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SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1888

Presidencia do ex.mo sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os ex.mos srs.
Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado

SUMMARIO

Segunda leitura e admissão de dois projectos do lei, um do sr. Bandeira Coelho e outro do sr. Francisco Mattoso. - Representação mandada para a mesa pelo sr. Fernandes Vaz. - Requerimentos de interesse particular apresentados pelos srs. Francisco Machado Bandeira Coelho e Alfredo Pereira - Justificações de faltas dos srs. Figueiredo Mascarenhas. Serpa Pinto e João Arroyo - Apresenta um projecto de lei o sr. Guimarães Pedrosa. - O sr. Bandeira Coelho acompanha com algumas considerações o requerimento que inundou para a mesa. - O si. Fernandes Vaz recomenda á consideração das respectivas commissões as tres representações que mandou para a mesa, pedindo a ligação da linha ferrea da Beira Alta com a do Douro; pede tambem que sejam publicadas no Diario do governo e a camara concorda. - Considerações do sr. Francisco Machado, a proposito dos requerimentos que mandou para a mesa. - O sr. Teixeira de Vasconcellos, referindo-se á cultura vinicula, pergunta ao governo se já mandou proceder á analyse dos productos apresentados ultimamente por dos industriaes como efficazes para a destruição da phylloxera. O sr. ministro das obras publicas. - Manda para a mesa uma renovação de iniciativa o sr. Fuschini - Hintze Ribeiro occupa-se de diversos assumptos attinentes aos Açores Responde-lhe o sr. ministro da justiça. - O sr. Jalles insta pela remessa de uns documentos que requereu, pelos ministerios da fazenda e da guerra. - O sr. Arroyo protesta contra a não comparencia da maior parte dos membros do gabinete Explicações do sr. ministro da justiça. - O sr. Franco Castello Branco associa-se ás considerações do sr. Arroyo, tanto mais que desejava tratar com o sr. presidente do conselho de um assumpto, a respeito do qual s. exa. seria o mais competente para dar explicações; queria referir-se a noticia de que vae ser apresentado uma proposta de lei augmentando os direitos sobre o trigo e sobre a farinha. Responde lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que por ultimo da conhecimento á camara de uma communicação que hoje lhe fizera o representante do imperio da Allemanha em Lisboa. - Usa segunda vez da palavra o sr. Franco Castello Branco, ácerca da questão do augmento de direitos sobre o trigo e farinhas.
Na ordem do dia continúa em discussão o projecto de resposta ao discurso da corôa, usando em primeiro logar da palavra o sr. Laranjo para terminar o seu discurso, começado na sessão anterior, em resposta aos oradores da opposição. - A requerimento do sr. Vieira de Castro proroga se a sessão ato se votar o projecto - Apresenta e sustenta detidamente uma moção de desconfiança contra o governo o sr. Jacinto Candido. Responde lhe o sr. visconde da Torre, apresentando uma moção em sentido contrario - o sr. Ruivo Godinho, que tambem apresenta e sustenta uma moção no sentido de que o governo não satisfaz ás necessidades do paiz. - Julga-se a materia discutido, a requerimento do sr. Sebastião Nobrega. - Lêem-se na mesa, a requerimento do sr. Pedro Monteiro, os nomes dos srs. Deputados que restavam inscriptos. - São lidas e approvadas as propostas as propostas dos srs. Lopo Vaz e Marçal da Torre pedem, e a camara permitte, que sejam retiradas as moções. - São rejeitadas as do srs. Consiglieri, João Pinto, Arroyo, Jacinto Candido e Ruivo Godinho - É approvado o projecto, não por paragraphos, mas n´uma só votação, como requerêra o Vicente Monteiro.

Acta - Approvada.

Abertura da sessão - Ás duas horas da tarde.

Presentes á chamada 45 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Guimarães Pedrosa, Antonio Maria de Carvalho, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, Eduardo José Coelho, Francisco Beirão Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Sá Nogueira Candido da Silva, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Menezes Parreira, Sousa Machado, Correia Leal, Joaquim da Veiga, Amorim Novaes, Ferreira Galvão, Pereira de Matos, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão José de Napoles, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Julio Graça, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Martinho Tenreiro e Pedro Victor.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaes, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Mazziotti, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, Bernardo Machado, Lobo d´Avila Eduardo de Abreu, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Mattoso Santos, Almeida e Brito, Castro Monteiro, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu Sant´Anna e Vasconcelhos, Izidro dos Reis, Viera de Castro, Rodrigues dos Santos Silva Cordeiro, Oliveira Martins Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Avellar Machado, José Castello Branco, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Laranjo, Pereira doa Santos, Ferreira Freire, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Abreu e Sousa, Júlio de Vilhena, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Vicente Monteiro, Visconde da Torre, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Não compareceram á sessão os srs.: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alves da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Augusto Ribeiro, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firmino Lopes, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos Alfredo Ribeiro, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Jorge O´Neil, Alves e Marçal Pacheco. Alpoim, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Santos Moreira, Santos Reis, Julio Pires, Mancellos Ferraz, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Matheus de Azevedo, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz e Wenceslau de Lima.

Acta. - Approvada.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Dizia Napoleão I que: «Dans la guerre de siége, comme dans celle de camagne, e´est le canon qui joue le principal rôle».

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Em obediencia a este pensamento do grande mestre, é forçoso reconhecer que a actual organisação das tropas da nossa artilheria é deficiente para satisfazer ás crescentes exigencias do combate moderno.

Assim o reconheceu o fallecido estadista Fontes, quando no relatorio que precedo o projecto de lei apresentado ás cortes era 1884 escreveu: «a artilheria, mesmo depois do augmento proposto, é que fica muito abaixo do indispensavel, segundo a proporção moderna, para um exercito, ainda quando não seja maior de 100:000 homens.

«30 baterias ou 180 bocas de fogo, sem contar algumas peças de montanha, não chegam a representar 1,8 da força total em 1:000 homens. Seria preciso o dobro, pelo menos, para que esta arma. ficasse em boas condições. Não permittem, comtudo, as nossas circumstancias financeiras, desde já, que se eleve tão consideravelmente a despeza. O melhoramento que se propõe é muito importante e n'outra occasião mais propicia será elevada a artilheria ao ponto que é necessario attingir, para que esta arma satisfaça, numericamente fallando, ás exigencias da guerra na actualidade.»

Isto é effectivamente verdadeiro, pois que não só o numero de bôcas de fogo por 1:000 homens é muito inferior ao limite minino adoptado nos principaes exercitos europeus, mas ainda a proporção entre o numero de baterias é muito pequena em relação ao numero de batalhões de infanteria que, segundo a actual organisação, devemos ter em tempo de guerra; assim é que temos apenas 36 baterias para 108 batalhões do infanteria, emquanto que na Belgica ha 40 baterias para 78 batalhões; na Grecia 12 baterias para 21 batalhões; o exercito frances; tem 437 baterias para 606 batalhões; o exercito allemão, 364 baterias para 503 batalhões; e, finalmente, a Dinamarca, 24 baterias para 31 batalhões; de sorte que, se entre nós se estabelecesse a mesma proporção, deveriamos ter 55, 151, 77, 78 ou 83 baterias montadas, conforme adoptassemos a proporção seguida n'aquellas nações pela ordem em que ficam enumeradas.

Até a Turquia duplicou agora a sua artilheria. Segundo a ultima organisação, o exercito ottomano compõe-se de 274 batalhões de infanteria, 141 baterias montadas, 27 baterias de montanha e 18 a cavallo, isto ò, 159 baterias montadas e a cavallo para 274 batalhões!

O que fica dito prova que temos um limitado numero de baterias de campanha, quer se considere a relação que deve existir entre o numero de baterias e o numero de batalhões, quer só attenda á proporção adoptada entre o numero de bôcas de fogo e 1:000 homens.

O projecto de organisação das tropas de artilheria que temos a honra do apresentar, pouco attenda este inconveniente, para remediar, o qual seria necessario avultada despeza.

A artilheria em tempo de guerra fica com o mesmo numero de baterias que está estabelecido na actual organisação; isto é, 36 baterias de campanha a 6 bôcas de fogo, ou sejam 216 peças e mais 6 baterias de montanha a 8 peças.

A principal vantagem do projecto é tornar effectiva a mobilisação das 36 baterias, que agora é completamente impossivel, o, facilitar o tornar mais expedita a passagem ao pé de paz ao pé de guerra, não crescendo, n'essa occasião, novas unidades, mas sómente reforçando com praças de reserva os effectivos das baterias já existentes e organisadas em tempo de paz

Augmentar o numero de unidades, o numero de bate rias na mobilisação, como está prescripto na organisação de 1884, é grave erro, contrario aos principios e regras actualmente seguidos.

[texto em francês]
Assim Blume no seu estudo Stratégie escreve: «Le pas-sagc du pied de pais: au pied de guerre amène dês frottc-ments móvitables et si uombreux, que l'on ne doit rien uégligcr pour Ics dimmuer. Or, on atteiut évidemment cê dernior résultat, si lê commandemcnt du temps de paix est lê môrne que celui du ternps do guerre, si lês tropos qui doivent opérer ensemble à Ia guerre sont déjà unies entre elles par Ia formation de paix, et si, au moment de l'ou-verture dês hostilités, cheís et tropes se connaissent déjà

«Pour dês coiibidérations múltiplos, il n'est pás toujours possible d'appliquer complètement cês príncipes. Mais plu» Ia formation de paix se rapprochera de cello du temps da gaorre, plua ou est súr d'avoir à Ia guerre une arméo bien organisée.» E ainda Lewal na Reforme de 1'armée nos diz: «L'armée doit toujours ôfre mobilisable en quelques jours, et lês corps píêts à faire mouvement en quolques heuresí.

No actual projecto suppõe-se que o exercito só compito do dois divisões militares, quatro das quaes constituem, em tempo de guerra dois corpos de exercito de duas divisões cada um, ficando independentes as suas divisões restantes, como consta ter sido proposto no plano de mobilisação elaborado pelo corpo de estado maior.
Para conveniente agrupamento da artilheria de campanha do exercito activo, e sua distribuição nas divisões militares e corpos do exercito, dividimos a artilheria em artilheria divisionária c artilheria de corpo.»

[texto em francês]
Como justificação d'esta divisão citaremos o que escreve Lewal no Etudes d?s guerres: «L'artilheric divisionnuire n'aura pás toute 1'intensité de feux désirable à certains moments. Ellc doit pouvoir trouver un renfort, et co n'est pás à une autre division qu'elle lê demandera ordinaire-ment. L'apparition mopiriée do quelques batteries, durant Ia lutte, est toujours d'un grand cffet, et cc iôle ne peut appartenir aux batterics divisionnnires. L'obligation d'oc-cuper dês positions avant 1'arrivée dcs troupes, de combler dês lacunes daus lê fiont de combat, cTaquérir dês diver-sions à distance, de donner dês secours à un voisin dans l'embarra's, necessito une force d'artilherie dispomblo dont ou puissc faire usage, sans nuire aux opérations cntiepri-aes, sans toucher aux batteries divisionnaires.
a Lê príncipe de rospecter 1'organisation divisionnaire a pour corollaire force 1'existence de 1'artillerio de curps.
«L'artillerie de corps d'armée presente de très-nombroux avantages et elle a bieri dês motifs d'exister.»

A «artilhem divisionaria» compõe-se de 3 regimentos a 8 baterias, que fornecem um grupo de 4 baterias a cada uma das 6 divisões militares, sendo cada um dos grupos commondado por l major. Os coroneis e tenentes coroneis dos regimentos divisionarios são aggregados aos quarteis generaes e fazem parte do estado maior dos commandantes das divisões a que são distribuidos os grupos de baterias.
A «artilheria de corpo» compõe-se de 2 regimentos a 6 baterias, pertencendo um regimento a cada corpo de exercito. Cada um dos regimentos forma dois grupos de 3 baterias, commandadas por majores, sendo os dois grupos reunidos commandados, em tempo de guerra, pelo tenente coronel. O coronel, commandante do regimento, é aggregado ao quartel general e faz parte do estado maior do commandante do corpo de exercito a que pertencer o seu regimento,
Em tempo de guerra, cada bateria dos regimentos do artilheria, divisionaria ou de corpo, terá 6 peças, 6 carros

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de munições, 3 carros de bateria e 1 forja. Em tempo de paz terá apenas 4 peças.

A artilheria de montanha, na força de 6 baterias a 8 peças, ou seja 48 poças, em tempo de guerra, não faz especialmente parte de qualquer divisão ou corpo de exercito, podendo comtudo ser distribuída por qualquer d'estas grandes subdivisões do exercito, segundo entender o commandante em chefe, á disposição do qual estará para acudir aos pontos em que a sua presença se torne necessaria.

Os dois grupos de 3 baterias, que constituem o regimento de montanha, são commandados por majores, sendo os 2 grupos reunidos commandados por um tenente coronel.

A artilheria de montanha em tempo de paz 6 reduzida a l brigada de 2 baterias, commandadas por l major, mantendo-se em tudo a actual organisação. É esta brigada que serve de núcleo á formação do regimento de montanha.

Em tempo de guerra, cada bateria d'este regimento terá 8 peças o 32 cofres para munições; podendo comtudo este numero variar conforme o numero de linhas de cofres, que, segundo for determinado, devem acompanhar a bateria. Em tempo de paz terá apenas 6 peças.

Não estando concluidas as fortificações de Lisboa e seu porto; não havendo conhecimento de quaes sejam as praças de guerra e pontos fortificados, actualmente existentes, que o governo deseja conservar, e o modo como devem ser artilhados e guarnecidos, não ha por isso base segura para a reorganisação da nossa artilheria de guarnição. Sabe-se comtudo que é muito diminuta a força d'esta artilheria; que os 2 regimentos e as 4 companhias de guarnição que temos, são insufficientes para occorrer ao serviço que lhes compete, estando os corpos disseminados em numerosos destacamentos e as praças separadas, por muito tempo, dos regimentos a que pertencem com grave prejuizo da disciplina, e especialmente da instrucção.

Com o fim de melhorar as actuaes condições da artilheria de guarnição, augmentando-a e distribuindo-a mais convenientemente em tempo de paz, e ao mesmo tempo, facilitar a mobilisação das 28 companhias que, segundo a actual organisação, deve haver em tempo de guerra, propõe-se a formação de 2 batalhões de 4 companhias cada um, sendo um d'elles destinado para o forte de Caxias e o outro para Vianna do Castello.

Supprime-se a companhia n.° 4, que tem actualmente o seu quartel na praça de S. Julião da Barra, sendo o serviço d'esta praça feito por uma das companhias do batalhão aquartelado em Caxias, podendo assim todas as praças do mesmo batalhão ser instruidas e amestradas no serviço da artilheria de costa, serviço que constituo uma especialidade dos corpos da guarnição.

Um dos generaes de brigada, que tenha feito a sua carreira na arma de artilheria, desempenhará a commissão de «inspector dos corpos de artilheria». Este inspector estará debaixo das immediatas ordens do commandante geral e terá por principal missão inspeccionar annualmente os corpos da arma, a fim de verificar, não só o estado da escripturação e contabilidade dos mesmos corpos, mas principalmente a sua instrucção, cumprindo-lhe propor todos os alvitres que julgar convenientes para que ella seja tão util e proveitosa quanto possivel.

Nas inspecções annuaes, o general inspector será acompanhado por um official superior da arma, nomeado pelo commandante geral, que o Coadjuvará no serviço que lhe incumbe.

A realisação dos melhoramentos propostos, cujas vantagens são indiscutiveis e incontestaveis, será apenas um passo dado no caminho da conveniente reorganisação da nossa artilheria.

Com effeito, para dar a esta arma a importancia e o desenvolvimento que deve ter, em harmonia com os principios modernos e geralmente adoptados nas principaes nações militares, e ainda para estabelecer a justa e devida proporção entre a artilheria e as outras armas combatentes seria indispensavel:

1.° Elevar de 6 a 8 o numero de baterias dos regimentos de artilheria de corpo, cuja organisação se propõe; a fim de poder dotar cada corpo de exercito com 96 peças, como está estabelecido nos principaes exercitos da Europa.

2.° Elevar de 4 a 6 o numero de bôcas de fogo em cada bateria, a fim de conservar organisado, mesmo em tempo de paz, as baterias de combate, tornando-se assim mais profícua a instrucção e muito mais facil a passagem do pé de paz ao pé de guerra.

3.° Organisar o regimento de montanha em tempo de paz, para facilitar a mobilisação que hoje seria muito difficil, senão impossivel.

4.º Organisar em cada regimento de campanha, divisionario e de corpo, uma ou mais baterias de deposito, que, em tempo de paz recebessem as praças addidas ao regimento e em tempo de guerra recebessem as praças e o gado que não podesse acompanhar as baterias mobilisadas, e recebesse tambem e instruisse as praças da reserva destinadas a supprir as baixas do regimento em operações.

5.° Crear em cada regimento, parte dos quadros que hão de constituir o nucleo das columnas de munições que devem organisar-se em tempo de guerra, ou organisar as baterias por fórma que, desdobrando-se, na occasião da passagem do pé de paz ao pé de guerra, podessem fornececer o pessoal destinado áquellas columnas.

6.° Augmentar o numero de soldados em cada limadas companhias de artilheria de guarnição, elevando os effectivos a 100 ou 120 soldados, ou mesmo transformar os 2 batalhões em regimentos, conforme o desenvolvimento das fortificações que deverem guarnecer.

Se as nossas circumstancias fianceiras não permittem a realisação de uma reorganisação das tropas da arma de artilheria em harmonia com estes principios, é certo, porém, que o projecto de lei, ainda que mesquinho, que temos a honra de apresentar, quando mereça a vossa approvação, proporcionará um tão notavel melhoramento na organização da nossa artilheria, que bem podemos dizer, como escreve o notavel escriptor militar Lewal: «La perfection, c'est l'idéal; lê progrès, lê moyen'd'en approcher».

