.»

Por consequencia não é o caminho de ferro completo, é o caminho de ferro incompleto; e o caminho de ferro que se abriu á circulação é apenas uma parte da linha. E pare que a lei não deixasse duvida alguma a esse respeito teve o cuidado no resto do artigo de dizer claramente o seguinte: (Leu.)

Logo, não se deve julgar o caminho de ferro completo, e não se podia, portanto, mandar proceder á segunda revisão das tarifas. (Muitos Apoiados.)

Para se proceder á segunda revisão das tarifas com a auctorisação dos fundamentos d'este artigo, modificando a legislação anterior, seria necessaria uma de duas redacções, differentes d'esta; ou dizendo a lei que o caminho de ferro do norte ficava completo, terminando na margem esquerda do rio Douro; ou que para os effeitos da segunda revisão era considerado como concluido desde que fosse aberta á circulação até este ponto.

Mas eu não vejo nada d'isto, vejo simplesmente um artigo que corrobora a legislação anterior, e que, corroborando-a, longe de a contrariar a desenvolve. Portanto para mim, e na minha opinião, o praso para a contagem, a fim de se fazer a segunda revisão, ainda não começou.

Mas eu quero dar de barato que começou, e hei de ir assim de concessão em concessão, e hei de mostrar que ainda concedido quasi tudo aos meus contrarios, me ficava rasão para sustentar a theoria de que estou convencido ácerca do assumpto em discussão.

Concedo, pois, que assim seja; concedo, por hypothese, que o caminho de ferro é considerado concluido para o fim da segunda revisão. Então o praso para a revisão, que no primeiro caso ainda não tinha vindo, no segundo caso já lá vae. E senão vejamos o que diz a este respeito o § 2.° do artigo 44.° do contrato de 14 de setembro de 1859, que já li, e que torno a ler, porque é muito curto.

«Cinco annos depois de entregues á exploração as linhas de leste e norte, e consecutivamente de cinco em cinco annos, proceder-se-ha á revisão das tarifas. »

E claro que esta legislação é taxativa e clara, que estes prasos que se marcam não são um minimum, são prasos fataes que não podem alterar-se nem para mais nem para menos. A lei diz da maneira a mais positiva — cinco annos, e depois consecutivamente de cinco em cinco annos.

Isto não admite duvidas e não admitte interpretação que não seja esta. Se a lei tivesse em vista estabelecer minimos, então a sua redacção seria diversa; em logar de se dizer o que aqui se diz dir-se ía — são permittidas revisões feitas pela empreza do caminho de ferro sempre que o governo e a empreza quizerem, comtanto que entre essas revisões não medeiem prasos inferiores a cinco annos.

Mas aqui apresentou-se um argumento, e foi apresentado pelo sr. ministro das obras publicas, e eu peço licença para lhe responder.

Disse s. ex.ª: «Se os prasos são fataes, e em virtude d'essa fatalidade não se podem augmentar as tarifas, tambem se não podem diminuir. Ora muitas vezes fóra d'es-

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ses prasos se tem feito alterações para menos; logo podem-se realisar tambem alterações para mais».

Parece-me que o sr. ministro das obras publicas, fallando d'esta maneira com relação ás revisões, confundiu revisões com alterações, que tão duas cousas distinctas e diversas.

O governo póde effectivamente, quando quizer, de accordo com a companhia, fazer as alterações que entender (apoiados), póde faze-las para mais e para menos; a unica differença, porém, é que fazendo-as para mais não cede á força da lei e auxilia a companhia, pratica um acto da sua livre vontade, faz um favor e tem a responsabilidade d'elle.

E assim que se deve entender a questão. Mas n'este caso o que se não póde é vir defender o augmento das tarifas como se defendeu, o que não se póde é vir dizer que as tarifas augmentaram, porque a companhia tinha direito de attingir o maximo das tarifas francezas.

A faculdade que é concedida á companhia para attingir este maximo (nas condições e com as restricções legaes), independentemente da vontade do governo e em virtude de direito proprio, essa é que só póde ser exercida nas epochas das revisões quinquennaes, que são obrigadas e impostas pela lei.

