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SESSÃO DE 15 DE MARÇO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Um officio do ministerio da justiça acompanhando um documento requerido pelo sr. M. José Vieira; outro do ministerio da marinha, devolvendo informados dois requerimentos; e outro do sr. Ferrão de Castello Branco, participando que não pode continuar a fazer parte da camara por ter sido nomeado cônsul em New-York, para onde parte. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Figueiredo Mascarenhas e Lopes Vieira. - Requerimento de interesse publico apresentado pelo sr. Fuschini. - Justificações de faltas dos srs. Baima de Bastos e Alfredo Barjona. - Commu-nicação do sr. presidente. - a sr. ministro das obras publicas apresenta uma proposta de lei. - O sr. Santos Viegas faz diversas considerações, em referencia ao incidente levantado pelo sr. Rocha Peixoto, ácerca do ensino nos seminarios. - O sr. Fuschini refere-se novamente á questão da cobrança dos addicionaes lançados pela junta geral de Lisboa. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda, que termina mandando para a mesa uma proposta de lei. - O sr. Azevedo Castello Branco dirige uma pergunta ao governo ácerca do pedido para a construcção do caminho de ferro do Corgo. - Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - Mandam para a mesa projectos de lei os srs. Figueiredo Mascarenhas e Lopes Vieira. - Faz largas considerações sobre o programma do governo o sr. Bernardino Machado, respondendo-lhe o sr. presidente do conselho, que termina mandando para a mesa uma proposta de lei e uma proposta para que o sr. Pinheiro Chagas possa accumular o logar de deputado com o de professor do curso superior de letras. - É approvada esta proposta. - Approva-se a ultima redacção do projecto de lei 11.° 18. - O sr. ministro da justiça apresenta uma proposta de lei. - O sr. Bernardino Machado agradece a resposta que lhe deu o sr. presidente do conselho em referencia á creação de um ministerio de instrucção publica.
Na ordem do dia continua o seu discurso ácerca do projecto de lei n.° 21 o sr. Rocha Peixoto, que fica ainda com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Abertura - Ás tres horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada - 57 srs. deputados.

São os. seguintes: - Lopes Vieira, Agostinho Lúcio, Moraes Carvalho, A. da Rocha Peixoto, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Garcia Lobo, Lopes Navarro, Moraes Sarmento, Carrilho, Santos Viegas, Augusto Poppe, Fuschini, Avelino Calixto, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Fernando Geraldes, Correia Barata, Francisco de Campos, Castro Matoso, Matos de Mendia, Franco Frazâo, J. A. Pinto, Searnichia, Souto Rodrigues, Sousa Machado, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz Dias, Luiz Jardim, Marcai Pacheco, Mariano de Carvalho, Pedro de Carvalho, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - A. J. da Fonseca, Pereira Borges, Cunha Bellem, Jalles, Sousa Pavão, Lobo d'Avila, Estevão de Oliveira, Fernando Caldeira, Francisco Beirão, Wanzeller, Frederico Arouca, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, Bairna de Bastos, José Luciano, Reis Torgal, M. P. Guedes, Santos Diniz e Vicente Pinheiro,

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel Adriano Cavalheiro, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Sousa e Silva, Antonio Candido, Pereira Corte Real, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Fontes Ganhado, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Pereira Leite, Neves Carneiro, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Mártens Ferrão, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, Franco Castello Branco, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, Borges do Faria, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, D. Luiz da Camara, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpto, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, Pinheiro Chagas, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Correia, Gonçalves de Freitas, Barbosa Centeno, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da justiça, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Manuel José Vieira, nota dos juizes de direito e delegados do procurador régio, nomeados para as comarcas de Ponta do Sol, Santa Cruz e S. Vicente.
Á secretaria.

2.° Do ministerio da marinha, devolvendo, informados, os requerimentos dos capellães navaes, João Albino do Aguilar e Antonio Xavier Esteves.
Á commissão de marinha.

3.° Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados. - Tenho a honra de participar a v. exa. que tenciono partir no dia 1 do proximo mez de março para New-York, para onde fui nomeado consul, e que não poderei portanto d'esse dia em diante tomar parte nos trabalhos d'essa camara.
Deus guarde a v. exa. 28 de fevereiro de 1886. = O deputado, João da Silva Ferrão de Castello Branco.
Enviado á commissão de verificação de poderes.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal da Lagoa, pedindo atictorisação para, contrahir com a companhia de credito predial um emprestimo, amortisavel com o prdducto do imposto de via cão municipal, para canalisação de aguas e construcção do mercado.
Apresentada pelo sr. Gregorio Mascarenhas, devendo ter destino igual ao que tiver o projecto de lei do mesmo sr. deputado, que ficou para segunda leitura.

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2.ª Da camara municipal da Batalha, pedindo para desviar do cofre de viação certa quantia para applicação a despezas obrigatórias do municipio.
Apresentada pelo sr. Lopes Vieira, devendo ter destino igual ao do projecto de lei do mesmo sr. deputado, que ficou para segunda leitura.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro, pelo ministerio do reino, os seguintes elementos:
1.° Copia do orçamento e respectivo desenvolvimento, da junta geral de Lisboa para o anno de 1886;
2.° Copia da parte da acta que se refere á votação dos addicionaes districtaes para 1886;
3.° Despeza realisada por lanços no quinquenio de 1881 a 1885 com as estradas districtaes, comparada com. os respectivos orçamentos;
Data da classificação de cada estrada e começo da construcção;
4.° Nota das serventias que se mandaram começar a construir em cada anno do quinquenio de 1881 a 1885;
Designação de quem approvou o projecto, sua extensão, orçamento e despeza correlativa, logares ou povoações que servem;
5.° Nota do estado das estradas districtaes que directamente communicam o districto de Lisboa com os limitrophes. Extensões terminadas, em construcção e por começar. = Fuschini.
Mandou-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que, por incommodo de saúde, tenho faltado às sessões desta casa do parlamento desde o dia 1 do mez corrente, e que pelo mesmo motivo terei de faltar a outras. = Baima de Bastos.

2.ª Participo a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, o sr. deputado pelo circulo n.° 43 tem faltado a algumas sessões e faltará ainda a outras. = Alfredo Barjona.
Para a acta.