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° A artilheria de campanha compor-se-ha em tempo de paz, de cinco regimentos de artilheria montada; e em tempo de guerra de seis regimentos, sendo cinco de artilheria montada e uma de artilheria do montanha.

§ 1.° Tres dos regimentos de campanha constituirão a «artilheria divisionaria» e os dois restantes a «artilheria do corpo do exercitos». Os tres primeiros terão oito bate-

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rias, e os dois ultimos seis baterias cada um; sendo todos numerados de l a 5.

§ 2.° A brigada de montanha terá duas baterias em tempo de paz. Em tempo de guerra será augmentada com quatro baterias de reserva; constituindo assim o regimento de artilheria de montanha, que terá o n.° 8,

§ 3.° A composição dos ditos regimentos e brigada em pessoal, animal, bocas de fogo, viaturas e cofres para munições tanto em pé de paz como em pé de guerra, consta dos quadros n.º l a 6.

Art. 2.° A artitheria, de guarnição, compor-se-ha:

De dois regimentos com os n.ºs 6 e 7, compostos, cada um, de dois batalhões e quatro companhias, numeradas de l a 4 em cada batalhão;

De dois batalhões, com os n.º l e 2, tendo cada um quatro companhias numeradas de l a 4;

De tres companhias numeradas de l a 3, destinadas á guarnição dos Açores e Macieira.

§ unico. A composição de artilheria de guarnição, em pé de paz e no de guerra, consta dos quadros n.ºs 7 a 12.

Art. 3.° A recapitulação da força dos regimentos de artilheria, tanto em pé de paz como em pé de guerra consta do quadro n.° 13.

Art. 4.° Em tempo de guerra, as baterias e companhias activas e as baterias de reserva, destinadas á organisação do regimento do montanha, serão completada:

Em pessoal.

1.° Com as praças, na effectividade do serviço que se acharem no goso de licença temporaria;

2.° Com a primeira reserva e contingente da segunda, que tenham servido tres annos na effectividade a começar pelos mais modernos.

Em animal.

1.° Com O gado que for adquirido por compra directa.

2.° Com o gado que for requisitado na fórma do capitulo V do titulo II do decreto de 30 de outubro de 1884.

Art. 5.° É extincta a companhia n.º 4 de artilheria de guarnição, sendo o serviço da pi aça de S Julião da Barra, onde se acha aquartelada, desempenhado por uma das companhias do batalhão de artilhera do guarnição n.° l, que ali estará destacada.

Art. 6.º Um general de brigada do quadro da arma de artilheria exercerá o logar, de «inspector dos corpos de artilheria». Este general estará debaixo das immediatas: ordens do commandante geral da arma, e terá por principal dever inspeccionar annualmente os corpos, tinto na parte respectiva á contabilidade e escripturação, como especialmente no que respeita á sua disciplina e instrucção.

Art. 7.° A reorganisação da arma de artilharia será pista em execução dentro de dois annos; organisando se no primeiro o regimento de artilheria de campanha n.° 4, com as se baterias que sobram dos actuaes regimentos, e o batalhão de artilheria de guarnição para a formação do qual servirá de nucleo a companhia n.° 4. No anno seguinte completar-se-ha a organisação, constituindo o outro regimento de campanha e o segundo batalhão de guarnição.

Art. 8.° Fica por esta fórma alterado, ampliado e modificado o decreto com força de lei do 30 de outubro de 1884, e revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 12 de março do 1888. = Luiz de Mello Bandeira Coelho = Eliseu Serpa = Antonio Augusto de Sousa e Silva = Francisco José Machado = Joaquim Heliodoro da Veiga = José Gregario de Figueiredo Mascarenhas.

QUADRO N.º 1

Composição de um regimento de artilheria de campanha

Artilheria divisionaria

1.º - Pé de paz

Estada maior e menor do regimento

[ver tabela na imagem]

Homens Cavallos

(a) Os corpos de quartel cm Lisboa não toem coronheiro nem es-pingardeiro.

Total: 10 officiaes, 9 praças de pi et e 13 cavallos.

[ver tabela na imagem]

Uma bateria Oito baterias

Soldados, serventes e conductores (os que o orçamento auctorisar). Muares o cavallos (idem).

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QUADRO N.° 2

Composição de um regimento de artilheria de campanha

Artilheria divisionaria

2.° - Pé de guerra

Estado maior e menor do regimento

[ver tabela na imagem]

Homens Cavallos

QUADRO N.° 3

Composição de um regimento de artilheria de campanha

Artilheria de corpo de exercito

1.º - Pé de paz

Estado maior e menor do regimento

[ver tabela na imagem]
Homens Cavallos
(a) Os corpos de quartel em Lisboa não têem coronheiro nem espingardeiro.
Total: 9 officiaes, 6 praças de pret e 17 cavallos.
Um dos majores commanda as columnas de munições.

[ver tabela na imagem]

Uma bateria Oito baterias

Cada bateria em pé de guerra tem seis bocas de fogo, seis carros de munição, tres carros de bateria e uma forja.

[ver tabela na imagem]

Uma bateria Seis baterias

Soldados, serventes e conductores (os que o orçamento auctorisar) Muares e cavallos (idem).

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QUADRO N.° 4

Composição de um regimento de artilheria de campanha Artilheria de corpo de exercito

2.° - Pé do guerra

Estado maior o menor do regimento
[ver tabela na imagem]
Homens Cavallos

(a) Os corpos da quartel em Lisboa não têem nem espingadeiro.
Total: 8 officios, 6 praças de pret e 15 cavallos.

[ver tabela na imagem]
Uma bateria Seis baterias

Cada bateria em pé de guerra tem seis bôcas de fogo, seis carros de munição, tres carros de bateria e uma forja.

QUADRO N.° 5

Composição de uma brigada de artilheria de montanha

1.º - Pé de paz

Estado maior e menor da brigado

[ver tabela na imagem]

Homens Cavallos


Total: 4 officiaes, 3 praças de pret e 3 cavallos.

[ver tabela na imagem]

Uma bateria Duas baterias

Soldados, serventes e conductores (os que o orçamento auctorisar). Cavallos e muares (idem).
Cada bateria, em pé de paz, terá seis bôcas de fogo e um cofre pequeno com munições

QUADRO N.° 6

Composição de um regimento de artilheria de montanha

2.º - Pé de guerra

Estado maior e menor do regimento

[ver tabela na imagem]
Homens Cavallos
Todos. 5 officiaes, 3 praças de pret e 7 cavallos,

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[ver tabela na imagem]

Uma bateria Seis baterias

QUADRO N.º1
Composição de um regimento de artilheria de guarnição

1.º - de paz
Estado maior e menor do regimento
[ver tabela na imagem]

Homens Cavallos
(a) Um dos regimentos terá cirurgião mór, o outro cirurgião-ajudante.
(b) O regimento que tiver quartel em Lisboa, não terá coronheiro nem espingadeiro
Total: 6 officios, 5 praças de pret e 5 cavallos

[ver tabela na imagem]

Uma companhia Oito companhias

Soldados (os que o orçamento determinar)

QUADRO N.º 8

Composição de regimento de artilheria de guarnição
2.º - Pé de guerra

Estado maior e menor do regimento

[ver tabela na imagem]
Homens Cavallos

Total: 7 officios, 5 praças de pret e 5 cavallos

[ver tabela na imagem]
Uma companhia Oito companhias

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QUADRO N.° 9

Composição do um batalhão de artilheria de guarnição

1.° - Pé de paz

Estado maior e menor do batalhão

[ver tabela na imagem]
Homens Cavallos

(a) O batalhão que tiver quartel em Lisboa, ou suas proximidades não terá coronheiro nem espingardeiro
Total : 4 officiaes, 4 praças do pi et e 3 cavallos.

[ver tabela na imagem]

Uma companhia Quatro companhias

Soldados (os que o orçamento determinam).

QUADRO N.° 10

Composição de um batalhão de artilheria de guarnição

2.º - Pé de guerra

Estado maior e menor do batalhão
[ver tabela na imagem]

Homens Cavallos

Total: 5 officios, 4 praças de pret e 3 cavallos.

[ver tabela na imagem]
Uma companhia Quatro companhias

QUADRO N.º 11

Composição das companhias de guarnição

1.º - Pé de paz

[ver tabela na imagem]
Uma companhia Tres companhias

Soldados ( os que o orçamento auctorisar).

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QUADRO N.° 12

Composição das companhias de guarnição

2.° - Pé de guerra

[ver tabela na imagem]
Uma companhia Quatro companhias

QUADRO N.° 13

Recapitulação da força de artilheria

[ver tabela na imagem]

Numero de corpos Pé de paz Pé de guerra

(a) Os que o orçamento auctorisar
(b) E mais os que o orçamento auctorisar.

Foi admittido e enviado é commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - O artigo 614.° da novissimo reforma judiciaria dispunha o seguinte:
«Os emolumentos e honorarios dos juizes e advogados, os salarios de procuradores, e custas dos escrivães e mais officiaes de justiças, cobram-se por simples mandado extrahido dos autos, contendo a sentença, ou o final d'ella, que condemnar em custas, ou o despacho que as mandar pagar, e a conta feita nos auctos pelo contador do juizo. Este mandado dá-se logo á execução.»
O codigo do processo civil, que em muitos casos melhor regulou e simplificou os termos do processo, dispoz, quanto a custas, que sejam executadas por appenso ao respectivo processo, independentemente de mandado, e tendo unica-
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mente por base a certidão da citação feita ao devedor; e considera competente para promover estas execuções por custas o interessado que tem de as haver de outrem; o escrivão ou secretario, quanto aos salarios e emolumentos em divida, e qualquer outro empregado, quanto aos salarios o emolumentos que lhe forem devidos.
É a disposição do artigo 971.°
E a respeito das custas em que alguma das partes é condemnada nos tribunaes de segunda instancia, ou no supremo tribunal de justiça, estabelece o artigo 972.° que sejam executadas na primeira instancia, por certidão extrahida do respectivo processo, ou pelo proprio processo, quando esse baixar.
São, pois, competentes para promover a execução por custas as proprias partes e os funccionarios a quem interessa a sua cobrança; d'onde se segue que as custas em que houve condemnação nas relações e no supremo tribunal de justiça, se os litigantes as não satisfizerem, só podem ser executadas, constituindo os escrivães e secretarios d´esses tribunaes procuradores nos juizos de primeira instancia, em que as execuções, com previo preparo, têem de correr.
D'aqui um encargo oneroso para estes fanccionarios; tanto mais que são muitas as comarcas para onde precisam de mandar procurações, e diminutas ás vezes as quantias a arrecadar.
Acrescem ainda as contingencias e difficuldades com a remessa das quantias cobradas, o que occasiona perdas o desfalques, que não deve supportar quem tem a retribuição dos seus serviços constituida total ou parcialmente nos emolumentos e salarios que a tabella lhes designa.
É para notar que aos escrivães dos tribunaes de segunda instancia exige o estado o processo gratuito das causas com a fazenda nacional, e das criminaes, eleitoraes e do recrutamento: e assim, justo é que o estado os auxilie na cobrança dos proventos que por lei lhes são devidos.
Estas considerações persuadem a que cumpre obviar ao mal que fica indicado, o que se consegue sem sacrificio do estado, nem gravame dos deveres, pelo seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° São competentes para promover as execuções por emolumentos e salarios judiciaes, contados nos processos perante as relações e o supremo tribunal de justiça, os agentes do ministerio publico, ante os juizos aonde têem de correr taes execuções.
Art. 2.º Estas execuções são isentas de preparo, e podem ser processadas em papel não sellado, entrando o sêllo a final em regra de custas da execução.
Art. 3.° O agente do ministerio publico que promover a execução receberá, se chegar a haver penhora, 5 por cento sobre os emolumentos e salarios que por este meio forem cobrados.
Art. 4.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei, estabelecendo e regulando o modo da entrega aos respectivos funccionarios das quantias arrecadadas na execução, ou seja por intervenção da caixa geral de depositos e suas delegações, ou pelas estações possaes competentes, e bem assim permittindo que os sellos e as multas que tiverem de pagar os litigantes pelo processo principal possam cobrar-se n'este processo executivo.
Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario. = Francisco de Castro Mattoso Côrte Real = Eduardo José Coelho = Joaquim da Almeida Correia Leal = José Maria de Andrade.
Fui admittido a enfiado á commissão de legislação civil.

REPRESENTAÇÕES

Das camaras municipaes dos concelhos de Aguiar da Beira, do Pinhel e de Meda, pedindo a construcção do lanço de caminho de ferro que liga a estação de Villa
Franca das Naves, no caminho de ferro da Beira Alta, com a da Regua, no caminho de ferro do Douro.
Apresentadas pelo sr. deputado Fernandes Vaz e enviadas á commissão de obras publicas.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Dos officiaes de cavallaria, Benedicto Candido de Sousa Araujo, José Matheus Lapa Valente, Antonio Augusto da Rocha e Sá, Antonio Augusto de Sousa Machado, José Alfredo Ferreira Alargando, Arthur de Sousa Nogueira, Aurelio Julio de Castro e Silva, Ignacio João Rodrigues, Domingos Joaquim Freire, Antonio Manuel Fernandes, Alberto João Diogo da Gana Abreu, João Maria Barreira, Thomé Gomes Pereira Junior, Guilhermino Augusto Fernandes, Rodrigo Maria da Silva Salema, Manuel Rogerio Carqueja, Jacinto Loureiro dos Santos, Victurmo Norberto da Fonseca, Simão Penna Pacheco, Guilherme Augusto Ribeiro de Carvalho, Fernando Augusto da Cunha e Silva, Fernando Larcher, José Júlio Gonçalves Góes, Joaquim Alves Paes, Jeronymo da Silva, Manuel Ignacio da Kocha Teixeira, José da Costa Felix, Eduardo de Castilho, Antonio Augusto Garcia, Ayres Eugenio Lima de Carvalho, Antonio Augusto Quintino de Sa Camello, Izidoro Gomes de Carvalho, Joaquim dos Santos Caio, Antonio Maria da Silva Monteiro, Manuel Peres de Oliveira, Luiz Augusto de Lemos Vianna, Antonio da Silva Camacho, Antonio Henriques Nunes de Aguiar, Antonio Joaquim de Almeida Rebello, Joaquim Augusto do Oliveira Leitão, Joaquim José Madeira, Joaquim Victor de Carvalho Roxo, Manuel Domingues, João da Costa Trevas, Antonio Nunes Bouças, Hygino da Silva Leite, José Pereira de Albuquerque, Manuel Pedi o dos Santos, Augusto Sebastião de Castro Guedes Vieira, Alfredo Arthur de Oliveira, João Maria da Silva Figueiredo, Ricardo Vaz Monteiro, Augusto Alfredo Jacome de Castro, Condo de Almoster, Pedi o Raphael Franco Campello, pedindo a creação, na arma de cavallaria, de mais um posto de major em cada regimento, a exemplo do que succede nas outras armas.
Apresentados pelo sr. deputado F. J. Machado e enviados á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Do major reformado Christiano Paulo Marques, pedindo a approvação do projecto de lei do sr. Dantas Baracho, apresentado em sessão de 20 de fevereiro ultimo.
Apresentado pelo sr. deputado Alfredo Pereira e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

De D. Jorge da Camará Leme, tenente sem accesso, ajudante do castello de S. João Baptista, do Funchal, pedindo melhoria de situação.
Apresentado pelo sr. deputado Bandeira Coelho e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Do tenente reformado Manuel Ferreira Correia, pedindo a approvação do projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Dantas Baracho, na sessão de 20 de fevereiro ultimo.
Apresentado pelo sr. deputado F. J. Machado e enviado e commissão de guerra, ouviria a de fazenda.

Do primeiro sargento reformado, Manuel Correia, pedindo melhoria de reforma.
Apresentado pelo sr. deputado F. J. Machado e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro que não compareci á sessão de hontem por motivo do doença José, Gregorio de Figueiredo Mascarenhas.

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SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1888 761

Participo a v. exa. e á camara que o exa. sr. Serpa Pinto não póde comparecer á sessão de hoje e a mais algumas por motivo de doença. = João Arroyo.

Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado José Guilherme não poderá comparecer ás proximas sessões por incommodo grave de saude. = João Arroyo.
Para a secretaria.

O sr. Guimarães Pedrosa: - Mando para a mesa um projecto de lei creando um districto de juiz de paz na comarca da Figueira da Foz, com sede em Quiaios e composto d'esta freguezia e da de Brenha. Peço a v. exa. que lhe dê o devido destino.
Ficou para segunda leitura.