Portanto, se em julho do anno findo a companhia só tinha o direito de augmentar as tarifas de accordo com o governo, devia este vir ao parlamento dar conta do que fez assumindo a responsabilidade do seu acto. O que não póde é dizer que não empregou a sua iniciativa, e que a companhia tinha a faculdade de attingir o maximo das tarifas francezas. Isso é que não póde dizer.

Mas quero tombem fazer uma concessão hypothetica n'este ponto; quero conceder, hypotheticamente, ao sr. ministro das obras publicas que os prasos a que me tenho referido não são lixos e obrigatorios como pretendo, mas apenas constituem um minimum, como s. ex.ª sustentou.

Que resulta d'ahi?

Resulta a faculdade da companhia attingir o maximo das tarifas francezas na actualidade?

Eu respondo que não, porque o maximo das tarifas francezas que a companhia podia attingir já o attingiu, e attingiu ha muito tempo.

A companhia não tem, nem nunca lhe foi concedida, a faculdade illimitada de attingir o maximo das tarifas francezas.

Segundo o artigo que ha pouco li, esta faculdade é limitada pela seguinte fórma «se não forem superiores ás que vigorarem anteriormente no caso da revisão de que trata o § 1.°», isto é, no caso da primeira revisão effectuada em 1860.

Este artigo, interpretado grammatical e philosophicamente, quer dizer que se ao tempo de uma qualquer revisão as tarifas francezas forem inferiores ás tarifas de 1860, a companhia póde, em caso de desaccordo com o governo, attingir o maximo das tarifas na epocha d'essa revisão, e não as de 1860, e que no caso contrario póde attingir estas e não aquellas.

De fórma que o artigo apresentado como clausula protectora dos interesses da companhia é-o, ao inverso, dos do publico.

E tambem protectora dos interesses da companhia, mas sob um ponto de vista muito differente.

Quando se fez esta lei não se suppunha que as tarifas haviam de ser constantemente augmentadas; suppunha-se mesmo que haviam de ser mais tarde diminuídas em vista dos rendimentos futuros dos caminhos de ferro, cujos proventos se antevia haviam de crescer e progredir; suppunha-se mais que os ministros, em logar de protegerem absoluta e exclusivamente os interesses da companhia, estariam principalmente ao lado dos interesses da nação; e quando chegassem as epochas das revisões das tarifas os governos,

em logar de ajudar a que subissem, insistiriam ao contrario para que descessem.

A lei suppunha isto; e suppondo-o quiz dar uma salvaguarda á companhia permittindo-lhe os maximos das tarifas francezas, mas debaixo das restricções que as suas disposições estabelecem de uma fórma clara e positiva. Esta é a legislação.

Disse-se já aqui, que esta interpretação nunca se tinha feito em epochas anteriores. Eu acho que se fez, e vou ler um trecho, do qual isto se conclue.

Quando teve logar a primeira revisão das tarifas o sr. Thiago Horta, que fez essa revisão, consultou previamente o conselho das obras publicas, o qual, dando o seu parecer, disse o seguinte:

«Consultado o § 4.° do artigo 44.° do contrato, acaba-se que n'elle se estabelece que na revisão das tarifas, na falta de accordo entre a companhia e o governo, terá cada uma das partes contratantes o direito de estabelecer desde logo, como maximos, os preços das tarifas francezas que n'esse tempo estiverem em vigor».

«Mas n'esse mesmo § 4.° vem uma clausula restrictiva á adopção das tarifas francezas. Essa clausula diz que os preços das tarifas francezas só serão adoptados quando não forem superiores aos que vigorarem anteriormente á revisão das tarifas.»

«E claro o pensamento do § 4.° do artigo 44.º do contrato.»

«Como a revisão das tarifas é uma faculdade reservada ao governo do Vossa Magestade, para o fim de attender aos legitimos interesses do commercio e da industria pela diminuição dos preços dos transportes, quiz-se ao mesmo tempo attender aos legitimos interesses da empreza, offerecendo-lhe uma garantia, a qual consiste em a mesma lei estabelecer um limite alem_ do qual não podem passar as reducções sem a annuencia da empreza.»

Aqui tem V. ex.ª como já houve alguem, e era um conselho de obras publicas composto de pessoas competentissimas, que pensou exactamente como nós os deputados da opposição, e que entendeu que havia limitação nas tarifas francezas, e que essa limitação eram as tarifas immediatamente anteriores á primeira revisão.

