O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

646

cavalheiros que ali se encontram, e que não pôde merecer á illustre commissão de guerra nem um exame perfunctorio, o mesmo exame que tinha obrigação de fazer a respeito de projectos mais insignificantes que qualquer deputado apresentasse! Isto não póde ser (apoiados), e principalmente pelas rasões que emprega a illustre commissão para defender esta conclusão.

Diz a illustre commissão, alem das apprehensões: «Considerando outrosim que se o actual ministro da guerra propõe a annullação daquelle plano de organisação, é certamente por entender que a sua adopção offerece inconvenientes...» Peço á camara que reflicta um pouco. Não sei se todos os illustres deputados têem bem presente esta rasão, é possivel que tenham; se a tiverem votam todos contra, depois d'esta rasão capital, faço lhes esta justiça, e talvez mesmo reconsiderem, que não fica mal a ninguem, os illustres signatarios que assignaram sem declaração. Pois isto é rasão que se dê? Pois diz se: «Revogue-se o decreto de 21 de dezembro ultimo, porque o sr. ministro da guerra entende certamente que a sua adopção offerece inconvenientes». Pois havemos de parar e ficar curvados diante do que diz o sr. ministro da guerra? Pois nós não temos rasão nem intelligencia? A commissão não tem opiniões, não tem fundamentos? Pois nós votâmos ás cegas? Pois chega o sr. ministro e diz: «Isto é conveniente revogar-se», e revoga se porquê? Porque e. ex.ª o diz! Isto não é serio; digo á camara e ao meu paiz que não é serio, quando se trata principalmente de negocio que pela sua gravidade e melindre, e pelas pessoas a que diz respeito, devia merecer toda a attenção (apoiados).

Acabe-se a camara, acabemos com isto (apoiados); nada de commissões. O sr. ministro vem ámanhã propor um projecto, é porque julga conveniente que seja approvado; no outro dia propõe a revogação de uma lei, é porque julga conveniente que seja rejeitada; e porque assim o julga, approva-se o projecto e revoga-se a lei sem mais exame. Basta que o ministro julgue conveniente, approva-se. Isto não póde ser. Rejeite se muito embora o decreto, mas dêem-se as rasões por que se rejeita, mas discuta-se e examine-se. Nós não pedimos senão exame, e pedimos exame porquê? Porque é improprio do parlamento decidir e votar sem outros fundamentos e sem outras rasões. Isto mata a prerogativa parlamentar, torna inuteis as assembléas legislativas; isto faz com que nós implicitamente abdiquemos nas pessoas dos srs. ministros, não só o direito de fazer leis, mas a qualidade especial e essencial de julgar das rasões que as determinam.

Sr. presidente, eu darei de passagem a explicação de um voto que já proferi em uma das sessões passadas, e essa explicação vera mais a pello do que uma outra que ouvi hoje a respeito dos negocios de Villa Real.

Sr. presidente, ha poucos dias o illustre deputado, o sr. Sá Nogueira, apresentou o seu adiamento e fundamentou o, ou antes apresentou como fundamento d'elle a notavel contradicção em que se achava a conclusão do parecer, com a promessa que se fazia ao chefe do estado na resposta ao discurso da corôa, relativamente a este objecto. A camara resolveu que este adiamento se discutisse juntamente, e apesar de eu reputar absurda esta deliberação, concordo em que, ella é a sequencia do que se tem feito n'esta casa, desde certo tempo para cá.

Eu considerei a proposta do sr. Sá Nogueira como questão previa, e se a camara quizesse ter a bondade de reflectir nos termos em que está lançada a resposta ao discurso da corôa, e n'aquelles em que o está a conclusão do projecto, havia de reconhecer que effectivamente a proposta do illustre deputado não é outra cousa mais do que uma questão previa.

O illustre deputado leu a conclusão do periodo da resposta ao discurso da corôa, que diz assim:

«... e a organisação do exercito merecerão a attenção da camara, que examinará com todo o cuidado se a organisação decretada satisfaz os fins que devia attingir, e estimará encontrar respeitados os principios de justiça, os preceitos da sciencia e guardados os legitimos direitos adquiridos.»

Quando a camara se dirige ao chefe do estado, na occasião mais solemne em que se póde dirigir aquella augusta personagem, dizendo qual era a sua intenção a respeito da reforma do exercito, que a queria examinar, attender, o que estimaria ver que tinham sido respeitados os principios da justiça e os preceitos da sciencia, é quando a commissão de guerra propõe que seja annullada e fique de nenhum effeito aquella reforma!

Estas duas disposições implicam contradicção manifesta, e eu creio que se a camara quizesse sustentar a sua declaração na resposta ao discurso da corôa, não podia deixar de se oppor ao parecer da commissão de guerra como elle se apresenta, e approvar quaesquer dos adiamentos que se têem offerecido no debate; o adiamento, por exemplo, do illustre deputado que encetou esta discussão e que não offendeu de maneira alguma nem o melindre do governo, nem da commissão, e que estava no caso de ser adoptado e julgado de uma maneira completamente conforme com aquillo a que a camara se tinha compromettido na resposta ao discurso da corôa (apoiados).

