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SESSÃO NOCTURNA DE 3 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.:

Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado

SUMMARIO

Na ordem da noite continuou em discussão a generalidade do projecto de lei n.° 101, que auctorisa o governo a converter a divida externa e o fundo consolidado de 3 por cento. - O sr. Arroyo continuando no uso da palavra, que lhe ficara reservada da sessão diurna, impugna o projecto com novas e desenvolvida considerações. É admittida a sua moção de ordem. Responde-lhe detidamente o sr. ministro da fazenda, seguindo-se, sobre a ordem, o sr. Fuschini, que approva o projecto na sua generalidade, mas combate algumas das suas disposições. Fica com a palavra reservada.

Abertura da sessão - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada 61 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Oliveira Pacheco, Antonio Ennes, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Goes Pinto, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Gabriel Ramires, Sá Nogueira, João Pina, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Jorge O'Neill, Alves de Moura, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, Pereira e Matos, Abreu Castello Branco, Laranjo, Pereira dos Santos, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Abreu e Sousa, Julio Pires, Julio de Vilhena, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Marianno de Carvalho, Miguel da Silveira, Dantas Baracho, Vicente Monteiro e Estrella Braga.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Pereira Borges, Moraes Sarmento, Mazziotti, Jalles, Augusto Fuschini, Bernardo Machado, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Matoso Santos, Freitas Branco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Guilherme de Abreu, Santiago Gouveia, Oliveira Valle, Elias Garcia, Guilherme Pacheco, Alpoim, Barbosa de Magalhães, Santos Moreira, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Pedro Victor, Tito de Carvalho, Visconde de Monsaraz e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Anselmo de Andrade, Antonio Castello Branco, Antonio Candido, Antonio Centeno, Antonio da Fonseca, Gomes Neto, Fontes Ganhado, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Conde de Castello de Paiva, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Pires Villar, Cardoso Valente, Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Alves Matheus, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Avellar Machado, José Castello
Branco, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Santos Reis, Julio Graça, Mancellos Ferraz, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Matheus de Azevedo, Pedro Diniz, Visconde de Silves, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

Não houve correspondencia.

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 101, conversão da divida publica externa e do consolidado de 3 por cento.

O sr. Arroyo: - Sr. presidente, na sessão diurna comecei a expor a serie de considerações que tenho de apresentar sobre o projecto actualmente em discussão.
Fiz em primeiro logar a analyse das especies de conversões conhecidas hoje na sciencia das finanças, fixando bem o caracter e a natureza da conversão proposta pelo governo e acceita pela commissão, mostrando depois a correlação que existia entre as diversas naturezas da divida publica, e o estado mais ou menos adiantado do desenvolvimento do fomento nacional e dos nossos elementos economicos. A seguir estabeleci, conforme entendia e soube, as bases ou condições geraes e principios que cumpre ter sempre em vista quando se tratar de realisar uma operação de conversão, transformando os titulos de divida consolidada em obrigações amortisaveis.
Depois notei o primeiro defeito do projecto em discussão, que sem motivo algum plausivel applicava exclusivamente o systema da conversão em obrigações amortisaveis á divida externa; tratando em seguida de examinar o primeiro preceito proposto pelo governo e acceito pela commissão para servir de base á conversão projectada, preceito que constitue a primeira parte do artigo 1.°
Entrei depois na analyse da segunda parte do artigo 1.°
Tinha lido esta parte do artigo l.°, mostrando que n'ella se continham duas disposições perfeitamente diversas; a primeira é a que auctorisa a escolha do typo de 4 1/2 por cento ou 4 l/2 por cento em vez do typo de 5 por cento para as obrigações amortisaveis; e a segunda é a que procura fixar uma precaução contra os possiveis abusos por parte do poder executivo, ao qual compete a effectuação da troca dos titulos perpetuos.

isse tambem que o artigo 1.º se completava pelo § 1.°, onde a commissão estabelecia o limite do subsidio dos lucros liquidos da caixa geral de depositos a utilisar na referida conversão.
Tinha eu demonstrado igualmente o grande inconveniente da variedade de typos e que da auctorisação concedida ao governo para realisar a conversão n'um dos tres typos á sua escolha advinha o perigo de se poder augmentar enormemente, com prejuizo do thesouro publico, a importancia do premio de amortisação.
E como este premio cresce ao passo que o typo de juro diminue por isso que ao passo que o typo do juro diminue, cresce a differença entre o preço nominal do titulo e o preço da sua collocação, conclui eu que tal auctorisação não daria em resultado senão a possibilidade de a operação se

