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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Jayme Moniz pronunciado na sessão de 15 de março, e que devia ler-se a pag. 632, col. 1.ª

O sr. Jayme Moniz: — Vou usar da palavra sobre a administração publica das provincias ultramarinas. Para desvanecer qualquer duvida que porventura exista ácerca dos fins da minha interpellação, direi desde já que, apoiando eu o governo, o meu intuito apenas póde ser benevolo. Procuro tão só offerecer ensejo a que o illustre ministro da repartição competente informe a camara sobre o modo por que entende presidir aos destinos d'aquellas provincias.

Sinto mais do que nunca que me falte a facilidade, a energia de dizer, que prende a benevolencia do auditorio ainda quando elle não professa as idéas do orador que se lhe dirije, a inspiração que captiva e arrebata, emfim a imaginação que dá côr e brilho ao discurso. E sinto-o não por mim, não pelo interesse pessoal, mas por amor do assumpto de que tenciono tratar, assumpto inquestionavelmente digno da palavra mais eloquente, (Apoiados.) assumpto que tem merecido frequentes vezes a attenção da camara e está attrahindo com maior força de dia para dia o desvélo do paiz.

E ha de continuar a merecer esta attenção, ha de continuar a merecer este desvélo, porque é vasto, porque é difficil, porque é altamente importante e patriotico. (Apoiados.)

É vasto o nosso dominio ultramarino; não se limita a duas ou tres pequenas possessões situadas na proximidade da metropole; abrange no Atlantico, na Africa occidental, o archipelago de Cabo Verde, a Guiné, as ilhas de S. Thomé e Principe, o territorio de Ajudá e a provincia de Angola; na Africa oriental, Moçambique e seus districtos até Lourenço Marques; na Asia o estado da India e Macau; na Oceania, Timor. Póde pois dizer-se repartido em pedaços pelo mundo! (Apoiados.) É difficil: tamanha differença de condições geographicas, climatericas e ethnographicas, deve fazer ardua e trabalhosa a administração, compellida a descobrir e assentar os methodos, a firmar e estabelecer as praticas que mais se amoldem, e melhor quadrem ao governo de cada provincia, á longa serie de seus gravissimos interesses: interesses politicos, interesses religiosos, interesses economicos, interesses commerciaes, interesses financeiros e outros de não menor alcance. É ainda difficil: porque desgraçadamente a satisfação devida a estes interesses tem de partir de uma nação pequena, sem recursos extraordinarios, sendo que d'esta sorte, ao passo que outros povos mais felizes podem valer-se de meios, de força e de poderio para o desenvolvimento de seu dominio colonial, nós para civilisar e proteger o nosso havemos de recorrer acima de tudo á intelligencia, ao saber, á arte. (Apoiados.)

É altamente patriotico, porque se liga com altos sentimentos de patriotismo, porque se prende com o grandioso facto dos descobrimentos que nos fizeram celebres e celebrados, porque nos falla de um periodo brilhantissimo da nossa nacionalidade, á qual, para que deva ser contada entre os povos com direito á existencia na epocha moderna, nem até fallece o haver contribuido com seus feitos para a civilisação que se chama do mesmo nome! (Apoiados.) Sim. Somos uma verdadeira nacionalidade. Não carecemos de unidade politica, territorial, ethnographica, religiosa, de linguagem, de costumes, com todas as condições que constituem uma perfeita individualidade. Não somos uma agglomeração, um conjuncto de povos. (Apoiados.) Dentro do quadro do grupo novo latino, ou fóra d'elle, ninguem a este respeito nos leva vantagem. (Apoiados.) E isto é tão verdadeiro, que os escriptores imparciaes nunca o esquecem e muitas vezes o citam como exemplo. A nossa existencia politica não nasceu de circumstancias fortuitas, nem procedeu do favor. Com os primeiros elementos que deviam servir de base á nacionalidade portugueza, surgiu o homem poderoso a quem incumbia aproveital-os, e esse fundou com a sua espada e com o auxilio dos seus a monarchia que outros successivamente fortaleceram, dilataram e desenvolveram. E em tal modo o fizeram, e em tal modo se realisou a nação, que apesar de situados no extremo occidente e afastados da demais Europa, vieram a verificar-se entre nós as leis principaes da vida moral europea. (Apoiados.) No reinado de um soberano que a historia qualifica, não sem fundamentada justiça, de grande rei, grande politico, grande guerreiro, grande chefe de familia, principiou de mostrar-se o alto destino da gente portugueza. D'ahi para o diante foi então chamada ou eleita, permitta-se-me a linguagem, a prestar um serviço perante o qual os seculos, as idades, os tempos, deviam passar respeitosos e agradecidos, serviço feito ao mundo, ao progresso do mundo, á civilisação da especie humana! E como se desempenhou do encargo, como soube leval-o a cabo, toda a redondeza do globo o apregoa! O oceano, immenso como o serviço prestado, ouve ainda agora attonito o echo das vozes dos nossos navegadores, dos nossos valentes e indomaveis navegadores, bradando «ávante» em demanda do desconhecido! (Applausos.)

Este foi o nosso periodo heroico! Este foi o periodo em que os portuguezes fizeram rubricar pela humanidade os titulos do seu valor social! Este foi o periodo em que para sempre salvaram do esquecimento o seu nome — não lutando unicamente com os homens, que de taes pelejas está cheia a trivial narrativa da historia, mas lutando, com esforços sobrehumanos, contra as tempestades do céu, contra as inclemencias dos climas, contra as ondas embravecidas, porque estava escripto que á grandeza do serviço devia corresponder a grandeza do sacrificio! (Vozes: — Muito bem.)

O nosso dominio ultramarino é, portanto, alguma cousa que se liga intimamente com o nosso passado! É o representante material da prodigiosa força da vitalidade portugueza, o symbolo dos feitos de nossos maiores, e ao mesmo tempo como que o corpo do nosso energico e esforçado espirito nacional na epocha mais brilhante do paiz! É alguma cousa que faz parte do que ha de mais esplendido em nossa honra de nação! Não comprámos terrenos, não os herdámos, não os recebemos de nenhum poder por troca ou dadiva! Abrimos o caminho para elles, descobrimol-os, conquistámol-os para a fé e para a civilisação! Eis a nossa gloria, (Apoiados.) eis tambem a nossa responsabilidade! (Apoiados.)

D'aqui, porém, não se infira que vencido de falso patriotismo me disponho a exagerar a importancia actual das provincias ultramarinas. Não faltarei á verdade; não mentirei á minha consciencia. No presente não as tenho por elementos de poder, não as considero como fontes de riqueza. Por emquanto apenas bastam ao custeio das proprias necessidades mais urgentes e não raro carecem do auxilio da metropole. Seu commercio, suas relações com a mãe patria, ainda que em progresso visivel, não assumem proporções que justifiquem conceito diverso do que deixo enunciado. Mas n'um futuro, mais ou menos proximo, bem aproveitados os recursos que a natureza espalhou por ellas com prodiga mão, podem ser de incalculavel vantagem. Em todos os tempos serão um legado que nunca deveremos abandonar, porque similhante abandono importaria a decadencia do nosso sentimento nacional — grande miseria e grande vergonha! (Apoiados.)

Está o sr. ministro concorde commigo ácerca d'este modo de considerar o nosso dominio ultramarino? A integridade do territorio portuguez no ultramar é para s. ex.ª um dogma acima de toda e qualquer eventualidade? É a primeira pergunta que lhe dirijo.

Sessão de 27 de março de 1878

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