O sr. Bandeira Coelho: - Mando para a mesa um requerimento do sr. D. Jorge da Camara Leme, tenente sem accesso e ajudante do castello de S. João Baptista na cidade do Funchal. Pede o requerente á camara que attenda ás precarias circumstancias em que se encontra, melhorando-as.
Este official, que fez todas ou quasi todas as campanhas da liberdade e é um dos poucos que ainda existem dos que desembarcaram no Mindello, acha-se, aos oitenta annos de idade, com uma reforma que apenas lhe dá o vencimento, de 18$000 réis mensaes! É a miseria.
Parece-me, portanto, justo o fedido d'este official, e eu confio que elle merecerá a consideração de toda a camara, não deixando morrer de fome quem tantos serviços prestou ao paiz.
Peço a v. exa. que se digne enviar este requerimento á' respectiva commissão. Teve o destino indicado no respectivo extracto.
O sr. Fernandes Vaz: - Sr. presidente, mando para a mesa tres representações. das camaras municipaes de Aguiar da Beira, Pinhel e Mêda no sentido d´aquellas que já tenho tido a honra de apresentar n'esta casa, pedindo ao governo a apresentação de uma proposta de lei que auctorise a construcção do uma via ferrea que ligue o caminho da Beira Alta com o do Douro, entroncando se na estação da Regua.
Este pedido é muito justo e deve ser attendido, se se considerar aquelle ramal, alem de outros, debaixo do ponto de vista do interesse que mais tarde deve vir a dar ao estado.
É certo que, ligando o importante centro fabril da Covilhã com o emporio do commercio do norte, isto é, com o Porto, por um caminho mais curto, evita-se aos individuos que frequentemente têem necessidade de se pôr era communicação com aquella importante cidade, os incommodos de andar um percurso muito maior, como actualmente acontece, tendo de vir pela linha do Abrantes para depois seguir para o Porto.
A linha que os signatários pedem encurta o caminho entre a Covilhã e Porto, o que é de grande vantagem para os passageiros e mercadorias que d'ali affluem a esta cidade.
Esta artéria de communicação é de altissima importancia para o estado, pois que desvia das linhas do norte todo este movimento, que derivará todo por o ramal que aqui se pede para a linha do Douro, com o que o estado lucrará altamente, isto é, considerado debaixo do ponto de vista do commercio da Covilhã, e sob o ponto de vista das terras que atravessa até á Regua, as quaes são uma extensão de terrenos ferteis em productos agricolas, taes como batatas, toda a especie de cereaes, fructas, azeite e especialmente vinho, as vantagens são incalculaveis.
Como se vê, estes productos, tendo communicação por um caminho curto, facilmente concorreriam aos centros commerciaes, e teriam muito melhor venda. Attenuaria isto a crise agricola que se está revelando por toda a parte, especialmente n'esta parte da Beira, que lucta com grandes difficuldades, por ser extremamente pobre.
Debaixo do ponto de vista tambem para os encargos que traz para o estado, eu sei por pessoas competentes, que os respectivos engenheiros que fizeram esses estudos disseram que é um dos caminhos de ferro cuja construção se antolha mais barata.
Por todas estas considerações e outras que mais detidamente vem expressas nas representações que vou mandar para a mesa, não posso deixar de pedir ao sr. ministra das obras publicas, cuja rasgada iniciativa nos melhoramentos publicos é um dos caracteristicos principaes d'aquelle grandíssimo talento, (Apoiados.) que tome em consideração este pedido, porque a Beira, que tem só uma linha ferrea, tambem tem direito a ser contemplada com melhoramentos publicos, sendo certo que aquella provincia não se recusa a pagar as contribuições e os encargos que o thesouro lhe impõe, e os acceita sem a minima reluctancia.
Portanto, as camaras municipaes que têem representado a esta camara, ousam esperar, da rasgada iniciativa do sr. ministro das obras publicas, que tome em consideração este pedido, e da camara que habilite o sr. ministro com um projecto de lei que auctoríse a construcção d'esta linha ferrea, para a qual não deixará de haver uma empreza que, premendo os grandes lucros que ha de auferir, tome o encargo de a construir.
Peço a v. exa., sr. presidente, se digne consultar a camara sobre se permitte que as representações que envio para a mesa sejam publicadas no Diario do governo.
A camara assentiu.
O sr. Figueiredo Mascarenhas: - Mando para a mesa a justificação de uma falta.
Vae publicada no logar competente.
O sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa cincoenta e tres requerimentos de officiaes de cavallaria, pedindo que em cada corpo da sua arma haja, como nos demais, dois postos de major.
Mando tambem para a mesa um requerimento do tenente reformado, Manuel Ferreira Correia, que fez as campanhas da liberdade, pedindo para receber o soldo da sua patente pela tarida de soldos da effectividade de 1869.
Igualmente mando para a mesa um requerimento de Manuel Correia, primeiro sargento n.° 6 da decima companhia de reformados, pedindo lhe seja applicada a lei de 30 do janeiro de 1864.
Manuel Correia foi um dos bravos que desembarcaram em 8 de julho de 1832 nas praias do Mindello e fez todas as campanhas da liberdade até á convenção de Evora Monte, sendo gravemente ferido na batalha da Asseiceira em 16 de maio de 1834.
Este sargento tomou parte nas seguintes acções:
Reconhecimento das forças miguelistas em Vallongo, em 23 de julho de 1834; batalha de Ponte Ferreira a 24 do mesmo mez; batalha de Souto Redondo a 7 de agosto; ataque ás linhas do Porto a 29 de setembro; sortida de Carvalhido a 9 de novembro; sortida de vinho a Villa Nova de Gaia a 16 do dito mez; grande batalha fora das linhas do Porto a 18 de agosto de 1833; acção dos reductos de Pinhel Pastelleiro a 4 de março do mesmo anno; tomada do monte Cobello a 10 de abril; batalha de Pernes a 30 de janeiro de 1834; acção de Lixa até Amarante a 2 de abril e finalmente a batalha da Asseiceira em 16 de maio de 1834.
Como se vê, 6 longa a lista dos serviços prestados por este militar á causa da liberdade, e portanto é de toda a justiça que a nação pague uma divida de reconhecimento, concedendo a melhoria de reforma que o requerente solicita.
N'estes tempos que vão correndo, em que se dispensam favores a toda a gente, não será de mais que se melhore a situação d'aquelles que arriscaram a sua vida em proveito da patria.

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Sr. presidente, sabe v. exa. qual foi a paga que ato hoje teve este militar brioso, carregado de serviços e enfermo de uma ferida recebida na batalha da Asseiceira?
A medalha das campanhas da liberdade, algarismo 3. É muito honrosa esta medalha, mas não salva da penuria e da miseria o velho sargento que orgulhoso a traz ao peito. Por occasião do movimento regenerador operado pelo marechal duque de Saldanha em 9 de abril de 1851, era o requerente primeiro sargento de infanteria n.° 5 e n.° 2 »a escala de accesso para o posto de alferes.
Como, porém, este regimento não tomasse parto n'esse movimento, por estar nas ilhas, ficou o requerente preterido na sua carreira, pela grande promoção que n´essa occasião se fez, saltando por cima do principio de antiguidade, e por esse facto vendo se forçado a pedir a sua reforma
Como reformado, diz elle, continuou a fazer serviço activo com a bateria de artilheria n.° 3, destacada em Angra do Heroismo, até 21 de setembro de 1863, em que por ordem do quartel general da extincta 5.ª divisão militar foi destacado para a Horta, onde até hoje tem respondido pelo destacamento de veteranos, tendo feito por muitas vezes serviço de guarnição, por não haver n'aquella ilha forças sufficientes para esse serviço.
Em vista do que acabo de expor, estou certo de que a camara, convencida da justiça d'este pedido, o deferirá, concedendo ao velho soldado a pequena vantagem que elle pede, a exemplo do que já se tem feito a outros em identicas ou interiores circumstancias.
Será mais uma divida de gratidão e reconhecimento que o paiz paga áquelles que se lho sacrificaram.
A v. exa., sr. presidente, peço se digno dar o devido andamento a este requerimento, a fim de elle ser enviado ás commissões respectivas para obter parecer.
Os requerimentos tiveram o destino indicado nos respectivos extractos a pag. 760.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Referindo-se ao facto de terem sido apresentados por dois industriaes, um de Bragança e outro do Porto, uns productos que dizem ser efficazes para a destruição da phylloxera, chama a attenção do governo para este assumpto, o deseja saber te o sr. ministro das obras publicas, cuja ausencia lamenta, já mandou proceder á analyse d'esses productos, como convem que o faca, para que os interessados possam apreciar o seu valor.
(O discurso será publicado em appendice a esta quando sessão restituir )
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Pedi a palavra para declarar ao illustre deputado que transmittirei gostosamente ao meu collega das obras publicas as considerações, tão sensatas, como ponderosas, que s. exa. acaba de fazer.
O sr. Fuschini: - Mundo para a mesa a renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 77 de 20 de abril de 1884.
Ficou pura segunda leitura.
O sr. Hintze Ribeiro: - É a terceira vez que peço a palavra, para usar d'ella quando estivesse presente o sr. ministro das obras publicas; mas, tendo perdido toda a esperança de ver s. exa. n´esta casa untes da ordem do dia, por isso me resolvo a fallar, sendo o assumpto de que tenho a occupar me da maior importancia para os interesses dos povos que represento n'esta camara.
Consta-me, por noticias vindas no vapor ha pouco chegado, que em consequencia do» temporaes que houve nos Açores em fins de dezembro ultimo, a doca de Ponta Delgada soffreu graves prejuizos, e tão grandes, que o muro de abrigo que existia já construido em grande parte, abriu fendas em differentes pontos, formando se na sua extremidade uma brecha de cerca de 15 metros de extensão, atraves do qual o mar passa de fóra para dentro da bacia da doca.
Não é preciso ser engenheiro para comprehender a gravidade d´estes estragos. Aberta a referida brecha o mar vae descosendo a muralha pedra a pedra, tornando cada vez maiores os estragos, correndo-se o risco de ver perdidos todos os esforços empregados ha mais de vinte annos para o acabamento de tão momentosa obra. Têem-se feito ali despezas consideraveis, que montam já a milhares de contos, não só á custa da nação, mas dos proprios michaelenses, que para ella contribuiram durante largos annos com um imposto muito pesado sobre as laranjas.
É, portanto, da maxima urgencia que quanto antes se trate de remediar as precarias circumstancias em que está aquella obra de tanta magnitude.
Em vista de uma proposta de lei apresentada no anno passado a esta camara, foi approvada a sua conclusão por empreitada dentro de um curto praso fixado em seis annos. Para isso abriu-se concurso, e foi adjudicada a obra, creio que em setembro ou outubro, a um empreiteiro, que devia tomar conta d'ella logo em seguida. N'essa occasião o governo mandou suspender todos os trabalhos que estavam em se tem execução, e de então para cá, creio que cousa alguma em feito. D'aqui resulta, portanto, que, não se fazendo sequer os reparos devidos aos estragos causados pelo mar, a ruina augmenta em larga escala, em logar de progredirem os trabalhos que ate ali iam caminhando regularmente.
Consta-me que o individuo a quem foi adjudicada a obra, tendo lá chegado, e encontrando-a, em virtude dos temporaes que mencionei, em condições differentes d'aquellas que estavam descriptas na memoria que serviu de base para o concurso, veiu agora a Lisboa e pretende reclamar do governo uma indemnisação para compensação dos estragos Decorridos.
Sem entrar na apreciação da justiça que tenha o reclamante, o que me parece de toda a necessidade é que seja dada a solução mais rapida que for possivel a este assumpto, visto as condições em que se acha a obra actualmente.
Segundo consta, o engenheiro que tomou contadas obras, em logar de desenvolver os trabalhos, como exigia a sua rapida conclusão, tem duas duzias de homens a tirar pedra das pedreiras que lá ha em exploração, e não trata de reparar os prejuizos cansados pelos temporaes.
Comprehende-se bem que, desde o momento em que conta obter do governo indemnisação por elles, o seu interesse e desejo será poder mostrar que o prejuizo é muito grande, para que maior seja tambem a compensação que tinha direito a auferir depois
Quando se apresentou aqui o projecto de lei, em virtude do qual se resolveu concluir aquellas obras n'um curto praso, não quiz entrar no assumpto, para o qual não tinha a competencia devida, comtudo á minha rasão afiguraram-se n'aquella occasião graves receios sobre o resultado que poderia provir de tal deliberação, não se attendendo á consolidação que só o tempo póde trazer a obras d'aquelle genero De facto é sabido que, segundo o systema de construcção empregado até aqui, os temporaes é que iam dispondo e consolidando os alicerces d'ella, para depois se poder construir a verdadeira muralha, então já sobre uma base fixa. Desde o momento em que as obras fossem levadas por diante, com grande rapidez e não houvesse tempo para se fazer a devida consolidação, facil é de prever o que poderia resultar d'ahi!
A construcção e conclusão rapidas das docas deixal-a-iam em condições taes, que seria muito para receiar a inutilisação de trabalhos tão importantes, e que tanto tempo têem levado, por algum dos terriveis temporaes que por vezes assolam aquellas paragens e que lançado a muralha para dentro da bacia da doca já completa a obstruissem, de modo a não poder servir mais para o fim que todas desejâmos, e para que tanto ambicionavamos que fosse destinada.
N'essa occasião, tambem uma outra consideração se me offereceu, e era que, devendo esta obra ser concluida den-

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SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1888

tro de curto praso, os trabalhos deveriam ter grande desenvolvimento, e havendo necessidade de empregar grande numero de braços, teriam de ser empregados trabalhado res de fóra, para que as obras podessem executar-se dentro do praso marcado, e receiava que quando terminassem, se daria o inconveniente de não haver occupação para tantos operarios; mas o que eu estava longe de suppôr era que isso succedesse ligo ao principio, como esta acontecendo, havendo já grande falta de emprego para os operarios, que d'ali costumavam ter o pão de cada dia.
N'aquella obra empregavam-se regularmente mais de setecentas pessoas, e eram outros tantos chefes de familia que d'ali auferiam meios do subsistencia
Como porém, em virtude d'esta deliberação tomada pelo governo e, como eu disse, pelas ordens que deu, se suspenderam todos os trabalhos, ficariam elles certamente sem occupação se não fosse uma circumstancia favoravel que occorreu.
Aconteceu, felizmente, n'essa occasião estar a camara municipal de Ponta Delgada occupada com uma obra de bastante importancia, qual era a canalisação de aguas para a cidade, em que pôde empregar uma parte d'estes individuos, que n'outra fórma corriam com as suas familias o grave risco de soffrerem a fome.
Ha porém uma classe para a qual eu já outro dia chamei a attenção do sr. ministro das obras publicas, pelas desgraçadas circumstancias em que se encontra.
São os individuos que, em resultado d'aquelle trabalho, durante o periodo em que as obras tem levado a fazer, como sempre acontece em obras d'este genero, se invalidaram no exercicio das suas funcções, mas que eram ainda empregados, tanto quanto o permittiam as suas faculdades pliysicas, uns como olheiros ou vigias, e outros nos differentes misteres a que se dedicavam, e aos quaes senão exigia já, claro está um trabalho completo, como se elles ainda estivessem validos, e com a força necessaria para se poderem occupar nos seus serviços.
D'esta maneira a nação pagava, por assim dizer, um tributo perfeitamente devido o merecido, pois que tinha sido justamente no exercicio das suas funcções, e no serviço da nação, que se tinham inutilisado.
Já outro dia chamei a attenção do sr. ministro das obras publicas para este assumpto, e pedi-lhe que tomasse debaixo da sua protecção estes individuos que, segundo as informações que tenho, montam a dezoito.
Insisto novamente n'este ponto, e pedia a s. exa. que attendesse á situação d'elles, que tão merecedores são da Bua protecção.
Ha porém ainda outra classe á qual me parece fóra de duvida ter-se feito uma grave injustiça. Refiro-me aos empregados da secretaria da doca.
Estes, como todos os empregados do estado, quando foram nomeados, tiveram de pagar direitos de mercê, o agora, sem compensação alguma foram despedidos, não se attendendo às circumstancias em que ficavam, nem tão pouco aos seus direitos adquiridos. (Apoiados.)
Pedia tambem ao sr. ministro das obras publicas que attendesse a este ponto, sendo estes empregados dignos de toda a consideração, pela justiça e direito que lhes assiste, pois que me parece que por lei deviam ser conservadas. (Apoiados )
Ha outro ponto sobro que desejava tambem interrogar o sr. ministro do reino, e a que, me referi já o outro dia.
S. exa. não está presente; entretanto pedia ao seu collega, que, instasse novamente pelas informações que pedi n'essa occasião, tendo s. exa. ficado em tomar as providencias que julgasse convenientes; careço saber o que a esse respeito resolveu.
Refiro-me é deliberação tomada pelo governador civil de Ponta Delgada de fechar o porto á exportação do milho, com grave prejuizo dos agricultores, permittindo-se, ao passo que fé fazia esta prohibição, que as fabricas distiladoras de alcool continuassem a queimal-o.
Ora desde o momento em que se tomou uma tal medida, com o tini de manter a subsistencia publica, era de justiça que se não permittisse que este artigo tivesse outra applicação, e não devia consentir-se que uma outra industria usfuruisse as vantagens de um pecado tributo que recáe sobre as classes agricolas e que só deveria aproveitar para o fim que se tinha em vista.
Portanto chamo novamente a attenção do sr. ministro do reino para este assumpto e peço a s exa. que ponha cobro a este abuso inqualificavel, que faz que com prejuizos de uns estejam outros a locupletar-se.
Ha ainda um outio facto que vem narrado n'um jornal que hontem li, e que me parece nada póde justificar, e o sr. ministro da justiça, como jurisconsulto, melhor poderá apicuar a irregularidade d'elle.
Diz aquelle jornal que á saída do vapor Funchal de Ponta Delgada pura as outras ilhas, fôra a bordo d'elle o admmistrador do concelho, fizera desembarcar um porção de mancebos que estavam a bordo com tenção de seguir viagem para as outras ilhas dos Açores trazendo-os para terra debaixo de prisão, e conservando-os assim até ao dia seguinte, e só então e que lhes deu a liberdade.
Dizem que o administrador do concelho pretendia justificar tal procedimento pela supposição de que estes individuos, indo para as outras ilhas, d'ali embarcariam para a America, eximindo-se á lei do recrutamento.
Parece-me que esta rasão não póde colher porque não ha lei nenhuma que prohiba aos cidadãos portuguezes o transitarem livremente no territor o portuguez. (Apoiados.)
Desde o momento em que estes individuos se destinavam a outras ilhas portuguezas, a sua ida não devia ser prohibida por fórma alguma. (Apoiados.)
Se o administrador do concelho imaginava que íam com o intuito mencionado, o mais que poderia fazer era communicar aos seus collegas as suas apprehensões sobre as intenções d'elles; mas o que nunca devia era prendel-os, trazel-os para terra debaixo de prisão e conscrval-os assim vinte e quatro horas. (Apoiados)
É esta irregularidade, que não tem explicação, que eu peço ao sr. ministro da justiça se digne transmittir ao seu collega do reino, para que, se a auctoridade exorbitou, tenha a devida correcção e de futuro se não repitam factos d'esta ordem. (Apoiados.)
Termino aqui as minhas considerações, sentindo que os srs. ministros não estejam presentes; entretanto peço ao sr. ministro da justiça o obsequio de communicar aos seus collegas as observações que fiz.
Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Não tenho conhecimento especial do facto a que s. exa. se referiu, no final das suas considerações, relativamente ao desembarque e prisão dos subditos portuguezes que queriam transitar de uma para outra ilha.
Hei de fazer, como é do meu dever, o faço-o gostosamente, mesmo em attenção ao illustre deputado, a conveniente communicação ao sr. ministro do reino, e desde já posso affiançar que, se em qualquer d'esses actos tiver havido violação de lei ou mesmo excesso da parte das auctoridades, o governo, e especialmente o sr. ministro do reino, não deixará de punir devidamente qualquer abuso.
Com relação ao outro assumpto, aliás muito importante, para que o illustre deputado chamou a attenção do governo, e que foi tratado por s. exa., não quero dizer com competencia technica, que modestamente disse não ter, mas por certo com grande conhecimento de causa, eu não posso dar ao illustre deputado uma informação minuciosa; mas o que eu posso dizer-lhe é que, tendo-se levantado duvidas sobre quem devia ser obrigado a pagar a indemnisação pelos prejuizos causados pelo mar uns obras da doca de