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realisar em condições de enormes e injustificaveis vantagens em favor dos portadores do consolidado externo.
Expliquei, perante os numeros, perante o preço real da collocação das obrigações amortisaveis como na realidade os lucros oriundos do reembolso dos titulos amortisaveis crescia prodigiosamente, ao passo que o typo do juro diminuia, o que era motivo demasiado para que o parlamento não concedesse tal auctorisação que unicamente póde encontrar garantia na intelligencia do illustre ministro, intelligencia que é muita, mas que, tratando-se dos interesses do estado é das necessidades do thesouro, tratando-se de realisar uma operação em condições beneficas para o paiz, não é garantia suficiente, porque é uma garantia pessoal. (Apoiados.)
Na realidade, a conversão posta nos termos em que a collocou o artigo 1.°, com a variedade de typo á escolha do ministro da fazenda, é simplesmente uma auctorisação parlamentar para o governo jogar indefinidamente na bolsa. (Apoiados.)
Nem mais nem menos. (Apoiados.)
Supposição esta confirmada pelo systema adoptado pelo sr. relator na feitura do seu relatorio.
O illustre relator sabe que presto o mais sincero preito de homenagem ao seu muito trabalho e aos seus muitos conhecimentos em materias economicas e de finanças; e sabe tambem que esta manifestação da minha admiração sincera é leal e sobrepuja a quaesquer dissidencias politicas que haja entre nós.
Mas, confrontando o relatorio do sr. ministro da fazenda com o do sr. Carrilho encontrei differenças que legitimam e evidenceiam a minha afirmação de que este projecto não teve por fim senão auctorisar o sr. ministro da fazenda a jogar permanente e constantemente na bolsa.
O relatorio do sr. ministro é singelo, a phrase é correta e o periodo é pequeno; comprehende se facilmente, ao passo que abrindo o relatorio do sr. Carrilho, encontrâmo-nos com tantas tabellas, com tantos calculos, com tanta comparação de titulos, de cotações, de lucros possiveis a obter com a troca de fundos que mais parece que s. exa. tinha em vista escrever uma guia de bolsistas do que tornar pratica e verdadeiramente util uma lei de conversão e de adquirir pela operação projectada o melhor dos resultados para as finanças do paiz... (Apoiados.)
Determinado o principio que deve reger a comparação entre os encargos dos titulos resgatados e os das obrigações emittidas, como expliquei na sessão da tarde, o projecto devia, sob o ponto de vista fundamental da conversão, limitar-se a preceituar que a escolha de um typo de juro inferior representaria uma diminuição cffectiva no serviço da annuidade (Muitos apoiados.)
Tudo o mais que se diga relativamente a cotações, a variações de preços nos mercados nacionaes e estrangeiros, torna palpavel a idéa de que este projecto tem por fim habilitar o governo a lançar-se nas operações de bolsa, no que não encontro senão perigos para a administração publica, e perda da auctoridade do governo sobre o regimen economico e commercial da nação.
Eu sou, em principio e em hypothese, contra o jogo de fundos feito pelo governo. (Apoiados.) Sinceramente o digo a v. exa., e o sr. ministro da fazenda deve ter reconhecido pelo tom do meu discurso, que não pretendo fazer arguições politicas nem tornar o debate irritante.
Não acho proprio da compostura, da isenção nem da superioridade que é governo de uma nação eleve sempre assumir pelo que respeita á vida intima da banca e do commercio, ver descer o ministro da fazenda as proporções de jogador de fundos, com manifesta perda da sua auctoridade moral. Para amostra, parece-me que basta o acontecido com os titulos de 1881 em posse da caixa geral de depositos. (Apoiados.)
Ora, chegando a este ponto, antes de passar á analyse da precaução contida na segunda parte do artigo 1.°, tenho de fazer algumas perguntas ao governo, e faço-as muito clara e lealmente, para que s. exa. o sr. Marianno de Carvalho não veja n'essas perguntas o menor symptonia de insinuação.
Pergunto, em primeiro logar, é verdade que o governo a esta data já recebeu propostas para a conversão de bonds externos em obrigações amortisadas?
Segunda pergunta: em que termos são feitas essas propostas?
Terceira pergunta: é verdade que essas propostas accusam preferencia pelo typo de 4 1/2?
Quarta pergunta: é verdade que o estado pelo seu representante natural, que é o governo, se acha interessado n'um syndicato tendente a realisar a conversão de bonds externos em obrigações amortisaveis?
V. exa. comprehende a importancia d'estas perguntas. (Apoiados.)
As primeiras são relativas ao facto de existirem ou não existirem já em poder do governo propostas de conversão.
Se porventura existem e forem conhecidas do parlamento esclarecerão immenso a discussão, pois na realidade nenhum documento podiamos colher que melhor nos habilitasse a julgar da possibilidade e conveniencia da realisação da conversão, em typo de juro inferior a 5 por cento, com beneficio para o thesouro, do que o conhecimento previo de propostas anteriormente feitas.
A ultima consiste em saber só o estado, pelo seu representante natural, se acha interessado n'um syndicato financeiro que tem por fim effectuar a conversão de parte dos bonds externos em obrigações amortisaveis.
Se porventura a resposta do sr. ministro da fazenda for afirmativa, fará grande luz sobre os processos financeiros do sr. Marianno de Carvalho, e elucidará o parlamento sobre a conveniencia de votar uma auctorisaçao que arrastará o governo ás emprezas problematicas dos bolsistas. (Muitos apoiados.)
E dito isto passarei á analyse da precaução adoptada pela commissão no artigo 1.° do projecto.
Diz o projecto no artigo 1.° que o governo fica auctorisado a converter a divida externa de 3 por cento em obrigações de 5 por cento, amortisaveis por sorteios semestraes, no praso maximo do setenta e cinco annos, comtanto que o juro das obrigações emittidas não exceda o dos bonds de o por cento amortizados.
Acrescenta o projecto na segunda parte do artigo, que a conversão poderá tambem ser feita em obrigações de 4 ou de 4 1/2 por cento nas condições acima determinadas, quando a collocação d'esses titulos obtiver, em relação á equivalencia das obrigações de 5 por cento, fixada em absoluto pela paridade do juro, um excesso de preço que, pelos resultados da operação, compense as differenças do premio de amortisação.
Assim, o governo póde, por exemplo, emittir obrigações de 5 por cento a 90$000 réis; mas o projecto preceitua que o governo fica auctorisado a fazer a conversão em typo de 4 l/2, comtanto que o preço da collocação alcance alem de 81$000 réis, suppondo os bonds á cotação de 60, um excesso suficiente para, em vista dos resultados da operação, compensar a differença que existe entre o preço real da collocação das obrigações dos typos mencionados.
O que se pretende é conseguir que os encargos annuaes não augmentem quando o typo for de 4 l/2 por cento ou de 4 por cento; que a annuidade não seja maior, adoptado o typo do 4 l/2 por cento ou de 4 por cento do que seria realisada a operação com o typo de 5 por cento.
Como tenho receio de que o sr. ministro da fazenda continue a julgar que a opposição não fórma perfeita idéa do que é uma annuidade, vou cansar s. exa. e a camara, para o que peço a devida venia e a sua benevolencia, figurando uma hypothese qualquer, e applicar a disposição com que termina o artigo que estou discutindo.

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Trata-se, por exemplo, da conversão de 27.000:000$000 réis nominaes de consolidado externo em obrigações amortisaveis do typo de 4 1/2 por cento; suppondo o consolidado á cotação de 60, n'esse caso o preço de collocação das obrigações de 4 1/2 por cento seria, sem o acrescimo da parte final do artigo 1.°, de 81$000 réis.
Feita a operação pelo typo de 5 por cento, o estado teria no fim do anno um encargo de 831:409$920 réis; e, feita a operação pelo typo de 4 1/2 por cento, o estado teria no fim do anno um encargo de 840:978$000 réis.
Quer dizer, a differença entre a conversão feita ao typo de 5 por cento e a conversão feita ao typo de 4 1/2 por cento, seria de 9:569$080 réis.
Do que se trata é de fixar qual é o acrescimo de preço de collocação que devem alcançar as obrigações emittidas ao typo de 4 1/2 por cento para que o encargo total da annuidade não seja maior com o typo de 1/2 por cento do que seria com o typo de 5 por cento.
Ora, esse calculo, sem entrar nos mysterios da mathematica superior, sem ser preciso ter um curso de mathematica transcendente, faz-se por meio de umas humildes operações arithmeticas, como simples conta que é.
Toma-se o encargo geral da annuidade ao typo de 5 por cento, ou sejam 831:409$920 réis, e divide-se pela quota de annuidade correspondente ao pagamento de juro de uma obrigação de 4 1/2 por cento e á sua amortisação em setenta e cinco annos, ou sejam 4$205 réis; assim acharemos o numero de obrigações que é preciso emittir a 4 1/2 por cento para que a annuidade com a emissão ao typo de 4 1/2 por cento não seja superior á annuidade com a emissão ao typo de 5 por cento.
Ora, como se trata de converter 27.000:000$000 réis do consolidado externo á cotação de 60...
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - O illustre deputado diz que a annuidade para a amortisação é de 4$250?
O Orador: - Não, senhor: 4$204,89, ou por excesso 4$205. Eu servi-me das tabellas publicadas por Vintéjoux e Reinach.
Ora, como se trata da conversão de 27.000:000$000 réis externos, se suppozermos a cotação a 60, acharemos um valor real de 16:200:000$000 réis.
Se dividirmos esta verba pelo numero de obrigações necessarias para que o typo de 4 1/2 por cento nos dê um encargo não superior aquelle que teriamos, sendo feita a emissão ao typo de 5 por cento, acharemos 81$935 réis para preço da collocação das obrigações de 4 1/2 por cento.
Ora, sr. presidente, as obrigações de 4 1/2 por cento collocadas a 81$935 réis, ficarão ao estado pelo juro real de 4,9.
Supponhamos, attendendo ás vantagens que existem para os contratadores da conversão, no augmento do premio de amortisação, que em tal hypothese nem sequer existiria adoptado que fosse o typo de 5 por cento, que elles julgam conveniente aos seus interesses collocar os seus capitães em obrigações do typo de 4 1/2 por cento, com o juro real de 4,9...
N'este caso, sr. presidente, eu lembrarei unica e simplesmente ao sr. ministro da fazenda e á camara, que a precaução da commissão o excesso de preço, na hypothese de 935 réis - na qual o sr. Marianno de Carvalho e a commissão encontram todas as garantias necessarias para que da conversão nunca resulte prejuizo para o estado, é uma precaução de tão pouca efficacia e valor, que não resiste ao mais leve sopro de uma operação de bolsa, á baixa de um ponto na cotação do consolidado externo. A precaução tem tão pequeno alcance e effeito, e é tão diminuta, que basta unica e simplesmente um jogo de bolsa infimo, que faça baixar de um ponto a cotação do externo, para que a garantia se extinga, como a rosa de Malherbe... (Apoiados.) Eu continuo sempre na minha inciencia da
mathematica subida, e a fazer applicação das operações arithmeticas elementares. (Riso.)
Supponhamos, sr. presidente, que o consolidado externo está a 60; o preço equivalente das obrigações de 5 por cento é de 90$000 réis. E n'este caso os contratadores, para alcançarem a collocação dos seus bonds em obrigações do typo de 4 1/2, têem de pagar por cada obrigação d'este typo de juro nominal 81$935 réis.
E elles, que, desejando todas as vantagens do premio da amortisação, não desejam todavia soffrer uma diminuição de juro real, qualquer que seja essa diminuição (e uma decima no juro não é quantidade desprezivel, quando referida a operações de milhares de contos de réis), promovem um pequeno movimento de bolsa, e a cotação do consolidado externo baixa de 60 a 59. Creio que ninguem deixará de concordar que esse pequeno jogo de bolsa não necessita de grandes esforços para se realisar. (Apoiados.)
N'este caso, com a cotação do externo a 59, o preço correspondente á obrigação de titulo de 5 por cento é de 88$478 réis, e o preço correspondente para a obrigação do typo de 4 1/2 por cento é de 79$650 réis.
Quer dizer, a esses 79$650 réis o contratante junta o excesso do preço a que se refere o artigo 1,° (excesso este que na hypothese da cotação de 59 para o externo é inferior a 935 réis, porque a differença entre os premios da amortisação é menor) e ainda obtem as obrigações do typo de 4 l/2 por cento a um valor inferior a 81$000 réis, preço de equivalencia da obrigação de 4 1/2 antes da baixa de um ponto na cotação do consolidado externo! (Muitos apoiados.)
A precaução da commissão é, pois, uma garantia que não resiste a esta pequena differença de cotação, differença que o nosso consolidado soffre tantissimas vezes de um dia para o outro. Não me parece, pois, que possa a parte final do artigo 1.° ser considerada como garantia séria. (Apoiados.)
O systema da commissão consiste em estabelecer a equivalencia entre o juro do consolidado externo e juro das obrigações amortisaveis, sem incluir a sua respectiva quota da amortização.
Collocando me dentro do systema da commissão, que estabelece a equivalencia entre o juro do consolidado e o das obrigações amortisaveis, parece me ter demonstrado á camara a inanidade da precaução tomada no artigo 1.°, a qual podo ser sophismada facilimamente (Apoiados.)
E quando uma caução póde ser sophismada com esta facilidade, tanto vale increvel-a na lei como deixar o bom exito da operação financeira entregue á capacidade e senso do governo. (Apoiados.)
Mas sr. presidente, não é só isso o que a illustre commissão preceituou para garantir a operação contra os possiveis desmandos por parte do governo. A commissão diz no seu relatorio o seguinte: «É evidente que os bonds convertidos á cotação de 60 por cento representam juro real igual ao juro de obrigações de 5 por cento do valor nominal de 90$000 réis, collocadas ao par. Para a
auctorisação semestral d'estas obrigações bastaria, pois, um subsidio de 0,0632329 por cento do valor nominal das mesmas obrigações, para que toda a divida ficasse extincta em cento e cincoenta semestres, e esta amortisação, relativamente ao capital nominal dos bonds resgatados, representa 0,0378739740 por cento d'esses bonds ou, só com approximação até á quarta casa de dizima, de 0,0379, visto ser superior a 5 o algarismo immediato.» E um pouco mais adiante lê-se:
«Estabeleceu-se outrosim que, em caso algum, a importancia com que os lucros da caixa geral de depositos hão de contribuir para a amortisação das obrigações, exceda a 379 decimas millesimas por cento do nominal dos bonds convertidos.»
Este pensamento acha-se formulado no § 1.° do artigo 1.°, quando, depois de se declarar que a percentagem semestral para a amortisação dos titulos emittidos sairá

