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SESSÃO DE 11 DE MARÇO DE 1876

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios — os srs. Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos Barão de Ferreira dos Santos

SUMMARIO

Apresentam-se requerimentos e projectos de lei. — A requerimento do sr. ministro da fazenda approva se na primeira parte da ordem do dia o parecer ácerca das emendas offerecidas á lei da receita; na segunda parte da ordem do dia julga-se discutida a materia da interpellação do sr. Luciano de Castro ao sr. ministro das obras publicas, relativa á elevação das tarifas dos caminhos de ferro do norte e leste, e em votação nominal approva-se por 62 votos contra 22 a moção de confiança apresentada pelo sr. Julio de Vilhena.

Presentes á chamada 36 senhores deputadas.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), Cardoso Avelino, Avila Junior, A. J. Teixeira, Rodrigues Sampaio, Sousa Lobo, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Vieira da Mota, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Mouta e Vasconcellos, Pinto Bessa, Paula Medeiros, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Cardoso Klerck, Pereira da Costa, Namorado, Pereira Rodrigues, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Manuel d'Assumpção, Alves Passos, Mariano de Carvalho, Pedro Jacomo, V. da Azarujinha, V. de Carregoso, V. de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Coutinho Garrido, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Cunha Belem, Arrobas, Pereira Carrilho, Barjona de Freitas, Ferreira de Mesquita, Mello Gouveia, Correia da Silva, Conde de Bertiandos, Conde da Graciosa, Filippe de Carvalho, Francisco de Albuquerque, Fonseca Osorio, Camello Lampreia, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, Ribeiro dos Santos, Matos Correia, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, Luciano de Castro, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Mexia Salema, Pinto Bastos, Julio de Vilhena, Freitas Branco, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Mello Simas, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Pedro Franco, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Thomás Ribeiro, V. da Arriaga, V. de Guedes Teixeira, V. do Moreira de Rey.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Falcão da Fonseca, Augusto Godinho, Carlos Testa, Forjaz de Sampaio, Francisco Mendes, Francisco Costa, Quintino de Macedo, Palma, Illidio do Valle, Figueiredo de Faria, Nogueira, Faria e Mello, D. Miguel Coutinho, Placido de Abreu, Ricardo de Mello, V. de Villa Nova da Rainha.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde. Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

Representações

1.º Dos pharmaceuticos de Lisboa e das provincias, pedindo para serem isentos do pagamento de sêllo de licença. (Apresentada pelo sr. deputado J. J. Alves.)

A commissão de fazenda ouvida a de saude publica.

2.ª Dos aspirantes das alfandegas maritimas de 1.ª classe do continente do reino, pedindo que seja revogada a doutrina do artigo 71.° da reforma das alfandegas e lhes seja concedida a graduação de 3.ºs officiaes. (Apresentada pelo sr. deputado Ferreira de Mesquita.)

Á commissão de fazenda.

Requerimentos 1.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, sejam remettidos a esta camara com brevidade os documentos seguintes:

I. Relação nominal dos officiaes do exercito de engenheria militar, incumbidos dos estudos e trabalhos da defeza de Lisboa, com a nota dos vencimentos mensaes que recebem, de qualquer natureza;

II. Relação nominal dos officiaes de artilheria que exercem ha mais de um anno qualquer commissão na escola do exercito, com a nota dos, vencimentos que receberam nos mezes de fevereiro, março e abril de 1875.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 9 de março de 1876. = O deputado, A. Peixoto.

2.º Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me seja enviada com toda a urgencia a copia do parecer da junta consultiva de obras publicas sobre o traçado definitivo do caminho de ferro da Beira Alta, especialmente da secção que parte de Coimbra até Santa Combadão. = A. Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso.

3.º Requeiro que a esta camara sejam enviadas com urgencia, e não havendo inconveniente, pelo ministerio dos negocios da fazenda, informações sobre os quesitos seguintes:

Se os objectos de oiro e prata, pertencentes á mitra da diocese de Aveiro, foram inventariados por ordem do governo, e quando;

Se o inventario d'esses objectos existe na direcção dos proprios nacionaes. = Pires de Lima.

4.º Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, que sejam com urgencia enviados a esta camara, não havendo inconveniente, informações sobre os quesitos seguintes:

Se o deposito de varios objectos de oiro e prata, pertencentes á mitra da diocese de Aveiro, feito no convento das religiosas de Jesus, e transferido pela extincção d'este para o convento das religiosas carmelitas, da mesma cidade, se verificou antes ou depois da epocha, na qual pela primeira vez assumi o governo da diocese de Aveiro;

Quando se verificou a, transferencia do deposito, com que formalidades, e se foi ordenado o levantamento d'elle;

Quem estava governando a diocese quando se realisou e deu conta da transferencia do deposito, ou se eu a esse tempo estava exercendo jurisdicção. — Pires de Lima.

Foram remettidos ao governo.

O sr. Presidente: — Tendo o sr. deputado Joaquim José Alves requerido para ser publicada no Diario do governo a representação da sociedade pharmaceutica lusitana, apresentada na sessão anterior, vou consultar a camara.

Consultada a camara resolveu afirmativamente.

O sr. Presidente: — A mesa annunciará o dia em que se deve proceder á eleição dos membros da junta do credito publico.

O sr. Klerck: — Em março de 1873 apresentei aqui uma representação dos empregados das secretarias do supremo tribunal de justiça, e das relações de Lisboa e Porto, a qual foi remettida ás commissões de legislação e fazenda.

Em sessão de 19 de fevereiro de 1875 pedi eu ás commissões que se dignassem dar sobre aquella materia o seu parecer, e até hoje ainda o pedido não foi satisfeito.

Requeiro, pois, a V. ex.ª que se peça á commissão que dê o seu parecer quanto antes sobre aquella representação, e

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n'este sentido mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu.)

O sr. Eduardo Tavares: — Mando para a mesa um requerimento de D. Rodrigo Salazar Moscoso, em que pede se lhe concedam as honras de alferes sem direito a vencimento algum.

O requerente allega que tem feito diversos serviços ao estado, e julga-se por consequencia com direito ao que pede.

Por esta occasião espero que algum dos membros da commissão de fazenda me diga se posso ter esperança de que venha á camara o parecer sobre um projecto apresentado por mim na sessão passada.

O projecto refere-se a tres os Quatro empregados supranumerarios; que têem muitos annos de Serviço nas repartições do estado, e que se pretende sejam despachados amanuenses das secretarias independentemente" do concurso a que a lei os obriga.

Julgo rasoavel esta pretensão, porque o melhor de todos os concursos é ter um amanuense servido vinte annos em uma repartição do estado; acrescendo que d'aqui não resulta augmento de despeza.

Pedia por conseguinte, á commissão de fazenda que tomasse em consideração este projecto, não por ter sido eu sido o auctor d'elle, mas porque se refere a pessoas que apesar de humildes, têem tanto direito a serem considerados como todos os maia que requerem á camara.

Desejo tambem pedir á commissão de fazenda, que se não esqueça de um projecto apresentado pelo sr: Pedro Franco, assignado tambem por mim, para se conceder o augmento de 100 réis diarios nos vencimentos dos guardas da alfandega.

Sei que o sr. ministro da fazenda tem de ser cauteloso nos augmentos de vencimento que tenha a conceder aos funccionarios que os pedem; e sei tambem que esses vencimentos não podem ser augmentados todos de uma vez, mas não posso deixar de insistir ha justiça d'esta pretensão por serem os empregados a que o projecto sé refere dos mais uteis ao estado, porque são elles que fiscalisam a arrecadação de um imposto que avulta consideravelmente' nas receitas publicas..

Peço, pois, á commissão de fazenda que não descure como certamente não descura, este negocio; o que dê parecer sobre elle.

Declaro que estas considerações que faço á commissão de fazenda, e outras que porventura tenha de apresentar a respeito de projectos sujeitos á apreciação de qualquer outra commissão, não têem caracter de censura ao procedimento dos cavalheiros que fazem parte d'essas commissões Sei que elles trabalham, é quando se lhes confia um qualquer negocio são capazes de dar conta d'elle; mas eu cumpro tambem um dever affirmando que não reputo menos momentoso este negocio, que por isso que diz respeito a uma classe humilde não deixa de ter tambem bastante importancia.

O sr. Dias Ferreira: — Mando para a mesa dois requerimentos de doia militares, Julio Cesar Augusto da Cunha e Francisco Rodrigues da Silva, para serem enviados ás commissões respectivas, a fim de os tomarem ha devida consideração.

Envio igualmente para a mesa uma representação dos habitantes da freguezia de Esmoriz, concelho da Feira, que na sua quasi totalidade reclamam contra á sua annexacão á comarca de Ovar. Peço á camara que tome em consideração este assumpto, e pese bem á circumstancia de que não ha necessidade de contrariar a vontade d'aquelles povos para a conservação e melhoramento da comarca.

Opportunamente empregarei as diligencias para aquella freguezia ser de novo restituida á comarca da Feira.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa um requerimento, em que João Norberto de Oliveira pede ser reintegrado no posto de alferes, Parece-me de toda a justiça a pretensão do requerente em attenção aos serviços extraordinarios por elle feitos, e espero que esta camara o attenderá como merece recommendando mui especialmente á illustre commissão que tiver de examinar o requerimento, uma solução favoravel.

O sr. Paula Medeiros: — Mando para a mesa uma representação' da camara municipal de Ponta Delgada, em que pede a esta camara que a alteração á lei de 13 de maio de 1864, a qual extinguiu o monopolio do tabaco e permittiu a sua livre cultura nas ilhas dos Açores e Madeira, que a fazer-se alguma reforma ha dita lei em logar de extinguir á sua cultura sé lhe desse protecção, para se conhecer pela experiencia se ella se pode desenvolver e melhorar, Como para isso ha toda a probabilidade, e esta protecção consiste na reducção de 100 féis em kilogramma, por dez annos, nos direitos que actualmente se cobram nas alfandegas do continente do reino, pela folha do tabaco para ali exportada dos districtos das ditas ilhas.

Sr. presidente, devo declarar que ha tempos tenho em meu poder esta representação e não a apresentei antes por que quiz primeiro mostra-la ao sr. ministro da fazenda; é bem assim aos meus illustres collegas, deputados das ilhas, o que só hontem teve logar. Requeiro á camara para que esta representação seja publicada no. Diario do governo para que se conheça os seus fundamentos, e finalmente peço a V. ex.ª lhe dê o devido destino.

O sr. Manuel d'Assumpção: — Mando para a mesa uma petição que os escripturarios da repartição de fazenda do concelho de Villa Real dirigem a esta camara, pedindo que os seus vencimentos sejam igualados aos cios aspirantes de 1.ª classe das repartições de fazenda aos districtos.

N'esta petição expõem elles os motivos que lêem para fazerem similhante pedido, e as condições precarias em que se encontram.;,

Conheço os signatarios d'esta petição. Sei que são empregados probos, honrados, muito honestos, muito trabalhadores, e que prestam bons serviços; parece-me, pois, pelo que allegam, e pelas circumstancias em que se encontram, que devem ser attendidos.

Chamo para esta petição a attenção do nobre ministro da fazenda, e peço a s. ex.ª que a tome em toda a consideração, e que preste todos os serviços que estiverem ao seu alcanço para que estes funccionarios sejam attendidos; porque me parece de toda a justiça o que elles pedem; e o parecer-me de toda a justiça é bastante para eu ter á convicção profunda e sincera, de que s. ex.ª fará tudo quanto estiver"ao seu alcance para minorar sua situação.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — Referindo-me á representação que o illustre deputado e meu amigo, o sr. Manuel da Assumpção, acaba de mandar para a mesa, devo dizer ò que tenho dito á respeito de outras em circumstancias similhantes, isto é, que os empregados de que se trata não estão largamente remunerados; mas as forças do thesouro ainda não permittem que nós possamos fazer equidade completa a todos os empregados que estão em posição identica.

Lembrarei que depois que tenho a honra de me assentar n'esta cadeira, já esta ou outra camara fez á estes empregados um grande beneficio, qual foi o estabelecer que ninguem podesse ser escrivão de fazenda sem ter sido escripturario de alguma repartição de fazenda.

Por consequencia, estes empregados que não têem hoje mais vencimento do que tinham em outra epocha, gosam de Uma grande vantagem, porque têem a cérteza de que os escrivães de fazenda saem d'aquella classe.

Aproveito á occasião para pedir á V. ex.ª que, estando o orçamento da receita do estado dependente unicamente das emendas que foram apresentadas, que já têem parecer, submettesse á discussão esse parecer logo que fosse possivel; a fim de ser discutido no menor espaço de tempo, para depois o orçamento ser remettido para a outra casa do parlamento.

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Consultada a camara se permittia que entrasse em discussão o parecer sobre as emendas offerecidas ao orçamento da receita, resolveu afirmativamente.

Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte:

Pertence ao n.º 11

Senhores. — A vossa commissão de fazenda foram presentes as propostas de alguns srs. deputados, apresentadas por occasião da discussão do projecto de lei da receita ordinaria do estado para o exercicio de 1876-1877, e sobre cada uma d’ellas vae emittir a sua opinião.

