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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Jayme Moniz pronunciado na sessão de 15 de março, e que devia ler-se a pag. 632, col. 1.ª

O sr. Jayme Moniz: — Vou usar da palavra sobre a administração publica das provincias ultramarinas. Para desvanecer qualquer duvida que porventura exista ácerca dos fins da minha interpellação, direi desde já que, apoiando eu o governo, o meu intuito apenas póde ser benevolo. Procuro tão só offerecer ensejo a que o illustre ministro da repartição competente informe a camara sobre o modo por que entende presidir aos destinos d'aquellas provincias.

Sinto mais do que nunca que me falte a facilidade, a energia de dizer, que prende a benevolencia do auditorio ainda quando elle não professa as idéas do orador que se lhe dirije, a inspiração que captiva e arrebata, emfim a imaginação que dá côr e brilho ao discurso. E sinto-o não por mim, não pelo interesse pessoal, mas por amor do assumpto de que tenciono tratar, assumpto inquestionavelmente digno da palavra mais eloquente, (Apoiados.) assumpto que tem merecido frequentes vezes a attenção da camara e está attrahindo com maior força de dia para dia o desvélo do paiz.

E ha de continuar a merecer esta attenção, ha de continuar a merecer este desvélo, porque é vasto, porque é difficil, porque é altamente importante e patriotico. (Apoiados.)

É vasto o nosso dominio ultramarino; não se limita a duas ou tres pequenas possessões situadas na proximidade da metropole; abrange no Atlantico, na Africa occidental, o archipelago de Cabo Verde, a Guiné, as ilhas de S. Thomé e Principe, o territorio de Ajudá e a provincia de Angola; na Africa oriental, Moçambique e seus districtos até Lourenço Marques; na Asia o estado da India e Macau; na Oceania, Timor. Póde pois dizer-se repartido em pedaços pelo mundo! (Apoiados.) É difficil: tamanha differença de condições geographicas, climatericas e ethnographicas, deve fazer ardua e trabalhosa a administração, compellida a descobrir e assentar os methodos, a firmar e estabelecer as praticas que mais se amoldem, e melhor quadrem ao governo de cada provincia, á longa serie de seus gravissimos interesses: interesses politicos, interesses religiosos, interesses economicos, interesses commerciaes, interesses financeiros e outros de não menor alcance. É ainda difficil: porque desgraçadamente a satisfação devida a estes interesses tem de partir de uma nação pequena, sem recursos extraordinarios, sendo que d'esta sorte, ao passo que outros povos mais felizes podem valer-se de meios, de força e de poderio para o desenvolvimento de seu dominio colonial, nós para civilisar e proteger o nosso havemos de recorrer acima de tudo á intelligencia, ao saber, á arte. (Apoiados.)

É altamente patriotico, porque se liga com altos sentimentos de patriotismo, porque se prende com o grandioso facto dos descobrimentos que nos fizeram celebres e celebrados, porque nos falla de um periodo brilhantissimo da nossa nacionalidade, á qual, para que deva ser contada entre os povos com direito á existencia na epocha moderna, nem até fallece o haver contribuido com seus feitos para a civilisação que se chama do mesmo nome! (Apoiados.) Sim. Somos uma verdadeira nacionalidade. Não carecemos de unidade politica, territorial, ethnographica, religiosa, de linguagem, de costumes, com todas as condições que constituem uma perfeita individualidade. Não somos uma agglomeração, um conjuncto de povos. (Apoiados.) Dentro do quadro do grupo novo latino, ou fóra d'elle, ninguem a este respeito nos leva vantagem. (Apoiados.) E isto é tão verdadeiro, que os escriptores imparciaes nunca o esquecem e muitas vezes o citam como exemplo. A nossa existencia politica não nasceu de circumstancias fortuitas, nem procedeu do favor. Com os primeiros elementos que deviam servir de base á nacionalidade portugueza, surgiu o homem poderoso a quem incumbia aproveital-os, e esse fundou com a sua espada e com o auxilio dos seus a monarchia que outros successivamente fortaleceram, dilataram e desenvolveram. E em tal modo o fizeram, e em tal modo se realisou a nação, que apesar de situados no extremo occidente e afastados da demais Europa, vieram a verificar-se entre nós as leis principaes da vida moral europea. (Apoiados.) No reinado de um soberano que a historia qualifica, não sem fundamentada justiça, de grande rei, grande politico, grande guerreiro, grande chefe de familia, principiou de mostrar-se o alto destino da gente portugueza. D'ahi para o diante foi então chamada ou eleita, permitta-se-me a linguagem, a prestar um serviço perante o qual os seculos, as idades, os tempos, deviam passar respeitosos e agradecidos, serviço feito ao mundo, ao progresso do mundo, á civilisação da especie humana! E como se desempenhou do encargo, como soube leval-o a cabo, toda a redondeza do globo o apregoa! O oceano, immenso como o serviço prestado, ouve ainda agora attonito o echo das vozes dos nossos navegadores, dos nossos valentes e indomaveis navegadores, bradando «ávante» em demanda do desconhecido! (Applausos.)