O sr. Presidente: - Participo á camara que a deputação encarregada de felicitar Sua Magestade ElRei pela chegada de Sua Alteza o Principe Real D. Carlos desempenhou-se da sua missão, tendo sido hoje recebida por Suas Magestades e Altezas com a costumada affabilidade e benevolencia.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Mando para a mesa uma proposta de lei, limitando a três annos a concessão do sulfureto de carbono aos viticultores por preço inferior ao seu custo, como se acha determinado pela lei de 1 de junho de 1882.
Vae publicada no fim da sessão a pcig. 638.
O sr. Santos Viegas: - Sr. presidente, a camara sabe que pedi a palavra nas duas ultimas sessões, mas por circumstancias de serviço, v. exa. entendeu dever passar á ordem do dia, não podendo por isso conceder-ma antes da mesma ordem do dia.
O assumpto de que desejava occupar-me pertence em parte ao sr. ministro da justiça, que sinto não ver presente; mas como outra parte d'elle poderá ser tratada sem a sua presença, visto que tenho apenas de referir-me a algumas asserções feitas pelo meu particular amigo o sr. Rocha Peixoto em uma das sessões passadas, usarei da palavra, cuja concessão renovo, se antes de terminar não comparecer o nobre ministro.
Peço licença a v. exa. e á camara para fazer algumas considerações ácerca d'aquellas affirmativas esperando que venha o sr. ministro da justiça para lhe dirigir algumas perguntas sobre um negocio que diz respeito á sua administração, e que se refere ao estado pouco regular em que se encontra o serviço ecclesiastico na diocese de Portalegre.
O sr. Rocha Peixoto na ultima sessão, em que teve a palavra, levantou aqui uma questão ácerca do ensino ecclesiastico nos seminários, e ainda ácerca de um livro publicado pelo sr. bispo de Coimbra, a respeito do qual um digno par annunciou na outra casa do parlamento uma interpellação aos srs. ministros do reino e da justiça.
Na occasião em que o meu amigo o sr. Rocha Peixoto fallava, por modo que me pareceu menos respeitoso para os professores, que actualmente ensinam nos seminarios, e ainda analysando alguns períodos da carta do sr. bispo de Coimbra, s. exa. mostrou-se por um lado respeitoso pela auctoridade d'aquelle prelado, mas por outro fez considerações que eu reputo, menos conformes com os bons principios, e com a harmonia que deve existir entre os differentes poderes do estado.
Espero fazer rapidas considerações ácerca dos pontos em que s. exa. tocou, e em primeiro logar direi o que julgar conveniente sobre o ensino nos seminários do paiz.
Uma das cousas, a que mais me feriu, foi, confesso-o, s. exa. dizer que não havia cuidado algum na escolha dos professores para o ensino dos seminarios, e que mais cuidado havia com os professores de instrucção primaria do que com os professores do ensino ecclesiastico dos respectivos seminários; que julgava uma necessidade a suppressão dos mesmos seminarios, e expoz outras muitas considerações de que me não farei cargo da resposta na presente conjunctura.
(Interrupção do sr. Rocha Peixoto, que não se ouviu.)
Perfeitamente; apresente o illustre deputado quantos projectos quizer, e eu farei as considerações que entender convenientes, mas julgo que foi injusto no ataque que fez ao ensino nos seminários das dioceses. (Apoiados.)
A lei de 28 de abril de 1845, no artigo 3.°, declara terminantemente «que aos prelados da diocese pertence apresentarem os professores nos seminarios, dando conta ao governo dessas nomeações, para serem por elles confirmadas», e diz mais, e n'esta parte não quiz s. exa. ser injusto, «que os professores dos seminários receberão os maiores ordenados dos professores dos lyceuss, cousa que até hoje se não fez. (Vozes: - É verdade, é verdade.)
(Interrupção do sr. Rocha Peixoto.)
Isso é exacto, mas pagam direitos de mercê, o que não posso provar já, mas opportunamente prometto apresentar documentos comprovativos. O que comtudo posso asseverar é que eu paguei direitos de mercê, quando tive a honra de ser professor do seminario de Portalegre.
Nem o governo, nem os prelados deixaram de preencher até hoje todos os preceitos que a lei exigia, e a conveniencia do ensino determina que haja tanto cuidado para o ensino do seminario, como para o ensino de todas as outras materias que formam a educação social nos seus diversos aspectos e ramificações.
Os prelados conhecem que a instrucção ecclesiastica é uma das precisões mais instantes da igreja e do estado, porque sem ella não haveria firmeza nos sentimentos de piedade e religião que deve caracterisar os ministros da igreja. Sabem que seria trabalhar sem zelo para brilhar no clero a gravidade dos costumes, a santidade e a sciencia, se lhe não dessem bons professores que, instruindo-o, como é de justiça, concorram para a edificação do corpo de Christo, que é a igreja, na phrase de Beato XIV. E os prelados não esquecem os seus deveres, e têem por seu principal cuidado lançar boa semente no campo que cultivam, e por mão digna, que garanta fructos opimos.
Declaro, portanto, em nome da dignidade do corpo docente dos seminarios, a que eu tive a honra de pertencer, que não posso acceitar de boamente a asserção do illustre deputado, por julgal-a indigna dos professores e tambem

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da pessoa que os apresentou a reger as respectivas cadeiras das disciplinas ecclesiasticas.
Os seminarios, na opinião do illustrado professor da universidade de Coimbra, poderão ser supprimidos; mas eu sempre desejava que s. exa. me expozesse qual era a maneira por que desejava substituil-os, de fórma que preenchessem o altissimo fim da educação do clero.
Estas, pouco mais ou menos, eram as rapidas considerações que eu desejava fazer ácerca dos seminarios, reservando me o direito de discutir o seu projecto ácerca d'elles, quando estiver na tela do debate.
Mas, como s. exa. levantou igualmente a questão que se refere ao conflicto suscitado entre a faculdade de theologia da universidade de Coimbra e o sr. bispo-conde, eu farei mais algumas considerações.
Na occasião em que s. exa. levantou esta questão, eu não pude dizer d'ella cousa alguma, mas tive quem o fizesse melhor do que eu, por uma forma distincta, como sabe fazel-o em todos os actos da sua vida o illustre ministro das obras publicas, que respondeu por maneira que, honrando as cadeiras do governo, soube igualmente fazer justiça a um dos prelados mais dignos do episcopado portuguez e de certo do episcopado catholico.
Eu louvo e applaudo as palavras do illustre ministro das obras publicas.
S. exa. disse, e disse com justiça, que o illustre bispo de Coimbra era um dos prelados que soube sempre alliar os interesses da igreja com os interesses do estado; que nunca levantara questões que podessem melindrar a boa administração da justiça, quer na parte civil, quer na parte ecclesiastica.
Este modo de proceder do insigne bispo-conde é correcto e é o mais conforme com o espirito de conciliação que avulta n'este prelado.
As suas virtudes civicas e moraes tornam-o notavel diante de todos, amigos e inimigos, e, por isso, eu julgo que devia ser maduramente estudada a questão que se suscitar, antes de trazer-se ao seio do parlamento, fazendo-se accusações a um prelado que não merece senão respeito e consideração pelos seus actos, e oxalá que todos, como elle, aluassem os principios liberaes do estado com a igreja, as conveniencias desta com as vantagens d'aquelle, que servissem o seu paiz e a igreja, não se mostrando partidarios deste ou d'aquelle systema governativo, mas amigos sinceros e devotados da justiça.
Visto que a interpellação a este respeito foi annunciada, na occasião em que ella se verificar farei largas considerações para demonstrar que o procedimento do prelado foi digno da sua alta missão, conforme com ella e com os principios expressos em direito.
O insigne e reverendissimo bispo não foi inspeccionar cousa alguma na universidade, examinou e criticou um livro que estava no publico para poder ser avaliado e criticado por quem se julgasse mais competente e com direito de fazel-o.
Quem duvida de que o juiz em materia de fé e de costumes, e nas relações de igreja e do estado é o Papa e são os bispos?
Seria isto critica justa? Hei de demonstral-o á camara com os bons principios; hei de demonstrar, que não póde fazer-se injustiça tão grave a um prelado em questões como as derivadas de uma obra saída de um corpo docente que se chama faculdade de theologia, por quem tenho todo o respeito e consideração, mas que em todo o caso me não inhibem de igualmente respeitar o illustrado prelado, o chefe da igreja conimbricense, e ainda o sacerdote que pela sua vida, pelos seus costumes e pelo seu saber não póde deixar de merecer, tanto ao illustre deputado como a todo o paiz, justiça pelos seus actos, e ainda obediencia da parte d'aquelles que tanto o censuram, obediencia aos seus mandatos, porque a faculdade de theologia é composta de eclesiasticos.
Concluo por hoje, e quando a questão se levantar, voltarei de novo ao assumpto, como já tive a honra de dizer á camara.
Peco a v. exa. que me inscreva para quando estiver presente o sr. ministro da justiça.
O sr. Fuscchini: - Serei muito breve. Na sessão passada o sr. ministro da fazenda, respondendo a uma pergunta que lhe fiz ácerca de qual das corporações, a junta geral ou a camara municipal, devia receber este anno o producto dos addicionaes ás contribuições directas de Lisboa, disse as seguintes phraaes, que eu quero deixar bem consignadas nas actas d'esta camara: «Que em relação aos addicionaes lançados sobre a cidade de Lisboa pela junta geral, que a mim me parece que devem ser cobrados pela actual camara municipal, lhe parecia a elle ministro, e accentuou bem que lhe parecia excluindo intencionalmente a certeza, que legalmente deviam ser cobrados pela junta geral, mas que não achava nem justo nem equitativo que o fossem».
(Interrupção do sr. Carrilho.)
Se v. exa. quer, trate essa questão, que hade tratal-a muito bem.
(Interrupção do sr. Carrilho.)
V. exa. faz favor de não me acompanhar em dueto, o que aliás não me incommoda nada... mas peço então orchestra. (Riso.)
Ora, sr. presidente, eu parte do principio, e imagino poder demonstrar a minha asserção salvo melhor opinião contraria de algum dos meus collegas, que da lei se deprehende claramente que o producto dos addicionaes deve ser cobrado actualmente pela camara municipal.
Em todo o caso, o que quero deixar bem claramente expresso, é que o sr. ministro da fazenda declarou que, se da lei se deprehendesse o contrario o que apenas lhe parecia) mas não affirmava, não achava que a lei fosse justa, nem equitativa.
Ora, quem fez aquella lei, faz outra...
O sr. Carrilho: - Se quizer.
O Orador: - Se quizer, está claro, e póde querer. Se estivesse dependente só de v. exa., já eu sei que o não fazia, mas felizmente v. exa., comquanto seja uma funcção importantissima no machinismo social portuguez, não é a unica felizmente...
Quem fez a outra lei? Foram a camara dos deputados e a camara dos pares com a sancção do Rei. Como a camara dos deputados está reunida, a dos pares tambem, e existe um governo que diz que a lei, nem é justa, nem equitativa, parece-me que não haverá inconveniente algum em se fazer uma nova lei. E opinião do sr. ministro da fazenda que a lei não é justa nem equitativa; devemos, portanto, interpretal-a ou modifical-a n'um sentindo conveniente por meio de um projecto de lei.
Eu estou respondendo litteralmente ás palavras do sr. ministro da fazenda, de quem sou particularissimo amigo, e ha muito tempo, comquanto estejamos em campos oppostos...
O sr. Marçal Pacheco: - Essa declaração vale muito.
O Orador: - Sou amigo de s. exa. ha alguns annos. Esta declaração é que vale muito, pelo menos no momento actual.
Tornando a reatar o fio das minhas idéas, interrompido pelos meus collegas e amigos, que me fazem a honra dos seus apartes, desejo pedir tambem ao sr. ministro da fazenda que, não havendo inconveniente, me queira proporcionar algumas informações que tenham sido prestadas pelas repartições competentes, a fim de ficar sabendo a opinião dessas repartições. Consta-me que alguma cousa existe já feita, e, quando não haja copias, peço os originaes, que eu os restituirei em breve.
Termino mandado o seguinte requerimento para a mesa.
(Leu.)