As primeiras propostas dizem o seguinte:

«Considerando que a lei de 13 de maio de 1864, estabelecendo a livre cultura do tabaco nos Açores é Madeira, mediante o pagamento de 70:000$000 réis annuaes para o estado, comprehende no seu espirito um certo contrato entre os povos d'aquellas ilhas e o governo para pagarem á differença, que possa haver para aquella quantia de réis 70:000$000, se não attingir a esta somma todo o rendimento proveniente do tabaco;

«Considerando que este rendimento, nos primeiros quatro annos desde 1865 a 1868, excedeu muito a cifra dos 70:000$000 réis, porque produziu:

Em 1865............................. 106:009$302

Em 1866..;.......................... 74:453$523

Em 1807............................. 75:399$100

Em 1868............................. 74:136$059

329:997$984

«Differença para os 70:000$000 réis n'estes quatro annos, que pagaram a mais as ilhas, 49:997$984 réis.

«Considerando que nos annos seguintes a 1868 este rendimento tem diminuido por motivos completamente estranhos á vontade d'aquelles povos, sendo muito importantes estas differenças, porque o tabaco apenas produziu para o estado:

Em 1869............................. 59:984$455

Em 1870........'..................... 60:089$065

Em 1871............................. 52:312$963

Em 1872............................. 45:435$752

Em 1873............................. 44:927$883

Em 1674............................. 38:676$385

301:426$503

«Considerando que os povos d'aquellas ilhas já pagaram como compensação do tabaco para o estado:

Em 1870 compensação de 1869, que faz a percentagem de 5,257.. 10:015$546

Em 1871 compensação de 1870, 5,202..... 9:910$935

Em 1872 compensação de 1871, 9,886..... 17:687$037

Em 1873 compensação de 1872, 13,073____ 24:564$248

Era 1874 compensação de 1873, 16,210____ 25:072$117

E propõe-se para 1875 compensação de 1874, 20,252....... 31:323$615

«Considerando que desde 1869 a 1874 nunca se deduziu na divida do tabaco aquelles 49:997$984 réis, que os povos pagaram a mais desde 1865 a 1869, e que é de justiça fazer-se este encontro ou compensação, porque as maiores entradas de tabaco, nos primeiros annos, certamente concorreram para os grandes depositos que obrigaram a menores entradas d'este genero nos annos seguintes, e por consequencia á diminuição de rendimentos.

«Propomos que a verba de receita 31:300$000 réis seja eliminada do orçamento ou pelo menos modificada, tomanse como base para essa modificação as differenças que os povos devem em 1874 e 1875 em relação com o que pagaram a mais de 70:000$000 réis em 1865 a 1869.

«Sala da camara dos deputados, em 19 de fevereiro de 1876. = Visconde de Sieuve de Menezes == Henrique Ferreira dê Paula Medeiros — Manuel Maria de Mello e Simas = Pedro Jacomo Correia = Pedro Roberto Dias da Silva - Filippe Augusto de Sousa Carvalho = D. Luiz da Camara Leme.»

«Proponho a eliminação da verba de receita de réis 31:000$000 réis, como compensação para o tabaco nas ilhas, pelos mesmos fundamentos da proposta mandada para a mesa pelos meus collegas dos Açores, cuja assignatura retirei por exceder o numero das assignaturas marcadas no regimento. = Ricardo Julio Ferraz.»

Considerando que a verba do orçamento de receita; cuja eliminação se pede, se acha descripta em harmonia com as disposições da lei de 13 de maio de 1864, que extinguiu o monopolio do fabrico e da venda do tabaco, é de parecer que só em projecto de lei especial podem ser consideradas as referidas propostas.

«Proponho que se eliminem do orçamento da receita as seguintes verbas:

Compensação dos direitos do tabaco nas ilhas........... 31:300$000

Dividendo das acções da companhia dos canaes da Azambuja:............ 1:192$000

Contribuição da provincia de Macau....... 32:000$000

Prestação da misericordia de Lisboa para á cadeia da capital... 2:400$000

Contribuição dás provincias ultramarinos para o emprestimo de 1.750:000$000 réis... 140:000$000

206:892$000

«Sala das sessões, 3 de março de 1876. = = Mariano Cyryllo de Carvalho.»

Considerando que todas as verbas, cuja eliminação se reclama, não são arbitrarias, mas sim fundadas em disposições legaes, e representam recursos effectivos do estado, a vossa commissão é de parecer que a proposta não póde ser approvada.

«Proponho que ao artigo 3.° da receita do estado «impostos indirectos», se acrescente o seguinte:

«§ unico. A parte dos emolumentos da alfandega de consumo, que, em conformidade do artigo 2.º do decreto de 23 de junho de 1870, constituia provisoriamente receita do estado, fica substituida por uma deducção definitiva de 10 por cento sobre o total.

«Sala das sessões da commissão, em 4 de março de 1876. = 0 deputado por Lisboa, Joaquim José Alves.

Considerando que esta proposta tende-a augmentar os vencimentos dos empregados da alfandega do consumo de Lisboa, parece á vossa commissão que não é por esta occasião que tal proposta póde ser considerada, mas sim em projecto do lei especial.

«Artigo 4.°

«§ unico. Exceptua-se a contribuição predial ordinaria, extraordinaria e especial, fixada para o anno civil de 1875 e distribuida ao districto de Faro, á qual fica annullada na sua totalidade em attenção ao sinistro que feriu áquelle districto. = João Gualberto de Barros e Cunha.»

Considerando que o governo, tendo em vista minorar tanto quanto possivel os males que a provincia do Algarve tem soffrido, declarou que mandára novamente prorogar o praso para a recepção de reclamações para annullações por sinistros, da contribuição predial no districto de Faro, e que igualmente fóra prorogado o praso para a recepção das collectas, que porventura ficassem vigorando, tinha já realizado o pensamento da proposta, é de parecer que ella não carece de ser considerada.

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«Proponho que ao artigo 8.° se acrescentem os seguintes §§:

«§ l.° A representação da receita, auctorisada por este artigo, não poderá exceder a 2.000:000$000 réis.

«§ 2.° Quando circumstancias imprevistas tornem o limite fixado no § anterior insufficiente, o governo é auctorisado a elevar aquella importancia, ouvindo o conselho d'estado, e dando conta ao parlamento, logo que esteja reunido. = Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Considerando que a fixação da importancia maxima de letras do thesouro que póde haver em circulação é providencia util e indispensavel, quando se dê o caso de uma completa organisação, não só financeira mas da contabilidade publica;

Considerando, porém, que emquanto a mesma organisacão não chegar entre nós ao estado adiantado a que já tem sido levada em outros paizes, póde a fixação da importancia maxima das letras do thesouro, com curso no mercado, em vez de consolidar o credito, o que de certo tem em vista a proposta, produzir effeitos contrarios, é de parecer que, por emquanto, não póde a mesma proposta ser considerada pela camara.

Sala da commissão, aos 4 de março de 1876. = José Dias Ferreira = Antonio Maria Barreiros Arrobas = José Maria dos Santos — Joaquim José Gonçalves de Matos Correia = Antonio José de Seixas = Antonio José Teixeira (com declarações) = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita (com declaração) = Manuel Maria de Mello e Simas = Visconde de Quedes Teixeira = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.

O sr. Bivar: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Mando

para a mesa um projecto de lei, em substituição da proposta que foi apresentada por parte dos deputados das ilhas com respeito ao tabaco. (Leu.)

A proposta que está em discussão com relação ás emendas do orçamento, tinha por fim eliminar do orçamento do estado uma verba para compensação da differença que a menos produziu o imposto do tabaco nas ilhas doi Açores e Madeira.

Alterava essa proposta completamente o orçamento, e a illustre commissão de fazenda foi de parecer que a sua materia podia. ser convertida n'um projecto do lei. Annuindo, pois, ao convite que a illustre commissão nos fez, tenho a honra de mandar para a mesa um projecto de lei, que vae assignado por todos os deputados dos Açores e Madeira.

Peço a V. ex.ª que tenha a bondade de o remetter á commissão de fazenda, a fim de que o considere independentemente da' approvação do orçamento, que segue os seus tramites legaes; e peço tambem ao sr. ministro dá fazenda e á illustre commissão, que tome na maxima consideração o objecto d'este projecto de lei.

O sr. Barros e Cunha: — Vi que o illustre deputado por Faro e digno magistrado, o sr. Luiz Bivar, se dirigiu a mim, ou a alguma cousa que eu tinha dito, como querendo defender-se, de poder ser comprehendido, n'uma phrase com que conclui o meu discurso, a qual é: Não enganemos ninguem.

Declaro por uma vez ao illustre deputado, e estimo muito ter esta occasião para isso, que tenho por s. ex.ª a mais alta consideração, e apegar do illustre deputado ser meu adversario politico, póde ter a convicção de que, como cavalheiro, como magistrado, emfim em todas as relações da vida civil e social, considero s. ex.ª como o mais perfeito typo que se póde apresentar como exemplo para qualquer homem de bem.

Divirjo das suas opiniões, contrario a sua politica na provincia, sinto muito achar-me collocado n'estas circumstancias, mas o illustre deputado tem dignidade bastante para ver que o meu procedimento não póde ser differente do que é.

Dada esta explicação, espero que s. ex.ª a acceite, com a sinceridade com que lh'a dou, e creio que podemos, do hoje para sempre, deixar de discutir qual póde ser ou não o alcance das phrases que no parlamento se pronunciára em assumptos, que de certo não podem ter por fim unicamente sobresaltar melindres, e principalmente os de um collega tão distincto como o illustre deputado.

Desejava primeiramente que o sr. ministro da fazenda me dissesse qual é o alcance das providencias que elle, por uma portaria, deu ácerca da provincia do Algarve, que põem fôra do combate e torna inadmissíveis tanto a proposta do illustre deputado por Faro como a minha.

Se r. ex.ª não tem duvida em dar catas explicações, eu pedia que o fizesse desde já, porque isso evitaria que estivessemos a interromper a interpellação de que esta camara tem de occupar-se com um assumpto inteiramente diverso.

Espero a resposta do sr. ministro. O sr. Ministro da Fazenda: — As providencias que eu temei em relação ao Algarve não foram no sentido, em que os illustres deputados parecem toma-las, do contrariar ou inutilisar as propostas dos illustres deputados: o governo reconhecendo as circumstancias difficeis dos contribuintes do Algarve, dentro da esphera das suas attribuições fez o que podia fazer, para minorar aquellas circumstancias.

Como se allega, e se allega talvez com rasão, que uma parte das colheitas, do rendimento dos proprietarios do Algarve este anno foi completamente nullo em umas partes, e em outras consideravelmente diminuto, entendi, dentro da esphera das attribuições do governo, que pedia attenuar aquelle mal em relação ao pagamento da contribuição, o assim o fiz da maneira seguinte.

Como já se tinha acabado o praso para a reclamação por sinistro, e como era possivel que alguns d'aquelles contribuintes esperassem uma medida maia favoravel a seu respeito da parte dos poderes 'públicos, não se apressaram a reclamar na epocha determinada; entendi então que era de equidade, n'este caso especial, prorogar o praso, ou, para melhor dizer, abrir um novo praso para que os contribuintes podessem reclamar a annullação por sinistro.

Em consequencia d’esta medida prorogou-se tambem o praso até ao fim do actual anno economico para a cobrança do imposto. Alem do novo praso para ai reclamações, a prorogação do praso para pagar os impostos é sempre uni beneficio.

Foi esta a. medida que tomei, e não tive intenção de privar os illustres deputados do direito de proporem qualquer medida que julgassem conveniente.

São estas as explicações que tenho a dar ao illustre deputado.

O sr. Barros e Cunha: — Sr. presidente, ainda não é claro para mim, se a portaria do illustre ministro abrange uma disposição, que considero necessaria, qual é a de dispensar os contribuintes do pagamento de 3 por cento do juro da mora que está estabelecido por lei. Parece-me que deve ser assim.

O sr. Ministro da Fazenda: — N'este caso não ha móra.

O Orador: — Assim parece que a portaria... (Aparte do sr. ministro da fazenda.) Muito bem; isso já é um beneficio real, até 30 de junho não se carrega juro da mora; mas s. ex.ª ha de dar-me licença para lhe dizer que a faculdade estabelecida no artigo 187.º do regulamento de 7 de agosto de 1860 para as annullações por sinistro excluo as perdas que occorrerera por effeito da irregularidade nas estações.