Quando digo que o conselho de obras publicas pensou por esta fórma, não quero dizer que elle fazia lei, mas quero dizer que não é agora a primeira vez que apparece uma interpretação tão conforme com as disposições legaes, e que nasce da sua letra e do seu espirito.

Em conclusão é minha opinião que não havia meios, nem havia possibilidade de a companhia attingir o maximo das tarifas francezas, ou a preço approximado d'esse maximo, a não ser pela vontade do sr. ministro das obras publicas, e sem que a companhia tivesse direito algum para proceder em virtude de iniciativa exclusiva sua e de direito proprio. (Muitos apoiados.)

Concederei porém por hypothese, continuando o meu systema de concessões, que a companhia, segundo a opinião do sr. ministro, podia pela força do seu direito attingir o maximo das tarifas francezas. N'esse caso não podia, ainda assim, o governo ter conservado as tarifas anteriores? Não tinha nas leis recurso para isso? Tinha; e se havia occasião em que s. ex.ª podesse lançar mão d'esse recurso era então. (Apoiados.)

É ou não verdade, segundo a propria confissão de s. ex.ª, que o paiz entrou francamente ha algum tempo n'uma era de prosperidade? E ou não verdade que nós, o anno passado, podiamos ter a certeza, de que a prosperidade nacional seria maior este anno? E ou não verdade que nós podiamos ter a convicção lisonjeira de que durante cinco annos a prosperidade nacional não cresceria menos do que tem crescido nos ultimos cinco annos? É ou não verdade que o movimento ascendente dos caminhos de ferro acompanha o movimento ascendente da prosperidade nacional? E ou não verdade que independentemente de tudo isto uma

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lei economica faz com que os rendimentos dos caminhos de ferro augmentem sempre? Havia, pois, algum perigo em garantir á companhia, deduzidas as despezas da exploração, o seu rendimento bruto n'este anno igual ao do anno passado, e durante os cinco annos immediatos um crescimento de rendimento proporcional ao dos ultimos cinco annos? Evidentemente não.

A camara sabe a faculdade que tem o governo, em virtude do contrato de 14 de setembro de 1859 e da lei de 5 de maio de 1860, de lhe pedir uma lei, em virtude da qual se estabeleçam para a companhia sem accordo e fóra de accordo as tarifas que se quizerem, garantindo-lhe os rendimentos que acabo de referir. Que fez o governo, que nestes termos podia reduzir as tarifas? Augmentou-as!!! (Muitos apoiados.)

Mas o maior argumento que eu podia invocar, e que ainda não invoquei, é o seguinte.

Só agora, sendo conselheiro da corôa o sr. Avelino, se fez a segunda revisão de tarifas, que, segundo a doutrina sustentada por s. ex.ª e pelos seus defensores, se podia já ter realisado ha tantos annos! Tem-se passado um longo lapso de tempo, tendo a companhia o direito de pedir a segunda revisão, e não a pediu! Como se comprehende que uma Companhia que, diz o sr. ministro (e sabem-o todos), vive em circumstancias precarias e attribuladas, vivesse durante largos annos sem recorrer a essa pretendida faculdade de augmentar as tarifas, e sem exigir o maximo das francezas? Pois a companhia lutava com tantas difficuldades, pois a companhia precisou dos accordos, pois a companhia estava pobre e miseravel, e tendo um recurso immenso, poderoso, pela força da lei, nunca lançou mão d'esse recurso, nunca se aproveitou d'elle, e deixava-se existir entre amarguras?!

Para que é que tem pedido tanto, quando tinha o direito de mandar? Está claro que não mandava, porque não podia mandar; está claro que não exigia, porque não podia exigir. (Apoiados.)

O ultimo augmento das tarifas só a companhia o podia esperar da benevolencia do actual sr. ministro das obras publicas; e como até hoje não tinha ainda encontrado ministro que a protegesse tão poderosamente, com tanto amor, como o sr. Antonio Cardoso Avelino, eis a razão por que não pedíra ainda esse favor. E, como muito bem disse o sr. ministro das obras publicas, não lh'o exigiu a companhia de chapéu na cabeça, nem s. ex.ª lhe podia ter consentido tão arrogantes maneiras, pois se tratava de um favor, e de um favor muito grande. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, parece-me ter demonstrado, tanto quanto pude dentro dos meus acanhados recursos, a V. ex.ª e á camara, que esta concessão que se fez á real companhia dos caminhos de ferro portuguezes, elevando as tarifas, foi um acto da livre vontade do sr. ministro das obras publicas, acto que elle estava no direito de fazer ou de não fazer, e cuja responsabilidade moral é toda d'elle.