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Devo declarar que estes elementos, que parecem difficeis de alcançar, se obtêem com extrema facilidade. É extenso o requerimento, mas são elles faceis de obter.
E a v. exa. peco o favor de mandar expedir este requerimento com rapidez, desejando que nas repartições competentes não haja tambem demora na remessa, porque ainda n'esta sessão quero occupar-me deste assumpto, não só pelo que respeita aos addicionaes, das ainda a outras questões que porventura se possam levantar para esclarecer a questão.
O requerimento vae publicado a pag. 632.
O sr. Ministro da Fazenda (Mariano de Carvalho): - Em primeiro logar devo declarar, referindo me ás phrases amaveis do illustre deputado que me precedeu, que desde bastantes annos s. exa. me faz favor de me conceder a sua amisade e com ella muito me honro, porque respeito muito o seu caracter e o seu talento.
O illustre deputado deseja tomar conhecimento do processo relativo á contestação levantada entre a junta geral o a camara municipal de Lisboa, sobre os addicionaes a cobrar este anno. Vou mandar para a mesa o processo original, e peço apenas ao illustre deputado e á camara, porque é ella quem fica de posse dos documentos, o obsequio de o demorar o menos tempo que for possivel, porque desejo tomar resolução prompta sobre este negocio.
É certo que as leis se podem desfazer pelo mesmo modo como se fizeram; isto é, pela acção das usas casas do parlamento com a sancção real, mas é certo tambem que ha casos em que a constituição do estado põe limites á acção do parlamento.
Por exemplo, se o parlamento quizer fazer uma lei com effeito retroactivo não p póde fazer. (Apoiados.)
Não digo positivamente que um projecto de lei interpretando ou modificando a este respeito a actual legislação tenha effeito retroactivo, digo que póde ser que o tenha. Depois de examinar este negocio mais miudamente, verei se existe ou não este effeito, e conforme existir ou não, assim regularei o meu procedimento para com a camara, o que não impede que um deputado qualquer possa, sob sua responsabilidade, apresentar um projecto que resolva a questão. Eu e que não posso, pela minha posição, apresentar uma proposta de lei sem me convencer de que ella não tem effeito retroactivo.
Aproveito a occasião para mandar para mesa uma proposta de lei.
Vae publicada no fim da sessão a pag. 637.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Desejo tratar de dois pontos em brevissimas palavras.
Um d'elles diz respeito ao ministerio das obras publicas e outro ao ministerio dos estrangeiros.
Como, porém, não está presente o sr. ministro desta pasta, eu, para não cansar a camara novamente, direi o objecto de que se trata e solicito de algum dos srs. ministros presentes a fineza de communicar ao seu collega o assumpto de que vou tratar.
A minha pergunta ao sr. ministro das obras publicas é a seguinte:
S. exa. ha dias, respondendo ao illustre deputado e meu amigo, o sr. Lopes Navarro, sobre um assumpto que hoje interessa extraordinariamente o districto de Villa Real, disse que tinha tratado de entender se com os capitalistas do Porto que se diziam interessados em construir o caminho de ferro do valle do Corgo, sem subsidio nem garantia de juro.
Depois d'isto entendi, pela minha parto, que devia demorar por mais algum tempo as observações que tivesse a fazer a tal respeito, e esperar que s. exa. chegasse a uma entente com algum ou alguns dos membros que constituem esse syndicato.
Desejava saber de s. exa. se porventura poderam assentar em quaesquer bases, e se o districto de Villa Real poderá ter esperança de que ainda nesta sessão legislativa, ou o mais breve possivel, seja presente ás cortes uma proposta de lei para a construcção do caminho de ferro do valle do Corgo.
Escuso de encarecer o empenho que tenho n'esta questão, como oriando do districto de Villa Real. As condições deste districto são bastante melindrosas para se attender de vez á justíssima reclamação d'aquelles povos, tantas vezes reiteradas e outras tantas illudidos nas suas esperanças.
Confio muito na solicitude dos srs. ministros, mas confio ainda mais na imposição das circumstancias, em virtude das quaes o governo ha de ver-se forcado a attender a essa reclamação. (Apoiados.)
O outro ponto, como disse, refere-se ao ministerio dos negócios estrangeiros.
Por um tratado de delimitação de fronteiras que, se bem mo recordo, foi celebrado com a Hespanha em 18(34, os povos de S. Thiago e Rubiães, do concelho de Montalegre, optaram pela nacionalidade portuguesa, ficando porém pertencendo, para o effeito do pagamento das contribuições, ao municipio de Calvos de Rendim, em Hespanha.
Não sei por que circumstancias este serviço se não regularisou até agora, de modo que os povos d'aquellas duas freguezias são obrigados a ir pagar as contribuições ao outro município, que pertence administrativamente ao districto de Orense e que lhes fica a uma distancia muitissimo grande.
Em tempo fizeram-se reclamações n'esse sentido, junto da administração de Orense, reclamações que foram até secundadas em representações feitas pelo municipio de Calvos.
Chamo a attenção do governo para este ponto a fim d'elle interpor o seu valimento junto do governo hespanhol, especialmente junto da administração de Orense, para ver se se chega a uma solução definitiva ácerca da delimitação destas duas freguezias, que estão sendo altamente lesadas nos seus direitos, e d'este modo pagar-lhe-hemos praticamente a gratidão que devemos áquelles povos, e que sendo de lingua quasi hespanhoes optaram pela nossa nacionalidade.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - (O discurso será publicado quando, s. exa. o restituir.)
O sr. Figueiredo de Mascarenhas: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Lagoa, pedindo auctorisação para contrahir com a companhia de credito predial um empréstimo de 5:000$000 réis, amortisavel em dez annos por metade do imposto da viação municipal, para serem applicados á canalisação das aguas e á construcção de um mercado.
Com documentos que junta á sua representação, prova esta camara que tem concluida a sua rede de viação.
Alem d'isso prova tambem que, importando em 1885 a sua receita para a viação em 1:579$795 réis, e a sua despeza para a conservação de estradas em 332$760 réis, houve um saldo de 1:247$035 réis sem applicação.
Parece-me, pois, muito justo este pedido, e por isso mando tambem para a mesa um projecto de lei no mesmo sentido, para serem satisfeitos os desejos da camara municipal de Lagoa.
O sr. Lopes Vieira: - Mando para a mesa uma representação que a esta camara dirige a camara, municipal do concelho da Batalha, districto de Leiria, a fim de ser auctorisada a desviar do cofre da viação uma pequena quantia para applicar a outras despezas justificadas. No mesmo sentido mando juntamente um projecto de lei que entendi dever formular para poderem ser satisfeitos os desejos d'aquella corporação administrativa.
Rogo a v. exa., queira ter a bondade de mandar esta representação juntamente com o projecto de lei á commissão de administração, a fim de ella os poder tomar na consideração que merecem.
Ficaram para segunda leitura.