Este foi o nosso periodo heroico! Este foi o periodo em que os portuguezes fizeram rubricar pela humanidade os titulos do seu valor social! Este foi o periodo em que para sempre salvaram do esquecimento o seu nome — não lutando unicamente com os homens, que de taes pelejas está cheia a trivial narrativa da historia, mas lutando, com esforços sobrehumanos, contra as tempestades do céu, contra as inclemencias dos climas, contra as ondas embravecidas, porque estava escripto que á grandeza do serviço devia corresponder a grandeza do sacrificio! (Vozes: — Muito bem.)

O nosso dominio ultramarino é, portanto, alguma cousa que se liga intimamente com o nosso passado! É o representante material da prodigiosa força da vitalidade portugueza, o symbolo dos feitos de nossos maiores, e ao mesmo tempo como que o corpo do nosso energico e esforçado espirito nacional na epocha mais brilhante do paiz! É alguma cousa que faz parte do que ha de mais esplendido em nossa honra de nação! Não comprámos terrenos, não os herdámos, não os recebemos de nenhum poder por troca ou dadiva! Abrimos o caminho para elles, descobrimol-os, conquistámol-os para a fé e para a civilisação! Eis a nossa gloria, (Apoiados.) eis tambem a nossa responsabilidade! (Apoiados.)

D'aqui, porém, não se infira que vencido de falso patriotismo me disponho a exagerar a importancia actual das provincias ultramarinas. Não faltarei á verdade; não mentirei á minha consciencia. No presente não as tenho por elementos de poder, não as considero como fontes de riqueza. Por emquanto apenas bastam ao custeio das proprias necessidades mais urgentes e não raro carecem do auxilio da metropole. Seu commercio, suas relações com a mãe patria, ainda que em progresso visivel, não assumem proporções que justifiquem conceito diverso do que deixo enunciado. Mas n'um futuro, mais ou menos proximo, bem aproveitados os recursos que a natureza espalhou por ellas com prodiga mão, podem ser de incalculavel vantagem. Em todos os tempos serão um legado que nunca deveremos abandonar, porque similhante abandono importaria a decadencia do nosso sentimento nacional — grande miseria e grande vergonha! (Apoiados.)

Está o sr. ministro concorde commigo ácerca d'este modo de considerar o nosso dominio ultramarino? A integridade do territorio portuguez no ultramar é para s. ex.ª um dogma acima de toda e qualquer eventualidade? É a primeira pergunta que lhe dirijo.

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Sabemos da historia, que nol-o ensina, da historia que demonstra a marcha do desenvolvimento das nações, que este desenvolvimento se opera passo a passo, repartindo-se por periodos que todos se atam na unidade da civilisação nacional, mas correspondendo cada um a certo numero de funcções, que não são mais do que a fórma, a traducção material dos principios que os dominam, principios que são a alma d'esses periodos, a rasão que os esclarece, a luz verdadeira que os illumina principios supremos, soberanos, contra os quaes todas as resistencias cedem ou caem, porque elles imperam com a auctoridade de leis, n'esta expressão sempre grande e por vezes gigantea da força humana a que se dâ o nome de nação. (Apoiados.)

O que a historia contém de mais bello e sublime effectuou-se por amor d'elles e por elles!

E por elles que todas as privações — o exilio com a saudade, a miseria com a fome—jamais enfraqueceram o animo do verdadeiro cidadão ou patriota!

É por elles que os inspirados da justa opportunidade da sua; pratica não recuam diante de nenhum sacrificio.

E por elles que a luta empenhada para trasladal-os a factos não hesita em regar com o sangue e calçar com os ossos dos seus martyres a estrada por onde ha de passar victoriosa a causa que ella defende! (Apoiados.)

É por elles que os governos vivem! É por elles que as nações caminham. (Vozes: — Muito bem.)

Nos tempos modernissimos, no periodo que vamos atravessando, (sem querer desvendar mysterios que densas trevas encobrem) parecem claros os principaes preceitos a que têem de obedecer os governantes e governados de uma nação civilisada.