Eu pergunto tambem ao sr. ministro da fazenda se por acaso a sua portaria, ou qualquer outra disposição do seu ministerio, principia por annullar, n'esta questão de annullações, o habito em que estão as repartições fiscaes de as

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não attender, quando as perdas de colheitas provém da irregularidade das estações; e n'este caso pedia ainda a s. ex.ª que, não sendo approvado o additamento que apresentei ao artigo 4.°, tornasse bem claro que a calamidade que soffre a provincia do Algarve, e que está excluida do artigo 186.° pelo artigo 187.° do regulamento de 7 de agosto de 1860, deve ser comprehendida entre os casos de que trata o livro 4.°, titulo 27.º da ordenação, que especifica as secas como fundamento para não se pagarem as rendas, do seguinte modo:

DAS ESTERILIDADES

Destruindo se ou perdendo-se os fructos de alguma herdado ou vinha, ou outra similhante propriedade, por caso, que não fosse muito acostumado de vir, assim como, por cheias de rios, chuvas, pedra, fogo que as queimasse, secca, exercito de inimigos, assuada de homens, que os destruíssem, aves, gafanhotos, bichos que os comessem, ou por outro similhante caso que lhe tolhesse todos os fructos, não será obrigado aquelle que a tiver arrendado, dar cousa alguma de renda que se obrigou dar.

1. Porém, se os fructos não se perdessem todos, e colhesse o lavrador alguma parte d'elles, era sua escolha ficará pagar o promettido, ou dar todos os fructos da dita herdade. E te for esterilidade em terra de pão, poderá tirar para si a semente, o os que mais sobejarem dará ao senhorio da herdade que traz arrendada. Porém, se nos outros annos do mesmo arrendamento, assim antes, como depois houver tanta abastança e uberdade não costumada, guardar-se-ha a disposição do direito commum.

Para se realisarem as annullações por sinistro é preciso que o lavrador demonstro que as suas colheitas estão ou totalmente ou em grande parte affectadas, e que em harmonia com as disposições do regulamento se lhe deve fazer o abatimento proporcional á verba que está descripta no rendimento collectavel na matriz do sou respectivo concelho.

Pergunto eu, ácerca de alguns doa concelhos do Algarve resta ao governo alguma duvida? Creio que não. As providencias que o governo tomou, mandando fazer um adiantamento de sementes aos lavradores e dando-lhes para o seu pagamento um praso, que creio que é de tres annos, mostram que o governo não póde ter duvida alguma de que aquelles cidadãos nem sequer têem os meios de comprarem as sementes.

O relatorio do governador civil dá alguns concelhos da provincia do Algarve n'uma penuria completa, não só em relação ás colheitas, que é a renda, mas tambem em relação ao capital que fórma a riqueza principal d'aquella provincia, que é o arvoredo.

Eu principio por ler á camara o extracto do mencionado relatorio, que foi exigido em 15 de junho de 1875, e não me farei cargo de lhe addicionar tudo quanto depois d'esse dia até á colheita veiu aggravar as condições dos agricultores do Algarve.

VILLA DO BISPO

50 por cento de uma colheita regular nas sementeiras têmporas, as serodias perdidas.

ALJEZUR,

33 por cento nas têmporas. Serôdias não se semearam.

LAGOS

Bensafrim: — 1 terço as sementeiras têmporas, perdidas as serodias.

Luz: — Arvoredo — deteriorado e perdido.

Sementeiras — têmporas, duas sementes; serodias, nem a semente.

Odeaxere: — Nem a semente.

Santa Maria: — Arvoredo — perda consideravel.

Cearas — Nem feno produziram.

S. Sebastião: — Arvoredo — em mau estado.

No paul, que dá 12 a 15 sementes, terá 3 a 4.

No resto da freguezia poderá esperar-se quando muito 1 semente.

No todo do concelho:

Arvoredo — morto e ameaçado de morte.

Um só proprietario em junho tinha perdido mais de réis 1:0000000 em arvores.

MONCHIQUE

E o que menos soffreu, diz o relatorio, mas eu sei que soffreu muitissimo no arvoredo, nas cearas, nos pomares, pela falta de regas.

PORTIMÃO

Mexilhoeira: — Arvoredo só espera 5 por cento da producção, parte morto.

Cearas: — Só palha, e tão curta, que póde unicamente colher-se á mão.

Alvor: — Excepto as vinhas — as outras culturas, como as da Mexilhoeira.

Portimão: — Excepto as várzeas de Boina — 6 arvoredo no estado do das freguezias antecedentes — as cearas, nem feno para os gados.

LAGOA

Ferragudo: — Tudo perdido.

Porches: — De 70 moios calcula-se 3, temporão — perdidos os serôdios.

Estombar: — O mesmo.

Lagoa: — Peior do que Portimão.

SILVES

S. Marcos, S. Bartholomeu e Silves: — Dois terços de1 uma colheita ordinaria.

Algoz: — Olivedo — sem fructo.

Figueiras: — 1/4 de fructo.

Alfarrobeiras: — Sem fructo.

Poços — 1 secco e outro quasi.'

Alcantarilha: — O mesmo excepto as vinhas.

Pera: — Identicas circumstancias e maior miseria.

ALBUFEIRA

Paderne: — Arvoredo muito perdido, fructo raro — cearas, uma semente de temporans, perdidas totalmente as serodias.

Guia: — O mesmo estado, exceptuando as vinhas. Albufeira: — Tão miseravel estado que o povo comia a semente da alfarroba cozida.

LOULÉ

Salir: — Oliveiras sem fructo — o resto inferior. Ameixial: — Regular em 15 de junho — queimou-se tudo depois.

Querença: — Tudo perdido e morte de gado. Boliqueime: — Soffreu muito — o sr. duque de Loulé mandou fazer grandes abatimentos nas rendas. Almancil: — O mesmo.

Loulé: — O mesmo — D. Luiz de Carvalho tambem abate aos rendeiros. <

TAVIRA

Santo Estevão: — Arvoredo sem fructo e mau — cearas um terço da colheita.

Santa Catharina: — Arvoredo o mesmo — cearas 50 por cento.

Cachopo: — Melhor.

Fuzeta: — O mesmo por causa das vinhas. Luz: — O mesmo.

Conceição e S. Thiago: — Arvoredo sem fructo e mau — cearas um quinto.

Santa Maria: — Cearas perdidas.

OLHÃO

Freguezia de Moncarapacho: — Figueiras pouco ou nada rebentam e pouco fructo promettem.

Oliveiras: — Quasi nada produzem.

Amendoeiras: — Perdendo fructo que promettiam.

Alfarrobeiras: — Muito pouco apresentam e mal desenvolvido.

Vinhas: — Pouco lançadas e fructo perdido.

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Soaras: — Nem a semente produzem.

Guelfes: — Nas mesmas condições.

Pexão: — Peior! (sic.)

FARO

Peço licença ao sr. deputado para analysar o seu circulo.

S. Braz: — Em condições favoraveis.

Estoy: — Figueiras seccas.

Amendoeiras: — Secando o fructo.

Oliveiras: — Caiu-lhe o fructo em flor.

Vinhas velhas: — Muito sentidas.

Alfarrobeiras — pobres.

Cearas — Têmporas, 1/6 da semente, serôdia; perdidas.

Conceição: — O mesmo.

Santa Barbara: — O mesmo, agua a 6 kilometros de distancia.

S.Pedro: — O mesmo.

Sé: — A mesma cousa.

VILLA REAL, ALCOUTIM E CASTRO MARIM

N'estes tres concelhos, que têem cultura predominante em cereaes, a producção calculada era de duas a oito sementes.

O olivedo perdido.

A camara vê que, nas circumstancias em que se acha p Algarve, segundo as informações officiaes, a faculdade que o illustre ministro dá aos contribuintes para a reclamação, na maior parte das freguezias dos concelhos que constituem áquelle districto significa apenas dar um trabalho completamente inutil ás repartições fiscaes o aos agricultores, porque está demonstrado pelo relatorio do governador civil, que a quasi totalidade da provincia do Algarve não só teve a sua colheita completamente annullada, mas alem d'isso soffreu, e muito, no seu capital e na sua producção futura, porque a esterilidade e a secca têem sido de tal ordem, que para reparar os estragos que têem produzido no arvoredo ha necessidade de muito tempo, grande despeza e muito cuidado da parte dos agricultores.

Não sei, portanto, qual é a rasão por que a camara não ha de acceitar a minha proposta. A não se querer considerar que o governador civil faltou, não digo á verdade, mas a investigar com o cuidado que devia as circumstancias em que se achava o seu districto, conforme lhe foi determinado, não vejo motivo para que o governo pão acceite, e a camara não resolva desde j, que os concelhos e freguezias, pelo menos, em que a perda da colheita foi total, fiquem isentos de ser incommodados por causa dos impostos que o estado exige.

Sr. presidente, as disposições da ordenação que o artigo 186.° do regulamento de 7 de agosto de 1860 manda attender, foram revogadas pelos artigos 1:630.° e 1:631.º, livro II, titulo n, capitulo X do codigo civil. Pois saiba V. ex.ª, que de tal ordem foi a calamidade, que, apesar do direito civil não desobrigar os rendeiros da renda pelas causas estatuidas na ordenação, os proprietarios principaes do Algarve fizeram reducções importantes aos seus rendeiros.

E não ha de o estado fazer o que fazem os particulares?! Porque?

Tenho adoptado para mim, como regra invariavel, não hesitar nunca em cumprir <> meu dever mesmo quando, como agora, quasi que tenho a certeza de que a camara approvará o parecer da commissão e rejeitará a proposta que lhe fiz. Mas digo ao, governo que sinto, e sinto muitissimo, que em circumstancia d'esta ordem, e no governo actua}, que na verdade foi o mais solicito que era possivel em acudir aos males dos algarvios, sinto que não se faça a justiça a que elles têem direito, e que se lhes não faça justiça plena e completa.

Advogando os interesses d'aquelles infelizes, não trato de fazer sementeira de popularidade, que para nada ambiciono pessoalmente. Eu daria o meu voto a qualquer districto ou a qualquer circulo do reino que se achasse nas circumstancias em que se acha o Algarve, porque entendo que o estado deve ser o primeiro a dar exemplo de equidade, e a mostrar que a sorte dos cidadãos portuguezes lhe não é indifferente, nem mesmo quando o thesouro possa ser affectado por liberalidade de mais.

O governo prorogou o praso para a cobrança dos impostos até junho, e eu pergunto ao sr. ministro — estarão resolvidas até junho as reclamações por sinistros? Foram já resolvidas aquellas que se fizeram anteriormente? Pois desde outubro até março parece que o governo já deveria saber se tinham sido resolvidas as reclamações, e qual a importancia d'essas reclamações nos diversos concelhos d'aquelle districto. Mesmo quando essas reclamações fossem resolvidas, eu estou convencido de que os titulos de annullação não chegariam a tempo de evitar o pagamento da contribuição, e esse é já um grande mal, porque o que principalmente affectará n'este momento os proprietarios do Algarve é a necessidade de entrarem nos cofres publicos com a importancia da contribuição, embora tenham depois de receber os respectivos titulos de annullação para serem reembolsados.

Eu tenciono fazer ainda mais uma proposta á camara, não n'este momento, mas talvez depois de ámanhã quando vier á discussão o parecer ácerca do bill de indemnidade, é a de dar gratuitamente aos lavradores do Algarve as sementes que o governo lhe mandou entregar por adiantamento e por emprestimo.

O estado não lucra cousa alguma, depois de uma perda d'aquella ordem, em estar a exigir que lhe paguem o adiantamento d'aquella insignificante verba em que importaram as sementes que foram emprestadas aos algarvios.

O sr. Ministro da Fazenda: — Peço a palavra.

O Orador: — O sr. ministro da fazenda pediu a palavra, e eu tenho a esperança do que s. ex.ª irá dizer alguma cousa que me evite o insistir ainda em outras considerações que talvez tenha de fazer depois da resposta de s. ex.ª, se V. ex.ª, sr. presidente, me quizer ainda conceder a palavra terceira vez.

Depois da resposta do illustre ministro, se V. ex.ª, sr. presidente, ainda que já fallei duas vezes, me quizer maia outra vez conceder" a palavra, aproveitar-me-hei d'essa sua concessão.

O sr. Ministro da Fazenda: — O illustre deputado desejou saber em primeiro logar se a portaria a respeito do Algarve annullava a disposição do regulamento ou o habito dos empregados fiscaes de não considerarem como causa de sinistro a desigualdade das estações. Eu direi que ha desigualdades, e que o fundamento da portaria, sendo a desigualdade das estações que houve no ultimo anno, esta circumstancia não póde deixar de ser tomada em consideração.

O illustre deputado procurou depois provar que na quasi totalidade do Algarve, pelo menos em muitos concelhos, a perda fôra completa, e funda-se para isso no relatorio e documentos que o acompanhavam, do governador civil de Faro, e nas sementes que foram distribuidas pelos lavradores.

Emquanto ao relatorio, eu só lembrarei ao illustre deputado, que dizendo elle tudo isso que o illustre deputado citou, diz tambem: «O perdão total ou parcial das contribuições considero-o inadmissivel, porque na sua generalidade comprehenderia classes inteiras de individuos, que pouco ou nada soarem com a crise, etc..» (Continuou a ler.)

São tudo indicações que o governo seguiu.

Emquanto ás sementes, direi ao illustre deputado que aquella concessão é já de per si um beneficio que o governo julgou que o devia fazer, vindo pedir, como veiu, á camara um bill de indemnidade.