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Ponta Delgada, por parte do governo foram logo tomadas as devidas providencias, e parece-me poder affirmar a s. exa. que, brevemente, talvez no proximo paquete, partirá para ali um engenheiro encarregado pelo governo de liquidar este assumpto, que é de toda a gravidade, como o illustre deputado confessou.
Posso igualmente affirmar mais uma vez que o governo ha de olhar para esse assumpto com todo o cuidado que elle merece.
Pelo que respeita ao outro ponto, prohibição de exportação de milho, do que tambem se occupou o illustre deputado, eu communicarei as considerações de s. exa. ao meu collega das obras publicas.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Jalles: - Em uma das sessões do mez de fevereiro requeri que, pelo ministerio da fazenda, fossem remettidos a esta camara o processo do concurso para o provimento dos legares de agentes do ministerio publico junto do tribunal do contencioso fiscal do Lisboa, e tambem pedi, pelo ministerio da guerra alguns esclarecimentos, relativos ao fornecimento de lanificios para o exercito, e ás quantidades que os diversos corpos tinham requisitado. Peço a V. exa. me informe se já veiu o processo e tambem estes esclarecimentos, de que careço para poder formular uma interpellação ao sr. ministro da guerra.
O sr. Primeiro Secretario (Medeiros): - Ainda não vieram.
O Orador: - N'esse caso, desejo que v. exa. os solicite novamente, instando pela sua remessa.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Arroyo: - Mando para a mesa duas justificações de faltas, uma relativamente ao sr. José Guilherme e outra ao sr. deputado Serpa Pinto, que adoeceu gravemente na noite anterior.
Mais uma vez tenho a pedir ao sr. ministro da justiça o obsequio de convidar os seus collegas a comparecerem n'esta casa antes da ordem do dia. (Apoiados.)
Já n'uma das ultimas sessões annunciei que tenho de dirigir algumas perguntas aos srs. presidente do conselho o ministro dos negocios estrangeiros, cavalheiros estes cuja administração mais directamente superintende na politica interna e externa do paiz.
Mas não são só s. ex.ªs que faltam; são mais quatro ministros! (Apoiados.)
Parece incrivel que de sete ministros, apenas o sr. ministro da justiça tenha a percepção nitida dos seus devei es constitucionaes e parlamentares.
É indispensavel que s. ex.ªs compareçam. (Apoiados.)
Isto não é uma ficelle da opposição; é simplesmente um protesto contra uma falta de consideração de s. ex.ªs por esta casa do parlamento (Apoiados.) e protesto tambem pela necessidade que temos do expor as nossas considerações a todos os ministros. (Apoiados)
Parece que, depois de tão reiterados pedidos, depois dos nossos rogos tão frequentes, porque já e ao rogos o que a opposição faz, s. ex.ªs não desejam senão timbrar em manter a sua ausencia d'esta casa, e evitar assim, ou por qualquer outra fórma, responder às arguições da opposição. (Apoiados.)
Espero portanto que o sr. ministro da justiça terá a bondade de communicar aos seus collegas estas minhas observações, para que s. ex.ªs, accedendo ao meu pedido, compareçam na proxima sessão e nas seguintes. (Apoiados.)
(S. ex. não reviu.)
As justificações vão publicadas na secção competente.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Pedi a palavra para dizer ao illustre deputado que não é só o ministro da justiça que tem a comprehensão dos deveres parlamentares que lhe assistem; igualmente a têem todos os seus collegas. (Apoiados.)
Por mais agradavel que me possa ser o elogio do illustre deputado, eu não o posso acceitar com a restricção que s. exa. lhe deu.
Todos nós temos a mesma comprehensão dos nossos deveres. (Apoiados.)
Se tenho estado aqui antes da ordem do dia, é porque tenho para isso mais possibilidade de que os meus collegas; mas o illustre deputado bem sabe que ainda hontem elles estiveram aqui a meu lado.
Hoje ha sessão na camara dos dignos pares, onde se discute um projecto importante e que reclama a presença de alguns dos meus collegas; mas creio que outros virão ainda hoje a esta camara, antes da ordem do dia, e talvez tenham ensejo de responder a s. exa.
Em todo o caso eu lhos communicarei, especialmente ao sr presidente do conselho e ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, o desejo que o illustre deputado tem de os interrogar.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Franco Castello Branco: - Parece-lhe que o sr. ministro da justiça, levado pelo seu zêlo natural e bem cabido de defender os seus collegas, esqueceu-se do que se tem passado em todas as sessões d'esta camara, ha um mez a esta parte. (Apoiados.)
O sr. ministro da justiça não tem faltado, já porque a isso o obrigam os projectos da sua iniciativa e já porque s. exa. é na verdade o unico membro do governo que forceja por comparecer antes da ordem do dia, e dizendo isto pratica elle, orador, um acto de justiça que nem mesmo aos seus adversários costuma recusar, mas o illustre ministro devo comprehender bem que n'esta altura da sessão é indispensavel a presença dos membros do governo para responderem ás diversas perguntas que lhes sejam dirigidas sobre assumptos dependentes das suas pastas. (Apoiados.)
S. exa. devia lembrar-se que o sr. presidente do conselho ha mais de um mez que não vem á camara dos deputados antes da ordem do dia. (Apoiados )
Isto não póde continuar assim, acrescenta o orador.
Se depois d´este procedimento a opposição usar de linguagem mais rigorosa, não ha direito a accusal a mais ou menos encobertamente.
Todos sabem que ha duas maneiras de pedir: pede-se com o chapéu na mão ou com o chapéu na cabeça.
A opposição começou por pedir brandamente aos srs. ministros que comparecessem antes da ordem do dia para se discutirem alguns pontos de administração; mas desde o momento em que o emprego de meios brandos não deu resultado, comprehende-se que a opposição tenha de pedir por outra fórma, porque está resolvida, custe o que custar, a fazer respeitar os seus direitos e a sustentar as praxes parlamentares.
Fontes Pereira de Mello, visto que hoje, por uma justiça um pouco tardia, que está no espirito de todos os membros da politica portugueza, é apresentado por todos os oradores do lado direito da camara corno o prototypo do estadista e do parlamentar, esse illustre chefe nunca esteve um mez seguido sem vir ao parlamento antes da ordem do dia, nem nunca faltou na camara depois de ser pedida e instada a sua presença.
E bom que não te resuma só em palavras o elogio que lhe fazem, e que o seu procedimento seja imitado.
Esta ausência systematica do governo não póde continuar. (Muitos apoiados.)
Alem d'isso, a seu ver, o sr. presidente do conselho é ingrato para com os membros da opposição. Não veiu s. exa., no principio da sessão parlamentar, pronunciar aquella phrase, já agora memoravel, de que com os deputados do lado esquerdo da camara é que o nobre ministro se entendia e que com elles é que se dava bem? Porque não satisfaz, pois, ao unico desejo que a opposição manifesta, vindo s. exa. todos os dias á camara matar as saudades que deve

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ter d'essa opposição, tão sua querida e com a qual tão bem se dá? (Riso.} Nenhuma outra cousa se lhe pede.
Se elle, orador, quizer dirigir ao governo qualquer pergunta sobre differentes pontos de administração que não corram pela pasta da justiça; se quizer tratar qualquer questão de administração relativa a outras pastas, o sr. Beirão, com a sua costumada amabilidade e cortezia, só poderá dizer que communicará aos seus collegas essas considerações e que elles, logo que possam, virão declarar o que pensam sobre o assumpto. Comprehende-se que e. exa. nada mais possa dizer do que isto; mas com o sr. presidente do conselho o caso é muito differente, porque s. exa. é o chefe do gabinete, e responsavel pela politica administrativa do governo, e em questões de certa ordem deve estar habilitado para responder de prompto sobre qualquer ponto de administração, ainda que elle não corra especialmente pela sua pasta.
Está n'este caso o assumpto de que desejava tratar, sendo unica e exclusivamente para isso que pedira a palavra. Queria perguntar se era verdadeira uma noticia que lera em alguns jornaes, noticia que interessa a mais de uma classe social e que tem toda a actualidade depois do que se passou no congresso agricola.
Se dirigir esta pergunta a qualquer dos membros do governo presentes, já sabe a resposta que terá. É que esse negocio não corre pelas suas pastas e que transmittirá ao seu collega da fazenda ou ao sr. presidente do conselho as considerações feitas por elle, orador; mas se o sr. presidente do conselho estivesse presente, s. exa. não podia furtar-se, sem desaire, a dar desde logo uma resposta mais ou menos clara, mais ou menos positiva sobre o assumpto, que é de tal importancia que, não obstante pertencer especialmente á pasta da fazenda, não póde ser ignorado pelo sr. presidente do conselho.
No congresso agricola ultimamente reunido em Lisboa, um dos pontos mais discutido e que maior interesse mereceu a todos os seus membros, foi a questão cerealifera.
Muitos membros do congresso, particularmente os do Alemtejo, centro do paiz, e mesmo alguns do norte, instaram pela necessidade urgente, inadiavel e impreterivel, de se levantarem as taxas aduaneiras sobre a importação dos cereaes estrangeiros.
Tambem é sabido que esta idéa do congresso, tão firmemente exposta por differentes membros d'aquella corporação, tem sido objecto de discussões acaloradas na imprensa; e ultimamente foi distribuida pelos srs. deputados uma especie de representação que os donos das fabricas de moagens dirigem ao parlamento ácerca do mesmo assumpto.
Ora, em alguns jornaes vem a noticia de que o sr. ministro da fazenda declarara que o governo pensava em trazer brevemente á camara um projecto de lei, augmentando as taxas sobre o trigo e sobre as farinhas, passando os trigos a pagar, em vez de 15 réis, 20 réis, e as farinhas, em vez de 22 réis, 27
Comprehende-se a importancia que tom esta questão para toda a gente, para todos os productores ou não productores, moageiros ou não moageiros; como tambem se comprehende quanto convem saber se o governo pensa n'este assumpto, e se effectivamente tenciona trazer ao parlamento uma medida que o resolva. Alem d'isto ê preciso conhecer as bases em que essa medida assenta.
Se estivesse presente o sr. ministro da fazenda, s. exa. diria o que pensava a este respeito; e pela mesma fórma o sr. ministro do reino e presidente do conselho não podia furtar-se, sem desaire, á dizer o que pensa e o que tenciona fazer sobre o assumpto.
A questão é de si tão importante, adiam-se n'ella compromettidos tantos interesses publicos, interessa a tantas classes industriaes, que necessariamente já terá sido discutida mais de uma vez em conselho de ministros; e, portanto o sr. presidente do conselho não póde deixar de ter sobre o mesmo assumpto a sua opinião formada; e o paiz tem o direito de conhecer quaes são as idéas do governo.
Como, porém, nem s. exa. nem o sr. ministro da fazenda estão presentes, e como por parte do sr. ministro da justiça ou do sr. ministro dos negocios estrangeiros, a avaliar pelo que succede sempre que se lhes fazem perguntas sobre assumptos estranhos ás suas pastas, as suas respostas nada esclarecem, ficarão todos na mesma ignorancia, e isto com prejuizo d'elle, orador, que perdeu o seu tempo, o com prejuizo da camara, que, alem de ter de o ouvir, deixou, no entretanto, de se occupar de outros assumptos.
É este o resultado da falta de cumprimento, por parte dos srs. ministros, dos seus deveres constitucionaes e parlamentares; falta tanto mais indesculpavel pelo que respeita ao sr. presidente do conselho, quanto s. exa. o que é, deve-o ao parlamento.
Não procedia assim Fontes Pereira de Mello, dando com isso uma das provas mais incontestavel da sua grandeza e do seu tino politico (Apoiados.)
Fontes Pereira de Mello fazia outro caso do parlamento. (Apoiados.)
N'estas circumstancias, limita-se a pedir á presidencia que se encarregue de demonstrar ao sr. presidente do conselho a opportunidade, se não a necessidade, de vir á camara antes da ordem do dia, como é seu dever.
(O discurso será publicado na integra e em appendice, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - As camaras são duas; e tanto direito têem os illustres deputados como os membros da camara alta, a exigirem a presença do governo. Eu acabo de ser informado de que estão na camara alta o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da fazenda.
O sr. Franco Castello Branco: - V. exa. dá-me licença?
O Orador: - Pois não?
O sr. Franco Castello Branco: - Hontem não houve sessão na camara dos pares, e comtudo o sr. presidente, do conselho não se dignou comparecer aqui, se tivesse vindo aqui, ter-lhe-ia feito as perguntas que hoje faço.
O Orador: - Hontem houve camara dos pares, estando presente á abertura da sessão o sr. presidente do conselho de ministros: depois, a camara encerrou-se, em demonstração de sentimento por morte do Imperador da Allemanha, mas o sr. presidente do conselho achava-se ali.
Póde dar se a circumstancia de uma vez ou outra os ministros não poderem estar todos presentes na camara; mas isto não é de agora, tem succedido era muitas occasiões e em todos os tempos.
Quando o partido regenerador estava no poder, d'esse lado da camara partiam a miudo vozes, pedindo a presença dos ministros. Talvez com essas insistencias praticassemos tambem alguma injustiça; mas os srs. deputados talvez hoje tambem as pratiquem, exigindo a presença simultanea dos ministros nas duas camaras.
O sr. Franco Castello Branco: - Agradeço ao sr. ministro a lembrança do attribuir á opposição o pensamento de querer que os ministros estivessem simultaneamente n'esta e na outra camará.
O Orador: - Não estava no meu animo offender nenhum dos membros da camara e muito menos o illustre deputado a quem tenho demonstrado a consideração que nos mereço o seu talento e a maneira por que sabe desempenhar-se do alto mandato que lhe foi confiado. E se no que disse, ha qualquer palavra que de alguma maneira lhe possa ser desagradavel, desde já a retiro; mas parece-me que estou no meu direito, justificando a falta de comparencia do sr. presidente do conselho n'esta camara. (Apoiados.)
Quanto á questão dos cereaes, não me parece que, se estivesse presente, o sr., presidente do conselho ou o sr. mi-