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dos juros das obrigações amortisadas e da differença entre a taxa do juro dos titulos convertidos e a taxa do juro dos titulos creados, se acrescenta que, se for necessario, a percentagem, semestral da amortisação sairá tambem dos lucros da caixa geral de depositos, mas que a parte d'esses lucros destinada á amortisação não poderá exceder 379 decimas millesimas por cento do valor nominal dos titulos de 3 por cento.
Como se alcançou este limite? A commissão figura a hypothese de tomar consolidados externos a 60 por cento, e emittir obrigações amortisaveis do typo de 5 por cento a 90$000 réis. Calculou, pois, e calculou muito bem, que para a amortisação semestral de obrigações do typo de 5 por cento em setenta e cinco annos, era preciso um subsidio do 0,0632 do valor nominal d'estas obrigações, e referindo essas 0,0632 ao valor nominal dos bonds externos, concluiu apertadamente que para o resgate completo por amortizações semestraes, dentro de setenta e cinco annos, das obrigações do typo de 5 por cento collocadas ao par, bastaria unicamente que os lucros da caixa geral de depositos concorressem com 379 decimas millesimas por cento do valor nominal dos bonds convertidos.
Ora, disse eu que este limite tinha exactamente o mesmo alcance e a mesma efficacia da precaução inscripta no corpo do artigo; e parece-me que conseguirei demonstral-o.
O limite é referido ao valor nominal do typo de 3 por cento. Tanto fazia que a commissão escrevesse no § 1.° do artigo 1.° que os lucros da caixa geral de depositos não responderiam por mais de 0,0379 por cento do valor nominal dos bonds, como dissesse que os lucros da caixa não responderiam por mais de 0,0632 das obrigações amortisaveis do typo de 5 por cento, nas condições determinadas. (Apoiados.)
O que quer isto dizer? Quer dizer que as 0,0379 por cento do valor nominal dos bonds garantem o pagamento integral de 90$000 réis em obrigações de 5 por cento amortisaveis; e desde que o limite é referido ao valor nominal dos bonds ou das obrigações, qualquer que seja a differença entre o preço da collocação dos titulos de 5 por cento e o preço por que o estado ha de pagar depois os titulos nas epochas de reembolso, o estado encontra no § 1.° do artigo 1.° meios sufficientes para pagar integralmente os 90$000 réis. Desde o momento em que o limite permanece o mesmo, por isso que respeita ao valor nominal dos titulos convertiveis e convertidos, qualquer que seja a differença entre o preço da collocação das obrigações e o preço do seu reembolso, o que vale o limite proposto? (Muitos apoiados.)
Que tem o limite com as condições intrinsecas da operação? No caso da emissão ser feita no typo de 4 1/2 ou 4 por cento, o preço da collocação é muito inferior aos 90$000 réis; mas nem por isso deixa o estado de estar habilitado a pasar a totalidade dos 90$000 réis; e se está habilitado a pagar essa totalidade, por que fórma se pretenderá sustentar que este limite garante á nação que o governo não fará uma operação de que resulte enorme vantagem para os contratadores, pela escolha de um typo de juro em que appareça um grande premio de amortização? (Apoiados.) Creio que fiz comprehender o meu pensamento á camara. (Apoiados.)
O limite garante o reembolso da totalidade do titulo amortizavel: o facto é que, qualquer que seja a differença entre o preço da collocação e o preço do reembolso, que é representado pelo valor nominal da obrigação, o limite de amortisação pelo emprego dos lucros da caixa permanece sempre o mesmo. Póde o typo descer a 4 1/2 ou a 4 por cento, o limite permanece identico e o premio da amortisação varia, sem que a fixação d'esse limite contenha a menor garantia a favor da salvaguarda dos interesses da nação contra os possiveis abusos por parte do governo e os exagerados lucros aos grupos de contratadores. (Muitos apoiados.)
Mas, vamos a ver qual é o verdadeiro alcance d'este limite. Quer v. exa. saber o que elle representa na realidade? É unica e simplesmente um limite orçamental, que por fórma alguma contém uma garantia relativa ás condições internas da conversão.
Eu me explico.
Supponhâmos que se trata de transformar 500:000 francos de bonds externos em obrigações amortisaveis de réis 90$000, e figuremos a hypothese de, a conversão ser feita ao typo de 5 por cento ao par; acharemos que são precisas 600:000 obrigações de 5 por cento emittidas ao par para realisar esta conversão.
Como o valor real do 500:000 francos de bonds a 60 é do 540:000$000 réis, serão precisas 666:667 obrigações de 4 1/2 por cento para que o estado possa converter completamente os 500:000 francos em obrigações d'este typo collocados com preço equivalente ao da emissão de obrigações de 5 por cento feita ao par.
Quer v. exa. saber o que resulta do limite proposto? E que, feita a conversão no typo do 5 por cento, o estado póde converter integralmente os 500:000 francos de bonds, visto que as 379 decimas millesimas dos bonds correspondem a 632 decimas millesimas das obrigações; e que, se quizer realisar a conversão ao typo de 4 1/2 por cento, só poderá converter a parte dos bonds correspondente a 600:000 obrigações no referido typo de 4 1/2 por cento, deixando de converter 54:000$000 réis dos bonds ou sejam 50:000 francos nominaes, por isso que o estado só garante 379 decimas millesimas do seu valor nominal, o que corresponde a 632 decimas millesimas das 600:000 obrigações do typo de 4 l/2 por cento. (Apoiados.)
Como o limite é referido ao valor nominal dos titulos, o menor preço da collocação das obrigações emittidas traz como consequencia uma diminuição no numero de titulos amortisados. (Muitos apoiados.)
Não sei se logrei fazer perceber á camara o meu pensamento. (Vozes: - Muito bem. muito bem.)
A conversão dos bonds em obrigações amortisaveis produzirá um numero tanto maior d'essas obrigações quanto menor for o typo escolhido do juro nominal.
Como o limite é referido á totalidade do valor nominal de cada obrigação amortisavel, que o limite restringe é o numero de obrigações amortisaveis que o estado póde emittir para resgatar titulos do consolidado externo.
Por outra, o limite estabelece uma baliza para o numero de obrigações amortisaveis, em que se devem converter os titulos externos; mas não tem a menor influencia nas condições internas da operação da conversão. (Apoiados.)
Do que fica exposto apura-se: em primeiro logar, o limite não tem a mais pequena relação ou correspondencia com os termos e clausulas da operação financeira que o governo pretende realisar; em segundo logar, o limite é puramente orçamental, e reduz-se a restringir o numero de obrigações a emittir; em terceiro logar, o limite, o verdadeiro limite, e só esse, é a somma dos lucros annuaes da caixa geral de depositos, liquidos das despezas de administração e de gerencia. (Muitos apoiados.)
Chegado a este ponto, desejava chamar a attenção do governo e da illustre commissão para o que ficam sendo os lucros da caixa geral de depositos, se for approvado o projecto relativo á constituição do banco emissor. Não pretendo apreciar este projecto porque ainda não está o parecer relativo ao banco emissor sujeito á discussão do parlamento, e v. exa. poderia, em tal caso, e em harmonia com as disposições do regimento, chamar-me á ordem e impedir-me de o discutir.
Todavia sr. presidente, o projecto do banco emissor acha-se redigido de tal fórma, que se for approvado sem modificação na parte a que me vou referir, os lucros da caixa geral de depositos soffrerão grande diminuição; e se a camara reconhecer que os lucros da caixa geral de depositos desapparcerão, em parte, no caso do ser approvado o projecto do banco emissor sem alteração, por certo que o parla-