Agora resta-me demonstrar á camara quaes as rasões que poderão levar o sr. ministro das obras publicas a praticar Brilhante acto; mas como são cinco e meia horas, peço a V. ex.ª que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

Vozes: — Muito bem, muito bem,

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Sousa Lobo: — Na sessão passada eu procurei provar que o augmento das tarifas fôra não o resultado de um direito da companhia dos caminhos de ferro portuguezes, mas uma consequencia de um acto perfeitamente livre do sr. ministro das obras publicas, acto que não declarei illegal, por isso mesmo que o sr. ministro podia com a lei na mão te-lo praticado ou deixado de praticar.

Mas o que cumpre censurar ou louvar é o resultado, são as consequencias d'elle. Se o augmento das tarifas foi effectivamente votado por considerações de utilidade publica, o augmento das tarifas não póde, não deve ser censurado; pelo contrario, se não ha rasão de interesse publico que o possa explicar, então cabe ao sr. ministro censura por ter procedido por esta fórma.

A minha opinião é que não houve consideração alguma publica que justificasse o procedimento do sr. ministro das obras publicas.

Disse o sr. deputado Cunha Belem, tratando em um excellente discurso esta questão, que «o augmento das tarifas era determinado pelo augmento da despeza que a companhia tinha, porque a companhia gastava muito mais com o combustivel, com o material e mesmo com o pessoa], e que, portanto, n'estas circumstancias nada mais natural do que estabelecer se uma compensação por meio de um augmento das tarifas».

Effectivamente esta rasão poderia justificar o procedimento do governo, mas era necessario por outro lado que não tivesse subido tambem a receita em igual ou maior proporção, porque, n'este caso, o argumento cáe.

Ora se por um lado vimos as despezas subir, por outro lado em proporção maior vimos as receitas da companhia crescer de anno para anno, e tanto que a situação relativa d'ella hoje é melhor do que nunca. Portanto, cão se póde explicar por este motivo o augmento das tarifas.

Para mim, a explicação está em um facto da nossa vida parlamentar succedido ha tres annos: está no accordo de 18-73. As tarifas são o resultado do que a companhia esperava pelo accordo de 1873: esse resultado começou a ser satisfeito pelo accordo de 1875: o resto completaram-o as tarifas.

O accordo de 1873 foi um acto por meio do qual o governo entendeu que devia conceder á companhia dos caminhos de forro isenção do imposto de transito sobre as mercadorias expedidas por pequena velocidade durante oitenta o seis annos, como compensação da construcção da ponte que ella ía fazer sobre o Douro. Este accordo foi aqui defendido pelo governo com toda a força e energia, mas apesar d'isso não passou na camara; e não passou porque não podia passar, pois a despeito da grande maioria que o governo tinha, era um acto de tão excessivo favor á companhia, que não havia força para fazer com que passasse; a maioria, tantas vezes docil, rebellou-se contra um acto que se queria que ella praticasse e que era considerado pela opinião publica como uma immoralidade.

Assim o accordo de 1873 não póde ser votado, e o resultado foi a sua substituição pelo de 1875. Esta substituição julgou-se que era espontanea, franca e sincera, e que o governo, querendo attender ás razões e argumentos da opposição em 1873, por isso reduzira o imposto de transito de oitenta e seis annos a trinta e seis; mas descobriu-se maia tarde, e já encerrada a camara, que o governo, quando procedeu por esta fórma, tinha já então um pensamento reservado, e era, dar á companhia, por meio do augmento das tarifas, a somma necessaria para ella fazer face ao deficit que lhe ficava pela suppressão dos cincoenta annos que o parlamento cerceara do primeiro accordo.

Este facto foi demonstrado cabalmente pelos oradores que me precederam, e ha de continuar a ser demonstrado pelos oradores que se seguirem.