Ha de a nação progredir pelo maior esclarecimento do espirito do povo; pelo alargamento da instrucção, que é muito, e pela educação, que não vale menos;

Ha de progredir pelas sciencias e pelas artes;

Ha de progredir pela firme manutenção da liberdade o por seu continuado desenvolvimento;

Ha de progredir pelo accommodado, successivo o maior exercicio do povo no governo de si proprio;

Ha de progredir pela tolerancia;

Ha de progredir pela humanidade nas differentes provincias da legislação em que ella póde ter cabimento, sobretudo na legislação penal;

Ha de progredir pelo aproveitamento das victorias da actividade sobre a materia, pelos melhoramentos materiaes;

Ha de progredir pelo commercio e pela industria;

Ha de progredir pelo estreitamento de suas relações com outros povos.

Emfim, se tem poderio ou influencia, ha de contribuir para evitar ou limitar a guerra, auxiliando d'est'arte um progresso commum. (Apoiados.)

Tratando-se porém de populações em periodo de vida social atrazadissima, ainda em grande parte combatidas da barbaria, compostas de diversíssima ethnographia, emfim mui outras, é obvio que as máximas superiores do seu governo não podem ser as mesmas, não podem ter o mesmo elevadíssimo caracter, a mesma extensão, o mesmo vastissimo alcance. (Apoiados.)

Portanto, que preceitos regulam ou devem regular o sou andamento? De que meios cumpre lançar mão para lhes dar vida na pratica? Que principios geraes, no entender do sr. ministro, devem presidir á administração publica das provincias ultramarinas?

Eis a segunda pergunta que apresento a s. ex.ª, certo de que lhe ha de responder, revelando mais unia vez o saber e talento de que é dotado.

Agora, com o intuito do completar e facilitar a discussão, especialisarei alguns pontos, a respeito dos quaes eu muito folgara de ouvir ao sr. ministro. E sobre cada um d'elles exporei francamente o meu parecer.

Merecem menção em primeiro logar os systemas de governo local com as instituições administrativas que lhe andam annexas. Acerca d'este importantissimo objecto é grande a diversidade de idéas, e não faltam opiniões extremas. (Apoiados.)

Ha quem sustento que se deve reunir todo ou quasi todo o poder nas mãos dos governadores auxiliados pelos conselhos do governo, adoptando-se a uniformidade para as differentes provincias e cabendo á metropole unicamente a inspecção superior ou pouco mais. É a descentralisação para os chefes das provincias.

Ha quem sustente que a India e Angola podem reger-se por um systema de governação local instituida e organisada á similhança do que se observa nas colonias inglezas de primeira classe, ou propriamente colonias. É um modo de ver que encanta pela belleza do ideal.

Entendem muitos que o systema do decreto de 1 de dezembro de 1869 deve subsistir, ao passo que outros julgam indiscutivel a conveniencia e necessidade de estabelecer para cada provincia um systema de governação accommodada As circumstancias locaes. (Apoiados.)

Concentrar toda a auctoridade nas attribuições dos governadores auxiliados por um conselho, é remedio que parece inacceitavel. A meu ver tal auctoridade, sobre ser desnecessaria na extensão que lhe querem dar, quebraria o laço de união que deve existir entre o governo das provincias o o governo da metropole, teria todas as desvantagens do poder absoluto, ficaria mal a um paiz livre, seria óptima para fazer réis pequenos, mas pessima para dar justa o rasoavel administração, e em troca do alguns beneficios acarretaria gravissimos males! (Apoiados.)