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mento duvidará conceder a auctorisação pedida neste projecto de lei para a realisação de uma conversão de títulos baseada no subsidio dos mencionados lucros, sem que o governo declare desde já acceitar uma modificação ao projecto do banco emissor, que evite a consequencia a que me vou referir.
Esta é a rasão por que vou citar umas disposições cio projecto do banco emissor, e, creio que v. exa. concordará em que faça uma referencia que não significa desacatamento pela lei interna d'esta casa.
O projecto do banco emissor diz assim:
«Art. 26.° É da competencia e faculdade do banco emissor effectuar as seguintes operações :
«3.° Emprestar sobre penhores:
«a) De oiro e prata e pedras preciosas, e títulos de divida publica portugueza.»
E acrescenta o artigo 27: «No exercício das operações mencionadas no artigo antecedente, o banco attenderá ás seguintes condições e restricções: 2.° Nas operações dos n.ºs 3 e 4, o limite do maximo do valor das cauções será: c) Em títulos de divida nacional,, 90 por cento do valor cotado e realisado nas bolsas nacionaes ou estrangeiras».
Inquirámos agora, sr. presidente, das fontes de receita da caixa geral de depositos.
A caixa geral de depositos tem a sua lei fundamental na carta de lei de 10 de abril de 1876, que diz no artigo 9.°: «São operações da caixa geral de depositos, alem das que se referem á recepção, guarda e restituição dos depósitos: 1.° Fazer adiantamentos de juros de quaesquer titulos de divida publica fundada interna ou externa: 2.° Fazer emprestimos a curto espaço sobre penhor dos mesmos títulos».
E esta lei tem o respectivo regulamento, que é de 6 de dezembro de 1887, onde se lê: «Artigo 70.° Os emprestimos sobre penhor de títulos de divida publica fundada, interna ou externa, serão feitos por praso certo de tempo, que não excederá a seis mezes, e por quantia que, em caso algum, poderá ser superior a 80 por cento do valor effectivo que os títulos tiverem no mercado».
V. exa. comprehende quaes são as consequencias a tirar da comparação d'estes textos que acabo de ler á camara: os emprestimos sobre penhores em títulos da divida nacional fugirão todos naturalmente para o banco emissor, por que, como os emprestimos do banco se podem estender até 90 por cento do valor d'esses títulos, é evidente que os mutuarios não hão de preferir um estabelecimento que lhes garante 80 por cento a outro que lhes garante 90 por cento. (Apoiados.)
O que resultará d'aqui será a diminuição dos lucros líquidos da caixa, e por conseguinte o compromettimento da operação financeira que estou discutindo, operação cujo exito e alargamento depende principalmente do subsidio proveniente dos mencionados lucros. (Apoiados.)
Urge portanto, sr. presidente, que o governo declare se acceitará, quando se discutir o projecto do banco emissor, qualquer emenda que ponha a caixa a coberto dos prejuízos inevitaveis, segundo as disposições que tive a honra de ler á camara. (Apoiados.)
Creio ter demonstrado que a precaução da parte 2.ª do artigo 1.° é perfeitamente esteril e inefficaz.
Creio ter demonstrado que o limite do § 1.° do artigo 1.° é um limite orçamental que nada tem com as condições internas da operação da conversão, e que o verdadeiro limite está no montante dos lucros líquidos da caixa geral de depositos; e creio ter tambem demonstrado que o governo, por falta de coherencia na redacção dos preceitos legislativos projecta estabelecer o banco emissor por fórma que, caso os preceitos citados prevaleçam na discussão parlamentar, os lucros da caixa geral dos depósitos hão de diminuir sensivelmente, o que ha de pôr em perigo, não só a operação da conversão mas a propria existencia da caixa geral de depositos, o que é gravíssimo. (Apoiados.)
Sendo insufficiente, como julgo ter provado á camara todas as garantias do artigo 1.° do projecto e do seu § 1.° ficam de pé os grandes inconvenientes da variedade de typo de juro. A importancia da annuidade ficará dependente da livre escolha do governo, conforme o typo preferido; as operações de bolsa virão sophismar as pseudo-garantias da lei; os syndicatos formar-se-hão para especular com a variedade do typo; o estado ficará á mercê de todas essas imposições, e os grupos financeiros servir-se-hão das alterações dos mercados estrangeiros para impor ao governo uma determinada fórma de emissão (Apoiados.)
O que é preciso é fixar no artigo 1.°, antes de tudo, a equivalencia entre o juro dos bonds e a annuidade das obrigações amortisaveis. (Apoiados.)
Posto isto, repito que não tenho duvida alguma em conceder ao governo a auctorisação que pede, sempre que a escolha de um typo de juro inferior significar diminuição de encargos para o thesouro, porque d'ahi não podem vir senão vantagens, e porque entendo que se procurará combinar a vantagem do thesouro com a facil collocação dos titulos amortisaveis.
Pelo projecto em discussão havia duvidas quanto a saber se o typo das obrigações amortisaveis ficava á escolha do contratante, e o illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas já fez essa pergunta, a que o sr. ministro respondeu na sua replica, declarando que tal escolha dependeria exclusivamente do governo.
Póde ser que o sr. ministro da fazenda acredite que não era uma pergunta facil de fundamentar, a do sr. Pinheiro Chagas, mas a verdade é que em algumas nações se tem deixado por vezes á escolha dos contratantes a designação do typo de juro dos titulos amortisaveis. Portanto, a pergunta do sr. Pinheiro Chagas era uma pergunta naturalissima, e necessaria á face dos termos em que o projecto se acha redigido. (Apoiados.)
S. exa. o sr. ministro disse que a escolha do typo pertenceria ao governo, e que este annunciaria previamente, que acceitava propostas em certo typo de juro para a amortisação.
Registo a declaração de s. exa. e estou certo que ha de cumprir a sua promessa.
Continuando a discutir o assumpto com a mesma serenidade, porque para mim o assumpto não é nem de política partidaria, nem irritante, direi que ninguem desconhece que se acha constituído um syndicato o qual tem por fim alcançar uma massa de titulos do consolidado externo, na importância de 6.000:000 de libras nominaes, e submettel-os á conversão, sendo preferido por este syndicato o typo de 4 1/2 por cento.
O primeiro motivo da preferencia do typo de 4 1/2 por cento é evidentemente a importancia do premio de amortisação, que n'esta hypothese, suppondo mesmo a emissão de obrigações de 4 1/2 por cento feita em equivalência da collocação ao par de obrigações de 5 por cento, representará 10 por cento do valor nominal das obrigações resgatadas, o que a juros compostos attinge, no fim de cento e cincoenta semestres, uma cifra enorme de benefícios para o syndicato.
Mais alem d'esta rasão, ha outra que é verdadeiramente commercial, e consiste ella em que, não sendo o typo de 4 1/2 por cento muito vulgar nas nações naeridionaes, todavia o typo de 4 1/2 tem grande acceitação nos mercados allemães, e sobretudo nos mercados austríacos,, abrindo assim o syndicato aos seus jogos de bolsa permanentes, mercados inteiramente novos, ou quasi inteiramente novos, para o papel portuguez. (Apoiados.)
Achando-nos em vesperas de vermos realisado essa operação, creio que não será de mais repetir ainda uma vez ao sr. ministro da fazenda, que tome todas as precau-

