636 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
paiz, graças ao ultimo acto addicional, que é um titulo de honra para o partido regenerador e especialmente para o sr. Fontes; (Apoiados.) e de que a lei eleitoral recente, em que collaboraram todos os partidos monarchicos, é, ainda que empirica, uma das melhores que se praticam. Portanto o que nos póde faltar politicamente respeitará á administração juridica.
Olhemos para as nossas obrigações administrativas.
Que serviços materiaes tem administrado o governo do paiz? Por outra: que tem feito para proteger o trabalho util, para fomentar a riqueza? Ao impulso do sr. Fontes, o partido regenerador, e seguidamente todos os outros partidos que tiveram nas suas mãos o poder, revolucionaram as condições económicas do paiz, quebrando os obstáculos naturaes que vedavam a circulação da sua riqueza, e assim forçosamente atrophiavam as suas faculdades productivas. Foi uma revolução formidavel, que tem custado aos contribuintes muitos encargos, mas necessaria e tão proveitosa que a ella sobretudo deve justamente o sr. Fontes o alto conceito publico de que gosa. É urgente porém não multiplicar desmesuradamente as vias de communicação, correr-se-ia o perigo de servir mais o estrangeiro do que o nacional, de comprometter mesmo o nosso trabalhador numa lucta desigual para as suas forças. Neste campo o novo gabinete terá antes que moderar do que accelerar a accção governativa. Cumpre-nos hoje animar directamente a producção. Possuimos já uma caixa economica, creada pelo sr. Barros Gomes e ha pouco ramificada por todo o paiz pelo sr. Hintze Ribeiro; mas escasseiam-nos as instituições de credito, apenas se acha expresso em propostas de lei o pensamento do credito agrícola e industrial e numa proposta da junta do credito publico a idéa dum monte pio popular, e falta-nos um grande banco nacional com todas as vantagens que lhe são inherentes, para os particulares pela influencia que tem o augmento de numerario, reduzindo o juro, para o estado a quem libertava de grandes despezas nos serviços de thesouraria. E, se de tudo isto carecemos para favorecer a producção, proporcionando-lhe capital, quem não vê que mal ainda a dotamos com o factor principal, que é a instrucção technica? (Apoiados.) Esta é mesmo a necessidade vital do nosso trabalho: reconheceu-se no inquerito de 1881, têem-na representado as corporações locaes e as associações agricolas, industriaes e commerciaes. O que para a satisfazer fizeram Passos Manuel, o sr. Fontes, o sr. João Chrysostomo, o sr. Aguiar, desperta em todos gratidão a estes estadistas, mas é insuficiente. A preparação do jornaleiro, a do feitor, mestre ou administrador, e a do grande proprietário, engenheiro ou capitalista, tal deve ser o supremo cuidado do governo para fomentar a riqueza nacional. Não sei se o novo gabinete pensa exactamente assim, mas louvo as disposições em que a este respeito, se mostra. E applaudo antecipadamente a campanha governativa que um distincto homem do letras do partido progressista pretende emprchender em prol da producção da riqueza, como admiro a que em prol da circulação da riqueza emprehendeu e conduziu tão gloriosamente o sr. Fontes.