O illustre deputado diz que se prepara para pedir á camara que esse adiantamento seja convertido n'uma dadiva.

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O governo creio que já despendeu para cima de 60:000$000 a 80:000$000 réis com esse beneficio, e eu não sei se a quota da contribuição predial do Algarve excede muito essa somma. Se o governo, pois, desse gratuitamente as sementes e perdoasse a contribuição, parece-me que iria nas suas concessões alem da equidade e da justiça.

O illustre deputado, no interesse dos seus constituintes, não é para estranhar que peça tudo para elles: o governo pela sua parte tem de attender, não só a este caso, mas a muitos outros, porque houve no paiz outros concelhos, que de certo não soffreram tanto como o Algarve, mas que muito soffreram; e apesar do seu desejo, que provou exuberantemente, de minorar aos povos do Algarve os males que lhes trouxe a irregularidade das estações, no entanto não póde talvez ir tão longe como propõem os illustres deputados d'aquella provincia.

O sr. Bivar: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Barros e Cunha — Não pretendi nunca pôr em duvida os valiosos e grandes favores que a governo fez á provincia do Algarve, os quaes agradeci, e para o que os dois illustres ministros, que se acham presentes, das obras publicas e do reino, muito contribuiram.

Nenhuma divergencia politica, nenhum acinte politico, e nenhuma discussão, por mais calorosa que ella fosse, me levaria a deixar de dar este testemunho, principalmente ao illustre ministro das obras publicas, o qual, ás primeiras palavras que com s. ex.ª troquei em abril passado, logo que se fechou o parlamento, se promptificou, salvo accordo com os seus collegas, para fazer tudo quanto fosse possivel para occorrer ás precarias circumstancias da provincia do Algarve. E cumpriu religiosa e cavalheiramente a sua palavra.

Permitta-me V. ex.ª que lhe diga uma cousa. Eu não entendo as conclusões do governador civil de Faro que o sr. ministro leu. Essas conclusões não se contêem na analyse dos factos, são arbitrarias e não sei que, porque alguns individuos, algumas classes ou alguns proprietarios sujeitos á contribuição predial, que é aquella de que trato, da provincia do Algarve podem tirar beneficio justamente com os outros que mais soffreram; por não terem soffrido tanto, não sei que possa ser rasão para nós avarentamente recusarmos o que de todo o ponto não é mais do que um acto de equidade.

Sr. presidente, a logica parece divorciada dos documentos officiaes. E quando vemos todos os dias a liberalidade com que se dispõe dos dinheiros publicos para muitas applicações de nenhuma maneira fundadas, nem justificadas, nem auctorisadas por lei, não me parece justo que n'este momento quando recorremos ao parlamento para adoptar uma medida justa, o goverpo se venha collocar no lado opposto, e prohiba assim ao parlamento de fazer como assembléa politica, o que de certo cada um dos illustres deputados, e cada um dos illustres ministros se não negaria a fazer como individuo. O relatorio do governador civil tem duas faces. O governo aproveitou-as ambas.

E completamente inutil que esteja a fatigar por mais tempo a camara e a mim. G governo declarou que a minha proposta não era admissivel, a commissão rejeitou-a já em seu parecer, a camara vae rejeita la, e pela minha parte tenho a lamentar que melhor conselho não presida á consideração dos meus collegas.

O sr. Pereira de Miranda: — Tambem tive a honra de mandar para a mesa uma proposta durante a discussão do orçamento da receita, não posso por isso deixar de dizer duas palavras em relação ao parecer da illustre commissão de fazenda.

A minha proposta foi reconhecida, tanto pelo governo como pela illustre commissão, como util e indispensavel, e isso tanto bastou para ser rejeitada! (Apoiados) Só me resta pedir ao governo e á illustre commissão de fazenda que quando d'ora em diante tiver de considerar mais alguma proposta, que eu apresente, me parecia melhor que não a considerasse como util e conveniente, porque póde ser que assim colha o resultado de a ver approvada. Nada mais tenho a dizer.

O sr. Luiz de Lencastre: — Mando para a mesa o parecer da commissão do ultramar sobre a proposta do governo, que tem por fim auctorisar o governo a contrahir um emprestimo de 5.000:000$000 réis para obras publicas no ultramar. Peço a V. ex.ª que lhe mande dar o destino conveniente. Não sei se terá de ir á commissão de fazenda.

Aproveito a occasião para pedir a V. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte que seja aggregado á commissão do ultramar o sr. Coutinho Garrido, deputado por Angola.

Consultada a camara sobre o requerimento do sr. Lencastre, foi approvado.

O sr. Mariano de Carvalho: — Vou referir-me só á emenda que mandei para a mesa.

Com relação á proposta do sr. Pereira de Miranda, acho que o governo fez muito bem em rejeita-la, não porque seja util e indispensavel, como diz a illustre commissão de fazenda, mas porque o governo vae no seu caminho de augmentar a divida fluctuante, e deve rejeitar tudo quanto tenha por fim cortar o arbitrio que tem a esse respeito. Applaudo a resolução tomada, porém parecia-me mais rasoavel que a proposta do sr. Pereira de Miranda fosse considerada, tanto pela commissão como pelo governo, como prejudicial e perfeitamente dispensavel;

Nada mais tenho a dizer a este respeito.

A emenda que mandei para a mesa era concebida nos seguintes termos. (Leu.)

A illustre commissão não acceitou esta emenda pelas seguintes rasões. (Leu.)

Acho tambem este considerando, permitta me V. ex.ª que o diga, exquisito, e vou dar a razão por que o acho exquisito.

À compensação das camaras municipaes de Belem e dos Olivaes, isto é, a receita que d'ahi póde provir não era arbitraria, representava um recurso effectivo do estado e da fazenda em diposições legaes, pois a illustre commissão eliminou a do orçamento de receita, e eliminou-a do orçamento de receita por uma rasão muito simples, eliminou-a porque as camaras não a pagavam, e estas não a pagavam porque não podiam pagar.

Eu acho tambem que o orçamento se deve approximar o mais possivel da verdade, e por isso digo que acho exquisito que, sendo esta regra boa em relação a esta verba, ella não se applicasse ás outras.

Não quero discutir a compensação dos tabacos nos Açores, porque ainda ha uns certos ares de cobrança. Nas contas dos exercicios findos, desde 1873, ainda apparece uma verba, pequena sim, mas é uma verba, e por isso não discuto esse ponto.

Depois temos o dividendo das acções da companhia dos canaes da Azambuja.

Toda a gente sabe que desde tempos immemoriaes a companhia dos canaes da Azambuja não paga dividendo algum. Esta verba não é fundada em disposições legaes, como a da compensação das camaras municipaes de Belem e Olivaes, mas representava um recurso do estado, quando fosse paga; como, porém, não é paga, exactamente como acontece á compensação das camaras municipaes de Belem e Olivaes, a que se applicou a regra de a eliminar do orçamento, parece que a mesma regra lhe devia ser applicada.

Em seguida temos a prestação da misericordia de Lisboa para a cadeia da capital.

Isto é um absurdo. Realmente não sei que deva chamar senão absurdo ao facto do estado dar com a mão direita á misericordia para a sua administração aquillo que depois lhe tira com a mão esquerda para a cadeia da capital. Alem

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d'isto tambem pelas contas de exercicios findos desde 1873 não vejo que a misericordia pagasse cousa alguma para as cadeias da capital, e por consequencia parece-me que havia toda a rasão para se applicar a esta verba a mesma regra que se applicou á da compensação das camaras de Belem e dos Olivaes.

Segue-se a contribuição da provincia de Macau.

Tambem desde 1873 se vê pelas contas de exercicios findos que a provincia de Macau não pagou prestação alguma d'esta contribuição, e é facil de suppor agora que nada poderá pagar. Toda a gente sabe que, alem de outras circumstancias penosas, se deram ultimamente em Macau dois tufões, que arrasaram grande parte da cidade; e, se nos annos de prosperidade, nos annos anteriores a esta desgraça, ella não póde pagar a sua contribuição, porque desde 1873 não figura nas contas dos exercicios findos verba alguma proveniente d'esta origem, não se póde esperar que nas epochas desastrosas ella a venha a pagar. Parece-me, pois, que esta verba estava no caso de se lhe applicar a regra que se applicou á da compensação das camaras de Belem e Olivaes.

Agora é a contribuição das provincias ultramarinas para occorrer aos encargos do emprestimo para compra de navios de guerra e outras applicações. A este respeito aproveito a occasião para rectificar um equivoco em que caiu o sr. ministro da marinha, quando se ventilou aqui a questão da compra do celebre couraçado Vasco da Gama.

Eu entendo que as provincias ultramarinas não devem cooperar para a despeza que se faz com a compra do couraçado Vasco da Gama, nem dos navios de guerra; entendo que estas verbas com que ellas devem contribuir seriam melhor applicadas ás necessidades das mesmas provincias, sobretudo quando estes navios não servem para o serviço colonial; e algumas provincias ha que não podem dar nada. Macau, por exemplo, com certeza que não póde contribuir, principalmente depois dos ultimos acontecimentos que ali tiveram logar. S. Thomé tem um saldo, é verdade, mas carece de melhoramentos. Angola, se é verdade o que diz o orçamento do ultramar, porque nós sabemos que o orçamento do continente não representa a verdade, que é uma pura phantasia, e menos confiança devemos ter n'aquelle, é verdade que tem um pequeno saldo, mas carece d'elle para melhoramentos. Cabo Verdeja podia dar alguma cousa, mas hoje com as reformas que se fizeram augmentou a despeza, e será difficil poder tirar-se d'ali alguma contribuição. Por consequencia isto não serve de cousa alguma, e o pagamento tem de ser feito pelo governo da metropole e nunca dos cofres das colonias.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.

O sr. Presidente: — O sr. Pedro Franco pediu a palavra sobre as emendas offerecidas ao orçamento?

O sr. Pedro Franco: — Sim, senhor, e é unicamente para responder a unias asserções do meu illustre collega e amigo o sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Pedro Franco.

O sr. Pedro Franco: — Vou tomar alguns minutos a attenção da camara, e demonstrar que não é exacta a asserção do meu illustre collega o sr. Mariano de Carvalho, sobre as camaras municipaes dos concelhos de Belem e Olivaes deverem ao thesouro avultadas sommas e terem sido dispensadas pelo governo de as pagar.

Em nome do municipio de Belem declaro que não agradeço, nem ao sr. ministro da fazenda nem ao governo, similhante graça, de contrario elles é que devem agradecer aquella municipalidade de lhes não exigir o que o estado ha muito deve á camara de Belem, como passo a demonstrar.

Em 1863, quando n'esta casa tambem se discutia o orçamento do estado, o sr. deputado José de Moraes ponderou que as camaras de Belem e Olivaes deviam já ao

thesouro a importante somma de 160:000$0000 réis, sendo proximamente 100:000$000 réis a de Belem e 60:000$000 réis a dos Olivaes. Tão fabulosa divida impressionou o parlamento, julgando que as camaras effectivamente deviam essa enorme somma de contos de réis.

Mais tarde o governo, conscio de que as camaras não deviam pagar a cifra votada no orçamento geral do estado, eliminaram-n'a da sua receita. Não foi uma graça que o governo praticou, mas sim a consequencia necessaria de um trabalho insano que eu tive quando fui vereador fiscal da camara municipal de Belem, a que me honro hoje de presidir. N'essa occasião demonstrei ao governo que o thesouro é que devia só á camara de Belem cerca de réis 150:000$000, cifra de que ainda hoje a camara está em desembolso.

Por uma serie de decretos dictatoriaes foi reformada em 1852 a alfandega das sete casas, de ominosa recordação, creando-se dois novos concelhos um ao nascente de Lisboa, que se denominou dos Olivaes, e outro ao poente, que se denominou de Belem.

Chamo ominosa recordação ao modo por que se fazia no meu concelho a fiscalisação doa impostos das sete casas, que a troco do contrabando de um odre de vinho se matava um homem como quem atira a lobos.

Para a creação dos dois concelhos dividiu-se o territorio extramuros, que então formava o antigo termo de Lisboa, ficando pertencendo ao concelho de Belem as freguezias de Belem, Ajuda, Bemfica, Carnide e Odivellas, e a parte extra-muros das freguezias de S. Sebastião da Pedreira, Santa Izabel e Alcantara.

Pelos mesmos decretos foram abolidos os impostos que se cobravam pelas alfandegas das sete casas e do terreiro publico, ficando os dois concelhos sujeitos ao pagamento de impostos iguaes aos mais concelhos do reino e a pagarem para o thesouro os impostos especiaes de 10 réis em canada de vinho e 15 réis em arratel de carne verde, hoje liquidado em litros e kilogrammas, e que faz parte do imposto denominado real de agua.

Estes decretos foram recebidos com applausos geraes dos novos municipios, que se viam livres dos vexames que sempre acompanharam a arrecadação dos impostos das sete casas pelas violencias, extorsões, graves conflictos e até assassinatos a que n'esse tempo se chamava fiscalisação municipal.