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ções na escolha do typo da operação, que envide todos os esforços no sentido de alcançar equivalencia entre a annuidade das obrigações do typo de 5 por cento o juro dos bonds a converter, e que dirija a sua intelligencia, o seu habito de tratar negocios financeiros, e a sua habilidade, pôr ninguem posta em duvida, de forma que se o typo escolhido não for de 5, mas de 4 1/2 ou 4 por cento, essa reducção produzida pelo abaixamento do juro nominal não seja unica e simplesmente a maneira de os contratadores verem engrossar em seu favor o premio da amortisação pelo crescimento pela differença entre a cotação do titulo e o preço pelo qual o estado o ha de resgatar, mas represente para a nação um beneficio real, e uma conveniencia effectiva. (Muitos apoiados.)
Não obstante a confiança que a camara deposita nos algarismos do sr. Carrilho e do sr. Marianno de Carvalho, é conveniente que os inscientes da transcendental sciencia das finanças verifiquem os cálculos feitos pelos mestres. (Riso.)
Vou occupar a attenção da camara mostrando o que é a exactidão dos calculos feitos pelo sr. Carrilho, quando sustenta a equivalencia das vantagens da conversão feita ao typo de 4 1/2 por cento ou de 5 por cento.
Antes de passar á verificação d'esses calculos, tenho de repetir que não suppuz a equivalencia entre o juro dos bonds e a anriuidade das obrigações amortisaveis, mas que procedi de harmonia com o principio seguido pela commissão, sob o ponto de vista adoptado por ella.
Não julgue tambem a camara que os numeros que lhe apresentarei têem de ser corrigidos pelo acrescimo do excesso de preço a que se refere a segunda parte do artigo 11°, pois o meu fim, assim como o do sr. Carrilho, é comparar, dadas as condições normaes de collocação, os resultados da emissão das obrigações amortisaveis, segundo é feita ao typo de 5 por cento ou ao typo de 4 1/2 por cento.
Diz assim o sr. relator:
«É facil apontar exemplo em que a inversão dos bonds em titules de 4 1/2 por cento, corresponde á dos titulos de 5 por cento. Apresentaremos um, com bonds a 60 por cento e obrigação de 5 por cento ao par, combinação, que tomámos por typo, visto que o juro real da obrigação amortisavel corresponde ao do nominal do titulo. Para converter 27.000:000$000 réis de bonds de 3 por cento a 60 por cento são precisas 130:000 obrigações de õ por cento ou 16.200:000$000 nominaes.»
Perfeitamente de accordo.
Para converter 27.000:000$000 réis de bonds de 3 por cento á cotação de 60 por cento, são precisas 180:000 obrigações de 5 por cento, ou 16.200:000$000 réis, cujo valor real nas referidas obrigações é igual ao seu valor nominal.
Até aqui a minha arithmetica, simples e singela, corresponde á mathematica superior do tr. ministro da fazenda, Marianno de Carvalho e do relator, o sr. Carrilho; mas d'ahi em diante, logo que entrâmos na comparação do resultado da operação feita aos typos de 5 por cento e 4 1/2 por cento, começâmos a divergir.
Ainda assim, não obstante a minha inferioridade, não confio menos nos meus conhecimentos rudimentares do que na sciencia vasta de s. exas. (Riso.)
Continua o sr. relator:
«O encargo annual d'essas 180:000 obrigações, amortisadas semestralmente, seria:

180:000 obrig. X 4$613,6219 (juro e amort.) ou 860:431$945 réis.»

Comprehende se isto perfeitamente: o sr. Carrilho multiplica o numero das obrigações a emittir ao typo de 5 por cento pela somma de duas quotas semestraes para juro e amortisação de uma obrigação, o acha a importancia dos encargos annuaes da operação.
Mas acrescenta o sr. Carrilho:
«Supponhamos os bonds tomados a 56 e as obrigações de 4 1/2 por cento emittidas a 76$453,9911 réis.
«Teremos que são precisas 197:766 obrigações para pagar os 15.120:000$000 réis, valor real dos 27.000:000$000 réis de bonds a 56 por cento.»
Ora, o encargo annual d'essas 197:766 obrigações, amortisadas semestralmente dentro de setenta e cinco annos, seria:

197:766 obrigações X 4$199,1644 réis 830:451$946 réis.»