Perfilhar na India e em Angola as praticas governativas seguidas nas colonias inglezas de primeira classe, afigura-se-me. cousa igualmente indefensável. Sendo da indole de nosso espirito affeiçoar-se de prompto a tudo quanto é grande e nobre, eu professo pelos partidarios d'este alvitre a admiração que merecem os apostolos de toda a doutrina elevada e progressiva, sem deixar de ver a utopia que se escondo sob seus desejos mais theoricos do que praticos. O exemplo do estrangeiro pecca por menos bem adduzido. Em muitas das possessões da Inglaterra não existem as assembléas legislativas, e entre estas apontam-se algumas cujo estado de adiantamento não soffre comparação com o atrazo em que infelizmente vemos a mais ditosa provincia do nosso ultramar! Por outro lado as colonias inglezas de primeira classe são em plena realidade colonias, são braço» robustos do um mesmo e unico povo. Sua população dominante, mui numerosa e activa é ingleza na origem, nos habitos, nas tendencias, nos costumes, nas tradições, nos usos da vida publica, e dito isto está dito tudo! Se os elementos principaes da colonia se identificam d'esta sorte com os da mão patria, póde haver rasão politica, porém não ha motivo social para differenças quanto ás bases essenciaes de seu governo. Ainda assim resultam d'aqui numerosas difficuldades contra o dominio do paiz colonisador. Não o escondem nem encobrem os escriptores nacionaes. As relações entre a colonia e a metropole sob o ponto de vista politico ficam sempre mal definidas, a jurisdicção colonial absorve tudo, e nada permitte á jurisdicção do imperio, os casos de veto podem dar origem a funestas dissidências. Pelo que se allegava recentemente em uma conferencia colonial celebrada na capital da (Gran-Bretanha, que se nenhum inglez sabia declarar qual era a constituição do seu paiz, menos ainda estava no caso de dizer que laços prendiam as colonias á metropole. (Apoiados.) Não escureçamos a verdade. Dotada de assembléa legislativa e governo responsavel, a colonia recebeu para logo carta do emancipação, e entrou no caminho da independencia.

Omittindo rasões de outra ordem que porventura ainda (Conduziriam á rejeição do systema inglez, é todavia com sentimento que deixo do applicar a designação de colonias no sentido indicado ás nossas provincias ultramarinas. Nenhum homem publico deve procurar que o seu paiz venha a perder os dominios de que é senhor, mas ao mesmo

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tempo nenhum homem do bem, receioso de futuras separações quererá obstar ao progresso do que elles são susceptiveis. Seu dever será empenhar toda a diligencia, toda a vontade, toda a intelligencia, no sentido do as erguer do abatimento o levantar ao progresso, sem abandonar o seu governo, e, acima do tudo, sem largar mão de estabelecer entre as sociedades ali existentes e a metropole, os solidos alicerces do uma união duradoura, activa, organíca, energica e liberrima. (Apoiados.)

O decreto do 1 de dezembro de 1869, referendado pelo meu sempre illustre e sempre chorado amigo Luiz Augusto Rebello da Silva, e fructo do trabalho de uma commissão composta de cavalheiros entendidos nos negocios ultramarinos, acceitou para base do suas disposições o systema anteriormente em vigor. Entenderam, porém, os auctores do decreto que por um lado cumpria alargar mais a esphera da acção da auctoridade superior, e por outro convinha dar ás provincias mais adiantadas certo grau do iniciativa, descentralisando para ellas o estudo e decisão de alguns de seus principaes interesses. Quizeram realisar este segundo pensamento pela junta geral de provincia, que no estado da India compozeram com os primeiros funccionarios locaes e um vogal eleito por cada uma das camaras; e em Angola formaram com os principaes empregados e com outros vogaes, dois eleitos pelos negociantes matriculados de Loanda, um pelos de Benguella, e um por cada uma das camaras municipaes.

Som prejuizo dos encómios que merecem os auctores do decreto, peço permissão a V. ex.ª para ler á camara o conceito que d'este systema fazia em 1872, e com relação á provincia de Angola, um governador intelligente, honrado e distincto:

«O decreto de 1 do dezembro, para cuja feitura eu concorri em parte, parece-me já hoje, sob o influxo de um mais serio conhecimento do ultramar, e especialmente d'esta provincia, acanhado n'uns pontos e illusorio n'outros. E acanhado no que estatuo com relação ás mais amplas faculdades concedidas aos governadores geraes da provincia, e é illusorio no que prescrevo com respeito á intervenção mais directa dos cidadãos da colonia nos seus negocios economicos. A creação da junta geral, que significa o principio da descentralisação sob um certo aspecto, consignado na lei, foi uma tentativa perfeitamente ephemera.»

E todavia eu julgo praticável nas provincias indicadas a idéa de abrir campo á iniciativa local, e creio que o maior senão do systema, n'este ponto, veiu da organisação da junta, da base que se tomou para a escolha do seus membros do eleição. O maior deleito n'este ponto, disso eu; porque, salvas algumas excepções, o decreto applica a uniformidade administrativa a todas as provincias, e tanto basta para eu o reputar inconveniente. (Apoiados.)