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O sr. Bernardino Machado: - Sr. presidente, eu tinha pedido a v. exa. a palavra para quando se achasse presente o sr. José Luciano de Castro, e estava ancioso por usar d'ella para, na mesma occasião em que me dirigisse a s. exa. como presidente do conselho, agradecer á camara a prova que da sua honrosa benevolencia para commigo entendeu dar-me, recusando-me a auctorisação que eu lhe requerêra para renunciar o meu mandato.
Agora, sr. presidente, as minhas primeiras palavras serão de justa consideração pelo novo gabinete, em cuja composição eu folgo de reconhecer algumas das figuras mais proeminentes da nossa scena politica.
E, prestada esta homenagem ás pessoas, exprimirei imparcialmente o meu juizo sobre as suas idéas, sobre os principios formulados no seu programma governativo.
Agradaram-me, apesar da tendencia exclusivista que já lhes notarei; agradaram-me, e só me penalisa não poder applaudil-os francamente, desannuviado de apprehensões.
É que no mesmo dia em que o ministerio expoz a esta camara o seu programma, logo no seu primeiro acto se contradisse. Mal acabara de affiançar tolerancia, quando, convidado a pronunciar-se sobre o conflicto entre Braga e Guimarães, não duvidou terçar por uma destas cidades. Eu comprehendo que o governo tivesse uma opinião a este respeito, mas acho que foi imprudente, expondo-a prematuramente, e condemno que a pretendesse impor, vindo aqui affirmar de um modo categórico, com demasiada franqueza, para me servir das próprias palavras do sr. presidente do conselho, que era pela integridade do districto de Braga, e neste sentido havia de exercer toda a sua influencia. A isto não se chama tolerância! Exactamente opposto devia ser o seu procedimento. Tratava-se de uma questão de administração, que era ao mesmo tempo quês tão de paixões, e que por isso não podia ser resolvida sem se darem aos interessados de um e de outro lado todas as seguranças de imparcialidade. Ora a posição que em prol de Braga haviam tomado os deputados progressistas, representantes dos circulos hostis á desannexação de Guimarães, lançara de antemão sobre um ministerio progressista a suspeita de parcial: maiores portanto eram os melindres do novo gabinete, e maiores deviam ser os seus escrupulos, ao intervir na questão. No meu entender a este como ao ministerio transacto cumpria promover a eleição de uma commissão parlamentar especial, composta de elementos de todos os partidos, a qual, depois de ouvir todas as representações dos povos interessados e de as ponderar maduramente, dictasse o seu parecer sobre o litigio, considerando sobretudo as rasões de interesse geral. Este veredictum, sanccionado que fosse pelo poder legislativo, revestiria uma tal auctoridade moral que daria ao governo a força bastante para o executar. Mas o actual gabinete preferiu impôr a sua opinião. Lamento-o.
Lamento o até, porque me forçou a pôr esta nota discordante entre os louvores que o seu programma me inspira, com quanto o repute incompleto, insufficiente para as exigencias da occasião.
Concordo que urge sair dos embaraços financeiros em que nos encontramos, mas afigura-se me que o partido progressista inclina agora extremamente para as reformas fazendarias, como em tempo propendeu demasiadamente para as reformas políticas. Depois de quasi exclusivamente jurista, transformou-se em quasi exclusivamente economista. Eu desejava chamal-o ao verdadeiro equilibrio governativo. Uma nação não vive só de satisfações materiaes, mas sobretudo do seu amor por quanto é nobre e generoso. Não lhe basta riqueza, necessita principalmente de moralidade. (Muitos apoiados.)
Perante estas diversas necessidades tracemos o quadro das obrigações do estado.
Para assegurar os interesses dos contribuintes e fomentar a sua riqueza ha que resolver o problema tributário, cumprir os preceitos de contabilidade publica, e administrar, administrar com parcimonia; assim como para guardar os direitos dos cidadãos e promover a sua moralidade ha que consultar a vontade dos eleitores, obedecer ás prescripcões do direito publico, e administrar, administrar com rectidão. A lei de contabilidade publica tem na governação um logar parallelo á lei constitucional, é o codigo fazendario como esta é o codigo politico, e ambas têem uma importancia summa; mas são machinismos de governo, e carecem para funcionar que lhes imprima movimento, á lei politica fundamental a legislação eleitoral, á lei fazendaria fundamental a legislação tributaria. E nenhuma tem valor real senão pelos serviços que preste ao desenvolvimento do paiz, de harmonia com os seus votos e na medida dos seus recursos. Valem os serviços que administrarem.
Indaguemos até que ponto estão satisfeitas estas obrigações pelo estado portuguez. Será o meio de concluirmos o que immediatamente lhe cabe fazer.
Temos uma boa lei de contabilidade, da iniciativa do sr. Barros Gomes, já completada pelo regulamento que lhe fez a situação regeneradora. Nesta matéria basta-nos pois simplesmente executar a lei, e ella executa-se.
Em materia de contribuições é que nos não sentimos bem, nem os contribuintes, nem os poderes públicos. (Apoiados) Temos, sim, aperfeiçoado os serviços do lançamento e da cobrança dos impostos, e para estes melhoramentos não pouco concorreu ultimamente o trabalho infatigavel do sr. Hintze Ribeiro, auxiliado pelo pessoal superior do ministerio da fazenda; (Apoiados.} precisâmos, porém, de nos approximar, quanto possivel, da perequação do imposto (O sr. Consiglieri Pedroso: - Apoiado), negocio grave que se complica com as difficuldades do elaborar uma pauta alfandegaria por maneira que nem o productor nem o consumidor estrangeiro deixe de contribuir para a amortisação dos encargos resultantes de obras publicas de que elles vêem a aproveitar se comnosco, ou vendendo nos os generos que lhes sobram, ou comprando nos os que lhes faltam; e precisâmos ainda de ter bem presentes as palavras do nosso Ferreira Borges, quando accentuou que o imposto se destina a operar a prosperidade nacional que está fóra do alcance das forcas particulares, o que significa que é contraproducente todo o imposto, sempre que paralyse ou entorpeça as mesmas forças. (O sr. Consiglieri Pedroso: - Apoiado.) Esta é uma questão de vida ou de morte. A nossa obrigação mais instante é não sobrecarregar a capitação tributaria. (O sr. Consiglieri Pedroso: - Apoiado.) O paiz não póde pagar mais, nem tanto. E para isso não é só indispensavel que o estado a não aggrave; como elle não é a unica corporação que tributa, faz-se mister tambem limitar as faculdades financeiras das corporações locaes. (Apoiados.} Por esta delimitação tem pugnado incessantemente o sr. conde de Valbom. O gabinete, vi com prazer, entende como eu o problema financeiro, e bastará para apressar a sua solução que especialmente o sr. Mariano de Carvalho, ministro da fazenda, corresponda á merecida espectativa publica que o saudou no seu advento ao poder.
Seguia-se agora ver ao que nos convem applicar as contribuições. Mas, como na realidade o bom emprego dos dinheiros publicos para satisfação dos interesses dos contribuintes, o que é questão de administração económica, envolve sempre uma questão accessoria, da equitativa organisação desses serviços materiaes, e reciprocamente o bom uso da confiança do paiz para salvaguarda dos direitos dos cidadãos, o que é questão de administração juridica, envolve tambem uma questão accessoria, da parcimoniosa organisação desses serviços moraes, deixarei as minhas considerações sobre a nossa administração economica para as fazer daqui a pouco a par com as que visam á nossa administração juridica.
Quem ponderar as nossas obrigações politicas, convencer-se-ha de que o codigo politico que possuimos satisfaz approximadamente ás aspirações liberaes da maioria do