É o caso mais extraordinário e curioso este que acabo de ler! O sr. relator tinha de demonstrar que ha hypotheses em que a emissão feita ao typo de 4 1/2 por cento dava os mesmos resultados da emissão feita ao typo de 5 por cento; e levou o seu ardor de demonstração até concluir que 860:000$000 reis é exactamente o mesmo que réis 830:000$000! (Riso.)
V. exa. sabe que a annuidade é tanto maior quanto maior é o capital real dos bonds, e que, para podermos comparar os resultados do duas emissões feitas por typos differentes de juro, é evidentemente necessario que o capital real dos bonds resgatados seja identico nas duas hypotheses, sob pena de serem differentes em absoluto os termos do problema. (Apoiados.)
Mas o que fez o sr. Carrilho? O sr. Carrilho comparou o resultado da emissão em titulos de 5 por cento com bonds a 60, com a emissão de titulos de 4 1/2 por cento, estando o bond a 56. (Muitos apoiados.) Foi engano, sr. presidente, puro engano. (Riso.)
Mas do engano resultou que o valor real dos bonds, na hypothese da emissão ao typo de 4 1/2 por cento, baixou 1.080:000$000 réis, baixa que se traduziu n'uma grande diminuição do numero de obrigações de 4 1/2 a emittir e conseguintemente n'uma grande diminuição do serviço da annuidade! (Muitos apoiados.)
Ou foi engano, e tem muita graça; ou não foi engano, e é muito bem achado. (Riso. - Apoiados.)
Façamos voltar o problema aos seus verdadeiros termos, quaes são os de comparar respectivamente, suppondo primeiro os bonds a 60 e depois a 56, os resultados da emissão em typo de 5 por cento e de 4 1/2 por cento, referidos á mesma cotação do consolidado externo. (Apoiados.)
Supponhamos o bond a 60, e façamos a operação para as obrigações do typo de 5 por cento emittidas ao par:
Os 27.000:000$000 réis de bonds têem o valor de réis 16.200:000$000. São precisas 180:000 obrigações, e o encargo da annuidade é de 831:409$920 réis.
Façamos a operação com a cotação dos bonds a 60 e a emissão de obrigações amortisaveis de 4 1/2 por cento:
O valor real a converter dos bonds é, como dissemos, de 16.200:000$000 réis. São, precisas 200:000 obrigações, collocadas ao preço equivalente da emissão em obrigações de 5 por cento feita ao par. O encargo da annuidade é do 840:978$000 réis.
Portanto, a differença entre as duas operações, conforme o typo de juro escolhido, é o de 5 ou de 4 1/2, acha-se ser de 9:569$080 réis. Tal é o excesso de encargos que pesará sobre o estado, sendo a emissão feita ao typo de 4 1/2. (Apoiados.)
Façamos agora o calculo, suppondo que os bonds têem a cotação de 56:
O preço corrente da collocação para as obrigações de 5 por cento será de 84$000 réis, e para as obrigações de 4 1/2 por cento de 75$602 réis.
No primeiro caso será necessario emittir 180:000 obrigações, e no segundo caso 199:995.
O encargo da annuidade, no primeiro caso, será representado pelo producto de 4:618,944 por 180:000, ou seja 831:409$920 réis.
O encargo da annuidade, no segundo caso, será repre-

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sentado pelo producto de 4:204,89 por 199:995, ou seja 840:956$975 réis.
Portanto, a differença entre as duas operações, conforme o typo de juro escolhido é o de 5 ou o de 4 1/2, acha-se ser, a mais no segundo caso, de 9:547$055 réis. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - O illustre deputado calcula agora a annuidade da amortição em 4$204 réis?
O Orador: - Já expliquei a v. exa.: 4$204,89 réis ou por excesso 4$205 réis, para as obrigações do typo de 4 1/2 por cento.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Não tinha ouvido bem.
O Orador: - Assim é que julgo que a comparação entre os resultados da acceitação do typo de 5 por cento e a do typo 4 1/2 por cento deve ser feita. (Apoiados.)
Comparar o resultado da emissão do typo de 5 por cento estando os bonds a 60, com o resultado da emissão do typo de 4 1/2 por cento estando os bonds a 56, parece-me extremamente curioso. (Muitos apoiados.)
Chegado a esta altura das minhas considerações, para a camara ter uma percepção nítida ácerca do prejuízo, que póde provir para o estado da escolha do typo de 4 1/2 em vez do de 5 por cento, relativamente á totalidade da divida externa, vou repetir o calculo, referindo-o á conversão de bonds cujo serviço de juro seja de 6.900:000$000 réis, que tal é, em números redondos, a importancia dos encargos actuaes da nação quanto á divida externa.
Esses 6.900:000$000 réis representam 230.000:000$000 réis nominaes do nosso consolidado de 3 por cento, e estando o bonds externo a 60 representam 138.000:000$000 réis de valor real.
Serão precisas 1.518:000 obrigações de 5 por cento emittidas ao par, ou 1.654:620 obrigações de 4 1/2 por cento collocadas ao preço correspondente, ou seja 81$000 réis.
Os encargos da annuidade seriam na primeira hypothese isto é, adoptado o typo de 5 por cento, de 7.082:380$800 réis; e na hypothese de ser escolhido o typo de 4 1/2 por cento, a aunuidade seria de 7.163:871$093 réis.
A differença entre os encargos seria portanto de réis 81:490$293, que o estado teria de supportar sendo a emissão feita ao typo de 4 1/2. (Apoiados.)
81:490$293 réis que o estado teria de entregar annualmente aos contratadores da conversão, caso ella attingisse a totalidade do consolidado externo, o que, repetido durante setenta e cinco annos; representaria uma dadiva de 6.011:752$100 réis.
E note a camara que n'este computo não calculo o valor do excesso das annuidades, adoptado que seja o typo de 4 1/2 por cento, com juros compostos, o que, como muito bem disse o sr. ministro da fazenda no seu discurso da sessão diurna, elevaria esta somma extraordinariamente.
Quererá a camara lançar-se na operação, tal qual a descreve o projecto em discussão?
Poderá a camara permittir que o governo use de uma auctorisação permanente d'esta ordem, na qual póde haver o perigo para o governo de tornar possível uma arguição que nem sequer desejaria ver formulada, pois qualquer que seja a nossa situação política n'esta camara, devemos sempre timbrar em que o governo portuguez assuma uma posição tão digna e elevada, que não possa ser atacado por arguição ou insinuação deshonrosa? (Apoiados.)
Note bem a camara o que vae fazer, permittindo uma variedade de typo de juro que, no caso de ser escolhido o typo de 4 1/2 por cento, póde representar um beneficio de muitos milhares de contos de réis para os portadores dos títulos externos de 3 por cento. (Apoiados.)
Tenho agora de dirigir algumas perguntas ao governo, relativamente ao § 2.° do artigo 1.°, segundo o qual a conversão é sempre facultativa para os portadores da divida externa.
O sr. ministro da fazenda já explicou esta manhã que a escolha do typo era da alçada da sua vontade, e nunca ficará á mercê do desejo dos contratadores. Mas alguns outros pontos necessitam de explicações categoricas por parte de s. exa.
Primeiro: o governo fará cotar as obrigações amortisaveis em todas as bolsas onde existe cotado o consolidado externo?
A resposta é indispensavel, porque s. exa. sabe bem que, conforme a sua resposta for ou não affirmativa, assim variarão immenso as condições da concorrencia. Não declarando o governo que envidará todos os esforços no sentido da generalidade da cotação, os portadores individuaes dos títulos ficarão á merco dos grupos de banqueiros ou syndicatos, que só terão interesse de fazer cotar uma determinada parte das obrigações emittidas. (Apoiados.)
Segundo: o governo garante a qualquer portador as mesmas vantagens que porventura conceder a um grupo financeiro?
V. exa. comprehende que a operação da conversão necessita de ser realisada, de maneira a salvaguardarem-se, acima de tudo, os interesses geraes da nação, e os interesses geraes da nação requerem que a concorrencia seja o mais vasta possível, porque quanto maior for a concorrencia mais alto será o preço da collocação, e conseguintemente mais baixo o juro real dos títulos amortisaveis.
É preciso garantir os interesses do estado e garantir igualmente os interesses dos particulares que não pertencem a grupos financeiros e que não encontram na sua força individual uma arma sufficiente contra as propotencias destes grupos ou contra a influencia d'elles. (Apoiados.)
Sou chegado á ultima parte das minhas considerações e lastimo ter abusado por tanto tempo da paciência da camara, mas v. exa. comprehende que este assumpto necessita de ser largamente esmiuçado, porque pela sua natureza complexa não permitte uma apreciação synthetica. (Apoiados.)
Que o systema adoptado para a conversão do consolidado externo devia ser applicado ao consolidado interno prova-se, como eu demonstrei, pelas vantagens de reduzir o nominal da divida, prova-se pela necessidade de garantir aos portadores do consolidado interno as mesmas vantagens que podem fruir os portadores do consolidado externo, e prova-se ainda pela necessidade de abrir á operação um mercado larguíssimo que garanta a concorrencia, unico meio de porventura se alcançar uma collocação de obrigações amortisaveis com juro real relativamente inferior.
Sr. presidente, sou agora chegado á segunda questão que se póde ventilar a proposito do artigo 2.° do projecto, a analyse especial do systema de conversão applicado aos títulos de divida, interna.
Resta saber se o systema adoptado pelo sr. ministro da fazenda e seguido pela commissão de fazenda, é util e applicavel ao paiz portuguez. (Apoiados.)
Porque é que o systema de conversão applicado ao consolidado externo só não applica ao consolidado interno? Será porque existe outro systema mais vantajoso para a conversão do interno, qual é o de converter as inscripções em títulos de pensões vitalícias?
Vejamos.
É curioso o preceito do artigo 2.° onde se diz:
«É igualmente auctorisado o governo a converter o fundo consolidado interno de 3 por cento em pensões vitalícias, numa ou duas vidas, dentro dos limites da verba annualmente fixada no orçamento para esse fim, alem das sommas correspondentes aos juros das inscripções convertidas.»
É extraordinario que, tendo nós um orçamento rectificado, que só na parte relativa ao deficit extraordinario sobe a 8.010:000$000 réis, vamos tentar uma operação de conversão, que equivalerá a augmentar esse deficit! As operações de conversão tentam-se quando, pela sua effectuação,