Investiguemos por outra parte como o estado tem administrado os serviços moraes, o que tem feito para garantir o direito e promover a virtude. Aboliram-se quasi todos os privilegios, foi-se implantando successivamente o regimen liberal, e nesta obra de emancipação o partido progressista póde reclamar para si tradições honrosissimas, sem eu querer com isto approvar que elle pretendesse o exclusivismo das reformas políticas. E não se tem só destruido muita desigualdade odiosa, muito vinculo obnoxio, não se fundou sómente a liberdade; impozeram-se lhe leis, tratou-se tambem da organisação da nova sociedade. N'este empenho, comtudo, de associar todos os individuos e regular todas as classes pelos principios da justiça devemos dar mais alguns passos para diante. (Apoiados.) Já o ministerio passado promettêra reformar o codigo commercial e trouxe a esta camara propostas, uma que fôra da iniciativa do mallogrado estadista Saraiva de Carvalho, para proteger os direitos dos trabalhadores. Seria tempo de pensarmos em completar um código industrial e elaborar o nosso código rural. Mas toda esta disciplina, apesar da sua incontestavel efficacia, que é grande, não bastará para a moralisação dos costumes. Com esse fim empreguemos o meio mais enérgico, verdadeiramente peremptório, que é a instrucção moral, a educação cívica, baseada no estudo da historia! A verdade, a dolorosa verdade, é que nós mal. conhecemos a nossa historia, e por isso nos achamos divididos, sem laços patrioticos, desorientados por falta de um mesmo pensamento que nos guie a uma acção commum. A palavra pátria perdeu para nós o seu sentido puro, religioso. (Apoiados.) Eis porque eu, que julgo acertado não tocar por emquanto na constituição do estado, sentirei todavia que o gabinete progressista ligue menos importancia á nossa reformação politica em geral.
Estâmos chegados, sr. presidente, a esta dupla conclusão: que o que é essencial administrar para fazer a prosperidade publica é por um lado a instrucção technica, por outro a instrucção moral.
Mas o homem não tem só interesses e direitos, não é só o industrial e o político; é tambem o homem affectivo, o artista, a quem repugnam interesses grosseiros e a quem a paixão do bem exalta até á abnegação, ao sacrificio. O bello occupa um logar entre o util e o justo. Entre a satisfação dos nossos appetites materiaes e o cumprimento dos nossos deveres altruistas estão os delicados prazeres da sensibilidade, estão os saudaveis gosos que nos proporciona a arte, a qual não só tem valor por si como bellas artes, mas ainda pelas applicações em que se desdobra, já casando-se com a industria para se tornar em arte industrial, já communicando ás profissões moraes o segredo do agradar, o tacto, e o encanto, a força persuasiva da arte da palavra. Ora a vida da arte em qualquer povo depende fatalmente da sua instrucção artistica, e o estado d'esta instrucção entre nós é bem precario.
Essencial, é pois, para a nossa prosperidade administrar, com o ensino technico e o ensino politico, o ensino artistico.
E ainda não é tudo. As tres fórmas da instrucção profissional fundam-se sempre numa instrucção geral, especulativa, que se póde tambem chamar profissional, e de facto o é, pela rasão de que só ella faculta ao homem a posse, a direcção do seu entendimento. Desenvolver por completo a intelligencia, não lhe recusando nenhum dos seus meios, é o preparatorio indispensavel a qualquer educação, technica, artistica ou moral. Para o homem chegar a ser perfeitamente util, agradavel e bom, precisa de o saber ser, e só sabe deveras quem é consciente. Pois esta instrucção geral é talvez a que menos possuimos, apesar de todas as apparencias.
Enfeixando as minhas conclusões, resumil-as-hei nas seguintes palavras: a obrigação capital de qualquer estado, urgentissima entre nós, é a instrucção, este deve ser o nosso primeiro ministerio.
Nós nem sequer o temos. Estamos inferiores ao municipio de Lisboa, que tem o seu pelouro especial de instrucção. Os serviços de instrucção andam espalhados, dissociados, pelos diversos ministerios, aonde se fará muita cousa, mas onde mal se póde fazer instrucção. Á sua frente têem estado homens de notavel talento a até professores, desde Mousinho de Albuquerque até o sr. Barjona do Freitas, de cuja boa vontade, de cujo amor de classe ha palavras e actos que são documentos publicos, mas que não prestaram á instrucção todos os serviços que eram de esperar, porque outros negocios do seu ministerio lhes absorviam o tempo. E os ministros que poderam dedicar-se á causa da instrucção como um Rodrigo da Fonseca e um Passos Manuel, como o proprio sr. conde de Thomar, como em epochas mais recentes o sr. Fontes, o sr. João