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paiz, graças ao ultimo acto addicional, que é um titulo de honra para o partido regenerador e especialmente para o sr. Fontes; (Apoiados.) e de que a lei eleitoral recente, em que collaboraram todos os partidos monarchicos, é, ainda que empirica, uma das melhores que se praticam. Portanto o que nos póde faltar politicamente respeitará á administração juridica.
Olhemos para as nossas obrigações administrativas.
Que serviços materiaes tem administrado o governo do paiz? Por outra: que tem feito para proteger o trabalho util, para fomentar a riqueza? Ao impulso do sr. Fontes, o partido regenerador, e seguidamente todos os outros partidos que tiveram nas suas mãos o poder, revolucionaram as condições económicas do paiz, quebrando os obstáculos naturaes que vedavam a circulação da sua riqueza, e assim forçosamente atrophiavam as suas faculdades productivas. Foi uma revolução formidavel, que tem custado aos contribuintes muitos encargos, mas necessaria e tão proveitosa que a ella sobretudo deve justamente o sr. Fontes o alto conceito publico de que gosa. É urgente porém não multiplicar desmesuradamente as vias de communicação, correr-se-ia o perigo de servir mais o estrangeiro do que o nacional, de comprometter mesmo o nosso trabalhador numa lucta desigual para as suas forças. Neste campo o novo gabinete terá antes que moderar do que accelerar a accção governativa. Cumpre-nos hoje animar directamente a producção. Possuimos já uma caixa economica, creada pelo sr. Barros Gomes e ha pouco ramificada por todo o paiz pelo sr. Hintze Ribeiro; mas escasseiam-nos as instituições de credito, apenas se acha expresso em propostas de lei o pensamento do credito agrícola e industrial e numa proposta da junta do credito publico a idéa dum monte pio popular, e falta-nos um grande banco nacional com todas as vantagens que lhe são inherentes, para os particulares pela influencia que tem o augmento de numerario, reduzindo o juro, para o estado a quem libertava de grandes despezas nos serviços de thesouraria. E, se de tudo isto carecemos para favorecer a producção, proporcionando-lhe capital, quem não vê que mal ainda a dotamos com o factor principal, que é a instrucção technica? (Apoiados.) Esta é mesmo a necessidade vital do nosso trabalho: reconheceu-se no inquerito de 1881, têem-na representado as corporações locaes e as associações agricolas, industriaes e commerciaes. O que para a satisfazer fizeram Passos Manuel, o sr. Fontes, o sr. João Chrysostomo, o sr. Aguiar, desperta em todos gratidão a estes estadistas, mas é insuficiente. A preparação do jornaleiro, a do feitor, mestre ou administrador, e a do grande proprietário, engenheiro ou capitalista, tal deve ser o supremo cuidado do governo para fomentar a riqueza nacional. Não sei se o novo gabinete pensa exactamente assim, mas louvo as disposições em que a este respeito, se mostra. E applaudo antecipadamente a campanha governativa que um distincto homem do letras do partido progressista pretende emprchender em prol da producção da riqueza, como admiro a que em prol da circulação da riqueza emprehendeu e conduziu tão gloriosamente o sr. Fontes.
Investiguemos por outra parte como o estado tem administrado os serviços moraes, o que tem feito para garantir o direito e promover a virtude. Aboliram-se quasi todos os privilegios, foi-se implantando successivamente o regimen liberal, e nesta obra de emancipação o partido progressista póde reclamar para si tradições honrosissimas, sem eu querer com isto approvar que elle pretendesse o exclusivismo das reformas políticas. E não se tem só destruido muita desigualdade odiosa, muito vinculo obnoxio, não se fundou sómente a liberdade; impozeram-se lhe leis, tratou-se tambem da organisação da nova sociedade. N'este empenho, comtudo, de associar todos os individuos e regular todas as classes pelos principios da justiça devemos dar mais alguns passos para diante. (Apoiados.) Já o ministerio passado promettêra reformar o codigo commercial e trouxe a esta camara propostas, uma que fôra da iniciativa do mallogrado estadista Saraiva de Carvalho, para proteger os direitos dos trabalhadores. Seria tempo de pensarmos em completar um código industrial e elaborar o nosso código rural. Mas toda esta disciplina, apesar da sua incontestavel efficacia, que é grande, não bastará para a moralisação dos costumes. Com esse fim empreguemos o meio mais enérgico, verdadeiramente peremptório, que é a instrucção moral, a educação cívica, baseada no estudo da historia! A verdade, a dolorosa verdade, é que nós mal. conhecemos a nossa historia, e por isso nos achamos divididos, sem laços patrioticos, desorientados por falta de um mesmo pensamento que nos guie a uma acção commum. A palavra pátria perdeu para nós o seu sentido puro, religioso. (Apoiados.) Eis porque eu, que julgo acertado não tocar por emquanto na constituição do estado, sentirei todavia que o gabinete progressista ligue menos importancia á nossa reformação politica em geral.
Estâmos chegados, sr. presidente, a esta dupla conclusão: que o que é essencial administrar para fazer a prosperidade publica é por um lado a instrucção technica, por outro a instrucção moral.
Mas o homem não tem só interesses e direitos, não é só o industrial e o político; é tambem o homem affectivo, o artista, a quem repugnam interesses grosseiros e a quem a paixão do bem exalta até á abnegação, ao sacrificio. O bello occupa um logar entre o util e o justo. Entre a satisfação dos nossos appetites materiaes e o cumprimento dos nossos deveres altruistas estão os delicados prazeres da sensibilidade, estão os saudaveis gosos que nos proporciona a arte, a qual não só tem valor por si como bellas artes, mas ainda pelas applicações em que se desdobra, já casando-se com a industria para se tornar em arte industrial, já communicando ás profissões moraes o segredo do agradar, o tacto, e o encanto, a força persuasiva da arte da palavra. Ora a vida da arte em qualquer povo depende fatalmente da sua instrucção artistica, e o estado d'esta instrucção entre nós é bem precario.
Essencial, é pois, para a nossa prosperidade administrar, com o ensino technico e o ensino politico, o ensino artistico.
E ainda não é tudo. As tres fórmas da instrucção profissional fundam-se sempre numa instrucção geral, especulativa, que se póde tambem chamar profissional, e de facto o é, pela rasão de que só ella faculta ao homem a posse, a direcção do seu entendimento. Desenvolver por completo a intelligencia, não lhe recusando nenhum dos seus meios, é o preparatorio indispensavel a qualquer educação, technica, artistica ou moral. Para o homem chegar a ser perfeitamente util, agradavel e bom, precisa de o saber ser, e só sabe deveras quem é consciente. Pois esta instrucção geral é talvez a que menos possuimos, apesar de todas as apparencias.
Enfeixando as minhas conclusões, resumil-as-hei nas seguintes palavras: a obrigação capital de qualquer estado, urgentissima entre nós, é a instrucção, este deve ser o nosso primeiro ministerio.
Nós nem sequer o temos. Estamos inferiores ao municipio de Lisboa, que tem o seu pelouro especial de instrucção. Os serviços de instrucção andam espalhados, dissociados, pelos diversos ministerios, aonde se fará muita cousa, mas onde mal se póde fazer instrucção. Á sua frente têem estado homens de notavel talento a até professores, desde Mousinho de Albuquerque até o sr. Barjona do Freitas, de cuja boa vontade, de cujo amor de classe ha palavras e actos que são documentos publicos, mas que não prestaram á instrucção todos os serviços que eram de esperar, porque outros negocios do seu ministerio lhes absorviam o tempo. E os ministros que poderam dedicar-se á causa da instrucção como um Rodrigo da Fonseca e um Passos Manuel, como o proprio sr. conde de Thomar, como em epochas mais recentes o sr. Fontes, o sr. João

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Chrysostomo, o sr. Martens Ferrão, o sr. D. Antonio da Costa, o sr. Sampaio, o sr. José Luciano, o sr. Thomás Ribeiro e o br. Aguiar exerceram apenas uma acção intermittente e, como tal, inefficaz. Permanentemente á frente da nossa instrucção publica teem estado as direcções de secretaria por natureza sem auctoridade nem responsabilidade politica, e quantas vezes sem a auctoridade scientifica requerida, para dirigirem o corpo docente do paiz. A falta de um ministerio especial de instrucção publica devemos pois attribuir o estado da nossa instrucção, e por conseguinte o abatimento do paiz.
O actual gabinete fallou, ao apresentar-se perante o parlamento, num novo ministerio, de agricultura, industria e commercio. Se julga indispensavel creal-o para cuidar desveladamente da producção da riqueza, como a cargo d'esse ministerio ficaria a administração do ensino technico, então junte a este os outros ramos de instrucção profissional, e, conglobando-os com a instrucção geral, crie assim ao menos um ministerio de fomento, com que ficariamos já de melhor partido do que os hespanhoes, cujo ministerio do fomento está sobrecarregado de serviços alheios á instrucção. Seria um passo importante para a creação do ministerio especial de instrucção, cuja necessidade advoguei, aonde se concentrasse todo o ensino do estado excepto o que administram os ministerios da guerra, da marinha e dos ecclesiasticos, o qual obedece a uma disciplina propria, militar ou sacerdotal.
Para resolver as difficuldades financeiras da creação de um novo ministerio, de fomento ou de instrucção, aventarei um alvitre: passar a direcção da marinha para o ministerio da guerra, o que justifico pela homogeneidade dos serviços, e a direcção do ultramar para um ministerio de colonias e estrangeiros, pois que as nossas questões internacionaes são quasi sempre originariamente questões coloniaes. Ficava assim um logar vago para onde iria o novo ministerio. De resto, as despezas immediatas com a creação de um ministerio de instrucção reduziam-se ao ordenado do ministro, quasi só. (Apoiados.)
Termino, sr. presidente, dirigindo-me aos partidos constituidos para os advertir de que, se não propugnarem a causa da instrucção, ha de em breve supplantal-os um novo partido, era cujas fileiras me encontrarão, que inscreva esse lemma na sua bandeira.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir).