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se póde realisar um beneficio para o thesouro; mas auctorisar uma conversão, com um subsidio de amortisação que vae engrossar o deficit do orçamento, é desfazer por um lado o que se deseja fazer por outro. (Apoiados.)
Eu admitto um systema de conversão em que os beneficios oriundos da operação deem para pagar as despezas da amortisação; isso é conveniente; mas um systema que se limita a augmentar o deficit não tem vantagem nenhuma, e só representa, mais um motivo inadiavel e periodico de recurso a divida fluctuante.
E a proposito de divida fluctuante, fazendo aqui uma interrupção na ordem de considerações referentes ao projecto em discussão, permitta-me v. exa. e permitta-me á camara que responda a uma asserção, filha certamente de equivoco, que o sr. ministro dá fazenda aventou, quando respondeu á umas perguntas minhas relativas ao pagamento dos vencimentos e prets da tropa do Porto.
Essa asserção foi depois repetida pelo sr. Marianno do Carvalho n'um discurso proferido por s. exa. quando se discutia o projecto relativo á conclusão da rede de estradas reaes e districtaes; e um membro da maioria, o sr. Antonio Maria de Carvalho, se me não engano, reeditou-a, acrescentando de sua casa o que lhe pareceu conveniente.
O sr. ministro da fazenda, querendo demonstrar que a situação da fazenda publica melhorara com o advento dos actuaes ministros aos conselhos da corôa, lembrou que nos ultimos tempos de vida do ministerio regenerador o sr. conselheiro Hintze Ribeiro mendigava, de porta em porta, pequenos supprimentos de divida fluctuante, de poucos contos de réis, tal era o descredito a que havia chegado a sua gerencia financeira.
Eu attribuo esta afnrmação, tão injusta como grave, (Apoiados.) a um equivoco da parte de s. exa. o sr. ministro da fazenda.
Presto a devida homenagem á sinceridade e lealdade do seu caracter para suppor que s. exa., caso se tivesse lembrado das declarações feitas pelo illustre estadista regenerador na camara dos pares, não avançaria em pleno parlamento uma asserção, que, se não a julgasse filha de um equivoco, teria de taxar de calumniosa. E sem lançar a nota irritante n'este debate, mas unicamente para que o paiz fique sabendo o que ha de verdade n'esta arguição, e que por fórma alguma são exactas as accusações dirigidas ao sr. Hintze Ribeiro pelo sr. ministro da fazenda e pelo sr. Antonio Maria de Carvalho, vou ler algumas palavras proferidas por aquelle cavalheiro na camara dos pares, na sessão de 6 de abril de 1886, no momento em que o partido regenerador acabava de largar o poder e o partido progressista assumia as rédeas do governo.
Disse o sr. Hintze Ribeiro:
«Em 19 de dezembro de 1885 assignei o despacho ácerca do qual tão falsos boatos e tão desvirtuadas apreciações se propalaram em alguns orgãos da imprensa, com o unico intuito de mal ferir o governo transacto, embora a despeito da verdade dos factos.
«Esse despacho tenho-o aqui, e na sua integra o vou ler á camara.
«É o seguinte:
«Visto a elevação da taxa do desconto da praça de Londres, e attendendo á necessidade que ha de continuar a recorrer a operações da divida fluctuante interna para pagamento das despezas extraordinarias votadas pelo parlamento, fica auctorisada a direcção geral da thesouraria a mandar pagar pelas referidas operações o juro de 6 por cento ao anno, podendo tambem abonar aos individuos, que, de conta propria ou alheia, fornecerem 100:000$000 réis ou mais, a corretagem de 1/8 por cento por tres mezes ou de 1/2 por cento, ao anno.
«Paço, 19 de dezembro de 1885. = Hintze Ribeiro.
«Agora póde a camara apreciar como foram artificiosas as arguições em que tanto se porfiou quando eu era ministro da fazenda. E á camara vou dizer o que foi, e em que consistiu a intervenção dos corretores.
«Antes de se lavrar aquelle despacho, fui procurado por alguns corretores da nossa praça que me ponderaram: que era limitado o mercado das transacções, e que por isso soffriam consideravel diminuição nos seus proventos; que, pois, se eu não achasse nisso inconveniente, como realmente não podia haver, pediam permissão para entrar com capitães dos seus clientes para a divida fluctuante, mediante uma commissão que o governo determinaria a seu aprazimento.
«Eram os corretores que vinham offerecer recursos ao thesouro, em nome do seu proprio interesse, e não o governo que os procurava, solicitando o seu auxilio.
«Nem aquelle meu despacho favorecia exclusivamente os corretores; a commissão de corretagem de 1/2 por cento ao anno era attribuida a todos os que, de sua conta ou de conta alheia, entrassem com mais de 100:000$000 réis para o thesouro. E esta mesma commissão, ou corretagem, foi agora mantida, e nos mesmos termos, pelo actual sr. ministro da fazenda, o que importa um formal desmentido dado por s. exa. ás accusações que se me dirigiram.
«Já vê a camara quanto isto é differente do que se disse em tempo: que se tinha ido pedir de porta em porta os meios necessarios para occorrer aos encargos da fazenda publica.»
Terminando o seu discurso o sr. Hintze Ribeiro, o cavalheiro que se levantou immediatamente e fez uso da palavra foi o sr. ministro da fazenda. No resumo do seu discurso nem uma só palavra se encontra, pela qual se procurasse, já não digo desmentir, mas modificar a verdade dos factos expostos pelo sr. Hintze Ribeiro! (Apoiados.)
Creio que o sr. ministro da fazenda será o primeiro a render preito e homenagem, não direi só aos dotes d'aquelle estadista, mas á maneira perfeitamente digna e correcta como s. exa. precedeu, relativamente aos supprimentos de divida fluctuante. (Apoiados.)
Como affirmei á camara, entrando na analyse do artigo 2.° do projecto, o systema de descrever no orçamento verba para a amortisação do consolidado interno corresponde a aniquillar o proprio pensamento da amortisação, por isso que se vae sobrecarregar a despeza orçamental com mais uns tantos contos de réis, para os quaes não existe ainda receita creada. Isto, quando as finanças publicas se acham oneradas com a execução de obras dispendiosissimas, superiores na actualidade aos nossos recursos economicos. (Apoiados.)
Assim, nós temos o orçamento sobrecarregado com grandes obras de caminhos de ferro, com obras hidraulicas, e, á ultima hora, acrescem as propostas do sr. ministro da guerra, as quaes, acredito bem, não são mais do que um bilhete pour prendre congé, apresentado por s. exa. ao seu partido e ao governo. (Riso. -Apoiados.)
Ha um outro facto, que não sei explicar. O relatorio da commissão occupa-se quasi todo em fazer comparações de resultado de conversões, segundo a cotação d'estes ou d'aquelles titulos; não se ve ali senão calculos e tabellas, e todavia chega-se á conversão do consolidado interno e lê-se o seguinte:
«A vossa commissão concorda tambem com esta proposta, entendendo para isso que deve annualmente ser fixada a cotação das inscripções: inverter em pensões vitalicias, para se conhecer o juro real das mesmas inscripções. Na actualidade, e de accordo com o governo, fixou essa cotação em 54,54 por cento correspondente ao juro real de 5 1/2 por cento. Essa cotação regulará até 30 de junho de 1888.»
Este pensamento acha se formulado no § 3.° do artigo 2.° do projecto.
Como é que se combina este pensamento, que predomina na attenção do governo e no espirito da commissão, com o proposito de querer alcançar um beneficio pela