Eu considerei esta questão como questão previa; entendi que a camara queria examinar, e que o procedimento que se lhe aconselhava agora estava em contradicção com o que se tinha dito ao chefe do estado; entendi que se não podia tratar em primeiro logar d'esta questão, como ella se nos apresenta, e foi a rasão por que votei para que se separasse a discussão da questão previa, apresentada pelo illustre deputado, da questão do projecto.

Mas não foi assim. O projecto foi á commissão, foi examinado, e felizmente a commissão diminuiu consideravelmente os inconvenientes da proposta do governo, propondo

uma redacção que destroe completamente uma parte do seu alcance, e substituindo ainda hoje uma parte do que dizia o governo, quando estabelece que fica nullo e de nenhum effeito o plano da organisação do exercito. A commissão reconheceu que havia n'isto effeito retroactivo, e então vem propor uma outra redacção d'esta maneira:

«É revogado o decreto com força de lei de 21 de dezembro de 1863 que organisou o exercito, e suscitada a observancia das disposições que n'aquella data eram applicadas ao mesmo exercito.»

Sinto que o illustre relator, vindo propor que se eliminassem estas palavras, viesse acrescentar outras que lhe dão quasi o mesmo sentido. Esta questão é importante, e é necessario fixar a attenção da camara. Se estas palavras não têem mais significação do que dizer de outra maneira o que se diz nas palavras anteriores, isto é, que fica revogado o decreto de 21 de dezembro, e por consequencia sem effeito as suas disposições, é uma redundancia, impropria da lei, e que não esclarece mais do que está esclarecido, porque desde que se diz = fica revogado aquelle decreto =, e claro que nenhuma das suas disposições podem ser observadas. Se estas palavras significam mais alguma cousa, porque eram transplantadas do projecto do governo, que era o effeito retroactivo; se significam que fica de nenhum effeito o que já se fez, nego á camara e ao poder legislativo ordinario, como hoje está constituido, o direito de tomar tal resolução, porque é contra a carta o dar effeito retroactivo ás leis. Nenhumas côrtes ordinarias o podem fazer, e eram necessarias côrtes extraordinarias para se declararem sem effeito as disposições do decreto, e como se não tivessem existido. Pergunto — os vencimentos que se estão pagando, que já se pagaram aos officiaes e diversas praças do exercito, em virtude do decreto de 21 de dezembro de 1863, hão de ser restituídos? Sim? Pois eu digo que é illegal e inconstitucional. A camara não tem faculdade para o legislar. Se se trata da significação de nome, de marechal de campo ou major general, digo que isto não tem importancia; mas se se trata do prejudicar direitos adquiridos em virtude do decreto de 21 de dezembro que têem força de lei, digo que a camara é incompetente para o fazer.

Portanto estimo que a commissão tivesse apresentado a alteração ao artigo, mas rogo-lhe que queira eliminar a substituição que fez, porque é inutil e póde deixar algumas duvidas, e não deve haver duvidas sobre o tornar de nenhum effeito e nullo o que estava legalmente decretado, O que nós sabemos, o que prova a discussão evidentemente, é que no ministerio da guerra, o que nas regiões do governo a situação a respeito de alguns negocios publicos é completamente cahotica; não se sabe quaes são os principios que regem, não se sabe a quem se deve prestar obediencia nem o que os ministros determinam que se deve observar. Nos sabemos que o governo não teve, nem tem força para suspender completamente o decreto da reforma do exercito, nem tambem para o fazer cumprir. Viu, imagine-se, que havia resistencias, cedeu a ellas, e cedeu de uma maneira impropria. Se o governo evita a execução de qualquer medida que suscite apprehensões, torna d'este modo impossivel toda a iniciativa de medidas importantes (apoiados).

Não são só os arrozaes que dão um documento vivo da fraqueza do governo e do modo como se verga diante das apprehensões de que falla a illustre commissão de guerra (apoiados).

Que disse o governo a respeito da questão dós vinhos do Douro? (Apoiados.) O governo veiu á camara e disse que = aceitava as idéas e opiniões em que se baseava o projecto que era do já do dominio da camara, e que queria regular de uma maneira completa, e no sentido da liberdade, o negocio dos vinhos do Douro (apoiados). Mas o Douro agita-se, o Douro faz meetings, nascem as apprehensões e o governo retira immediatamente diante d'essas apprehensões a respeito dos vinhos, deixando a restricção do commercio, como retirou diante das apprehensões a respeito dos arrozaes, deixando dizimar as povoações (apoiados), como retirou diante das apprehensões suscitadas a respeito da reforma do exercito, creando e deixando subsistir o cahos no exercito (apoiados).