Eu tencionava provar aqui mais uma vez como o governo, para proceder como procedeu, augmentando as tarifas, faltou á verdade ao parlamento e ao paiz; e embora eu faça justiça ás intenções do ar. ministro das obras publicas, tenho para mim que s. ex.ª só seguindo a escola de Machiavel, e entendendo que os meios se justificam pelos fins, e faltando á verdade, póde conseguir o que desejava.

Esta politica, eu que pertenço a outra politica altamente liberal e que prefere a verdade em todos os pontos aos maiores resultados obtidos pelas astúcias diplomaticas, não a posso, comquanto respeite as intenções de s. ex.ª, apoiar.

Sr. presidente, eu podia provar exuberantemente como s. ex.% depois de ter vindo ao parlamento declarar que um

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dos resultados do accordo era de futuro terem de se abaixar as tarifas, deu á companhia a faculdade de as augmentar. Podia provar mais como s. ex.ª, realisando este acto, fez uma portaria que, devidamente considerada, tem a redacção a mais arteira e a mais propria para encobrir a verdade. Podia provar que s. ex.ª n'esta portaria, em logar de referir francamente que ía augmentar as tarifas em todos os pontos, preferiu arranjar as cousas de modo que parece que a portaria vae augmentar apenas as tarifas em relação ás mercadorias na pequena velocidade. Eu podia demonstrar tambem que mesmo quando unica e exclusivamente a portaria tivesse por fim lançar 5 por cento sobre as mercadorias de pequena velocidade, ainda assim o sr. ministro procedendo como procedeu errou; porque s. ex.ª tendo-nos dito que o resultado do seu accordo era o abaixamento das tarifas, não devia começar por eleva-las.

Eu podia demonstrar igualmente, com relação á portaria, que se foi arteira a sua redacção, arteiro foi tambem o modo por que foi posta em execução, contra o systema geralmente seguido, contra os actos praticados pelos antecessores do sr. ministro e por s. ex.ª mesmo em outra occasião.

Não se deu a publicidade devida por parte do governo, acompanhando-o n'este proceder a companhia. O sr. ministro escondia o acto, a companhia escondia-o igualmente. (Muitos apoiados.)

A companhia, quando se trata de diminuir as tarifas, tem sempre o cuidado de apregoar e fazer constar pelos jornaes baratos e por cartazes essa diminuição, mas quando se tratou de augmenta-las não fez nenhuma d'estas cousas. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu podia demonstrar tudo isto, e vinha muito resolvido a demonstra-lo, e até largamente; mas prefiro não continuar o meu discurso, porque entendo que é melhor que deputados mais auctorisados do que eu, e cujas vozes têem mais acção e força sobre o parlamento, o façam. Não continuarei, pois, a fallar pelas rasões que vou apresentar a V. ex.ª, e com as quaes finaliso esta minha brevissima exposição.

No parlamento hoje está sendo costume acabar as discussões muito rapidamente. Está sendo habito não dar á minoria o tempo preciso para ella, exercendo acção sobre a opinião, tirar d'essa acção o resultado preciso. Está sendo costume fazer com que depois de um certo tempo, quer as discussões estejam esclarecidas, quer não, a maioria as encerre; e como ha geralmente tenção antecipada de votar num certo sentido, effectivamente as discussões muitas vozes, ou quasi sempre, são para assim dizer absolutamente desnecessarias. (Apoiados.)

Hoje palpita-me alguma cousa parecida com isso. Hoje algum deputado da maioria, acreditando que é já tempo de se encerrar o debate, levantar-se-ha em breve do seu logar e pedirá a palavra para um requerimento, para que seja consultada a camara sobre se julga a materia discutida. (Apoiados.) V. ex.ª ha de pôr o requerimento á votação, e a camara desde logo ha de considerar a materia discutida.

Ora eu, que não quero que oradores inscriptos depois de mim deixem de ser ouvidos por minha causa, termino desde já as minhas considerações de hoje sobre a materia em discussão; considerações que tencionava desenvolver com largueza, mas que abandono apenas apontadas; a fim de que palavras de maior valor e auctoridade possam ainda durante algumas horas dirigir-se ao parlamento e ao paiz.

Hontem a minha obrigação era fallar, e por isso o fiz; agora o meu dever é callar-me, e por isso finalizo aqui.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

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