Entre todos os alvitres que a theoria e a pratica têem suggerido para a constituição dos governos locaes, afigura-se-me, de preferencia, defensável, o que todo assentar nas circumstancias especiaes de cada provincia, visto como não existem duas que perfeitamente se assimilhem Entre esses alvitres parece superior em vantagens, e mais promettedor que nenhum outro, o que sem perder de vista os principios de nossa organisação politica, sem distribuir faculdades que andem essencialmente inherentes ao poder legislativo, sem conceder prerogativas que pertençam ao poder moderador e d'elle são privativas, tomar para fundamento da maior ou menor latitude das attribuições conferidas á auctoridade provincial e á iniciativa local, a extensão, o caracter, o nivel intellectual e moral, a acção, a fortuna da população portugueza propriamente dita; a Índole, as qualidades, o estado de civilisação, a força numerica da população indigena; as condições naturaes e ma-teriaos da provincia, a facilidade ou frequencia de communicações com a metropole. (Apoiados.) Combinar todos estes elementos, e ainda outros de menor monta, modelar por elles a formula mais conveniente e mais simples de governo local é o papel do estadista. (Apoiados.)

E de passagem direi que releva empregar o maximo cuidado na nomeação dos altos funccionarios a quem esse governo ha de incumbir. Nenhum ministro, embora insensível á eloquencia de outros motivos mais valiosos do que o interesse do seu nome e reputação, escreve lord Grey, ousará nomear um governador em obsequio a qualquer influencia estranha ao merecimento do individuo preferido. Não recuso, antes me alegro de prestar o elogio que, em regra, se deve ás primeiras auctoridades das nossas provincias ultramarinas nos ultimos vinte annos, mas quizera que fosse maxima acceita e severamente attendida entre nós a asseveração do escriptor inglez. O melhor systema deixará de produzir fecundos resultados se lhe faltarem na pratica intelligentes e leaes cumpridores. E isto que é vulgar o ninguem ignora, sobe de verdade na administração especial de que fallo. Dar toda a força dentro dos limites legaes á auctoridade local, fazer que se lhe guarde intacto o respeito, e ao mesmo tempo fixar-lhe a responsabilidade e exigil-a rigorosamente, não é cousa, de somenos valor, mas de importantissimo alcance para o bom andamento dos negocios do ultramar.

Terminarei quanto me occorre dizer sobre tão momentoso assumpto, lembrando uma idéa, a meu ver digna de alguma attenção. A instancia de um collega nosso que vejo presente, o sr. Teixeira de Vasconcellos, a quem posso, sem perigo de me taxarem de lisonjeiro, pagar o tributo do consideração que merece o seu provado talento, o seu inquestionavel saber, e o seu judicioso conselho, (Apoiados.) parece vingar O pensamento da creação de um instituto de linguas orientaes e africanas, instituto que nos poupará a repetição dos erros e dos graves prejuizos a que por vezes nos têem arrastado os interpretes. (Apoiados.) Pois bem. Não seria util que da mesma sorte entre nós se fundasse um curso, uma escola de administração publica ultramarina, onde os futuros administradores das possessões portuguezas se habilitassem com os estudos indispensaveis para o completo e cabal exercicio do seu alto e espinhoso emprego? Continuaremos a sustentar que a espada suppre tudo? Se na universidade se instituiu um curso com o fim de facilitar aos individuos que se destinam á carreira administrativa no reino a acquisição dos precisos conhecimentos, a administração ultramarina, por seu conteudo especialissimo, menos conhecido e mais difficil, não estará reclamando igual patrocinio? A afirmação parece indiscutivel. (Apoiados.)

Perguntarei pois ao sr. ministro: Tenciona s. ex.ª alterar ou substituir o decreto de 1 de dezembro de 1869, estabelecendo para cada provincia um systema de governação especial? Convém s. ex.ª na necessidade de crear o curso de que fallei?

Depois do governo seguem-se as instituições administrativas. A este respeito com um traço de penna entendemos que havíamos feito tudo: applicamos ao ultramar, quasi indistinctamente, o codigo administrativo. Não me demorarei na analyse d'este objecto. Um exemplo bastará. Temos ali as camaras municipaes; porém nos concelhos em que não existo numero sufficiente de pessoas aptas para os cargos, d'entre os quaes os eleitores possam livremente escolher, ha um chefe que reuno as attribuições civis o militares, e este, com dois cidadãos annualmente nomeados pelo governador geral, constituem uma commissão municipal com as mesmas attribuições que nos outros concelhos têem as camaras. Imagine-se o que d'aqui advém! Leia-se o testemunho das auctoridades e pessoas insuspeitas! Veja-se o que os relatorios contam d'estes chefes, d'estes commissarios, d’estes mandões. Note-se que alguns dos concelhos ficam a muitas leguas da sede do governo central! (Apoiados.)