A oppressão e o fisco atropellavam todas as garantias constitucionaes, e os proprietarios viam o abandono dos seis predios, e o concelho de Belem estava quasi deserto.

Effectivamente o decreto de 11 de setembro de 1852 veiu libertar áquelle bello territorio do jugo das sete casas.

Se bem me lembro, o artigo 11.° d'essa lei dizia que o governo, ouvida a camara municipal de Lisboa, as auctoridades superiores do districto e as camaras de Belem e Olivaes, deduziria das dotações que era obrigado a entregar annualmente á camara de Lisboa uma parte correspondente á despeza que a mesma camara fazia em illuminação e conservação de calçadas no territorio, desannexado por este decreto do concelho de Lisboa. Este calculo foi logo errado, porque a camara de Lisboa de então quiz que apenas se deduzisse da sua prestação 6:400$000 réis, como se no territorio das duas camaras de Belem e Olivaes apenas despendesse em illuminação e calçadas 6:4000000 réis annuaes!

O calculo d'esta insignificante quantia que a camara municipal de Lisboa disse se despendia no territorio desannexado, foi logo impugnado por um dos grandes vultos do nosso paiz, o sr. Alexandre Herculano, então presidente da camara municipal de Belem; e por portaria, julgo que de setembro de 1854, o ministro da fazenda de então, confessando que a dotação era inferior á que se devera satisfazer, augmentou-a só para Belem em mais tres contos trezentos e tantos mil réis.

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Parece-me que é o artigo 6.° que diz, que as camaras de Belem e Olivaes deviam pagar ao thesouro uma somma annual fixa a titulo de compensação das vantagens especiaes que o estado prestava aos mesmos concelhos, compensação que devia ser de uma somma igual ao rendimento medio annual dos impostos cobrados pelo governo, deduzindo-se d'esse rendimento o preço por que fôra arrematado o real d'agua dos dois concelhos e a importancia dos subsidios que deixava de se entregar á camara de Lisboa, igual ao que elle despendia nos dois territorios desannexados.

O modo pratico de ser executada a disposição d'esta lei era saber qual o termo medio do rendimento dos impostos cobrados pelo governo, e d'esse termo medio deduzir o preço por que se tinha arrematado ou administrado o real de agua e o preço da importancia do subsidio que á camara pertencia receber. O modo, porém, por que foram executadas as disposições d'aquella lei foi muito irregular, se não despotico e arbitrario. Na parte do debito houve todo o escrupulo em se marcar a cifra do rendimento, quer arrematado quer administrado, e na parte do credito faltou-se visivelmente á verdade.

O estado tem lucrado bastante com esta desannexação, porque tem hoje elevado o real d'agua ao dobro de então, circumstancia tambem bastante para attenuar a base da cifra exigida ao concelho.

D'este estrondoso anachronismo nasce toda a questão que ha muito se ventila, chegando-se ao excesso de se dizer que as camaras de Belem e Olivaes eram devedoras de cento e tantos contos, quando, segundo o meu calculo, se bem me lembro, devia a de Belem concorrer para o thesouro apenas com 244$000 réis annuaes, sendo credora em muito maior quantia, como ainda vou demonstrar.

A data da desannexação dos dois concelhos de Belem e Olivaes, devia o thesouro á camara municipal de Lisboa 1.485:000$000 réis, proveniente de saldo de consignações, juros de padrões e outros titulos. Esta importancia, como era incontestavel, era devida, não á camara de Lisboa, mas aos moradores de todo o territorio que a mesma camara representava e que outr'ora se compunha dos municipios de Lisboa, Olivaes e Belem.

O antigo concelho de Lisboa compunha-se de 6 bairros, 61 freguezias e 230:000 habitantes. Pelo decreto de 11 de setembro de 1852 foi dividido este territorio, ficando o concelho de Lisboa reduzido a 4 bairros (hoje tem apenas 3), 31 freguezias e 183:000 habitantes, e aos novos concelhos de Olivaes e Belem ficaram-lhes pertencendo, ao primeiro 22:400 habitantes e ao segundo 24:600, segundo a população d'essa epocha, pois hoje tem mais de 30:000 almas.

Ora devendo o thesouro n'essa data á camara municipal de Lisboa 1.485:000$000 réis, é claro que na proporção gradativa da população desannexada n'essa epocha ficou devendo á camara de Belem cento e cincoenta e tantos contos de réis e quantia proximamente igual á dos Olivaes.

E aqui tem V. ex.ª e a camara o motivo por que as municipalidades de Belem e Olivaes não têem pago a compensação ao thesouro, porque não tem tambem recebido a quota parte que lhes pertence d'essa enorme divida, sendo por isso credoras e não devedoras.

Sinto não ver presente o illustre deputado e meu collega, representante do circulo dos Olivaes, porque de certo faria coro commigo declarando bem alto que o concelho dos Olivaes não deve um real ao thesouro, como não deve o de Belem, sendo, como já disse, ambos credores e não devedores. Tenho dito.

Vozes: — -Muito bem.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto, vae votar-se.

Foi approvado o parecer.

O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): — A commissão de redacção não fez alteração ao pertence ao n.º 11.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados que ti verem papeis a mandar para a mesa podem faze-lo. Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Annuindo ao parecer da commissão de fazenda, emittido na proposta que está em discussão, para ser eliminada do orçamento do estado a verba de 31:3000000 réis, ou pelo menos modificada, levando-se em conta no pagamento dos 70:0000000 réis em que importa a livre cultura do tabaco nos Açores e Madeira, 49:9970984 réis que os povos d'aquelles districtos pagaram desde 1865 a 1868 a mais. Propomos:

Que seja auctorisado o governo a compensar no deficit, que tenha a receber nos districtos doa Açores e Madeira, no primeiro anno que cobrar a contribuição predial, toda a differença que haja entre os 70:000$000 réis votados na lei de 13 de maio de 1864, e o que produzirem os impostos para o tabaco que importar n'aquellas ilhas, e addicionar ás contribuições; levando em conta o que pagaram a mais nos annos de 1865 a 1868. = Visconde de Sieuve de Menezes = Camara Leme = Pedro Jacomo Correia = Pedro Roberto Dias da Silva = Mello e Simas = Ricardo Julio Ferraz = Henrique de Paula Medeiros.

Foi admittida e enviada á commissão de fazenda.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Mando para a mesa a seguinte proposta de lei:

Proposta de lei n.º 50 B

Senhores. — Quando se publicaram os decretos com sancção legislativa de 11 e 17 de agosto de 1870, as praças das guardas municipaes, que se tornavam incapazes do serviço activo, passavam á classe de reformados nas mesmas condições das outras praças do exercito com o vencimento de 115 réis diarios.

Este vencimento era mui diminuto para quem havia, por longo espaço de tempo, prestado um serviço aturado e violento, como é o serviço policial, e que tinha durante esse tempo creado certas necessidades, a cuja satisfação podia occorrer pelo vencimento mais elevado, que se havia estabelecido como remuneração correspondente ao serviço que se lhe exigia.

Esta consideração fazia com que houvesse certa repugnancia em compellir á reforma muitas praças, que estavam incapazes, ou quasi incapazes do serviço activo; e o resultado era conservaram-nas nos quadros das guardas com os vencimentos da effectividade, a troco do serviço moderado, que se lhes podia exigir.

Era humano este procedimento, mas era prejudicial ao serviço publico, porque o effectivo de guardas, que é já hoje insufficiente para as necessidades das grandes povoações a que é destinado, ficava ainda desfalcado de um grande numero de praças, que lhe eram indispensaveis.

Tratou-se de remediar este mal pelo decreto de 17 de agosto de 1870, o qual teve em vista despedir do serviço as praças incapazes, com o vencimento, não igual ao da effectividade, porque as circumstancias não o permittiam, mas em todo o caso com vencimento superior aos das praças do exercito, isto é, com 300 réis diarios as praças de cavallaria e com 180 réis as de infanteria.

Creou-se para este fim, dentro dos limites do orçamento da despeza votada para as guardas municipaes, um fundo de pensões, e fixaram se as condições com que essas pensões deviam ser concedidas, declarando-se extincto o fundo destinado a tal applicação, logo que deixasse de haver praças com direito a gosar do beneficio concedido.

Esta providencia remediava o presente, mas era tambem necessario providenciar para o futuro, e n'este sentido tendo-se entendido que o fundo de pensões, então estabelecido, não seria sufficiente para fazer extensivo o beneficio ás demais praças que, pelo movimento natural do serviço, viessem de futuro a achar-se em analogas circumstancias, pensou-se que a providencia a tomar era evitar que d'ahi em diante as praças das guardas municipaes po-

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gessem encontrar-se na difficil situação, em que se achavam aquellas que deram motivo á providencia extraordinaria que se adoptou.

Para conseguir este fim determinou-se no decreto de 11 de agosto do mesmo anno (o qual, apesar de anterior, contém n'esta parte uma providencia complementar do decreto de 17 de agosto), que as praças das guardas municipaes eram obrigadas a. servir por cinco annos, permittindo-se todavia a readmissão por outros cinco annos sómente.

Por esta fórma conseguia-se, é verdade, que de futuro não houvessem praças nas circumstancias de obter a reforma; mas não se previu que as vantagens que se pensou alcançar, evitando as difficuldades das futuras reformas (difficuldades que hoje se conhece poderem evitar-se sem sacrificios extraordinarios), não compensavam os graves prejuizos que similhante disposição deveria causar ao serviço policial, e que a experiencia tem infelizmente mostrado serem de tal importancia, que julgo necessario tomar-se a este respeito promptas providencias, para as quaes venho solicitar a approvação do corpo legislativo.

A disposição a que me tenho referido, do decreto de 11 de agosto de 1870, não permittindo que as praças sirvam nas guardas municipaes por mais de dez annos, dá logar a que os soldados que vem fazer serviço nas mesmas guardas, pouco tempo n'ellas, se demorem, pois que não contando com a reforma (mesmo a de simples praça do exercito), nem com o vencimento de effectividade para todo o tempo em que estejam capazes de servir, que poderia ser muito ainda alem do permittido, nenhum interesse tem, em permanecer no serviço policial, lucrando pelo contrario em ir, o mais cedo possivel, procurar meios de vida n'outras occupações menos violentas, e que lhes assegurem um melhor futuro; e assim é que poucas praças se aproveitam da faculdade da readmissão, despedindo-se, em regra, logo que finda o seu serviço obrigatorio.

D'aqui resulta que as guardas municipaes são compostas, e mais o poderão ser de futuro, de soldados novos, os quaes satisfazendo, é certo, a alguma das condições requeridas para o arduo serviço, a que são destinados, deixam de reunir as principaes, que são, sem duvida, a prudencia e os habitos de inabalavel disciplina, que devem ser inseparaveis de quem é chamado frequentemente a intervir na manutenção da ordem publica e a accommodar conflictos e excessos, que do ordinario se exasperam e aggravam, quando a intervenção policial deixa de ser paciente e discreta, como o recommendar todas as conveniencias.

A experiencia, como disse, tem infelizmente demonstrado a verdade d'estas considerações, e mais graves se teriam ainda manifestado os inconvenientes da disposição a que tenho alludido, a lei não facultasse ao commandante geral das guardas a immediata expulsão das praças que por falta se tornam inhabeis ou improprias para o serviço policial. O mal porém não se evita só por este meio, porque a renovação das praças não offerece melhores garantias; pelo contrario, p continuo movimento de entradas e saídas ainda aggrava os inconvenientes do systema, porque desmoralisa o pessoal, e obsta, a que se formem aí boas tradições do serviço, que nos corpos militares é um grande elemento de disciplina, e nas guardas municipaes foi sempre um poderoso auxiliar da educação policial.

Convém, pois, promover que as praças das guardas municipaes se demorem no serviço policial o tempo preciso para que adquiram o pleno conhecimento dos seus deveres a prudencia e o bom senso necessarios ao seu desempenho.

Para este fim é indispensavel, primeiro, permittir a continuação no serviço por todo p tempo em que as praças tenham as forças precisas para p prestar, e não se mostrem inhabeis para o seu desempenho; segundo, convida-las á continuação no serviço pelo interesse da reforma» em condições que não sejam desfavoraveis.

São as providencias, que venho propostos, parecendo-me que nenhuma hesitação, se deve offerecer na sua approvação, não só pela manifesta utilidade que da rua adopção ha de resultar, mas tambem porque não se creará despeza alguma, que não esteja nos limites da actual dotação das guardas municipaes.

Os factos habilitam-me a assegurar que p fundo de pensões creado para dotação das sessenta pensões estabelecidas pelo decreto de 17 de agosto de 1870, póde, tornando-se permanente, occorrer ao pagamento de pensões, que para o futuro se estabeleçam tambem permanentemente.