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nistro da fazenda, podessem avançar mais do que o que vou dizer.
V. exa. e a camara conhecem a importancia do problema. O governo tem tratado incessantemente d'esse assumpto, e se a resolução d'elle tem sido demorada, e porque a questão é muito grave, e porque em questões de tal gravidado e de tal ordem, mais vale uma resolução demorada de que um projecto mal estudado e rapidamente votado. (Apoiados.)
Esse assumpto está sendo mais uma vez examinado cautelosamente pelo governo; tem dado logar a discussões no seio do gabinete e é provavel que dentro em pouco tempo o meu collega da fazenda, combinando com todos nós, assente definitivamente nas idéas que tem tenção de traduzir em projectos de lei para apresentar á camara. Mas os termos em que o fará, nem s. exa. mesmo os poderia dizer n'este momento. Portanto, o meu collega não iria mais longe, porque, estando o negocio sob exame, e sendo susceptiveis de modificação as idéas do meu collega da fazenda, s. exa. de certo não viria aqui apresentar idéas que mais tarde podiam ser julgadas menos apropriadas para se conseguir o fim que se deseja.
Parece-me que n'outra occasião as considerações de s. exa. o sr. Franco Castello Branco serão muito bem cabidas, mas hoje, não me parece que seja esse o caso nem pelo facto da ausencia dos ministros, nem por não podermos ir mais longe do que iriam os nossos collegas.
Estando com a palavra, devo communicar a v. exa., sr. presidente, que fui agora procurado, e esse foi tambem um dos motivos por que me demorei mais do que desejava, pelo representante n'esta côrte do imperio da Allemanha, que me communicou officialmente o texto de um telegramma, que acabava do receber do governo imperial. N'este telegramma dizia-se o seguinte:
«Berlim, 13 de março do 1885.
«O marquez de Penafiel significou me aqui, em nome de Sua Magestade El-Rei D. Luiz e do governo portuguez, a parte que tomavam em nosso luto nacional, e deu-me communicação da vinda do infante D. Augusto, bem como da manifestação de sympathia da camara dos deputados. De tudo dei conhecimento a Sua Magestade o Imperador e rogo-lhe queira expressar a nossa profunda gratidão a El-Rei D. Luiz e a seu governo, bem como aos presidentes das camaras pelas suas manifestações de sentimento. = (Assignado.) Conde de Bismarwk. - Sr. ministro da Allemanha em Lisboa.»
Em harmonia com estas ordens e instrucções do seu governo, o ministro da Allemanha tenciona na sexta feira procurar v. exa. e o digno presidente da camara dos pares, vindo ao palacio das cortes officialmente exprimir em pessoa os sentimentos do seu governo.
Era o que eu tinha a communicar á camara.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - Vae passar se á ordem do dia.
O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente, s v. exa. e a camara me permittissem, eu diria duas simples palavras em resposta ao sr. ministro dos negócios estrangeiros.
O sr. Presidente: - Só v. exa. quer que se consulte a camara...
Vozes: - Falle, falle. O sr. Franco Castello Branco: - Sr. presidente, eu pedi a palavra unicamente para deduzir das considerações apresentadas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros a conclusão de que não é exacta a noticia a que ha pouco me referi, e que foi lida por toda a gente, com relação a ter o governo já assentado e decidido elevar os direitos do trigo a 20 réis, e o das farinhas a 27 réis.
Fica-se sabendo que essa resolução não está ainda tomada, nem pelo sr. ministro da fazenda, nem pelo conselho sr. ministros.
Quanto ao mais, quanto a dizer-nos o sr. ministro do negocios estrangeiros, que o governo pensa incessantemente na resolução d'este importante problema de administração, consinta a camara que eu ponha bem em relevo um facto; e é que o governo não merece agora louvores por ter similhante procedimento, visto que já no anno passado se havia compromettido a apresentar este anno a solução definitiva d'esta questão.
Quando se discutiu ria sessão legislativa do anno passado a reforma pautai, tomou-se a esse respeito uma resolução temporaria, uma resolução que só deveria durar até ao fim de janeiro de 1888; ora nós estamos era meados de março, e portanto parece que o governo, visto que - incessantemente - (foi este o adverbio empregado pelo sr. Barros Gomes) não tem levantado mão d'esta questão, já tinha tido tempo, não só de exercer as attribuições que a lei lhe conferiu, mas de resolver definitivamente este importante ploblema. (Apoiados.)
Quanto ao mais, sr. presidente, eu, confiando na maneira superior e verdadeiramente imparcial com que v. exa. dirige sempre os trabalhos d'esta camara, e preside ás nossas sessões, torno a pedir-lhe a fineza de communicar ao sr. presidente do conselho que é preciso que s. exa. appareça n'esta camara, algumas vezes, pelo menos, antes da ordem do dia, o que não faz ha mais de um mez. Não ha memoria de um facto similhante a este, e a sua justificação é por isso muito difficil. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da coroa

O sr. Frederico Laranjo (sobre a ordem): = Continua e termina o seu discurso, começado na sessão anterior, occupando-se, n'esta sessão, especialmente da questão do padroado.
(O discurso será publicado em appendice a está sessão, quando s. exa. o restituir.)
Leu se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, convencida de que as censuras feitas pela opposição ao governo são sem fundamento, e muitas d´ellas contraproducentes, continua a sua plena confiança ao ministerio, e passa, á ordem do dia. = J. Frederico Laranjo.
Foi admittida.

(Assumiu a presidencia o sr. Francisco Mattoso.)
O sr. Vieira de Castro (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer prorogar a sessão até se votar o projecto de resposta ao discurso da corôa.
Assim se resolveu.
O sr. Presidente: - O requerimento está approvado.
Vozes (do lado esquerdo): - Nós não ouvimos nada; faça-se a contraprova.
(Sussurro.)
O sr. Jacinto Candido: - Creio que na discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa, que seguramente representa a maior importancia politica, (Apoiados.} porque com elle se relacionam todos os assumptos graves de que um parlamento se pôde occupar, (Apoiados.) tratando-se da votação de um requerimento, que não foi ouvido d'este lado da camara, (Apoiados.) é conveniente que v. exa. o repita, porque de outro modo nós não o podemos votar. (Apoiadas.)
O sr. Presidente: - Não tenho duvida em repetir a votação desde que se levantam duvidas.
O sr. Arroyo: - Peço a palavra sobre o modo de votar.
O sr. Presidente: - Consulto de novo a camara so-

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bre o requerimento em que o sr. Vieira de Castro pede prorogação da sessão até se votar o projecto.
(Susurro.)
Foi approvado.
O sr. Arroyo: - Eu tinha pedido a palavra.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Arroyo.
O sr. Arroyo: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que haja votação nominal sobre o requerimento que acaba de ser feito.
O sr. Presidente: - O requerimento está approvado.
O sr. Arroyo: - Então v. exa. dá me a palavra sobre o modo de votar e diz agora que o requerimento está approvado?!
Vozes: - Isto não póde ser.
O sr. Presidente: - Consulto a camara sobre o requerimento do sr. Arroyo.
Foi rejeitado, resolvendo-se novamente que se prorogasse a sessão.
O sr. Jacinto Candido: - Sr. presidente, tomando a palavra n'esta altura do debate, não posso deixar de significar, em meu nome, o penso que em nome do toda a opposição parlamentar, (Apoiados.) o sentimento profundo que tenho por ver que nas cadeiras do governo se não acham todos os membros do gabinete, (Apoiados.) e por consequencia que os assumptos complexos, importantes e da maior magnitude, que fazem objecto d'esta discussão, vão ser apreciados n'esta camara, sem que estejam presentes os ministros, a quem podem caber as responsabilidades que vão apurar-se d'esta liquidação de contas. (Apoiados.)
Na discussão de um projecto da ponderação e da magnitude d'este, a resposta ao discurso da corôa, seguramente a mais importante que n'um paiz constitucional se póde discutir, (Apoiados.) era bem para desejar que o governo tivesse para com a camara dos deputados a mesma attenção, o mesmo respeito e a mesma consideração, que manifestou para com a camara dos dignos pares (Apoiados.) o que não seria mais do que o estricto cumprimento do seu dever, vindo aqui, como lá foi, assumir perante o parlamento as responsabilidades do seu passado e dar conta dos seus actos.
Por outro lado julgo tambem do meu dever estranhar e sentir que se levasse a effeito a prorogação da sessão na discussão de um projecto d'esta ordem, que, repito, pela importancia dos assumptos que n'elle se discutem, não podia, nem devia com toda, a certeza ser apertado n'um espaço de tempo tão estreito como, aquelle que a camara lhe quer destinar. Por muito que se tenha dito, muito ha ainda para dizer. (Apoiados.) Acceitando, porém, como me cumpre, a deliberação da maioria, o usando da palavra, eu quero deixar accentuados principalmente dois factos sobre os quaes vou architectar as considerações que tenho de submetter á apreciação de v. exa., do governo, e da camara.
Esses factos são, em primeiro logar, na resposta ao discurso da corôa o governo, ou por si directamente, ou por meio dos deputados que o apoiam n'esta casa, responde pelos actos do sen passado e garante os actos do seu futuro; em segundo, existe uma solidariedade intima entre os membros da maioria, que tomam parte no debate, e o gabinete cujo programma e doutrinas elles representam.
Na discussão de um projecto d'esta ordem não se póde admittir que os deputados apresentem opiniões individuaes, e somente que venham transmittir á camara as principaes idéas do governo e do partido progressista, cujos representantes são.
Estes factos quero deixal-os bem accentuados, porque ouvi avançar proposições de tal ordem, assisti á enumeração de principios de uma tal natureza, que podiam talvez justificar se, que podiam porventura admittir-se, quando fossem manifestações de opinião individual, desabafos intimos, ou explosões particulares, em conversas familiares, mas que custa a crer realmente que fossem apresentadas no seio do parlamento, como revelações dos princípios políticos de um partido, e muito menos de um governo, que preside aos destinos do nosso paiz.
Não me ha de ser difficil, no decorrer d'estas reflexões, provar perante a camará e o paiz que as manifestações de opinião que, dia a dia, hora a hora, resoam por todo o paiz, e vem reperentir-se n'esta casa, têem bases solidas e alicerces seguros nos desvarios, nas aberrações, nos principios erroneos, e nos desvios de todas as boas e sãs doutrinas do direito publico constitucional, que o governo tem seguido, e que tem sido a norma constante da sua acção governativa, desde que, para desgraça de nós todos, se acha á frente dos destinos da nação.
Vou percorrer por capitulos o discurso do sr. Laranjo, uma das capacidades scientificas, que individualmente mais respeitamos, um dos mais laureados oradores da maioria, um dos que mais arrojadamente sáe á estacada, nas occasiões mais criticas, e nos lances mais arriscados; um d'aquelles homens cujo caracter, dedicação e lealdade partidaria estão acima de toda a duvida, e superiores a toda a suspeita, e é acceitando as bases, e partindo dos principios e das doutrinas de s. exa., que são as do seu partido, e as do seu governo, nem outras podiam ser. que eu vou combater o gabinete, e mostrar como é excessivamente nefasta aos interesses do paiz a sua conservação no poder, e como, por mais que queiram, elle não póde, sem uma aberração de todos os principios do direito constitucional, permanecer por mais tempo, á frente dos destinos da nação.
O sr. dr. Laranjo dividiu o seu discurso em diversas secções, percorrendo rapidamente todos os pontos que tinham sido, até hoje, tratados na discussão d'este projecto, e occupou-se dos tumultos, dos addicionaes, da difamação das incompatibilidades da questão de fazenda, da questão agricola e, por ultimo, da questão da concordata.
Eu vou seguir, pari passu, a argumentação de s. exa.
O primeiro capitulo é o que diz respeito aos tumultos.
Eu tenho, primeiro que tudo, de fazer notar â camara, e de chamar a sua attenção particular, para o que ha de curioso, de estranho e de notavel nas apreciações que, por parte da maioria, se têem feito sobro esta importante manifestação da agitação publica e do mal estar geral do paiz.
Ha duas correntes de opiniões distinctas, no governo e na maioria, a respeito da agitação publica e do mal estar do paiz. Um d'estes dias a voz eloquentissima do meu illustrado amigo e distincto parlamentar, o sr Carlos Lobo d'Avila, relator d'este projecto, um dos corypheus da maioria d'esta camara, assegurou a nós todos, á face do paiz, que effectivamente o mal estar da nação era um facto verdadeiro, que não podia dissimular-se; e que era necessario arredarmos, a final, todo este disfarce de palavras, com que muitas vezes procuravamos enganarmo nos uns aos outros, e dizermos lealmente aquillo que pensavamos e sentiarnos. E com essa franqueza e lealdade, para que s. exa. appellou n'esse momento, confessou que, de facto, havia um fundo de mal estar no paiz, mal estar grave, serio, de toda a ponderação, e que a todos nós devia preoccupar profundamente, porque derivava dos erros accumulados de nós todos, e porque podia aggravar-se por forma tal, que dificultasse, senão impossibilitasse, o remedio; e que esse mal estar era a causa que d'elle derivavam essas agitações, esses tumultos, essas convulsões populares, que não deviam ter-se como consequencias de manejos partidarios, mas como justas expansões do descontentamento do povo, estimulado por muitissimos erros de todos os governos passados, sem distincção de côr politica, que se haviam traduzido em soffrimentos, em dores, em oppressões, que agora vinham a lume, e se exteriorisavam n'esta reacção violenta, que surgia por todo o paiz.
Ê esta uma das opiniões da maioria sobre o assumpto.

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A outra emittiu-nos o sr. dr. Laranjo. Foi a contestação completa da primeira. Differe radicalmente.
S. exa. classifica a agitação do paiz como local, passageira e sem apoio das classes illustradas. Por isso sem a menor importancia.
Acha s. exa. que se contrapõe a essas manifestações populares a tranquillidade geral, permanente, e das classes illustrudas.
E, confrontando as manifestações da agitação com a apparencia da tranquillidade, s. exa. afasta todos os receios, desfaz todas as apprehensões e vê tudo côr de rosa. Chama-nos a nossa atrenção para a extensão do paiz, e para os pontos limitados em que surgiram os tumultos; lembra-nos o tempo decorrido depois que o governo está n'aquellas cadeiras, e os poucos dias que têem durado esses motins; e diz-nos qual a população do paiz e quaes os poucos milhares de homens que têem intervindo n'essas manifestações, e como são rudes trabalhadores, sem illustração alguma, e que, por não terem tempo disponivel, apenas aos domingos, nas horas de ocio, conseguem e podem reunir-se.
Creio que não póde haver mais flagrante opposição, e mais completa, entre duas opiniões sobre os mesmos factos e sobre a sua apreciação. Pois ambas são da maioria.
(Reassumiu a presidencia o sr. Rodrigues de Carvalho.)
Ora eu perguntarei ao governo se faltando dois dos seus oradores, dos mais importantes, dos mais distinctos, dos mais notaveis, em nome do mesmo governo, em nome da mesma maioria, representando os seus principios, as suas idéas, o seu criterio, a sua opinião sobre os factos mais graves e mais ponderosos que no paiz occorreram, e estuo cada dia occorrendo, o governo perfilha, ambas as opiniões, por elle emittidas e fundamentalmente oppostas, ou se sómente adopta uma d'ellas, e qual então, se a que nos diz que o mal estar do paiz é um facto real e verdadeiro, embora devido aos erros accumulados das administrações passadas se aquella que nos affirma que a agitação do paiz é sem valor, sem realidade, sem importancia, porque é meramente superficial, insignificante, local, passageira e das classes illustradas e ignorantes? (Apoiados)
Flagrante contradicção esta da maioria e do governo, altamente significativa para todos nós e para o paiz!
A verdade, porém, é que infelizmente a agitação do paiz é um facto de que não é licito duvidar, e para negar o qual seria mister fechar os olhos para não ver e tapar os ouvidos para não ouvir.
Desgraçadamente e tristemente para todos nós, esse mal estar, essa agitação, esse descontentamento está assignalado pelo sangue e pelo luto; pelo sangue, que correu dos que foram varados pela balas, atravessados pelas bayonetas, ou acutilados pelos sabres da soldadesca; e pelo luto, que cobriu, e cobre muitas dezenas de familias, de quem essas pobres victimas, que todos chorâmos, eram membros, paes, maridos, filhos ou irmãos. Mas alem d'este sangue e 'este luto ha mais ainda.
A agitação do paiz e o seu mal estar revelam-se e affirmam-se, por outros meios não menos significativos, se bem que incruentos, e não tão credores da nossa condolencia, e dos nossos sentimentos.
As manifestações da imprensa, os comicios, as representações dos povos, as vozes dos seus representantes n'esta casa, são outros tantos meios, pelos quaes até noa tem chegado o conhecimento dos males que affligem o povo, e dos soffrimentos que o opprimem. E são tanto menos suspeitas essas manifestações, que não só a imprensa da opposição d'ellas tem cuidado, mas alguns dos mais auctorisados amigos do governo, que têem voz n'aquella augusta tribuna, lá têem feito ouvir os seus clamores com nobre isenção e louvavel patriotismo.
E realmente, sr. presidente, quando estudamos a situação politica, economica e financeira do paiz, quando olhâmos attentamente para o seu estado geral, e fixâmos o nosso exame e estudo em cada uma das classes sociaes, vemos que todos, e cada um, desconfiam dos poderes publicos, que estão desalentados, que soffrem mas que não esperam que lhes dêem o remedio de que os seus males carecem, e que por isso começam a sentir a necessidade de se reunirem os que estão ligados por uma mesma communhão de interesses, para combaterem, pelos seus esforços collectivos, o mal que os opprime, e substituirem a sua propria acção á acção dos poderes constituidos. Brilhante revelação d'este plano de defeza fui o congresso agricola que ainda ha pouco se reuniu em Lisboa, e que a todos se impoz pela auctoridade da justiça, que por si tinha, e pela alliança notavel da maior cordura com a maior firmeza e energia.
Ora quando as cousas chegam a este ponto é porque alguma cousa ha mais do que essa simples e ligeira perturbação na superficie do paiz, de caracter passageiro o insignificante, de que nos fallou o sr. deputado Laranjo.
Assente, pois, o facto do mal estar do paiz e da sua agitação, resta saber das suas causas, e averiguar d'aquelles a quem incumbem as responsabilidades correlativas.
O meu illustre amigo, o digno relator d'este projecto, affirmou-nos que essas causas eram os erros accumulados dos governos passados, e que por consequencia as responsabilidades eram de todos os partidos que tinham estado á frente dos destinos do paiz, não pudendo assim arguir-se este governo; mas devendo todos nós penitenciar-nos das culpas era que todos estavamos incursos.
Não quero discutir este ponto, e entrar na trabalhosa tarefa da discriminação das responsabilidades dos diversos partidos politicos, que se têem succedido no poder. Para a minha argumentação não é isso necessario. Dou de barato que seja assim, que seja verdadeira a apreciação do sr. Lobo de Avila, e que o mal estar do paiz seja a consequencia de uma serie de erros passados, da responsabilidade de todos os governos, que se toem succedido no poder, sem distincção de côr politica.
Sr. presidente, se o mal estar publico, e se a agitação do paiz derivasse de um facto, ou de uma serie de factos, subitos, repentinos, imprevistos, cujas consequencias não podessem de prompto prever-se, prevenir-se, e evitar-se; se proviesse de uma causa nova, de uma medida menos estudada, ou menos conhecida, de uma innovação, da execução de um plano remodelador do mechanismo politico, economico, ou financeiro, da execução mesmo do programma do partido progressista, a lentidão, o vagar e a demora em tomar previdencias poderiam desculpar-se, por parte do governo.
Mas, sr. presidente, se o partido progressista, se o governo, sé a maioria, se o digno relator d'este projecto, nos dizem que as causas d'estes males publicos, que convulsionam o paiz, são velhos erros, de todos conhecidos, da longa data sabidos, como, desculpar não direi já, mas sequer attenuar a culpa do governo pela sua morosidade, pela sua incuria, pela sua negligencia, em occorrer de prompto aos males da nação com remedios salutares e medidas rapidas e energicas?
Pois não se conhecem de longa data esses males, e não se deviam prever as consequencias d'elles?
E o partido progressista, que tanto os apontava ao publico, não só os que realmente existiam, mas ainda os que a sua imaginação creava, subindo ao poder deixa permanecer as cousas no mesmo pé, esquece os seus compromissos de remover essas causas de soffrimento, de emendar esses erros, tão seus conhecidos, e de encaminhar os negocios publicos por fórma a desapparecerem os males que affligiam a nação, e quando se trata de apurar responsabilidades foge, desculpando-se com os antecedentes? Pois colhe, por ventura, tal desculpa.
Por consequencia o argumento do sr. Carlos Lobo de Avila, de lançar á conta de velhos erros a agitação do paiz, longe de eximir o governo da responsabilidade que lhe cabe, mais lhe acresce em culpa. (Apoiados.)