E sempre o triste processo de applicar ás provincias ultramarinas a ultima lei que se decretou para a nossa patria. E comtudo as instituições administrativas têem de observar as condições do povo que regera, por onde, na nossa hypothese, entendo que não devem ser as mesmas indiffe-

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rentemente entre os indigenas incultos e os europeus civilisados. Rasões de verdadeira igualdade, rasões de clara conveniencia, rasões de ordem assim m'o persuadem. O natural de Angola ou de Moçambique possue de commum com os outros homens a capacidade juridica, porém para o exercicio da administração não póde ser igualado com o europeu, se o seu debil estado de civilisação se oppõe a similhante exercicio, da mesma sorte que a população europea não conta na sua origem ethnographica, ou no seu titulo "geral, rasão sufficiente para o uso de todos os direitos civis e politicos. (Apoiados.)

E porque "fallo de leis menos apropriadas, citarei com vivo sentimento a que estabelece os fóros e regalias da imprensa, não me cansando de repetir o que era outra occasião já aqui ponderei. Salvas algumas modificações quanto ao processo, esta lei é a mesma que vigora em Portugal. Louvo o pensamento nobre, o sentimento elevado que dictou a sua applicação; porém, para logo se deixa ver que não poderá existir desharmonia mais completa. Se a força moral e o respeito á auctoridade nas sociedades civilisadas são condições de ordem, em sociedades nascentes, compostas de elementos heterogéneos, em grande parte por civilisar, vencidas de mil difficuldades, é impossivel prescindir de tal força, é impossivel prescindir de tal respeito. Permitta-se n'estas a liberdade de imprensa bastante para a fiscalisação dos actos do poder, mas evite-se a licença dos typos que tudo conspurcam no lodo das paixões mais ignobeis. Posso ser menos bem apreciado na exposição d'estas idéas, e até retribuido com alguma verrina. Embora. Não tenho nenhum parente que esteja governando ou queira governar no ultramar, não aspiro eu a similhante honraria, e é bom dizel-o, visto como n'este paiz alguma vez, para explicar as opiniões dos homens publicos, se preterem as rasões claras e forjam as escuras. O meu voto é movido de verdadeiro amor do bem publico, de profundo convencimento da verdade. Não supponho admissivel, não creio justo, não reputo rasoavel que continue a dominar em todas as provincias ultramarinas a mesma lei de imprensa que felizmente nos rege. (Apoiados.)

A mentira, signal de baixo, torpe e refalsado caracter, é na bôca do homem publico «altamente criminosa. E eu mentiria á camara, se por amor de qualquer vangloria lhe affirmasse o contrario do que deixo dito.

Arrostemos contra a má tendencia a que temos obedecido, pretendendo nivelar a legislação das provincias ultramarinas pela da metropole, seja qual for a impopularidade que d'aqui resulte! (Apoiados.)

Arrostemos contra tão funesto pendor! Não impede isso que defendamos o progresso — é pelo contrario a sua causa que sustentaremos. (Apoiados.)

Sim. Defendamos o progresso, que este é o nosso dever de seres racionaes e livres, porém não imaginemos que o podemos realisar simplesmente porque o decretámos! (Apoiados.)

Defendamos o progresso, que este é o preceito da humanidade, porém não imaginemos que nos traços de penna, os artigos de uma lei podem sós por si transformar os costumes dos homens, ou elevar as sociedades á altura a que as chamam os nossos desejos, se falta a base para este resultado feliz. (Apoiados.)

Defendamos o progresso o pelejemos por elle, que n'esta • luta o homem publico tem mais do que ninguem obrigação de o proteger, porém não imaginemos que a victoria é aqui independente do tempo. (Apoiados.)

Defendamos o progresso e pelejemos por elle, porque não viemos á scena da vida para addir o fructo do trabalho dos antepassados sem nada herdar aos vindouros, porém não imaginemos que cabe em nossas forças dominar o futuro no presente, cortando pelo passado e pelo que existe, se não aproveitar a evolução regular, natural e methodica da marcha para o melhor. (Muitos apoiados.)

Levantemos a edificação que melhor quadre e mais progressiva seja em harmonia com as circumstancias para não assistirmos á ruina ou inanidade da construcção, para não vermos desabar a nossa obra que póde esmagar-nos sob as suas ruinas, ou quando menos, deixar-nos a braços com difficuldades mil vezes grandes, vencidos da força das cousas, sem remedio, sem recurso, sem esperança. (Vozes: — Muito bem.)

Estimaria, portanto, saber se o sr. ministro intenta modificar, onde convier as instituições administrativas ultramarinas, se s. ex.ª está resolvido a obviar aos males a que ora acabo de alludir.