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SESSÃO NOCTURNA DE 3 DE JUNHO DE 1887 985

realisação da operação financeira? Como se combina o plano de aproveitar as differentes e variáveis condições do mercado com esta uniformidade, na cotação de consolidado interno? (Apoiados.)
Pois não disse o sr. ministro da fazenda, ainda esta manhã, que necessitava de uma lei que o auctorisasse a emittir titulos do typo de 4 1/2 ou de 4, porque podia acontecer que o dinheiro embaratecesse a ponto de que as obrigações de 5 por cento chegassem a ser cotadas acima de 90$000 réis? Como se explica que se fixe uma cotação determonada para o consolidado interno até junho de 1888? Só sei explicar por uma fórma: e é que este systema de conversão para o consolidado interno formulou-se para não se applicar, ou em virtude da sua difficuldade ou da reluctancia publica para essa transformação de titulos de divida publica. (Apoiados.)
V. exa. sabe que o systema de renda vitalicia póde ter larga applicação, póde ter grande acceitação, conforme o paiz em que é posto em pratica. O regimen da divida publica deve estar sempre em harmonia com as tradições e habitos do meio para que se legisla; se o meio se remodela constantemente, é facto que as suas condições de conservação baseiam se em antecedentes de vida e em costumes profundamente enraizados. (Apoiados.)
Se ha habito insistente na nossa terra, é sem duvida o de procurar uma collocação perpetua do dinheiro economisado.
Não conheço o menor symptoma no regimen da nossa economia que habilite o governo a julgar que podem ter larga procura os titulos de renda vitalicia.
O regimen da propriedade está, desde eras bem remotas, immediatamente ligado ao regimen da herança, legitima ou testamenteira. Ha duas classes de phenomenos que caminham a par e passo; as que respeitam á evolução da propriedade e á transmissão de bens por morte.
O pensamento que predomina no chefe de familia portuguez, no individuo que possuo bens e tem herdeiros, é transmittir esses bens, apesar de todas as difficuldades, de maneira que consiga, por meio de titulos de divida consolidada ou de propriedade territorial, a perpetuidade da renda e a conservação dos capitães. (Apoiados.)
É finalmente opposto ao que se dá na Inglaterra, porque o regimen da herança, assente no principio da liberdade de testar, está ali estabelecido por uma fórma inteiramente differente d'aquella por que nos regemos em Portugal.
Sendo assim, com que direito se vão applicar um systema de conversão que é tão opposto ás condições de vida economica da nossa sociedade, aos estimulos ordinarios de acquisição da propriedade territorial e ao nosso systema de heranças?
O regimen das rendas vitalicias applicado a um estado tão diverso da Inglaterra, em costumes e em tendencias economicas, é de resultados mais do que problematicos, puramente fortuitos, dependentes do acaso do momento. (Apoiados.)
A tendencia d'aquelles que possuem bens, dados os nossos hábitos de vida, hade continuar a ser para preferirem, como todos os factos mostram, o titulo de uma divida perpetua ao titulo de uma pensão vitalicia. (Apoiados.)
Tambem não sei explicar por que rasão, com que motivo se applicam ao nosso paiz as tabellas de mortalidade das vinte e duas companhias inglezas e as do dr. Ogle, feitas para um paiz profundamente diverso do nosso. (Apoiados.)
Por acaso as nossas condições climatericas são as mesmas? O nosso systema de alimentação é o mesmo? A duração da vida media e provavel está demonstrado que seja a mesma? A mortalidade do povo portuguez provou-se que era igual á da raça anglo-paxonica? (Apoiados.)
É possivel que esses factos venham ainda a apurar-se, mas falta proceder a esses estudos. (Apoiados.)
Não se toma de umas tabellas de mortalidade de uma nação que está em condições inteiramente differentes das nossas para as applicar arbitrariamente ao nosso paiz. (Apoiados.)
O rasoavel era admittir para a conversão do consolidado interno o mesmo systema adoptado para a conversão do consolidado externo. (Apoiados.)
Tinhamos meio de o fazer?
Respondo com o que na sessão diurna observou o sr. Carrilho, repetindo o que se lê no seu relatorio, relativamente á possibilidade de amortisar com os lucros da caixa geral de depositos uma somma muito superior á da totalidade da divida consolidada portugueza, com uma collocação de obrigações amortisaveis que ninguém supporá impossivel de obter.
Se os lucros da caixa geral de depósitos continuam a subsistir, se não forem annullados em parte pelo projecto do banco emissor, não ha motivo sufficiente para não se applicar á divida consolidada interna o mesmo systema que é applicado ao consolidado externo. (Apoiados.)
Antes de terminar, sr. presidente, resta me pedir á illustre commissão que resolve uma falta: é a de declarar a cargo de quem ficam as despezas de papel, de impressão e de sêllo das obrigações amortisaveis. No projecto relativo á emissão dos titulos de divida externa e da conversão de londz ao portador em titulos nominativos, estabeleceu-se que o pagamento destas despezas ficará a cargo dos interessados.
Parece-me, pois, que se deve inscrever no projecto em discussão uma disposição similhante.
Eis o que tinha a dizer a respeito do projecto, e v. exa. sr. presidente, ha de concordar em que se não o discuti na altura devida, o que se deve atribuir á pouquidade dos meus recursos intellectuaes, todavia discuti-o procurando manter a sua analyse fóra do campo da politica partidaria. Nas discussões parlamentares cumpre adoptar uma linha de coducta, perfeitamente em accordo com a natureza do assumpto que se discute. Em assumptos pura e evidentemente technicos, devemos discutir com toda a serenidade e fleugma, como exige a importancia e gravidade das materias que prendem com os mais caros interesses nacionaes, quaes são os do thesouro publico, os das finanças publicas. (Apoiados.)
Perdoe-me a camara ter occupado por tanto tempo a sua attenção, e consinta que lhe agradeça a sua benevolencia.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por toda a camara).
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara convida o governo e a commissão de fazenda a remodelar o projecto em discussão, conformemente aos interesses do estado e á actual situação financeira, e passa á ordem do dia.
Sala das sessões da camara dos deputados, 3 de junho de 1887. = João Arroyo.
Admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Respondeu detidamente ao discurso do orador precedente.
(Será publicado o discurso quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Fuschini: - (Como o sr. deputado ficou com a palavra reservada o discurso será publicado com o da seguinte sessão.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Era meia noite.

Redactor - S. Rego.

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