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O partido progressista esqueceu o seu programma, falseou todas as suas promessas, e não soube adoptar um caminho novo, tratando unicamente de accumular erros sobre erros, e é por isso mesmo que a agitação do paiz attingiu uma intensidade como ainda não teve (Apoiados ) e que na actual situação poderá ser, como já se n'esta casa, o prenuncio de uma proxima revolução. (Apoiadas.)
Fallando n'esta camara, não devemos calar estes receios, porque a verdade, que sentimos e vemos, é essa realmente. (Apoiados.)
Eu assisti com todo o cuidado ás sessões do congresso agricola, e vi ali, não simplesmente a manifestação de interessas individuaes, mas tambem um espirito aggressivo contra o governo e contra todos os poderes constituidos. Quando alguem fallava n'aquella manifestação ordeira, e louvava a classe agricola por ter adoptado aquelle recurso pacifico, em vez de manifestações tumultuosas, ouvi algumas vozes dizerem, por emquanto não vamos para a rua, mas não tardará muito que isso aconteça.
Isto é muito significativo.
Por isso digo, sr. presidente, que é necessario que fallemos com franqueza, e que o parlamento responda ao Rei dizendo-lhe o que sente e o que pensa realmente, com toda a lealdade e com toda a verdade, do que, nos dá nobre exemplo a historia dos nossos maiores. (Apoiados.)
O segundo capitulo do discurso do sr. dr. Laranjo occupou-se dos addicionaes. A esto respeito, s. exa. fez referencia ás considerações que tinham sido apresentadas pelos srs. Dias Ferreira, Lopo Vaz e Arrojo. Não entrarei em largo desenvolvimento n'este assumpto, mas não posso deixar de fazer um reparo que me suggeriu o discurso de s. exa.
O illustre deputado não teve outra defeza para os actos do governo, senão o eterno precedente; (Apoiados.) o precedente que se invoca a proposito de tudo, como se um mau preceder podesse justificar alguem, muito principalmente quando aquelles que invocam esse procedente foram exactamente os que combateram esses actos com que querem agora desculpar se, e como se o que hontem podia ser uma- medida sabia e boa, não podesse hoje ser nociva e inhabil.
Pois, sr. presidente, se valesse, e fosse para attender-se este systema de argumentar, que de mais facil do que ir desenterrar do pé doa archivos parlamentares as discussões passadas sobre, os assumptos identicos, ou analogos aquelles de que nos occupâmos aqui, e vir reproduzir velhas rasões, e mostrar como os que hoje combatem tal doutrina, hontem a defenderam?
Mas não se lembra o governo e a maioria que, se nos póde lançar em rosto isso, nós podemos tambem dizer lhe que ella da mesma fórma se contradiz, porque hoje defende o que hontem combatia.
A espada é de dois germes.
Fere a ambos.
O que vale é o estado da questão em si, e do accordo com as circumstancias presentes, que podem ser diversas das de hontem, e assim justificarem, ou não, a medida, que ao presente discutimos.
O sr. dr. Laranjo apresentou o precedente do sr. Dias Ferreira, e veiu com a sua reforma administrativa dizer-nos que o sr. Dias Ferreira invocara a auctoridade do Passos Manuel, porque por si proprio a não tinha para fatiar d'este assumpto.
Era o argumento do sr. Dias Ferreira, que se devia considerar, ou a auctoridade d'elle para fallar no assumpto?
Eram as rasões ponderosas que elle tinha exposto em abono das reflexões apresentadas á camara, ou era o precedente por elle estabelecido na sua reforma administrativa?
Pois não é sabido que ha necessidade de variar as opiniões em assumptos de sciencia social, consoante as circumstancias?
Pois tem porventura algum valor, algum mento o precedente, a auctoridade de quem quer que seja de spida ou desajudada das rasões ou argumentos em que ella se apoia, e com que se fundamenta?
Certamente a boa critica manda attender unica o simplesmente á auctoridade que se estriba em boas rasões, e em bons argumentos.
Não basca invocar o nome, é preciso que essa invocação se acompanhe das rasões que possam cabal e legitimamente fundamentar a proposição que se avança (Apoiados)
O mesmo succedeu quando s. exa. se referiu aos discursos proferidos pelos srs. Lopo Vaz e Arroyo.
S. exa. commentou as observações d'estes dois illustres parlamentares, com apreciações que todas se resumem no seguinte: O codigo de 1878, da iniciativa do partido regenerador, era mau, dava uma excessiva largueza aos corpos administrativos; o actual codigo, da iniciativa d'este governo, é melhor, realisa um progresso, restringindo as attribuições d'aquellas corporações. E mais nada.
E as objecções, os defeitos e as duvidas apresentados pelo sr. Lopo Vaz ficaram de pé. (Apoiados.)
S. exa. affirmou que a reforma de 1886 era superior á de 1878; e contentou se com isto; mas francamente contentou-se com pouco, ainda quando fosse verdadeira tal asserção.
Pois por haver superioridade relativa, deixavam do existir os males, os vicios, as imperfeições e os defeitos que o sr. Lopo Vaz notou no codigo publicado era dictadura? Pois não foi elle publicado, como se diz no relatorio que o precede, unicamente para montar a machina eleitoral? (Apoiados.) Não é facto que se disse o se escreveu isto, ou o que o equivalia, cousa perfeitamente nova, fundamento do todo o ponto original pá, a uma reforma?
Uma reforma, que se faz, uma lei que se publica, para á sombra d'ella se robustecer um partido politico, e para se montar a, machina eleitoral, uma lei d´esta natureza póde, porventura, ter por si a auctoridade de uma reforma justa, importante, imparcial e correcta, (Apoiados.) que se inspira aos verdadeiros interesses e attende ás verdadeiras conveniencias do paiz? (Apoiados)
Por ultimo, sr. presidente, o sr. dr. Laranjo teve uma phrase, que eu lamento profundamente que s. ex .ª tivesse. proferido n'um assumpto tão importante como é este dos addicionaes.
Disse s. exa. que passava a outro assumpto, porque a camara estava cansada de addicionaes, e mais cansada até do que os proprios contribuintes.
Isto mostra o pouco cuidado, permitta-me s. exa. a que lh'o diga, a pouca attenção, e a pouca seriedade. que se prestam por parte dos poderes constituidos ás, reclamações instantes, aos pedidos urgentes, ás manifestações, vigorosas da opinião publica. (Apoiados)
Necessidade de passar a outros assumptos sem que este esteja devidamente estudado, e sem que se julgue de uma maneira definitiva sobre esto ponto, que se prende e estreitamente se relaciona com a riqueza da nação e com o bem estar dos povos! (Apoiados.)
Eu lamento profundamente, sr. presidente, que na discussão de um assumpto d'esta ordem, assim como na de outros que tanto interessam ao paiz, e tão intimamente se prendem com as conveniencias publicas, appareçam ás vezes d'estes pensamentos, que tendem a restringir os debates, a atrophiar as discussões, tão necessarias para a correcção das leis, e d'onde sempre brota. (Apoiados.)
Tivemos ainda ha pouco um exemplo frisantissimo no já hoje celebre projecto das licenças
Com a intervenção da opposição, quer dizer, com a discussão parlamentar, alcançou se então para o paiz um beneficio, uma melhoria, que, se não satisfaz todas as suas.

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justas exigencias, representa, comtudo, um progresso realisado, uma conquista adquirida. (Apoiados.)
O outro capitulo do discurso do sr. dr. Laranjo cuidou da difamação,
S. exa. distribuiu ao meu illustrado amigo o sr. Marçal Pacheco o papel de D. Basilio, e fel-o estar aqui, no parlamento, a cantar a ária da calumnia.
Distribuiu tambem ao governo o papel do conde de Almaviva.
Não sei qual foi o papel que s. exa. reservou para si; o que sei é que o illustre deputado declarou perante a camara que o brilhantissimo discurso do sr. Marçal Pacheco se assimilhava á ária da calumnia do D. Basilio; mas que o governo não saía, assim como não saíra tambem o conde de Almaviva.
O sr. Frederico Laranjo: - Eu não disse isso.
O Orador: - Eu assim o tenho nas minhas notas apontado. O illustre deputado comparou esta discussão, n´este ponto, com o Barbeiro de Sevilha. O discurso do sr. Marçal Pacheco era a aria da calumnia, o governo o conde de Almaviva; o eu fiz naturalmente o reparo do não ter v. exa. escolhido papel para si.
No entanto, se s. exa. rectifica o que disse, ou se os meus apontamentos não estuo exactos n'esta parte, eu procederei conforme as declarações de s. exa. que aguardo.
O sr. Frederico Laranjo: - Se o illustre deputado me dá licença, eu repito o que disse.
Eu disse que o sr. Marçal Pacheco e outros srs. deputados tinham dito que se levantara contra o governo a difamação, e acrescentei que s. ex.ªs acreditavam que esta difamação era injustificada, mas que, apesar d'isto, a opposição pediu ao governo que se retirasse.
O Orador: - Mas é facto é que o illustre deputado sustentou o parallelo entre a camara dos deputados e o theatro de S. Carlos, distribuindo o papel de conde do Almaviva ao governo, e o de D. Basilio ao sr. Marçal Pacheco.
Comtudo não me referirei mais a este ponto, que realmente não é agradavel, porque a comparação na verdade não foi feliz, é forçoso confessal-o.
Em todo o caso o que é certo, é que o sr. Laranjo, fallando na campanha da diffamação e da calumnia, disse e asseverou, que ella, se bom que podesse ser considerada uma represalia, ou que a opposição parlamentar a considerasse como uma represalia dos precedentes estabelecidos pelo partido progressista, não devia ainda assim levar o gabinete a sair das cadeiras do poder.
Mas s. exa. fez uma comparação primorosissima, admiravel, comparação que applaudo, pela franqueza e sinceridade com que foi feita.
S. exa. declarou que effectivamente o partido progressista se tinha compromettido n'esta triste campanha de diffamação. (Apoiados.)
O sr. Laranjo: - Eu não disse isso.
O Orador: - Perdoe-me o illustre deputado, s. exa. disse que não reconhecia o direito da represalia.
O sr. Laranjo: - Eu não disse isso.
O sr. Marçal Pacheco: - Se o não disse devia dizel-o, (Riso.)
O sr. Laranjo: - Digam os illustres deputados o que quizerem, mas isso é que não disse
O Orador: - Desde que e. exa. retira essa expressão, ou declara que não a disse, o meu dever de delicadeza para com s. exa., pela consideração em que o tenho, é effectivamente não insistir n'este ponto, nem insisto mais O que porém é certo é que s. exa. affirmou perante a camara, e creio que até vem no extracto da sessão parlamentar do Diario popular, que não reconhecia o direito de represalia; e se s. exa. não reconhecia esse direito, era porque suppunha que o partido regenerador lançava mão d'elle para justificar os seus suppostos processos de diffamação.
Ora desde que existia uma invocação de tal direito, o desde que s. exa. a admittia, limitando-se a negar o direito, e não cuidando de contestar os factos, é porque tacitamente s. exa. concordava n'esses factos anteriores que davam logar á represalia! (Apoiados.)
Esta é que é questão. (Apoiados.) Só s. exa. não o disse expressamente, a logica leva-nos a tirar esta conclusão; (Apoiados ) e tanto mais que s. exa. disse; «que se porventura essa campanha tivesse existido, ella tinha sido provocada pelos erros accumulados do partido regenerador. (Apoiados.) Logo v. exa. confessava que o partido progressista tivera taes processos, que eu rejeito, que todos devemos rejeitar, e que principio algum justifica. Quando, pois, agora, houvesse que arguir-se, o que é certo é que tinhamos infelizmente bem frisantes precedentes, por parte dos actuaes censores. (Apoiados.)
O sr. Marcai Pacheco: - Porventura elle póde negar uma cousa que toda a gente sabe?! (Riso.) De mais a mais isso mesmo se confessa na portaria do sr. Beirão.
O Orador: - Mas se cuidei agora d´este assumpto, não fui com intenção de maguar o illustre deputado, que me precedeu no debate, antes applaudo a sua franqueza, porque ella nos deu preciosos elementos de apreciação para a politica do gabinete. S. exa. fallou por fórma tal, que nos dispensa a discussão dos factos. Basta-nos aproveitar as suas declarações, e d'ellas tirarmos as consequencias logicas. N'estas, desgraçada questão, turnos a confissão de s. exa. que é preciosa, e que deve ficar registada nos nossos annaes.
E a proposito d'este assumpto, mas mal apropositadamente na discussão d'este projecto, o sr. dr. Laranjo, trouxe á téla do debate o celebre e tão conhecido attentado contra o illustre homem publico d'este paiz, o sr. Pinheiro Chagas.
Não comprehendi bem nem o aproposito, nem o fim d'esta referencia. Sinto até profundamente que s. exa. levantasse aqui esta questão, que é em extremo penosa para todos nos. O que é certo é que sobre este assumpto eu tenho idéas definidas, que, por vezes, tenho communicado, em conversas, a muitas pessoas das minhas relações, do todas as cores politicas, e com as quaes todas concordaram, e que lealmente me parece que são aquellas que naturalmente se impõem ao espirito de quem desapaixonadamente aprecia e critica os factos.
Houve infelizmente esse attentado, qual a causa? Não se indaga. Foi um anarchista, que quiz vingar Luiza Michel, diz-se, e não se indaga só por traz d'elle ha qualquer pessoa. É isto uma insinuação? Pretende-se com isto combater o governo, e maguar o partido progressista?
Eu não acredito, e faço esta declaração perante v. exa., sr. presidente, perante a camara, e perante o paiz; eu não acredito que no gabinete houvesse alguem, que podesse ter, per um momento sequer, a sombra da idéa de ajustar ou encommendar aquella infamissima aggressão.
Eu supponho, e tenho a firme convicção, de que por parte da maioria, não haveria um unico homem, capaz do abrigar no seu espirito, nem ao menos por um instante, o embryão do pensamento de realisar, ou mandar realisar, um tal attentado. Mas eu não posso affirmar, que em todo o partido progressista, e em todo o paz, não houvesse um homem capaz de mandar praticar aquelle attentado, sua sponte; assim como não posso garantir tambem que no partido regenerador não houvesse um homem, que fosse capaz de mandar aggredir o sr. Pinheiro Chagas, para exercer uma vingança qualquer, pessoal.
Portanto, levantar a questão, n'estes termos, sem lançar uma sombra de suspeita, de responsabilidade a um partido, seja elle qual for; mas deixar prevalecer a interrogação, sobre um caso, que realmente é revestido de circumstancias extraordinarias, com relação ao estado geral do paiz, será, porventura, menos correcto, menos justo, ou offensivo para alguem?
Créio absolutamente que não, e creio que ninguem póde