Mas não é só isto, não pára aqui; o governo veiu á camara com uma proposta para ampliar o principio da desamortisação, consignado na lei de 4 de abril de 1861, ás misericordias, camaras municipaes, confrarias, irmandades, hospitaes e outros estabelecimentos pios e de beneficencia, mandou-se até declarar na praça de Londres que esta medida já estava em execução; mas que aconteceu? O povo do Minho não gostou d'esta medida, agita-se, nascem as apprehensões, o governo trepida, recua e desapparece a medida (apoiados). Que vimos nós mais? Vimos o governo vir á camara e dizer: «Quero fazer uma reforma economica, quero diminuir os direitos sobre os generos de primeira necessidade, por exemplo, sobre o assucar, quero fazer uma transformação no systema dos impostos, quero até fazer d'isto a minha gloria»; mas que aconteceu? O paiz não gosta, agita-se e inquieta-se, nascem as apprehensões e desapparece o projecto do ministro (apoiados). E no fim de tudo apprehensões, sempre apprehensões (apoiados); fraqueza, sempre fraqueza (apoiados).

Quando veiu aos bancos do poder esta administração, chegou aquelles logares (apontando para as cadeiras dos ministros), e disse: «Vamos matar a reacção». (Apoiados). A reacção estava symbolisada na questão do ensino, a questão do ensino foi apresentada n'esta casa pelos Srs. ministros como principio salvador, e como principio salvador que devia esmagar por uma vez todas as cabeças d'essa hydra terrivel que ameaçava subverter a ordem publica (apoiados). O respectivo projecto foi aqui discutido e resolvido, passou para a camara dos dignos pares; que aconteceu? Nasceram apprehensões da parte de alguns cavalheiros que apoiavam o governo, pedra em cima, e viva a reacção! (Apoiados.) Os srs. ministros nem ao menos pediram, uma vez só que fosse, que as commissões dessem o seu parecer, e portanto a discussão sobre aquelle malfadado, projecto, a respeito do qual se tinham feito promessas e declarações muito solemnes, não se concluiu nem appareceu mais (apoiados).

Esta fraqueza successiva e continuada da parte do governo, põe em perigo a liberdade e destroe o principio do prestigio da auctoridade, prestigio que se deve manter, e que eu deploro ver desapparecer de momento a momento (apoiados). Esta fraqueza obriga o governo a não attender a nenhum objecto ou reforma de alcance, porque pára diante da mais pequena resistencia, retira diante das mais breves apprehensões; esta fraqueza revela mais que nenhuma outra cousa a sua falsa situação politica (apoiados).

O governo devia ter a consciencia da sua força e do seu direito, força e direito sustentado e firmado na justiça que lhe assistisse, e sobretudo ha opinião publica; mas quando vem aqui fazer successivamente o sacrificio das suas idéas e das suas opiniões pronunciadas na tribuna, para sustentar as suas cadeiras no poder, abdica o direito á opinião publica, e mostra evidentemente que não póde sustentar-se (apoiados). Eu bem sei que. esta situação já produziu duas importantes reformas — a da abolição dos vinculos e a da lei hypothecaria. A primeira apoiei-a eu e os meus amigos politicos (apoiados), mas a iniciativa d'ella não cabe ao governo, pertence a dois cavalheiros membros d'esta camara (apoiados) — um que vejo presente, e outro que se acha n'uma das ilhas, adjacentes, creio eu. Esse projecto pois não é iniciativa da administração (apoiados). Não enrameis a vossa fronte com esses louros, porque não cabem nas vossas cabeças (apoiados).

A segunda reforma, a da lei hypothecaria, essa foi copiada em grande parte da reforma apresentada pela administração de que fez parte o meu collega e amigo, o sr. Mártens Ferrão (apoiados). E, por ora, ainda está por fazer o regulamento para a execução d'essa reforma (apoiados). Estas são as duas importantes questões que se acham resolvidas, as outras estão no esquecimento (apoiados), e estão no esquecimento pela debilidade, impotencia e fraqueza do governo (apoiados). Esta é que é a verdade, toda a verdade, e exponho-a francamente ao paiz como é proprio do meu caracter (apoiados).

Agora mando para mesa as minhas propostas. Uma, é um adiamento para ser considerado este negocio; a outra, refere-se a uma questão de principios de dignidade parlamentar, o de decoro do systema representativo.

E eu espero ainda, não digo já no seio da maioria, mas nos bancos do governo, que se levante alguma voz a mostrar pelo menos o arrependimento, diante da representação nacional, de ter calcado aos pés um dos artigos mais importantes da constituição do estado.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

As propostas ficaram para segunda leitura.

(O sr. deputado não reviu este discurso.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje, e mais os projectos de lei n.º 64 do anno de 1863, e n.° 22 d'este anno.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.