Esse fundo, que tem chegado para satisfazer as pensões concedidas, e que não obstante se eleva já á somma de. 2:290$127 réis, sem o auxilio extraordinario e supplementar previsto no n.º 6.° do artigo 2.° do mesmo decreto, elevar-se-ha de futuro a uma quantia importante, não só porque as actuaes pensões tendem a diminuir pela ordem natural dos acontecimentos, mas tambem porque se mui tarde começará a adquirir-se o direito ás novas pensões; e durante todo este tempo são effectivas as receitas que constituem o fundo creado, e algumas mais que nos mes: mos limites do orçamento, me parece poderem ser-lhes addicionadas.

Com estas providencias, e com algumas mais, que julgo conveniente propôr para melhor garantir' a disciplina das guardas, penso que se conseguirá um importante melhoramento no serviço policial, tão digno da consideração dos poderes publicos.

Portanto pois tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° As praças de pret das guardas municipaes podem continuar a servir nas mesmas guardas por todo o tempo, alem do obrigatorio, em que se mostre terem as, necessarias condições de robustez e de aptidão physica para o desempenho do serviço.;

§ unico. A disposição d'este artigo não prejudica a do artigo 5.º do decreto de 11 de agosto de 1870, que só auctorisa a conservação das praças, emquanto derem provas de exemplar comportamento civil e militar, nem igualmente auctorisa a conservar no serviço aquellas praças que, tem terem mau comportamento, se mostrarem inhabeis para p serviço policial.

Art. 2° As praças despedidas do serviço das guardas por algum dos motivos declarados no § unico do artigo antecedente serão enviadas para o exercito, se pela natureza do seu alistamento ainda forem obrigadas a servir por mais tempo, ou terão baixa do serviço, quando já não estejam sujeitas a essa obrigação.;

Art. 3.º As praças de pret das guardas municipaes têem direito a uma pensão de reforma, que será de 300 réis diarios para as de cavallaria e de 200 réis para as de infanteria.

Art. 4.° As pensões do reforma sómente serão concedidas ás praças que obtiverem do ministerio da guerra a sua passagem á classe de reformados e contarem mais de vinte e cinco annos de serviço militar, sendo dez, pelo menos, nas guardas municipaes.

Art. 5.° Os officiaes inferiores, que passarem á classe de reformados, e n'ella tiverem vencimento igual ou superior ao da pensão a que teriam direito, receberão sómente q vencimento de reformados pelo ministerio da guerra.

Art. 6.° As pensões de reforma são concedidas pelo governo sobre proposta do commandante geral.

Art. 7.° Para pagamento das pensões, cujo direito se verificar nos termos d'esta lei, é destinado q fundo, constituido pelas receitas designadas no artigo 2.° do decreto do 17 de agosto de 1870, as quaes para esse effeito se tornarão permanentes, com a declaração porém de que p vencimento das praças, que obtiverem licença registada, e a que se refere o n.º 2.° do citado artigo, pertencerá, ao mencionado fundo na sua totalidade, e de que lhe pertencerão igualmente os descontos, que as praças hajam de soffrer nos seus prets em resultado de penas que lhes sejam impostas em virtude do regulamento disciplinar. Art. 8.° P fundo de pensões, deduzido o que for pro-

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ciso para satisfazer as despezas correntes, será collocado lucrativamente em algum estabelecimento bancario, precedendo auctorisação do governo.

Art. 9.° São mantidas as pensões concedidas em virtude do decreto de 17 de agosto de 1870, e o seu pagamento continuará a ser feito pelo mesmo fundo agora declarado permanente, sem que todavia as praças, a quem as mesmas pensões foram concedidas, tenham direito a maior vencimento do que o fixado no referido decreto.

Art. 10.° Será applicavel ás guardas municipaes, era tudo quanto não for contrario a esta lei, o regulamento disciplinar do exercito de 15 de dezembro de 1875, nos mesmos termos em que o era o anterior regulamento, segundo o disposto no artigo 6.° do decreto de 11 de agosto de 1870.

Art. 11.° Fica revogada a legislação em contrario. Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 11 de março de 1876. = = Antonio Rodrigues Sampaio. Foi enviada á respectiva commissão.

ORDEM DO DIA

Continuação da interpellação do sr. Luciano de Castro ao sr. Ministro das obras publicas, ácerca da elevação das tarifas do caminho de ferro de norte e leste

O sr. Sousa Lobo: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.) Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara, sentindo as condições em que o sr. ministro das obras publicas tem dado protecção á companhia dos caminhos de ferro portuguezes, passa á ordem do dia. = Augusto de Sousa, Lobo.

Foi admittida.

O sr. J. J. Alves: — Mando para a mesa um parecer da commissão de saude publica.

O sr. José Guilherme: — Peço a V. ex.ª que consulte a camara se quer que se prorogue a sessão até se votar este incidente.

Consultada a camara, decidiu afirmativamente.

O sr. Eduardo Tavares: — Antes de tudo seja-me permittido responder á ultima parte do discurso do illustre deputado que me precedeu, asseverando-lhe que, na minha já longa carreira parlamentar, nunca abafei uma discussão qualquer. Resalve-me, pois, s. ex.ª, ao menos n'esta parte, da apostrophe que acabou de dirigir á maioria. Com esta declaração não tenho outro intento senão o de varrer a minha testada, se me é licito usar d'esta velha expressão, que tantas vezes tenho ouvido empregar nos debates parlamentares.

O sr. Sousa Lobo: — Eu quando estabeleço regras, não excluo as excepções.

O Orador: — Bem o sei; o que disse não foi para exaltar a minha humilde pessoa, foi para recordar um procedimento, de que muito me ufano. Repito, nunca me levantei aqui para abafar uma discussão, mas não censuro os meus collegas que o tem feito, obrigados por uma necessidade politica. Se esse facto fosse 'censurável, maioria e opposição estavam incursas n'essa censura, porque ha casos ena que p pôr termo, por essa fórma, a uma longa discussão é um remedio indispensavel: o illustre deputado é muito illustrado, e antigo parlamentar, para comprehender perfeitamente a utilidade de tal pratica.

Sr. presidente, quando, na ultima sessão, o sr. Osorio de Vasconcellos pronunciava n'esta casa mais um dos brilhantes discursos com que tem entretecido a sua corôa parlamentar, fui obrigado a pedir a palavra para protestar contra algumas asserções que s. ex.ª pronunciou, e que pae não pareceram favoraveis para a dignidade politica dos membros d'esta camara que constituem a maioria; se não fosse isso, de certo me não levantaria hoje para occupar a attenção da camara, porque nunca tive, não tenho, nem

jamais hei de ter a stulta pretensão de me impor á paciencia dos meus collegas, especialmente nos debates que, como áquelle em que nos achamos empenhados, só podem ser illustrados por dotes scientificos e oratorios que, a meu pezar, não possuo.

E, pois, meu principal intento protestar contra algumas asserções, que aqui foram proferidas, e que eu reputo attentatorias do direito que todos temos a ser respeitados n'esta casa; declaro, porém, que o hei de fazer nos termos comedidos e cortezes de que tenho constantemente usado para com todos os meus collegas. Por tal fórma timbro em me não afastar d'este systema, que, tendo interrompido, levado por uma excitação de momento, o illustre deputado a quem me estou referindo, na occasião em que elle nos fulminava ante-hontem com as suas accusações, procurei-o depois particularmente, e pedi-lhe desculpa do meu procedimento.

Vamos, porém, á questão.

N'uma das sessões passadas o talentoso deputado, o sr. Pinheiro Chagas, dissera que a maioria de 1873, aonde estavam quasi todos, os deputados que a compõem actualmente, tinha feito um grande serviço obstando, juntamente com a opposição, a que fosse approvado p contracto primitivo com a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, que o governo então apresentára a esta camara, e no qual se estabelecia a isenção do imposto de transito por oitenta e seis annos a favor da mesma companhia. Comprehende-se a rasão por que s. ex.ª asseverou isto; o illustre deputado era então maioria, e resalvava assim habilmente a sua responsabilidade d'essa epocha; mas, fosse como fosse, ò caso é que s. ex.ª julgou dever elogiarmos, e eu, sem acceitar o elogio pelo motivo que p dictava, estava' ufaníssimo de o poder compartilhar, se quizesse.

Não foi, pois, sem grande surpreza que ouvi ante-hontem o sr. Osorio de Vasconcellos contrariar o seu collega da opposição, asseverando que a maioria era subserviente, e que estava aqui arregimentada para obedecer cegamente a todas as imposições do governo! Eu estava tão empavezado com o elogio do sr. Pinheiro Chagas, que quando ouvi o sr. Osorio de Vasconcellos exprobrar-nos a nossa supposta subserviencia, irritei-me, saí do meu systema habitual, e protestei immediatamente contra tal affirmativa.

Não ficaram sem echo, que as repercutisse lá fóra, as palavras do illustre deputado por Trancoso. No jornal a Democracia, de que s. ex.ª é redactor, lia se hontem o seguinte. Antes de o transcrever declaro que não é meu proposito impor a s. ex.ª a responsabilidade do artigo: desejo unicamente que a camara tenha d'elle conhecimento? para d'ahi deduzir as illações que lhe parecerem consequentes.

Fallando do discurso do sr. Osorio de Vasconcellos diz, pois, esse jornal o seguinte:

«O que houve de mais singular no decurso da oração d'este deputado é que, accusando elle a maioria de ser subordinada e subserviente ao ministerio, o qual mandava e era obedecido immediatamente, a maioria teve o arrojo de applaudir-se e congratular-se com a escravidão, que pelos modos lhe é muito grata.

«— Vós sois escravos, vós não tendes vontade propria, vós obedeceis ao que vos determina o governo, vosso senhor; não é o governo que vos representa, sois vós que representaes o governo.

«E a maioria applaudia, batia as palmas, dava pulo de contente e exclamava: É verdade, é verdade. Somos escravos. Obedecemos á palmatória. Tanto melhor. Assim é que é.»

«Triste espectaculo!»

E incrivel que isto se affirme sem contar com o desmentido solemne! (Apoiados.)

Escravos! Aqui não ha escravos. (Muitos apoiados.) (Com vehemencia.) Aqui ha homens tão livres como os membros da opposição (apoiados), e que têem o direito, de proceder politicamente como julgarem mais util á causa

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publica, e a não serem por isso offendidos nem desconceituados por aquelles que discordam da sua opinião. (Muitos apoiados.).

Dizem-nos que estamos arregimentados, mas não o estamos tanto como a opposição, porque dos nossos já alguns lá estão com ella, emquanto que para nós ainda se não passou nenhum dos seus.

O sr. Francisco de Albuquerque (interrompendo): — É porque ainda nos não poderam convencer.

O Orador (continuando): — E porque estão bem arregimentados; mas se nos desejam para lá, para que nos desconceituam? Querem-nos ao seu lado depois de desconceituados?

Sr. presidente, permitta-me V. ex.ª que eu negue que seja verdade o que aqui se avançou contra a maioria. E se não, recordemos alguns factos.

O anno passado a maioria contava no numero dos seus membros os illustres deputados os srs. Pinheiro Chagas, Boavida e Sousa Lobo, que são hoje opposição. Ainda ha pouco tinhamos nas nossas fileiras os srs. Avila Junior, dr. Mexia, Augusto Gouveia, Agostinho Rocha e Adriano Sampaio, que votam na actualidade contra o governo; e, se me não engano, a ausencia systematica dos srs. Ricardo de Mello, Falcão da Fonseca e Nogueira parece indicar que não podemos contar mais com a sua camaradagem politica.

Pergunto não eram maioria todos estes cavalheiros?

Eram, mas quando chegou o momento em que entenderam que cumpriam o seu dever abandonando as fileiras ministeriaes passaram para a opposição com o maior desassombro. Quem diz aos illustres deputados opposicionistas que não succederá o mesmo com outros membros da maioria quando elles julgarem que devem proceder assim?

Sr. presidente consinta V. ex.ª que eu exponha á camara como entendo que se póde ser maioria sem se ser subserviente, explicando alguns actos da minha vida parlamentar. Tenho uns certos principios, a respeito dos quaes não transigirei nunca.

Votei contra a auctorisação para a extincção dos julgados, porque essa medida centralisava, com desvantagens dos povos, a administração da justiça, e eu sou partidario intransigente do principio da decentralisação. E, a proposito, vem dizer ao sr. Osorio de Vasconcellos que tem alguma rasão quando, respondendo ao meu áparte na sessão de ante-hontem, pareceu extranhar que eu, n'aquelle debate, fallasse só contra um ministro.

S. ex.ª disse: agora me lembro que o sr. deputado votou contra a lei das comarcas e até fallou só contra o sr. ministro da justiça; mas, se assim procedeu, foi de certo levado por motivos de conveniencia publica.

Quem está acostumado a ouvir o sr. Osorio não póde deixar de reconhecer a ironia d'estas palavras; mas, sejam ou não irónicas, o que eu posso asseverar a s. ex.ª é que é possivel que eu não acatasse n'aquella occasião o principio da solidariedade ministerial, mas penitenciei-me d'essa culpa no acto eleitoral, porque, apesar de saber quanto o sr. Barjona é latitudinario nas concessões de favores eleitoraes, de que não exclue ás vezes nem mesmo os seus adversarios, o que muito honra a generosidade do seu animo, nunca o procurei, nem a nenhum dos seus collegas, para solicitações d'essa natureza.