Leu-se na mesa a seguinte.

Proposta

Em conformidade do disposto no artigo 3.º do acto addicional á carta constitucional da monarchia portugueza; pede o governo de Sua Magestade á camara dos senhores deputados da nação portugueza, a necessaria permissão para que o sr. deputado Manuel Pinheiro Chagas, possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as de lente do curso superior de letras.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 15 de março de 1886. - José Luciano de Castro.
Foi approvada sem discussão.

A proposta de lei vae publicada a pag. 638.

O sr. Bernardino Machado: - Disse que agradecia ao sr. presidente do conselho a boa disposição em que estava com relação á creação do ministerio de instrucção publica, e esperava que s. exa. quizesse concorrer para que esta idéa, que julgava muito util, fosse por diante.
(O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)

Foi approvada a redacção do projecto de lei n.° 18 de 1886, fixando o contingente de recrutas para, o exercito e armada.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto n.º 21 para o pagamento das dividas á fazenda ser satisfeito em prestações mensaes

O sr. Presidente: - Continua em discussão o projecto de lei n.º 21, e com a palavra que lhe ficou reservada da sessão anterior o sr. Rocha Peixoto.
O sr. Alfredo Peixoto: - Disse que não julgava agora occasião apropriada para responder ás considerações feitas pelo sr. Santos Viegas no principio da sessão, mas fal-o-ia ámanhã se tivesse a palavra antes da ordem do dia.
Continuou a usar da palavra que lhe ficára reservada da sessão antecedente, apresentando muitos calculos no sentido de provar que a medida proposta não é vantajosa para o thesouro.
E perguntou ao sr. ministro da fazenda se s. exa. entendia que as duas propostas que apresentára, e que foram reduzidas a uma só pela commissão de fazenda, eram indispensaveis para do governo do paiz, e se eram remedio seguro e efficaz para as necessidades do thesouro.
Disse que, como a palavra lhe coubera quasi ao fechar a sessão, pedia para continuar ámanhã o seu discurso.
Foi-lhe reservada a palavra.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Propostas de lei apresentadas n'esta sessão pelos srs. ministros da fazenda, das obras publicas, do reino e da justiça

N.º 22-F

Senhores. - Pelo motivo faustissimo do proximo consorcio de Sua Alteza Real o Sereníssimo Senhor D. Carlos Fernando, Príncipe Real, torna-se manifestamente insuficiente a dotação lixada para Sua Alteza Real pela carta de lei de 29 de fevereiro de 1834, conforme se praticára pela lei de 29 de abril de 1845 a respeito do Senhor D. Pedro de Alcantara, de saudosa memoria, então Principe Real. O herdeiro da corôa portugueza, tendo do manter casa separada o estado proprio do seu nascimento e alta dignidade, não poderia occorrer aos despendios indispensaveis com a dotarão de 20:000$000 réis estabelecida por aquella lei.
Pelo mesmo motivo tem a casa real que realisar despezas impreteriveis, que seria sobre impossivel, injustificado fazer recair sobre a dotação de Sua Magestade El-Rei. Em todos os tempos e em todos os paizes se entendeu sempre, que esses encargos estraordinarios inherentes á soberania, devem correr por conta da nação, e nomeadamente assim foi julgado e decidido pelas côrtes geraes por occasião dos casamentos do senhor D. Pedro V e de El-Rei o Senhor D. Luiz I.
Tenho, pois, a honra de apresentar á vossa deliberação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º A dotação de Sua Alteza Real o Serenissimo Senhor D. Carlos Fernando, Principe Real, é lixada na quantia de 40:000$000 réis, paga pelo thesouro publico.
Art. 2.° Será entregue a Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I a quantia de 100:000,0000 réis para as despezas extraordinarias do faustissimo consorcio de Sua Alteza Real.
Ministerio dos negócios da fazenda, gabinete do ministro, em 15 de março de 1886. = Marianno Cyrillo de Carvalho.
Á commissão de fazenda.

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N.º 22-E

Senhores. - A carta de lei de 1 de junho de 1882 determina, no n.° 1.° do artigo 1.°, que o governo forneça aos viticultores, pelo terço do seu custo, o sulfureto de carbone requisitado para tratamento das vinhas phylloxeradas, ficando os outros dois terços a cargo do estado. É um subsidio consideravel que tirou a sua rasão de ser do intuito de iniciar e desenvolver a applicação d'aquelle insecticida, vencendo a natural inercia, e não raro a repugnancia dos cultivadores para as innovações culturaes e os remedios, cuja utilidade lhes não é praticamente conhecida. E sendo este o fim, conseguido elle, deve o subsidio acabar, sob pena de se inverterem as leis fundamentaes da producção, e de se constituir para o thesouro um encargo insupportavel.
Com effeito: apura-se, pelas inspecções das commissões anti.philloxericas, que estão invadidos no nosso paiz 112:610 hectares de vinhas, sendo 84:610 na região do norte e 18:000 na região do sul. Se porventura lhes fosse applicado tratamento cultural na rasão minima de 200 hilogrammas de sulfureto de carbone por hectare, ou, o que é o mesmo, de 200 tonelladas por 1:000 hectares, ao preço de 84$900 réis a tonellada, seriam necessarias 20:522 tonelladas, importando em 1:742:317$800 réis. Os dois terços d'esta quantia, o 1.161:545$200 réis, representariam o encargo do thesouro. E como a area da invasão vae alargando, teria o encargo de augmentar porporcionalmente. Tanto basta para se demonstrar que é impossivel a continuação de um tal regimen.
Ainda admittindo que nem toda essa area seja sujeita a tratamento cultural, chega-se a algarismos que representam para o thesouro encargo excessivamente penoso. E não é essa uma presumpção infundada. Quando se promulgou a referida lei de 1 de junho de 1882, calculara-se que, para fomentar e desenvolver a apllicação do sulfureto de carbone como tratamento cultural das vinhas philloxeradas, bastariam 200 tonelladas d'aquelle insecticida, importando em 16:980$000 réis, dos quaes seriam encargo do estado 11:320$000 réis. Foi n'este presupposto que o governo, traspassando a fabrica de sulfureto que estebelecêra no norte (Serrado Pilar) a uma companhia industrial, contratou com esta durante cinco annos o fornecimento do sulfureto, na quantidade annual de 200 tonelladas, pelo menos, ao preço de 84$900 réis a tonelladas, preço um tanto inferior ao que saíra até ahi o fabrico por conta do estado, entre 90$000 réis e 110$000 réis, mas superior ao custo actual d'aquelle genero no mercado estrangeiro.
Pelas contas que o governo tem das quantidades já saídas da fabrica, no presente anno economico, em virtude da requisição dos presidentes das commissões anti-phylloxericas, vê-se que, só para a circumscripção do norte, não chegaram as 200 tonelladas contratadas. Até 30 de janeiro saíram da fabrica para aquella circumscripção 208tonel, 702, e d'essa data em diante é que se entra na força dos tratamentos. Para a circumscripção do sul saíram, até áquelle dia, 47tonel, 124, sendo de suppor que os pedidos venham a exceder, para esta circumscripção, 100 tonelladas. De tudo isto resulta que a verba de 16:980$000 réis, que no orçamento foi calculada para estes serviços, terá de ser excedida já este anno em cumprimento da lei de 1 de junho de 1882, que é de applicação illimitada; e que muito maior virá a ser o excesso se o regimen d'essa lei não acabar, como é de rasão, por ter acabado o motivo que a inspirou - a necessidade de auxiliar o tratamento cultural pelo sulfureto e de fazer conhecidos os seus salutares effeitos.
Seria, porém, uma perturbação profunda a transição brusca de um para outro regimen. Por isso, na proposta de lei que tenho a honra de sujeitar ao vosso illustrado exame, o subsidio do governo, concedido por aquella lei, vae successivamente diminuindo até acabar de todo dentro de tres annos, sendo no primeiro anno, depois desta proposta ser convertida em lei, a importancia que o viticultor deve pagar 5/10 do custo do sulfureto, no segundo 7/10 e no terceiro 8/10. É muito de presumir que ao cabo deste tempo, com o alargamento do mercado e a concorrencia do fabrico, os viticultores possam obter o sulfureto por preço inferior ao que lhes custará no ultimo anno do subsidio, o que tornará mais suave ainda a transição.
Procedendo assim, iremos de accordo com as indicações e até com as determinações do congresso phylloxerico internacional reunido em Turim em outubro de 1884, no qual se estabeleceu a seguinte regra: «Que a ingerencia do governo, justificada sempre que se trate de garantir interesses geraes importantes, deve todavia limitar-se aos meios económicos materiaes e moraes indispensaveis para levantar a luta contra o phylloxera e iniciar os viticultores nos meios de o combater, cessando essa ingerencia logo que isso se tenha conseguido».
Por estes fundamentos, tenho a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Durará tão sómente por tres annos, a partir da publicação da presente lei, a concessão do sulfureto de carbone aos viticultores, por menos preço do seu custo, como fôra determinado pela lei de 1 de junho de 1882.