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rejeitar o collocar-se a questão n'este terreno. Mas creio tambem que rejeitar in limine esta hypothese, que não querer fazer averiguações, e suppor desde logo e de prompto, que qualquer interrogação a tal respeito póde conter em si uma insinuação, que tudo isto é, que mal dispõe a critica e a opinião publica. (Apoiados.)
Como já fiz conscienciosamente as minhas declarações sobre este assumpto, não posso nem devo insistir mais sobre elle, que é para mim em extremo doloroso.
Em todo o caso lamento que tal discussão surgisse aqui, não me parecendo proprio que o sr. Laranjo se referisse á interrogação que na outra casa do parlamento foi posta pelo digno par o sr. Hintze Ribeiro, quando tratou d'este assumpto. S. exa. não faz parto d'esta camara, e portanto não póde explicar a intenção que teve. Por isso, lançar á conta da responsabilidade de s. exa. qualquer procedimento menos correcto ou menos leal, ácerca do um attentado d'esta natureza, não podia deixar de exigir de mim uma defeza que resumo nas condições, que deixo expostas.
O outro ponto do discurso do sr. Laranjo foi a questão das incompatibilidades; e aqui, como em todas as questões que surgem na tela do debate, nós vemos a duplicidade de opiniões do partido progressista. Mas o mais curioso é que até aqui viamos essa duplicidade de opiniões em dois oradores dintinctos; mas agora são duas as opiniões do mesmo orador sobre o mesmo assumpto, o que é extremamente original na verdade.
O mesmo orador, o mesmo sr. dr. Laranjo desdobra-se em dois: o homem theorico e o pratico; o professor e o deputado da maioria.
O sr. Laranjo é n'este ponto exactamente o reflexo do partido progressista. O seu discurso de hontem sobre incompatibilidades foi um verdadeiro discurso de progressista, e de progressista governamental; isto é, desmentiu e contradisse tudo quanto tinha d'antes affirmado como util, como justo, como necessario e vantajoso.
Realmente foram taes as declarações do sr. dr. Laranjo sobre este assumpto, que eu hontem, quando s. exa. fallava, julguei que se esquecera completamente de que estava no parlamento, perante a camara e perante o paiz, e de que por esforço de phantasia se suppozera n'um dos mais reservados gabinetes do centro da rua do Alecrim, de portas fechadas, resposteiros corridos, vozes abafadas pelas alcatifas, na mais intima conversa com os mais intimos dos seus correligionarios e amigos.
As declarações de s. exa. foram do tal ordem, foram tão extraordinarias, foram tão ... faltam-me até os qualificativos, proprios que designe aquella especie de declarações.
Uma voz: - Foram realistas.
O Orador: - Seriam realistas.
Teremos agora o realismo parlamentar.
O sr. Laranjo affirmou perante a camara, e já o tinha affirmado antes no seu livro, que eu não conheço, mas que s. exa. invocou, que as incompatibidades eram o seu ideal em politica constitucional, e que as defendia; mas acrescentou que, tratando-se do caso presente, elle applaudia com jubilo o procedimento do sr. Luciano de Castro, ministro e governador do banco hypothecario, do sr. Barros Gomes, ministro e director do banco emissor, do sr. Marianno de Carvalho, ministro e director da companhia dos caminhos do ferro E disse que felicitava por isso o paiz e o partido progressista.
Ora, sr. presidente, que rasão se poderá descobrir para explicar que o facto de serem os ministros directores de bancos e companhias seja motivo de uma felicitação tão calorosa, como aquella que s. exa. dirigiu da bua cadeira ao paiz?
Que felicitasse o governo ou os membros do governo, entendia-se, mas que chegasse a felicitar o paiz por este facto, isso é que não cheguei a comprehender.
Mas, sr. presidente, o sr. dr. Laranjo depois revelou-nos que isto era uma evolução politica necessaria ao partido progressista, a fim de se estabelecer o equilibrio partidario que os regeneradores tinham deslocado! S. exa. revelou-nos que, antes d'estas ultimas evoluções, o partido progressista tinha equilibrio instavel; vinha ao governo e logo só levantaram resistencias e difficuldades do tal natureza, que tinha fatalmente de saír das cadeiras do poder!
Para combater todas estas desastrosas resistencias, que tinham originado tantas quedas, tantas desillusões partidarias e tantas chimeras desfeitas, é que tinha sido precisa a tal evolução, e por isso era que applaudia o governo, - e especialmente o sr. ministro da fazenda, - por ter feito allianças com grandes potencias financeiras, e por ter feito a eleição da camara municipal de Lisboa!!
Vozes: - Ouçam, ouçam.
O sr. Laranjo: - A eleição a que me referi, foi a de 1885, em que o sr. Marianno de Carvalho não era ministro, era ministro do reino o sr. Barjona de Freitas, o estava no direito de proceder assim.
O Orador: - Se me referi á, eleição da camara municipal de Lisboa foi porque s. exa. não precisou data. (Apoiados.) Mas não quero por fórma alguma pôr na bôca de s. exa. outras expressões, que não sejam as suas, ou que não correspondam á manifestação exacta do seu pensamento. S. exa. hontem não precisou data, agora diz que se referia a 1885, quando o sr. ministro da fazenda era simples particular e por consequencia acceito essa rectificação e todas as que s. exa. fizer, como é meu dever, e não faço mais reparo sobre o assumpto.
Deixemos a camara municipal. Restam-nos as companhias e as potencias financeiras.
É bastante.
Sr. presidente, o sr. dr. Laranjo applaudindo o governo, e felicitando o paiz, pelas acumulações de cargos dos ministros, e pelas suas allianças com as potencias financeiras, d'ahi, d'esses factos, tira toda a força e todo o esteio para o partido progressista e para o actual gabinete.
Por fórma que temos como sustentaculo do governo os bancos, as companhias poderosas e as grandes potencia financeiras, alliadas do sr. ministro da fazenda! Verdadeiramente extraordinario! (Apoiados)
Aqui tem a camara a doutrina de direito publico constitucional do partido progressista, e do governo, que se senta n'aquellas cadeiras, segundo o sr. dr. Laranjo, auctoridade completamente insuspeita. Pois creio bem que o illustre detado não ensinara tal doutrina aos seus discipulos da sua cadeira de professor!
Aqui tem v. exa. sr. presidente, aqui tem a camara, aqui tem o paiz, ao que se reduziram aquellas duas unicas forças, que em bom direito publico, todos sabemos, são e só podem ser sustentaculo dos governos: a confiança da corôa e a opinião publica! Isto desappareceu. Agora bancos, companhias e potencias financeiras.
Que importa a confiança da corôa e que importa a força da opinião publica? Sejam os ministros directores de bancos e companhias, o tenham allianças com potencias financeiras Tanto basta.
Mas vejamos agora, sr. presidente, as legitimas consequencias da doutrina de direito publico constitucional do partido progressista, e do sr. dr. Laranjo, como seu deputado. Em primeiro logar eu lamento profundamente os accionistas dos bancos e companhias de que são directores os srs. ministros, porque s. ex.ªs estão lá para fazerem politica partidaria, e por certo que devem aproveitar, em favor do seu partido, todos os elementos de que possam dispôr, o que possam auxiliarão seu incremento. É preciso ver-se que o partido progressista d'esses bancos e companhias é que tira a sua força!!
E como ha de tirar essa força, de que carece, se não fizerem politica da missão que lhes foi confiada os seus membros, que são directores e alliados? Esta é naturalmente a primeira, consequencia, e os accionistas das companhias e

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dos bancos considerem, apreciem e ponderem devidamente todos os incovenimentes ou vantagens, que podem tirar d'esta situação e vejam como o seu voto é cônsul arado e criticado no parlamento.
Sr. presidente, a outra e immediata consequencia é que derivando o governo a sua força d'estes factos de serem os ministros directores do bancos e companhias, e do tem allianças com potencias financeiras, é certo que carece de base constitucional e legitima para conservar se n´aquellas cadeiras.
Por certo que nenhuma d'estas é a força, que constitue, ou deve constituir, base constitucional para a existencia de um governo, n'um paiz que se rege por um systema liberal.
Manifestamente não podemos vir dizer, em pleno parlamento, que o governo está vivendo da força das companhias, das potencias financeiras, das camaras municipaes, e não sei de que mais
Uma voz: - O conselho d'estado.
O Orador: - O conselho d´estado, é verdade. Tambem s. exa. a elle se referiu, e ao funccionalismo publico.
S. exa. disse-nos que o conselho d'estado e o funccionalismo tinham sido causas de resistencia, que tinham sempre difficultado a estada no poder do partido progressista ...
O sr. Laranjo: - Eu disse exactamente o contrario; isto é, que eram s. ex.ªs que o tinham dito
O Orador: - O illustre deputado comprehende bem que eu não quero transtornar o sentido das suas palavras, mas quero affirmar bem as idéas de s. exa. e do seu partido, perante a camara, e o paiz, para se conhecer com clareza d'onde deriva a força e a auctoridade do governo.
S. exa. disse que o partido regenerador tinha tido por si a maioria do alto funccionalismo, a alta burocracia, e que o partido progressista tinha feito muito bem em pol-a fóra, para que não creasse attritos e difficudades á situação.
(Interrupção ao sr. Laranjo.)
Peço perdão. Tenho pena de não ter aqui o Diario popular, onde vem o extracto do discurso do s. ex.ª.
Ahi podia a camara ver perfeitamente que s. exa. affirmára serem um dos maiores obstaculos, que o partido progressista encontrava, quando subia ao poder, as grandes resistencias por parte da burocracia e do alto funccionalismo do estado, como applaudia o governo porque já não encontrava essas resistencias.
Ora desde o momento em que o governo já, não encontra essas resistencias, é porque ellas já foram supprimidas, e se o foram, é porque os empregados foram substituidos. (Apoiadas.)
Houve tambem mais uma outra affirmação do sr. dr. Laranjo, que eu nem sei como classificar, partindo, como partiu, de um tão notavel e distincto orador, de um dos mais considerados membros do partido progressista, e em quem concorria, com as suas qualidades e dotes pessoaes, a responsabilidade da difficil e espinhosa missão da defeza dos actos do governo, e sustentação d'este projecto.
S. exa. disse, e affirmou, perante a camara, que o conselho d´estado era progressista.
O sr. Laranjo: - Eu não disse tal cousa. S. ex.ªs querem fazer discurso á sua vontade. (Riso.)
O Orador: - S. ex.ªs não empregou rigorosamente esta expressão o conselho de estado é progressista; mas o que disse foi que o partido progressista, encontrava uma grande resistencia no conselho de estado, e agora já não tinha essa resistencia. (Apoiados.)
Logo se o partido progressista encontrava uma grande resistencia no conselho d'estado e agora já não a encontra, é porque houve alteração nos elementos constitutivos d'aquella corporação. (Apoiados.)
Ora eu creio bem que todas as resistencias que o partido progressista, como outro qualquer partido, podesse ter encontrado no conselho d'estado eram simplesmente dictadas pela consciencia d´aquelles illustrados funccionarios. (Apoiados )
Eu não creio, nem posso crer, que haja alguem no paiz que possa arrogar se a presumpção de poder influir em magistrados tão altamente collocados. (Apoiados)
Se nós vamos a desrespeitar tão completamente todas as instituições do paiz, a que conclusões, a que resultados, a que consequencias extremas poderemos chegar? (Apoiados.)
Pois pode dizer-se, perante o parlamente e perante o paiz, que uma instituição, a primeira instituição do paiz, forjava, resistencias que não fossem dictadas pela justiça e inspiradas no bem publico? (Apoiados)
Desde o momento em que se diga que essas resistencias não eram mais do que a affirmação de um facciosismo partidario, e que esse facciosismo precisava de ser substituido por outro de especie contraria, desauctorisa se essa instituição, e auctorisa-se ao mesmo tempo a opinião publica a que desconfie d'ella. (Apoiados.)
Mas ha mais, e mais serio do que tudo isto.
O sr. Laranjo, índo buscar ao eterno precedente, a que sempre o governo e maioria procuram soccorrer-se nos lances arriscados, argumento e rabão para justificar a situação do sr. Luciano de Castro, como presidente do conselho, o ao mesmo tempo exercendo o cargo de governador da companhia de credito predial, referindo-se ao sr. Fontes, e estabelecendo o parallelo entre os dois, disso que por parte da opposição se allegára não colher o argumento pela diversidade do situações em que se encontraram estes dois homens politicos; pois que o sr. Fontes fora nomeado governador da companhia de credito predial não sendo presidente dr. conselho, nem sequer ministro, ao passo que com o sr. José Luciano do Castro a nomeação tivera logar, precisamente quando s. exa. era presidente do conselho de ministros e ministro do reino.
S. exa., apreciando esta defeza da opposição, apreciando a objecção opposta ao parallelo, disse: Que importa que fosse presidente do conselho o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, a esse tempo da nomeação do sr. Fontes, que importa que o sr. Fontes não fosse ministro n'essa occasião? Pois não cabe toda a gente, não está no espirito e na consciencia de todos que, emquanto o sr. Fontes foi vivo, foram os governos todos constituidos primeiro por graça de El Rei, e depois por graça do sr. Fontes? (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Laranjo.)
Desde que, no decurso d'estas minhas reflexões, surgiu alguma reclamação da parte do sr. dr. Laranjo, a camara viu como fui prompto em retirar todas as considerações que tinha feito, e affirmando e mostrando assim, como não havia da minha parte o proposito de pôr na bôca de s. exa. phrases que não fossem suas, ou não correspondessem exactamente ás suas idéas, queria sobretudo salvar a verdade.
Ela só me bastava.
Ora esta phrase foi pronunciada por s. ex.ª; d'isso não ha a menor duvida. Eu tenho-a aqui escripta nos meus apontamentos, a camara toda a ouviu, e s. exa. não póde por fórma alguma hoje affirmar que a não disse.
Ainda bem, sr. presidente, que o sr. dr. Laranjo acaba do repetir a phrase, ratificando e confirmando assim a sua asserção de hontem perante a camara. Muito bem.
Mas, sr presidente, o que significa, o que importa, esta asserção, feita na camara dos deputados da nação portugueza? Perante os principios de direito publico constitucional, repito, duas forças unicas podem legalmente sustentar uma situação politica qualquer, a confiança da corôa e a opinião publica.
Desde que se admitte a intervenção de uma terceira entidade, de uma terceira força, de um terceiro poder qualquer, vicia-se na sua essencia o systema constitucional, offendem-se o melindram-se ambos aquelles dois elementos essenciaes, absolutamente unicos, que constituem a base do

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systema representativo e a força de todos os governos. (Apoiados.)
Desde o momento em que se admittiu, que n'este paiz, o sr. Fontes occupava o segundo posto, na ordem dos ele mentos constitucionaes, que eram o sustentaculo e a força do governos, e ainda bem que não foi posto em primeiro para attenuante da offensa dirigida ao poder moderador desde o momento em que se admittiu que o sr. Fontes representava um terceiro poder occulto do estado, offendeu se e melindrou-se tanto o Rei como o povo. E eu, não entro sequer na apreciação d'essa offensa, nem na defeza d'esse dois altos poderes os primeiros do paiz, os primeiros n'um regimen livre; porquanto um d'elles está tão superiormente collocado, que não podem ser os seus actos discutidos, e o outro representa grande força da soberania nacional, manifestada e exteriorisada na opinião publica, que não reputo, nem considero menos, como liberal que sou, e me prézo de ser. (Apoiados.)
É certo que as situações regeneradoras, em vida do sr. Fontes, se prolongavam por largos annos, e que o partido progressista, impaciento e soffrego do poder, mal as supportava, invectivando, na sua febre, tudo e todos. O que nunca acreditei, porém, é que tivesse havido sinceridade n'essas invectivas, e que chegassem a ser um artigo de fé do credo progressista as graves accusações e as insinuações malevolas, que os seus jornaes faziam, quando apregoavam que o sr. Fontes era o valido de El Rei, que era elle a suprema vontade que imperava no paiz. Nunca imaginei que fosse isto um artigo do fé, o uma crença tão firme, tão segura e de tal ordem, que podesse ser proclamado por esta fórma, em plena camara e perante o paiz. (Apoiados.)
Acresce, sr. presidente, para o sr deputado Laranjo, a circumstancia aggravante de não ser já vivo aquelle illustre estadista, a quem s exa. se referiu, e não poder estar aqui para repeliu1 essa accusação, porque ha n'esta asserção do sr. dr. Laranjo, nem póde deixar do haver, não só um attentado e uma offensa ao poder moderador, á soberania nacional, mas tambem uma accusação a esse supposto terceiro poder, e ao homem que se afirma o exercia, sem competencia legal, sem attribuições tão altas, e por consequencia abusivamente usurpando funcções, que não eram suas, e perturbando, por isso, o regular funccionalismo do regimen constitucional. (Apoiados)
Ao avançar o sr. dr. Laranjo, perante o parlamento portuguez, uma proposição d'esta natureza, teria s. exa. por ventura o proposito de querer insinuar que, junto do throno de EI-Rei de Portugal, costuma haver validos, e que, tendo desapparecido do mundo aquelle a quem attribuim tal qualidade, outro o tinha ido substituir?
Haveria o intento de querer insinuar no espirito da camara que o Rei de Portugal tem outro criterio para apreciar as cousas publicas que não seja o das grandes conveniencias do paiz, dictadas pela opinião?
Não o creio, nem o penso, e por isso sobre este ponto nada mais direi, porque o magistrado superior da fiação está collocado n'uma tal altura que eu não me julgo auctorisado para o defender, sequer, de uma insinuação d'esta ordem.
Eu estabeleci, no principio d'estas reflexões, a solidariedade natural e necessaria entre os deputados da maioria, que fallaram n'este debate, e o gabinete que elles representaram; parti d'este principio, apresentei essa these como base de raciocinios.
Desejaria, pois, que por parte do governo se declarasse perante a camara e o paiz, que nunca no partido progressista, nem no seio do gabinete, houve a idéa ou germinou o pensamento de que Fontes Pereira do Mello representava um terceiro poder occulto do estado. Seria esta uma rectificação precisa.
(Pausa.)
Esta declaração parecia-me que devia ser feita por parte do governo que, n'aquellas cadeiras e n'esta casa, deve cuidar de levantar qualquer insinuação que possa fazer periclitar o prestigio do poder moderador para que sempre se imponha ao respeito de todos os cidadãos, e para que não seja, como possa ser, considerada como verdadeira a doutrina do sr. dr. Laranjo, e a sua asserção, que tão, por sem duvida, altamente prejudiciaes ao prestigio e á auctoridade d'esse alto poder do estado.
A questão agricola foi outro capitulo do discurso do sr. dr. Laranjo.
A questão agricola é realmente, como s. exa. reconhece, uma das questões mais importantes que entre nós se ventila, e d'aquellas que mais affecta a situação economica do paiz.
S. exa. reconhece a grande necessidade de cuidar d'ella, e fez perante a camara declarações tão preciosas como as outras que apresentou, com relação á marcha politica do gabinete, e em relação ás suas idéas e principios geraes de administração.
S. exa. declarou que o governo não tinha sobre este assumpto idéas nem principios assentes ou estabelecidos. E fazendo tal declaração, s. exa. disse que se admirava de que o povo portuguez, e do governo actual, solicitasse a solução de um problema, perante o qual têem recuado por impotencia todos os governos dos paizes da Europa. Depois, n'um nobre rasgo de patriotismo, s. exa. convidou a opposição a revelar o teu plano: que dissesse o que sentia, que expozesse o que pensava, a tal respeito, sobre tal assumpto, e que, se s. exa. julgasse que d'aqui se apresentaria um remedio que debelasse aquelle grande mal, que afflige a agricultura nacional, s. exa. diria então ao governo que saísse d'aquclles cadeiras e convidaria a opposição a tornar-lhe o logar.
De fórma que o sr. Laranjo confessou que o governo não tinha recursos para resolver o problema tão instante, da nossa crise agricola, e declarou, perante a camara, que sobre um tão momentoso assumpto, que desde tanto tempo, a toda a nação, profundamente preoccupa, o governo não tinha idéas! (Apoiados.)
E dizia s. exa. á opposição parlamentar que apresentasse os seus planos, e que, depois de os julgar, depois do apreciar as nossas idéas, os nossos trabalhos, só então convidaria o governo a abandonar aquellas cadeiras. Pois ha, porventura, ou póde haver um governo que venha ao parlamento pedir á opposição que lhe dê planos governativos? Póde alguem em nome do governo dizer á opposição parlamentar que denuncie as suas idéas, e os trabalhos, que tem para pôr em pratica? Então que havia ella de fazer, quando fosse chamaria a substituir o governo? Onde estava a rotação dos pai tidos, a distincção dos programmas, a diversidade das doutrinas e dos principios?
É manifesto que d'esta declareção do sr. dr. Laranjo, d'esta confissão, se deriva que a preocupação do governo é ficar; põe de parte o seu systema, confissão a sua pobreza de recursos, e pede á opposição que lhe dê as suas idéas, os seus principios para os pôr em pratica! É extraordinario! (Apoiados.)
Mas estas declarações do sr. Laraujo sobre um importantissimo assumpto como este, brigam, estão em conflicto, em contradição aberta com as declarações feitas no congresso agricola pelo sr. ministro da fazenda.
S. exa. expoz n'aquella assembléa as suas idéas sobre o mal que afflige a agricultura, e disse que a questão principal era a crise cerealifera, para a qual era adequado e efficaz remedio o augmento dos direitos de importação sobre o trigo e as farinhas, e o estabelecimento das fabricas dó moagem appropriadas ás qualidades dos nossos trigos a fim de que as nossas farinhas podessem competir com as americanas.
Então o que é que vale - as declarações do sr. ministro da fazenda no congresso agricola, ou estas que agora nos faz o sr. dr. Laranjo, em nome do governo, que n'esta