Apenas uma vez perguntei ao sr. ministro do reino se era verdade o que dizia um jornal sobre haverem no meu circulo dois candidatos ministeriaes.

Mas, sr. presidente, não foi só na questão das comarcas que eu me afastei do governo. Na questão do codigo penal militar, fallei e votei contra a pena de morte, que eu reputo um grande attentado social. Lembro-me ainda, com pezar, de não ver n'este momento a opposição a meu lado.

Abandonou á sua revelia uma questão tão grave! Apenas o illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, com o desassombro que caracterisa os seus actos, me deu a honra da sua camaradagem, fallando e votando contra.

Na questão da reforma da carta votei com a opposição quando vi que ía tambem desapparecer do seio do parlamento o projecto que o governo apresentára ha tempo, e que então engeitou pelo facto do sr. Pinheiro Chagas o haver perfilhado. Eu, que tinha feito a minha iniciação em politica na escola dos irmãos Passos, de Leonel Tavares, de Santos e Silva e de Manuel de Jesus Coelho, declaro que teria pejo de não aproveitar o ensejo que se me deparava para manifestar o meu voto de um modo bem solemne em assumpto tão importante e momentoso.

Quando o meu illustre amigo, o sr. Mariano de Carvalho, propoz aqui que fosse nomeada uma commissão para apreciar as representações dos povos contra a nova divisão comarca, fallei e votei a favor d'essa proposta. Assim é que eu sei ser maioria, devendo declarar que, no que levo dito, não tenho o intento de irregar a menor censura aos meus collegas que, seguramente por motivos muito nobres, tem procedido por fórma differente. Cada um responde por si: eu estou satisfeito com os meus actos, e em paz com a minha consciencia.

Mas, sr. presidente, ha ainda uma certa opposição amigavel, que é a que a maioria costuma fazer aos ministros quando não concorda com as medidas que elles apresentam; é a resistencia que essas medidas encontram nas commissões do parlamento. O sr. Pinheiro Chagas já o reconheceu quando disse que fôra principalmente á maioria de 1873 que se devera o mallogro do contrato com a companhia dos caminhos de ferro, relativo á isenção do imposto de transito por oitenta e seis annos. Ainda recentemente uma d'essas commissões recusou approvar uma proposta de um ministro, comquanto ella fosse de importancia secundaria. Mas ha um facto importantissimo, que eu vou expor á camara como prova do que tenho asseverado. Não me parece indiscrição revela-lo aqui, visto que tarde ou cedo elle ha de ser conhecido.

Quando o governo apresentou, ha annos, o projecto de reforma administrativa fui eleito membro da commissão de administração publica, a quem incumbe discutir e avaliar essa medida, na qual se estatuía que os concelhos seriam iguaes ás comarcas. Na primeira reunião da commissão propuz eu uma alteração profunda aquella disposição, propuz que ficassem subsistindo todos os concelhos existentes, e que só viessem a ser supprimidos aquelles que, no praso de dois annos, se não habilitassem a satisfazer os encargos a que os obriga aquella reforma. Este principio encontrou apoio no seio da commissão, e o sr. ministro do reino julgou conveniente concordar com elle. Não foi isto um beneficio feito ao paiz? Pois, mais tarde, ainda a commissão actual foi mais longe, pois decidiu que, mesmo no caso de um dado concelho não se habilitar para corresponder aos encargos da descentralisação, elle não poderia ser supprimido sem a intervenção do poder legislativo. Esta idéa não foi minha, mas abracei-a immediatamente por me parecer mais 1 uma garantia que se dava aos povos contra o arbitrio do poder e as intrigas locaes. Creio que não podiamos ir mais longe no caso de que se trata.

E, a proposito, cabe aqui dizer que, comquanto tenhamos muito a aprender do conselho e das luzes da opposição, não foi preciso que ella estivesse representada na commissão para esta votar aquella disposição, e ainda muitas outras em harmonia com os verdadeiros principios liberaes. '

(Apartes.)

Eu pedia, por especial favor, que se precisassem os ápartes, para lhes poder responder.

O sr. Pinheiro Chagas (interrompendo): — Estava eu dizendo que o illustre deputado é que devia ser o ministro do reino, visto que as suas idéas é que foram acceitas, e não as do sr. Sampaio.

O Orador (continuando): — Direi ao illustre deputado que eu respondo por mim, e o sr. ministro por si, quando

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o interpellarem a tal respeito; não hesito, porém, em declarar aqui que, segundo o meu modo de comprehender a missão do governo, não tenho senão a louvar o sr. ministro do reino por haver concordado n'um ponto tão importante (apoiados). Governar, na minha opinião, não é resistir ao justo e ao rasoavel.

Uma voz: — Por esse modo não caem os ministros, assim como se não comprehende como se póde votar contra o governo nas questões radicaes, e apoia-lo nas outras.

O Orador: — Eu bem sei que o meu procedimento não seria regular se eu fosse um deputado de um partido, mas eu considero-me simplesmente deputado da nação.

Já uma vez disse aqui, o agora repito-o sob a minha responsabilidade pessoal, para mim os partidos, em que se divide a familia liberal, dão-me todos as mesmas garantias, porque, no fundo, reputo-os a todos com os mesmos principios politicos pouco mais ou menos. Para mim esses partidos são apenas associações convencionaes, com o fim quasi exclusivo de elevar certos homens.

Não os auxilio, pois, nos expedientes de que se servem para alcançar o poder, mas quando são governo, voto as suas medidas que me parecem boas, e rejeito as que me parecem más.

Eu perguntaria aqui á boa paz em que se differença o partido historico do partido reformista?

Sr. presidente, creio que, no que tenho dito, não offendi nenhum dos mes illustres collegas, porém se algum se julgar aggravado com alguma palavra minha, retiro-a immediatamente sem o menor constrangimento. '

Ainda uma consideração sobre o thema principal d'este mal alinhavado discurso.

Será ignobil a missão das maiorias? Afigura-se-me que não.

Eu já tive a honra de ter por collegas, na maioria que apoiava o ministerio presidido pelo meu nobre amigo, o sr. Marquez d'Avila e de Bolama, quasi todos os actuaes deputados da opposição d'esta casa.

Mais tarde afastaram-se, principalmente por causa da nomeação do patriarcha de Lisboa, quando os srs. bispo de Vizeu e Saraiva de Carvalho deixaram o ministerio; mas, emquanto apoiaram aquella situação, deram-nos as provas mais exuberantes de cordura e de independencia, sem embargo do illustre estadista que presidia áquelle ministerio não ser o seu chefe politico.

Agora algumas palavras sobre a questão que ha dias se debate n'esta casa do parlamento, discussão a que nada posso acrescentar, visto ter-se já dito, segundo creio, quanto sobre o assumpto se podia discretear.

Têem os illustres deputados da opposição encarado a questão sob tres pontos distinctos: a legalidade, a conveniencia e a moralidade.

Com relação á legalidade, declaro que estou d'ella convencidissimo, porque, sendo verdade que o governo estava auctorisado a revêr as tarifas da grande velocidade, creio que não procedeu illegalmente augmentando-as por a fórma por que o fez, nem podia ser compellido a dar parte d'esse acto ao parlamento senão quando elle quizesse tomar conhecimento d'elle. Não vejo, pois, por este lado rasão para accusar o sr. ministro.

Tambem sou pela conveniencia do acto, não só porque esse pequeno augmento das tarifas obstou a que a companhia estabelecesse o maximo das tarifas francezas, o que ora mais despendioso para os que utilisam do caminho de ferro, ruas tambem porque é de conveniencia habilitar a companhia a melhorar o seu material de exploração, a satisfazer regularmente os seus encargos, a concluir as suas obras, a collocar-se, finalmente, nas condições de bem servir o publico.

Os illustres deputados da opposição sabem muito melhor do que eu que, em (todos os paizes aonde ha caminhos de

ferro, os governos têem de tutela-los, porque elles representam um grande interesse publico. Ha necessidade de lhes fazer certas concessões, porque os capitães empregados em taes emprezas apenas proporcionam um interesse limitadíssimo.

Na Inglaterra, por exemplo, o governo teve de fazer acquisição de uma grande parte das vias ferreas, para ellas não suspenderem a sua exploração. Todos os governos têem de ser e têem sido benevolos para com ellas. Na sua sinthese para mim a questão reduz-se ao seguinte. A companhia real dos caminhos de ferro portuguezes de norte e leste precisava de um auxilio; o governo estava auctorisado a concederlh'o, para que a via ferrea fosse definitivamente collocada em situação de bem servir o publico; concedeu-lh'o.

A questão principal é se o podia legalmente fazer; podia: logo ninguem dirá que o seu acto não foi de conveniencia publica, visto que habilitou a empreza a corresponder devidamente ao fim que lhe cumpre satisfazer. Seria a concessão um sacrificio para o estado? Poder-se-ía fazer por melhor fórma? Talvez: mas tem compensações valiosas esse sacrificio? Tem. Eis a questão em toda a sua singeleza, como eu a encaro e como a comprehendo.

Sr. presidente, quero o progresso, mas desejo-o para todos e em todas as suas manifestações. É por isso que pugno muitas vezes pelas classes mais humildes de funccionarios, que estão pessimamente remunerados. Voto esta concessão á companhia dos caminhos de ferro, mas votaria com igual coragem que se desse aquelles infelizes os meios que os habilitassem a gosar tambem um pouco os melhoramentos que pagam, ainda que não seja senão com os enormes impostos de consumo, mas que não podem gosar. Se se disser a um guarda da alfandega, ou a um carteiro, ou a um amanuense tendes caminhos de ferro, bellas estradas, telegraphos electricos, americanos, que mais quereis? Elle responderá: para mim, que ganho apenas 400 ou 500 réis, o progresso é o supplicio de Tântalo. Vejo perto de mim a agua límpida, mas não me é dado bebê-la. (Vozes: — Muito bem.)

Fallemos agora da questão de moralidade.

Começo por declarar que não comprehendo, seguramente por effeito da minha intelligencia, como é que depois de se ter asseverado que um ministro é muito honrado, se póde asseverar tambem que elle é capaz de dar presentes dos dinheiros dos contribuintes a companhias poderosas! (Apoiados.) Fazer presentes com os dinheiros publicos é um crime, que tem a sua classificação no codigo penal: se fosse verdade o que a opposição affirma, poderia acaso dizer-se que a honestidade do sr. ministro era superior a toda a suspeita? (Apoiados.) E melhor ter a coragem de dizer francamente o que se pretende fazer acreditar, em vez de estar a encobrir com palavras calculadas as offensas com que visivelmente se pretende ferir um adversario. (Apoiados.)

Extraordinária contradicção! Os srs. deputados da opposição que entraram no debate, começavam por se declarar amigos do sr. ministro; depois affirmavam, com certo tom de apparente sinceridade, que s. ex.ª era honestíssimo; mas em seguida affirmavam que s. ex.ª era agente dos argentarios, a quem permittia que entrassem no seu gabinete de chapéu na cabeça a impor-lhe arrogantemente a sua vontade soberana! Protesto contra isto em nome da dignidade, do homem o do ministro. (Muitos apoiados.) Seria honrado o ministro que consentisse em tal?

Os nossos homens politicos são honestissimos. Se me fosse permittido n'este momento apontar ao acaso para uma prova d'esta verdade, fa-lo-ia sem hesitação appellando para uma das mais eloquentes que temos aos nossos olhos. Quero alludir ao meu illustre amigo, o sr. Mariano de Carvalho, cujos merecimentos e altos talentos não podem ser contestados. Desde 1868 que entrou aqui, tem estado constantemente na brecha em defeza do seu partido, que já por duas

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vezes foi governo; pois apesar dos seus talentos, dos seus merecimentos e da sua lealdade partidaria, ainda hoje occupa o mesmo modesto cargo que occupava quando entrou pela primeira vez a porta d'esta sala. (Apoiados.)

Para mim o sr. ministro das obras publicas merece me o melhor conceito. Não o julgo capaz de lezar o paiz com actos da natureza d'aquelle que lhe imputam. (Apoiados.) Tenho por inconcussa a sua probidade, e desde que tenho essa crença, nada seria cabaz de me convencer da justiça da accusação com que á opposição pretendeu affronta-lo.

A camara está já cansada de me ouvir.

Vozes: — Não, não.

O Orador: — Mas eu vou terminar. Sei que me podem dizer que, tendo tomado a palavra sobre a materia, pouco disse a respeito d'ella. O meu fim era principalmente protestar contra as asserções do sr. Osorio de Vasconcellos, que tendo começado por nos chamar subservientes, acabou por nos declarar reincidentes nas culpas e nos crimes! Faz-me isto lembrar o que se passa ás vezes nos bailes publicos do carnaval. Entra um individuo n'um d'esses bailes, e logo se ácerca d'elle uma mascara insulsa, que pretende intriga-lo com ditos semsabores. Como o não consegue pela indifferença do paciente, passa d'esses ditos pára as insinuações picantes. Como nem assim consegue o seu fim, propõe-se irrita-lo com alguns insultos. Então vem a indignação da victima, mas a mascara fica-se a rir porque, me fim de tudo, fez o seu gostinho.