§ unico. No primeiro anno, que se seguir á publicação d'esta lei, os viticultores pagarão o sulfureto por 5/10, segundo anno por 7/10 e no terceiro anno por 8/10 do custo d'esse insecticida.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. Ministério das obras publicas, commercio e industria, em 13 de março de l886. = Emygdio Julio Navarro.
Ás commissões de agricultura e fazenda.

N.º 22-G

Senhores. - Não sendo possivel, no corrente anno, dar-se inteira execução ao disposto nos artigos 32.º a 39.º e 82.º da lei de 14 de junho de 1880, em consequencia de ter sido alterado nos tres ultimos annos escolares, por virtude das cartas de lei de 22 de maio de 1883, 23 de maio de 1884 e 9 de junho de 1855, o systema de matriculas e de exames dos lyceus nacionaes, estabelecido pela referida lei; e parecendo justo e conveniente não se difficultar aos alumnos que propõe concluir na proxima epocha os estudos preparatorios a sua admissão aos cursos superiores, exigindo-se-lhes quasi no fim do anno lectivo habilitações e diplomas para que a maior parte d'elles, senão a totalidade, não está de certo preparada, já por lhes ter sido permittido dar aos seus estudos secundarios direcção diversa da que estava preceituada na lei de 14 de junho de 1880, já por esperar a promettida reforma da mesma lei, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Os exames de instrucção secundaria, preparatorios para a admissão aos cursos de ensino superior dependentes do ministerio do reino, continuam no actual anno escolar a ser feitos, segundo o systema auctorisado pela carta de lei de 9 de junho de 1885.
§ 1.° No anno lectivo de 1886-1887 as disciplinas necessarias para a matricula no primeiro anno dos referidos cursos serão as mesmas que para esse fim se exigiram no anno antecedente aos alumnos na classe de ordinários.
§ 2.° Nenhum alumno poderá no anno lectivo de 1886-1887 matricular-se em qualquer dos cursos de instrucção superior, a que se refere o presente artigo, senão na classe de ordinario.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 15 de março de 1886. = José Luciano de Castro.
Á commissão de instrucção superior.

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SESSÃO DE 15 DE MARÇO DE 1886 639

N.° 22-H

Senhores. - A prisão preventiva sendo, como é, um cerceamento á liberdade do indivíduo, que, embora suspeito, ainda não foi convencido de haver praticado um crime, só se justifica pela necessidade social de impedir que o indiciado escape á acção da justiça. Por isso mesmo, pois, desde que seja possivel assegurar o julgamento do presumido delinquente sem attentar contra os seus direitos, a detenção preliminar deixa de ser uma necessidade social para se tornar em simples vexame.
Nos casos em que o crime é por tal modo grave que ao accusado seja de manifesta vantagem correr todos os riscos e aventurar-se a todos os sacrificios para evitar o soffrimento de uma pena, em demazia afflictiva, a probabilidade do que elle ha de preferir o homisio confere á sociedade o direito de se premunir contra a possivel evasão do delinquente, submettendo-o á prisão preventiva. Fóra, porém, d'esses casos, quando a pena que o réu haja de expiar seja tão leve que não compense os perigos e as privações da fuga, ou quando, embora seja mais grave, haja meio de sujeitando o accusado, caso se ausente, a um sacrificio maior do que o da pena, ou ainda mais de, tomando as necessarias providencias, evitar a sua evasão, a lei deve permittir-lhe livrar-se solto.
A legislação vigente não representa, já hoje, o justo equilibrio entre a necessidade social de assegurar o julgamento dos accusados e o direito de liberdade individual. Nem admira que tendo variado tanto, de 10 de dezembro de 1852, data do decreto regulador da matéria, até hoje, as condições sociaes, diminuísse a necessidade de restringir os direitos do accusado a livrar-se solto. Com effeito as reformas na organisação policial, tornando-a superior em numero e qualidade de agentes, a incomparavelmente; maior facilidade das communicações entre os diversos pontos do paiz, o desenvolvimento e a regularidade dos serviços postaes, o maior numero de tratados de extradicção, e sobretudo a organisação da telegraphia electrica, armaram; poder de recursos, de que, trinta annos ha, não dispunha, e que tornando mais efficaz a vigilancia e a rapida captura dos accusados por qualquer crime, dispensam, em muitos casos, a sua immediata detenção.
E exprimindo a opinião de se deixarem alargar as disposições legaes que permittem aos accusados o livrarem-se soltos, não emittimos um simples parecer individual, senão tambem o de alguns dos nossos distinctos antecessores. Os srs. Luciano de Castro, Julio de Vilhena, Lopo Vaz e Manuel d'Assumpção, todos manifestaram claramente os seus votos neste sentido, os dois primeiros apresentando ao parlamento em 13 de maio de 1870 e em 26 de março de 1873, propostas alargando a concessão das fianças; o terceiro insistindo no relatorio da reforma penal, que apresentou, na approvação do projecto do seu antecessor, e o ultimo declarando em sessão d'esta camara, de 6 de fevereiro proximo findo, que havia resolvido trazer dentro em pouco outra proposta sobre o mesmo assumpto..
Mais ainda. A camara dos senhores deputados approvou em 19 de maio de 1881, por iniciativa do illustre jurisconsulto o sr. Antonio Alves Pereira da Fonseca, uma proposta ampliativa dos casos em que os réus se podiam livrar soltos.
A idéa está, pois, amadurecida; chegou o momento de a traduzir em disposição legal. A isso se propõe o projecto que hoje tenho a honra de submetter á vossa esclarecida deliberação.
O restringimento dos casos em que a detenção preventiva tem de ser applicada, não representa só uma justa homenagem á liberdade individual, o que era muito, senão que tambem opera, desde já, no nosso regimen prisional, uma reforma de largo e benefico alcanço, o que o torna nas condições actuaes alem de justo, urgente.
A detenção provisoria effectua-se, entre nós, nos mesmos edificios em que se cumpre a pena de prisão. Os accusados vivem, pois, ali em promiscuidade com outros indivíduos, o que é mau, e até com criminosos, já condemnados, o que é péssimo. Ora, a vida em commum dos presumidos delinquentes é não só um dos maiores obstáculos á averiguação judicial da verdade, mas tambem um dos mais estimulantes incentivos de perversão moral.
É em commum que os accusados muitas vezes concertam o plano de negar o crime e desorientar a accusação, e que dos mais experientes aprendem as artes de illudir a justiça.
É em commum que o espirito de homens, em geral, illetrados, se corrompe com a lição contínua do crime, e que a consciência de indivíduos, era geral, pouco ou mal educados, se perverte com o exemplo dos companheiros de prisão.
Tem-se discutido a efficacia regeneradora sobre criminosos do systema de aprisionamento individual, mas quer-nos parecer que ninguem duvidará da inconveniencia do regimen da vida em commum para simples accusados, e muito mais applicado nas mesmas cadeias em que os grandes criminosos expiam as suas penas. Acrescente-se ao exposto a consideração de que em algumas das nossas prisões ha, alem de outros defeitos, o da nimia accumulação de presos, e haver-se-ha a prova de que não só a justiça, mas a prudencia, aconselham a realisação de uma idéa que concorrerá para attenuar tal inconveniente.
Diminuido o numero de casos, em que a prisão preventiva tem de ser de necessidade imposta, e applicada esta disposição, como é de justiça, aos arguidos em processos pendentes, decrescerá não só de futuro, mas desde agora, a população das nossas cadeias, desaccumulando-se muitas d'ellas, quanto possivel, com evidente vantagem moral e até economica.
A proposta alarga os casos em que os accusados se podem livrar soltos, conservando a prisão preventiva para os réus de crimes, a que correspondiam as antigas penas perpetuas do código penal, hoje abolidas, e por isso actualmente puniveis pelas penas fixas, ou pelas que, segundo o systema penitenciário, lhes forem correlativas.
Fica ainda assim a prisão preventiva sendo applicavel aos casos de crimes mais graves, taes como, em geral, os commettidos contra a segurança do estado, moeda falsa, extorsão violenta praticada por empregados publicos, homicidio voluntario simples e aggravado, envenenamento, parricidio premeditado e sua tentativa, filicidio, roubo commettido ou tentado, concorrendo homicidio, carcere privado, violação ou sendo praticado por duas ou mais pessoas em logar ermo com violencia ou em certos edificios, quebra fraudulenta e fogo posto, de que resulte morte de qualquer pessoa.
As ponderações já expostas, bem como as disposições do projecto, já approvadas em tempo por esta camara, parecem-me bastantes para evidenciar que fóra d'estes casos a segurança publica e á repressão penal não correrão risco em se deixar os presumidos delinquentes em liberdade.
Amplia a proposta os meios por que o accusado póde livrar-se solto.
Pela legislação vigente o deposito de quantia certa effectuado pelo réu, e a fiança prestada por terceiro, limitam aquella faculdade exclusivamente aos réus que possam já dispôr de certos recursos, e nos que mais relações tenham na comarca.
Parece justo introduzir na legislação um principio em virtude do qual, sendo possível assegurar a comparência do réu nos prasos legaes, se lhe não tolha aquella faculdade só pela desgraça de ser pobre, ou pelo acaso do ser desconhecido.
A vigilancia especial da policia já admittida em outros casos, e a apresentação obrigatoria do réu em prasos prefixos á autoridade, realisam sem perigo, em certas condições, que o juizo apreciará, aquelle desideratum, conver-