Sr. presidente, altos deveres de humanidade, de interesse e de conveniencia politica exigem que empreguemos todos os recursos ao nosso alcance em promover o adiantamento da civilisação nas provincias ultramarinas, desenvolvendo as forças moraes e intellectuaes dos habitantes, auxiliando e fortalecendo as tendencias para a união o para a harmonia social, instruindo, educando e protegendo. (Apoiados.) E porque não cabe no tempo do que disponho tratar de tão vasto objecto, occupar-me-hei em breves palavras da educação dos indigenas da Africa portugueza.

Se auctores mui notaveis por seu vasto saber e competencia affirmam que os poderes do entendimento das raças negras ficam estacionarias depois do periodo da puberdade, esses mesmos declaram que o negro emquanto creança não se mostra na escola inferior aos outros individuos da mesma idade pertencentes á raça branca, antes se lhes avantaja na presteza da a percepção e na docilidade em aprender, esses mesmos afiançam e confirmam que elle possue grande talento de imitação e póde ser bom operario, artista imitador, commerciante esperto, agricultor, emfim membro de uma sociedade policiada. Qual será porém o meio mais conveniente, mais efficaz, mais prompto, mais verdadeiramente util para o arrancar da barbaria em que jaz? Sem desconhecer a indispensavel necessidade da instrucção primaria, e até da professional propriamente dita, entro as gentes que já deram alguns passos na vida social, esse meio não póde consistir, não consiste na escola. O primeiro instrumento do civilisação é o Evangelho — o primeiro agente civilisador é o missionário. (Apoiados.) E não pense a camara que favoreço com o meu voto velhas praticas ou instituições. Frequentemente na minha cadeira de professor, e alguma vez aqui, tenho combatido a reacção (Apoiados.) como quem detesta tudo quanto é recuar ao que pertence ao passado. (Apoiados.) Respiramos liberdade, não podemos viver em atmosphera que não a contenha a pleno. (Apoiados.) Para os olhos da nossa alma foi feita a luz, não a sombra ou a treva. (Vozes: — Muito bem.) E por isso mesmo que desejo o missionário, mas animado do verdadeiro espirito do Evangelho; o missionário que ensine a doutrina de Christo, e não o contrario do que ella preceitua; o missionário que procure levantar o espirito, e não amoldal-o á obediencia servil; o missionário que não ajunte á crendice, a, crendice, á superstição selvagem, a superstição illustrada; emfim, o missionário zeloso, christão e catholico, fervoroso portuguez o patriota, educado sob os auspícios do governo e sujeito á vigilancia da auctoridade civil. (Apoiados.)

Será impossivel obter isto? Terá o nosso paiz de despender fabulosas sommas de oiro para levar a palavra de Jesus aos sertões de Africa? Não será o meio indicado preferivel a muitos decretos, supposto pomposos, inexequiveis?

Eis outro ponto sobre que desejaria merecer ao sr. ministro o favor de algumas palavras.

Não basta porém civilisar, é preciso, é forçoso proteger e proteger efficazmente. Diz-se que a historia das possessões europeas na America, na Asia e na Africa, apresenta identica physinomia, profunda e crescente destruição das raças indigenas; que nos nossos dominios as auctoridades superiores, embora dignas, não têem a seu dispor os meios indispensaveis para exercerem a devida fiscalisação nas paragens

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mais remotas sobre o mau pessoal subalterno de que são obrigadas a lançar mão pela falta de gente habilitada e pela organisação das instituições administrativas adoptadas; que este pessoal é muitas vezes perseguidor e espoliador; que alguns colonos saídos de classes menos felizes da metropole, levados da cubiça das riquezas, procedem com manifesta crueza e barbara deshumanidade contra o negro; que a presença da força militar anima indirectamente a estas violencias em modo analogo ao que se refere no inquerito inglez de 1865 a respeito das colonias inglezas da Africa occidental, e não raro tem de cobrir e defender com a espada o delicto do branco; que as mesmas tribus indigenas ateam entre si discordias evitaveis pela pratica de um systema de administração adequado, e por ultimo que de tudo isto e não de odio ao nome portuguez — aliás estimado e respeitado — tiram principio as perturbações donosso do minio, as guerras, os desastres, as despezas de que temos sido victimas. (Apoiados.)