Peço desculpa á V. ex.ª e acamara de ter portanto tempo abusado da sua paciencia, mas eu estava obrigado, visto que usava da palavra, a manifestar o meu voto na questão de que se trata; sem pretensões nem intuitos de o impor a ninguem. (Apoiados.) Vozes: — -Muito bem.

(O orador foi comprimentado pelo sr. ministro das obras publicas e por diversos srs. deputados.)

O ter. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Visconde da Arriaga (para um requerimento): — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se está ou não sufficientemente discutida a materia da interpellação do sr. José Luciano de Castro.

Consultada a camara, resolveu afirmativamente.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes (para um

requerimento): — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se quer votação nominal. (Apoiados.)

O sr. Presidente: — E melhor lerem-se primeiro as moções, pára se ver sobre qual deve recaír á votação nominal. (Apoiados.)

Ò sr. Pires de Lima (para um requerimento): — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se me permitte retirar a minha moção.

Consultada á camara resolveu afirmativamente.

O sr. Presidente:,— Segue-se a moção do sr. Julio de Vilhena. O sr. visconde de Sieuve de Menezes requereu que se consultasse á camara sobre se queria votação nominal; não sei se é sobre esta moção.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — É sobre esta moção.

O sr. Presidente: — Eu vou consultar a camara. A camara resolveu que houvesse votação nominal sobre a moção do sr. Julio de Vilhena, que é a seguinte:

Moção

À camara, satisfeita com as explicações do governo, passa á ordem do dia..

Feita a chamada disseram approvo os srs.: Alberto Garrido, Rocha Peixoto (Alfredo), Teixeira de Vasconcellos, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Carrilho, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues; Correia da Silva, Vieira da Mota, E. Tavares, Filippe de. Carvalho, Vieira das Neves, Fonseca Osorio, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, J. J. Alves, Matos Correia, Klerck, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Pereira da Costa, José Guilherme, Namorado, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Pinto Bastos, Julio de Vilhena, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Bivar, Freitas Branco, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Mello Simas, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Pedro Jacomo, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Thomás Ribeiro, Visconde da Arriaga, Visconde de Azarujinha, Visconde do Carregoso, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Sieuve de Menezes, Mamede, Barão de Santos, Moita e Vasconcellos.

Disseram rejeito os srs.: Agostinho de Rocha, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Antunes Guerreiro, Avila, A. J. Boavida, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Conde de Bretiandos, Conde de Graciosa; Francisco de Albuquerque, Lampreia, Pinto Bessa, Barros e Cunha, José Luciano, Mexia Salema, Luiz de Campos, Pires á e Lima, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Pedro Franco.

O sr. Cunha Belem (para um requerimento): — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha moção, visto já estar approvada uma moção identica a ella.

O sr. Presidente: — Parece-me que todas as outras moções que estão sobre a mesa se devem julgar prejudicadas. (Apoiados.)

O sr. Jeronymo Pimentel (por parte da commissão de administração publica): — Mando para a meta quatro pareceres da commissão de administração publica.

O sr. Luciano de Castro (para explicações): — Não pedi a V. ex.ª que me inscrevesse de novo sobre o importante debate que acaba de terminar, porque o não queria alongar demaziadamente. Pedi a palavra para explicações, porque desejo dizer á camara algumas palavras que reputo indispensaveis a respeito de algumas expressões proferidas pelo sr. ministro das obras publicas em relação a alguns cavalheiros membros do partido de que tenho a honra de fazer parte.

Toda a camara ha de estar certa de que nas observações que o sr. ministro das obras publicas fez em sua defeza, disse que era perigoso entrar no campo das recriminações pessoaes, porque se elle quizesse entrar n'esse campo poderia dizer, que o ministerio presidido pelo sr. duque de Loulé em 1864 fizera largos favores á companhia dos caminhos de ferro de norte e leste, quaes eram o adiantamento de 4.800:000$000 réis feito aquella empreza, adiantamento feito sem lei, e até contra lei, e alem d'isso a concessão relativa aos declives, que, segundo o contrato, deviam ser de 10 millimetros no maximo, e que o sr. duque de Loulé, ou a administração presidida por elle, permittiu que fossem de 15.

Começarei por esta ultima parte, para mostrar á camara que s. ex.ª se enganou.

O sr. ministro das obras publicas não tinha presente o contrato, porque se o tivesse presente não se arriscaria de certo a apresentar á camara uma proposição tão inexacta como esta. E verdade que o artigo 5.° do contrato diz que o maximo dos declives deverá ser em regra de 0m,007 por metro, e era alguns casos poderá subir até 0m,010 por metro; mas o § unico, que esqueceu a s. ex.ª auctorisava o sr. duque de Loulé a fazer o que fez. Vou ler o camara este §::

«Quando em casos excepcionaes a empreza propozer maiores declives, ficará esta proposta dependente da exclusiva approvação do governo, sem recurso, á arbitragem.» Já vê V. ex.ª que se o contrato falla em declives entre

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7 é 10 millimetros como regra, o sr. duque de Loulé, auctorisando maiores declives, não infringiu nenhuma lei, porque o contrato o auctorisava a fazer o que fez, e o sr. ministro das obras publicas enganou-se, portanto, na asserção a que alludo.

Agora, quanto aos adiantamentos que foram feitos á empreza dos caminhos de ferro do norte e leste, parece-me que s. ex.ª se illudiu igualmente, por não ter presente o contrato, arguindo-os de illegaes.

Ha no contrato de 1859 uma parte, que não dependia da approvação do parlamento; e isto é confirmado pela lei de 5 de maio de 1860, que no artigo 1.° diz que «é approvado o contrato de 14 de setembro, na parte que depende de confirmação legislativa».

Se havia, portanto, uma parte no contrato, que não dependia da approvação do parlamento, essa parte era, por assim o dizer, puramente regulamentar, o podia ser alterada pelo governo de accordo com a companhia.

Ora o modo, as epochas e as formalidades do pagamento, regulados no artigo 5.° do contrato, por não serem de natureza legislativa, podiam ser alterados por accordo entre o governo e a companhia. Portanto, sr. presidente, estes dois factos não foram favores illegaes. Não havia necessidade de intervenção legislativa para os confirmar. O governo de 1864 não violou nem offendeu nenhuma lei.

Como o sr ministro não contestou, antes claramente reconheceu, a utilidade e vantagem publica das alludidas concessões, não tenho mais que dizer.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Cardoso Avelino): — Cumpre-me declarar que quando respondi ao sr. Luciano de Castro a respeito da questão das tarifas, comecei por asseverar a s. ex.ª e á camara, que não tinha direito de fazer allusões nem recriminações a nenhum dos ministros das obras publicas que pertenciam ou pertencem ao partido historico; mas o que disse, e o que assevero ainda hoje, é que é um pouco perigoso este systema de querer sempre achar nos actos dos adversarios motivos deshonestos, porque muitas vezes se estabelece uma theoria que nos póde ferir a nós mesmos. (Apoiados.)

E depois referi-me tambem a dois factos praticados pelo sr. duque de Loulé: um relativo ao adiantamento das subvenções, e outro relativo ás inclinações.

Agora o sr. Luciano de Castro diz, que eu não tinha rasão para apontar estes dois factos, porque não eram favores. Isto quasi que é discutir; mas eu tambem, explicando, digo a s. ex.ª que não ha nenhuma disposição no contrato que provo que não tinha rasão no que affirmei...

(Interrupção do sr. Luciano de Castro.)

Aqui se disse que isso era uma illegalidade, mas não fui eu nem nenhum deputado da maioria que o affirmou. (Apoiados.)

Ora o artigo 5.° do contrato que foi approvado pela lei de 5 de maio, estabelece as regras que se devem seguir quanto ás inclinações; permitte, porém, que em casos excepcionaes essas inclinações se possam elevar até dez. E o § unico do artigo 5.º não prova de modo nenhum que as minhas asserções fossem inexactas.

Esse paragrapho auctorisa o governo, sem que isso seja um direito da companhia — aliás não podia excluir a intervenção e julgamento de arbitragem — a permittir maiores declives, mas note-se que o governo tem esse direito absoluto só quando se derem casos muito excepcionaes e particulares, isto é, quando se prove que as circumstancias do terreno são taes. que não permittem inclinações dentro do limite maximo.

O que disse, e repito ainda hoje, é que sou o primeiro a dar testemunho á memoria do sr. duque de Loulé, á do sr. Horta, e ao honrado caracter do sr. João Chrysostomo

do Abreu e Sousa, ministros com quem servi, porém todos esses cavalheiros não tiveram duvida nenhuma em dispensar á companhia dos caminhos de ferro portuguezes os maiores auxilios, porque entendiam que aquella companhia era merecedora d'elles:

Estes cavalheiros não precisam do meu testemunho; más, quando for preciso, direi, sem hesitação, que todos foram ministros muito intelligentes e muito zelosos, e que tudo quanto fizeram foi sempre determinado por motivos de interesse publico. (Apoiados.)

Vamos á subvenção. O artigo 29.° do contrato, que trata da subvenção, diz o que o illustres deputado acaba de ler á camara e que escuso de repetir. Mas ha aqui uma circumstancia que eu não disse da primeira vez em que fallei, porque me esqueceu, e vem a ser que as sommas entregues por adiantamento á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste não o foram em observancia rigorosa do artigo 29.º do contrato. N'esse tempo era fiscal do governo o sr. Joaquim Nunes de Aguiar, caracter de todos respeitado, e intelligencia por todos reconhecida. (Apoiados.) O sr. Aguiar era um fiscal extremamente rigoroso, e nos certificados que mandava para o governo só os mandava quando elle estava plenamente convencido de que a respeito de um certo troço do caminho de ferro as disposições do contrato e a execução do projecto das obras tinha sido inteira e pontual, e só quando não tinha motivo para nenhuma objecção ou observação, é que passava o certificado limpo á companhia, e o governo, pois, não podia pagar...

Uma voz: — Esse artigo é regulamentar.

O Orador: — Ou seja regulamentar ou não, o que é certo é que o governo não podia pagar as prestações senão em vista do certificado do seu fiscal (apoiados); e esse certificado devia ser passado em relação a cada troço em que a linha estava dividida, e cru que o fiscal do governo devia dizer ao mesmo governo que tinham sido completamente cumpridas as condições do contrato e executado o projecto que o governo tinha approvado. (Apoiados.)

Este é que era o processo a seguir para se poder effectuar o pagamento das prestações á companhia. (Apoiados.) Porém eram taes, tão rigorosas e tão repetidas as objecções e observações do fiscal do governo, que a companhia, ou antes, digamos as cousas pelo seu verdadeiro nome, ou antes a empreza constructora, que é hoje a companhia, representou ao governo, que assim não podia dar aos trabalhos o desenvolvimento que ella lhe queria dar, e que era preciso uma providencia extraordinaria. O governo, reconhecendo a justiça da companhia ou da empreza, que pedia aquella equidade, auctorisou que as subvenções se fossem pagando, não obstante a falta do certificado do fiscal.

Não tenho mais nada que dizer. (Apoiados.)

O sr. Luciano de Castro: — V. ex.ª sabe que eu tinha pelo regimento d'esta casa direito de fallar duas vezes sobre a materia; fallei a primeira vez, e não tinha até pedido a palavra para fallar segunda vez ao que tinha direito. Não quiz de maneira nenhuma discutir novamente a questão. O que quiz foi defender o sr. duque de Loulé da arguição feita pelo sr. ministro das obras publicas, ácerca das concessões á companhia do caminho de ferro do norte e leste. No discurso do sr. ministro da obras publicas, que já está publicado, declarou s. ex.ª, que tanto em relação aos adiantamentos das subvenções como á elevação dos declives, o sr. duque de Loulé violara a lei e o contrato. Ora, era exactamente este facto que eu queria demonstrar á camara, como demonstrei, não se ter dado, pois, que o sr. duque de Loulé podia, sem offensa da lei ou do contrato, fazer a antecipação das subvenções, e permittir, porque para isto estava auctorisado pelo § unico do artigo 5.° do contrato, a elevação dos declives. Um e outro acto foi alem d'isso praticado por motivos de interesse publico. E eu desejaria até que o sr. ministro mandasse a esta camara todos os documentos que d'aquelle

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tempo e em relação a estas duas concessões existem no ministerio das obras publicas, pois só assim nós podiamos averiguar bem os motivos e fundamentos que houve para se fazerem essas concessões á companhia.

Portanto, quer quanto aos declives, quer quanto aos adiantamentos, fica de pé a minha asserção de que o sr. duque de Loulé nem violou a lei ou o contrato, nem preteriu os interesses publicos. (Apoiados.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

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