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640 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tendo quanto possivel um previlegio individual n'uma providencia mais generica.
A presente proposta limita-se a introduzir na nossa legislação uma reforma reclamada pela justiça e anciosamente exigida pela opinião. Mas muito mais ha ainda a fazer no tocante ao processo criminal; essas reformas, porém, comquanto de summa importancia, por não serem de tanta urgencia como a de que se trata, poderão introduzir-se n'um remodelamento total do nosso processo criminal, para que já existem valiosos trabalhos a cuja ultimação o governo se acha devotadamente empenhado.
Em quanto se não conclue essa obra, cuja importância não é licito negar, parece-nos conveniente regular, ao menos provisoriamente e até então, o processo pratico de executar a presente reforma que é de urgencia nos termos constantes do artigo 12.° da proposta.
Por todos estes motivos, e pelos mais que a vossa illustração nos supprirá, tenho a honra de submetter á vossa deliberação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° Os réus accusados em qualquer processo criminal poderão livrar-se soltos, nos termos da presente lei, excepto quando haja de lhes ser applicada qualquer das penas fixas estabelecidas nos artigos 49.° e 50.° da lei de 14 de junho de 1884, ou qualquer das que, segundo o systema penitenciário, forem a ellas correspondentes.
Art. 2.° Os réus accusados em processo correccional podem livrar-se soltos desde que, provada a sua identidade, se não forem conhecidos em juízo, assignarem termo, em que declarem a sua residencia, e se obriguem a comparecer em juízo, a fim de participarem previamente qualquer mudança.
§ 1.° Se o réu for residente fóra da circumscripção, onde o processo tem de correr, apresentará em juizo uma pessoa que, residindo dentro da mesma circumscripção, tome sobre si o encargo de receber as citações e intimações necessarias ao regular andamento do processo, ficando aquelle obrigado a comparecer em juizo, a fim de dar previa parte de qualquer mudança de residencia d'essa pessoa.
§ 2.° No caso da pessoa, a que se refere o § antecedente, fallecer, mudar a residência para fora da respectiva circumscripção, ou, por qualquer motivo, se tornar incapaz de receber as citações e intimações, o réu substituil-a-ha immediatamente por outra, que seja apta a cumprir o disposto no mesmo paragrapho.
§ 3.° Se o réu não comparecer em juizo nos termos a que a lei o obriga a esse comparecimento sem motivo justificado, será preso, e só poderá livrar-se solto nos termos do artigo seguinte.
Art. 3.° Os réus accusados em qualquer processo, a quem não hajam de ser applicaveis as penas mencionadas no artigo 1.°, ou que não tenham de ser processados correccionalmente, poderão livrar-se soltos sob caução, prestando fiança ou ficando sujeitos á especial vigilância da policia, como no caso couber.
§ unico. Os réus, porém, de crimes a que se refere este artigo, depois de condemnados a penas excedentes a prisão maior e degredo por mais de seis annos, serão logo recolhidos á cadeia.
Art. 4.° Os réus absolvidos em processo, em que se haja interposto recurso de revista, serão immediatamente postos em liberdade, se o crime de que eram accusados não for dos mencionados no artigo 1.°, e sendo, depois de haverem satisfeito a qualquer das prescripções do artigo 3.°
Art. 5.° A caução poderá ser prestada pelo proprio accusado, por meio de deposito, penhor ou hypotheca, nos termos geraes de direito.
§ unico. Os bens mobiliários empenhados e os immobiliarios hypothecados devem ser livres de encargos que, no caso de exigencia, possam prejudicar o penhor ou a hyposheca.
Art. 6.° A fiança será prestada pela forma que for prescripta no respectivo regulamento.
Art. 7.° Justificando o réu o seu bom comportamento anterior, e não podendo constituir deposito, dar caução ou prestar fiança, o juiz poderá, em vista das circumstancias, conceder-lhe a liberdade provisoria, sujeitando-o á especial vigilancia da policia, e obrigando-o a apresentar-se, nos prasos que lhe forem prefixos, á competente auctoridade.
Art. 8.° A caução dada pelo réu e a fiança que tiver sido prestada, se o fiador não reclamar contra ella e a especial vigilância da policia, quando a sua continuação não seja inconveniente, subsistirão durante os termos dos recursos interpostos, salva a disposição do § 2.° do artigo 3.°
§ unico. Reclamando o fiador contra a fiança prestada, poderá o réu prestar nova fiança.
Art. 9.° Nos recursos sobre fianças compete a todos os juizos e tribunaes conhecer, alem do objecto do recurso, de todas as nullidades do processo, e da existência e qualificação do crime, sem prejuízo dos competentes recursos do despacho que pronunciou ou deixou de pronunciar os querellados.
Art. 10.° Nos processos correccionaes, se o réu entender que o facto imputado não é prohibido, nem qualificado crime por lei, póde interpor aggravo, com effeito suspensivo, do despacho que o mandar responder em juizo.
Art. 11.° As disposições da presente lei são applicaveis aos co-réus accusados ou absolvidos era qualquer processo pendente ao tempo em que elle for posto em execução.
§ unico. Para os effeitos deste artigo, as penas perpetuas estabelecidas no codigo penal e na lei de 1 de julho de 1867 são equiparadas ás penas fixas que as substituiram, nos termos da lei de 14 de junho de 1884.
Art. 12.° O governo no regulamento da presente lei fixará:
Os termos e formulas necessarios para a constituição do deposito, prestação de caução ou de fiança, julgamento de idoneidade d'esta, e para a sujeição á especial vigilancia da policia;
As circumstancias e os prasos em que houverem de ser pagas custas ou emolumentos por aquelles actos, e os em que os mesmos actos hajam de ser gratuitos.
Art. 13.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 15 de março de 1886. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Ás commissões de legislação civil e criminal.

Redactor = S. Rego.

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