Simplificar a administração, entre outras conveniencias, para dotal-a com servidores habeis e honestos; evitar, quando preciso pela rigorosa applicação das penas legaes, a vexação, a extorsão, a oppressão, meios alem de criminosos sempre fataes aos mesmos interesses cujo alcance pretendem dilatar; estabelecer os preceitos geraes que as auctoridades, os funccionarios devem manter nas relações com os naturaes do paiz; fixar quanto possivel os casos em que os governos locaes devem interferir nas contendas dos indigenas, e as hypotheses em que devem seguir a politica da abstenção; determinar que sejam ouvidos sem desprezo, antes com deferencia os chefes das tribus, regulos ou sovas; interessal-os no julgamento de suas questões — é tarefa que por si mesma se recommenda e ácerca da qual o sr. ministro porventura póde esclarecer-se muito na consulta de algumas antigas instrucções, sabias e praticas apesar de caídas em desuso, do tempo do grande ministro Martinho de Mello, se não me engano, mas ainda hoje applicaveis.

E supposto já esteja cansando a camara (Vozes: — Não está, não está.) abusarei ainda da sua attenção para declarar que o meu desejo de ver bem protegidos os indigenas não se transforma em favor á indolencia, á ociosidade ou aos maus habitos de que andem eivados. Cumpre que o negro trabalhe, cumpre que obedeça á lei da independencia das raças e do mutuo serviço. (Apoiados.) Sobre ser esta uma obrigação a que em regra não póde eximir-se e a cujo cumprimento importa compelil-o, ainda pela coacção legal, sem comtudo attentar contra os fóros de sua pessoa, é tambem uma imperiosa, uma rigorissima necessidade. Em presença do que nos dizem as estatisticas medicas e do que sabemos de outras origens, a emigração europea jamais valerá a substituil-o. Na Africa o europeu deve ser a idéa, o pensamento, a direcção, o trabalho superior; o indígena, o braço a acção. Na Africa o trabalho material deve pertencer ao africano, aos filhos dos mesmos climas. (Apoiados.)

Abolimos inteiramente a escravidão, e ácerca do acto legislativo que para sempre a baniu, resta-me apenas o sentimento de que a doença me embargasse no desejo de associar o meu nome aos d'aquelles que o votaram. Entendamos pois e façamos entender que não temos escravos nem trabalho servil, que sabemos respeitar a personalidade humana, que não ignorâmos como todo o ataque á liberdade do homem importa uma diminuição no seu poder economico. (Apoiados.)

Cumpramos religiosamente as leis, os regulamentos do trabalho, e obriguemos os outros a respeitarem a nossa bandeira, as declarações das nossas auctoridades, e não consintamos que ao mesmo tempo nos apontem o atrazo das nossas provincias de Africa, e sob falsos pretextos humanitarios nos fechem o caminho legitimo por onde podemos chegar á sua cultura. (Apoiados.) Para repellir e refutar accusações adduzidas contra nós trazia eu testemunho insuspeito com que podia retribuil-as sem ficar muito em divida. Taes accusações porém já aqui foram brilhantemente combatidas, e por isso mais uma vez seguirei o systema que sempre adoptámos, de preferir a propria defeza ao ataque directo apontado ao peito dos nossos adversarios. É pelo menos nobre e generoso. (Apoiados.)

Concluindo, tomo a liberdade de endereçar uma derradeira pergunta ao sr. ministro. Por occasião da ultima revolta militar occorrida no estado da India, o governo de que eu fazia parte entendeu do seu dever extinguir o exercito d'esta provincia, exercito habituado desde muito a obter pela insubordinação repetidas concessões contra o disposto nas leis. Consta-me que o talentoso ministro trata de organisar um corpo de tropas indianas com o fim de as empregar, diz-se, no serviço de alguns pontos do nosso dominio ultramarino oriental. Não peço a s. ex.ª que exponha as suas idéas a este respeito, nem pretendo discutil-as, limito-me a desejar que me declare se as seguintes palavras do seu nobre antecessor, o sr. Andrade Corvo, continuam a exprimir uma verdade:

«O militarismo e as velhas tradições paralysaram na India as forças vivas de uma população intelligente; o militarismo acabou para sempre, as velhas tradições vão-se extinguindo, e é chegado o momento de se abrirem novos horisontes á actividade da população.»

Entende e demonstra o sr. ministro que o rigor de alguma disposição dos decretos de 1871 póde agora ser temperado pela equidade? Felicito-me por isso, porém nunca approvarei que sobre um pequeno e pobre paiz consumido pelo militarismo se torne a lançar o grande mal que o arruinou.

Que os principios de boa administração vigorem, que as provincias ultramarinas progridam, que o sr. ministro governe com muita felicidade. É o meu voto.

Aguardo a resposta de s. ex.ª e tenho dito por emquanto.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por grande numero de srs. deputados.)

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