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discussão representa? O governo tem, ou não tem, idéas assentes e definidas sobra a crise agricola?
É curiosissima esta permanente contradicção, em que se acha o governo, a respeito de todos os assumptos concernentes á publica administração.
Vejo presente o meu illustre amigo o sr. Mattozo Santos, digno e illustrado relator, que foi, o anno passado, do projecto das pautas, e com quem tive a honra de discutir algumas propostas, que mandei para a meta, por occasião d´aquelle debate, e s. exa. n'aquella epocha tinha tambem a opinião propria e individual de que o problema cerealifero se resolvia pela combinação das duas medidas: o augmento da protecção aos nossos trigos, e o estabelecimento de fabricas do moagem adequadas ás qualidades do nosso cereal.
E se bem que, então, s. exa. não fallasse em nome do governo, o apenas emittisse as suas idéas pessoaes, é certo que ellas estão de pleno e absoluto accordo com as apresentadas pelo sr. ministro da fazenda no congresso agricola, ha poucos dias, como se fossem uma descoberta, uma necessidade, uma resoluto de s. exa. em favor da agricultura nacional. Estas idéas não são novas, sr. presidente, foram o anno passado apresentadas aqui por todos os lados da camara a proposito da questão das pautas E quem tiver duvidas consulte os Diarios da camara e verá que esta é a verdade.
Eu tomei a palavra sobre esse Assumpto, e mandei para a mesa algumas propostas, para que o governo augmentasse os direitos sobre a importação do trigo o das farinhas, e montasse fabricas do moagem, em ordem a fazer com que as nossas farinhas podessem competir em qualidade com as importadas da America.
Estas propostas foram apresentadas por mim, e outras identicas ou analogas, por muitos oradores que tomaram parte n'aquelle debate, que foi declarado - questão aberta
Aconteceu que, todos os que discutiram a crise agricola, tinham o mesmo ponto de vista, todos estavam de accordo nos principios, todos pediram e instaram por foi te protecção para a agricultura patria.
Não houve uma voz discordante; maioria e minoria uniram-se perante as urgentes necessidades do paiz.
Pois quer v. exa. sr. presidente, saber o que se fez?
A pauta foi votada como o sr. ministro a propoz, pondo-se de parte todos os alvitres, todas as propostas que se tinham apresentado.
E agora, neste anno, em presença do congresso agricola, vão o sr. ministro da fazenda declarar que o remedio para a crise creação é a creação de fabricas de moagem?!
Pois, se esse é o remedio, porque se não adoptou o anno passado?
Qual a rasão por que se pozeram do parto todas as propostas, que aqui foram apresentadas?
Qual a rasão por que se não acudiu logo ao mal, e se não modificou a pauta convenientemente?
Pois comprehende-se que, n'uma discussão d'aquella ordem, estando todos de accordo nas mesmas idéas, fosse votado exactamente o contrario?
Não se levantou nem se ouviu uma voz, uma idéa discordante, e o que ficou sendo lei do paiz, foi precisamente o contrario d'aquillo em que todos estavam de accordo!
É d'estes, e de outros factos, que nasce e se deriva o desconcerto do systema parlamentar.
É por isso que eu disse o anno passado n'esta discussão, a que me tenho referido, que falla vá com tristeza e com desalento, porque eu ouvia os apoiados e o illustre relator sabia que elle e a maioria estavam do accordo comigo, e previa já que a final a votação havia de vir desmentir os applausos com que me estavam honrando. Mas passemos adiante.
Sr. presidente, o outro assumpto de que tratou ainda o illustre deputado o sr. Laranjo foi da questão de fazenda. Eu declaro a v. exa., com toda a sinceridade, que não sou muito forte cm questões de fazenda, nem julgo que seja fácil penetrar os mysterios de que ha sempre o cuidado de cercal-as.
Lembro-me agora de uma discussão que aqui houve na ultima sessão entre o meu illustre amigo o sr. Consiglieri Pedroso, o sr. ministro da fazenda e o sr. Carrilho.
Perguntava o illustre deputado d'este lado da camara a rasão por que nas contas geraes da despeza não figuravam as verbas gastas com os festejos do casamento do principe leal. Tanto o sr. ministro da fazenda, como o sr. Carrilho responderam que lá estavam, embora se não vissem, nem apparecessem.
Não percebi cousa alguma, e a explicação deixou-me mais confuso e surprehendido do que a pergunta.
Este armo, agora, apparece-nos o sr Laranjo a declarar-nos que nas contas apparecem mais empregados; mas que muitos d'elles já existiam d'antes, e apenas não figuravam no orçamento
Cada vez comprehendo menos, sr. presidente. Como é que se não mettem despezas feitas nas contas geraes do estado, e como é que hontem se não mettiam nas folhas empregados, que hoje lá figuram, mas que já d'antes eram abonados pelos cofres publicas, como é que isto se faz, que especie de contabilidade é esta, é que mio percebo.
Esta questão de despezas que apparecem, e de despezas que não apparecem, para mim fica em mysterio, na sombra da orçamentalogia, cujos segredos en não quero penetrar, deixo isso ao meu illustre collega o sr. Franco Castello Branco, quando tratar da questão de fazenda, e s. exa. liquidará esse negocio com o governo e tratará de analysar esses pontos, que para mim são muito escuros.
O que é verdade é que, apesar das operações, as mais bem combinadas, que o sr. Laranjo empregou para defender o augmento de pessoal no ministerio da fazenda, s. exa. confessou que o augmento tinha existido, e que não eram 500 os empregados, mas sim 499, e portanto não era, exacto o numero que a opposição tinha apresentado.
Que seja mais um ou menos um o numero dos empregados admittidos no ministerio da fazenda, o que é preciso que fique bem definido é que houve augmento de pessoal, e que esse augmento foi confessado por um deputado da maioria (Apoiados.)
Por ultimo, occupou-se o sr Laranjo da questão da concordata, e sobre este ponto limitarei as minhas considerações, porque não quero tomar mais tempo á camara; mas houve uma confissão da parte do sr. Laranjo, que não posso deixar ficar sem commentario.
S. exa. poz a questão n'este terreno. Não se discute a concordata, mas sim o procedimento do governo portuguez. N'este ponto estou de accordo; mas o que não posso comprehender é que depois do governo ter assignado uma concordata, o mesmo governo vá ser interprete junto da outra parte com quem contratou, apresentando uma manifestação contraria áquillo em que tinha assentado
Quero saber se o governo contratou, por si, em proprio nome dos srs. ministros, ou como representante do paiz, o n'este ponto não faço mais do que repetir as palavras proferidas pelo sr. Hintze Ribeiro na outra camara, e que ficaram sem resposta.
Pois o governo contratou em nome proprio? Não póde ser Contratou em nome do paiz, mas desde o momento em que fez o seu contrato, não podia depois ir pedir modificações a esse contrato; porque nenhum governo, representando um paiz, póde rebaixar a dignidade nacional apresentando-se perante outra potencia a fazer um pedido; ha de apresentar-se com direitos iguaes ajustando e realisando o pacto. (Apoiados.)
O governo não devia proceder como procedeu, devia oppor-se ás deliberações do parlamento, e recusar-se a cumpril-as.
Assim estabelecia-se o conflicto, e a resolução d'elle nem

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ao governo, nem á maioria, nem á opposição competia decidir; era a attribuição privativa do poder moderador. (Apoiados.)
E notavel, sr. presidente, esta preoccupação constante do governo em assumir funcções, e cuidar de assumptos, que não são da sua competencia.
Este ministerio julga se tão indispensavel á nação, que fica, e vae sempre ficando, apesar de tudo.
É um dever de patriotismo, dizem, porque não ha quem o substitua no poder.
Estas são as suas preoccupações, a proposito de tudo.
Falla-se em crise ministerial, na possibilidade da queda do governo, pergunta se logo d'aquelle lado da camara, - mas quem o hade substituir?
Mas, sr. presidente, isto é nada mais nem menos do que uma invasão das attribuições do poder moderador. Pois póde, porventura, o governo, ou a maioria, póde qualquer de nós preoccupar-se com quem hade substituir uma situação politica qualquer? O poder moderador é que hade decidir isso, conforme as indicações constitucionaes, de que elle é juiz e arbitrio, e de que não lhe podemos tomar contas. (Apoiados.)
Em todo o caso o governo não podia, nem devia, por, fórma alguma, em nome do paiz, que representa, ir rojar-se aos pés do uma potencia estrangeira a pedi lhe precisamente o contrario d'aquillo, em que acabava de assentar; e concordar com ella. Se a isso o forçava a resolução das duas camaras, ou dissolvesse as camaras, se o podia fazer, ou demittisse-se, e não se prendesse com a estranha preoccupação de quem o havia substituir.
O sr. Laranjo, depois de nos ler uns artigos do diversos publicistas, e umas pastoraes ou sermões de alguns bispos, (Riso.) citou nos um artigo publicado n'um folheto, do qual s. exa. via como no estrangeiro, principalmente na Inglaterra, se apreciava o procedimento do governo n´esta questão melindrosa o difficil da concordata. Pois nós havemos do ir apreciar os actos do governo portuguez pela critica dos estrangeirou que estão interessados no assumpto? (Apoiados.) Pois não são os inglezes os inimigos do padroado?
A respeito d'esta questão do padroado não foi s. exa. que nos disse, - o permitta-me s. exa. que lhe observe que esta declaração foi imprudentissima, -que se os inglezes quizessem podiam obstar ao exercicio do nosso direito, e até supprimil-o? Pois um direito póde assim ser supprimido? Ou o direito existe ou não. Se tinhamos o direito do padroado reconhecido nos tratados, nas convenções internacionaes, como podia uma nação, por mais poderosa que fosse, tanto mais que se tratava do uma nação amiga e alhada, despojar-nos d'elles?
Estas declarações são imprudentissimas, e é bom que, nem de leve, offendamos nem maguemos as intenções dos governos e das potencias nossas alhadas. (Apoiados.)
Taes são em resumo as considerações que tinha a fazer. Antes porém de concluir, não posso deixar de chamar a attenção do illustre orador, que me precedeu, para um facto de que acabo de ter conhecimento, facto em que s exa., na questão de incompatibilidade ministerial, vae ver, infelizmente para elle, para as conveniencias do seu partido, e para, é seu progresso e desenvolvimento, postas em pratica as idéas, que s. exa. tem exposto noa seus estudos theoricos e no seu doutrinamento como professor da universidade de Coimbra.
Sou informado de que na camara dos dignos pares, acaba de ser apresentado um projecto do lei sobre incompatibilidade ministerial, o cuja urgencia foi logo votada, sendo o mesmo projecto mandado immediatamente ás respectivas commissões.
Com esta noticia, envio a v. exa. os meus cordeaes sentimentos, e os meus comprimentos de pesames pela mágua que certamente lhe vae causar. (Riso.) Sinto profundamente ter de lhe dar esta triste noticia.
Ainda ha pouco, quem ouvia o sr. dr. Laranjo a applaudir-se e a felicitar-se pelos progressos do partido, que esta actualmente no poder, e que elle nos mostrava aureolado pelas companhias e pelos bancos, de que eram directores os ministros da coroa, pelas allianças financeiras, com que se honrava o sr. ministro da fazenda, pelas camaras municipaes, de que o governo dispunha, e em cuja eleição influíra, pela burocracia, pelo conselho de estado, etc., quem cima que se estava na vespera de ver apparecer um projecto de lei, que tende a supprimir um dos alicerces, um dos esteios, um dos espeques, em que assentavam as bases da preponderancia e da força do partido progressista, e em que repousava tranquilamente a situação politica que dirige o paiz!!! (Vozes: - Muito bem.)
Se a par d'esta, algumas mais modificações forem apparecendo no nosso regimen, como é natural que appareçam, em vista das manifestações da opinião publica, em ordem a que se vão alterando as condições de vida do gabinete, eu lamento que s. exa. veja em tão pouco tempo reduzidas a pó, a cinza e a nada, as suas mais caras esperanças e os seus projectos mais risonhos.
Não quero cansar mais a attenção da camara, e por isso termino mandando para a mesa a minha moção de ordem que é a seguinte
«A camara, reconhecendo pela discussão d'este projecto, e em especial pelas declarações dos deputados ministeriaes, que tomaram parte no debate, que ao governo fallecem os elementos de vida necessarios para a sua conservação no poder; e constituindo se interprete da opinião do paiz, retira a sua confiança ao gabinete, e continua na ordem do dia.»
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)
Leu-se na meta a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo pela discussão d'este projecto, e em especial pelas declarações dos deputados ministeriaes, que tomaram parte no debate, que ao governo fallecem os elementos de vida necessarios para a sua conservação no poder; o constituindo-se interprete da opinião do paiz, retua a sua confiança ao gabinete, e continua na ordem do dia. = 0 deputado, Jacinto Candido.
Foi admittida.

O sr. Visconde da Torre (sobre a ordem): - Começo por ler a minha moção de ordem que é a seguinte:
«A camara, considerando que o governo tem empregado a maxima solicitude e zêlo na administração do paiz, affirma a sua confiança politica no gabinete, e continua na ordem do dia. = Visconde da Torre.»
É a primeira vez, sr. presidente, que tenho a honra de tomar parte n'esta camara em um debate politico e, francamente confesso a v. exa. que não é nas melhores condições para a exiguidade dos meus recursos, que tal ensejo se me depara.
A hora, vae adiantada, a sessão foi prorogada e a camara está desejosa de pôr fim a esta discussão, que ha onze dias foi encetada.
Alem d'isso a ordem da inscripção obriga-me a fallar depois do brilhante discurso pronunciado pelo talentoso deputado o sr. Jacinto Candido, e esta circumstancia, ao é grata para o meu coração, porque dá ensejo de saudar aqui um dos mais brilhantes talentos d'esta casa (Apoiados) que ao mesmo tempo é para mim um dos melhores amigos que n'ella tenho, vem todavia difficultar notavelmente a minha tarefa porque me obriga a cruzar as minhas modestas armas
recruta parlamentar, inexperiente e obscuro, com a espada, não antiga mas já gloriosa, do illustre deputado a quem tenho a honra de responder.
E eu, que em quaesquer circumstancias teria de solicitar toda a benevolencia da camara, sinto agora precisar de

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tanta que não sei se ella, apesar da sua provada generosidade para com os que principiam, me poderá conceder tanta quanto eu careço.
Como, porém, quando a luta é renhida e quando o combate é acceso, é que têem acceitação os esforços dos humildes, julgo que haverá agora logar para a minha obscuridade, visto que a guerra santa está declarada e que a opposição ou, melhor, as opposições colligadas empregam todos os esforços, queimam o ultimo cartucho no intuito de obrigar o governo a fazer o que elle não poderia fazer sem faltar absolutamente ao que deve a si, ao paiz, á corôa, ao seu partido, dimittir-se. (Apoiados.)
Que a guerra santa está declarada, tudo o demonstra, tudo o affirma.
Aqui é ella annunciada já pela voz eloquente do sr. Lopo Vaz, já pela palavra fluente e correcta do sr. Marçal Pacheco, já pela argumentação vigorosa e energica do sr. João Pinto dos Santos, já pela oratoria tão democratica na essencia e tão finamente aristocratica na fórma, do sr. Configlieri Pedroso
Lá fóra esse grito bellico tem outros arautos não tão nobres nem tão elevados, ruas nem por isso menos esforçados.
Vem pela voz da imprensa partidaria, mais exaltada que justa, mais apaixonada que verdadeira (Apoiados.) vem pelo afan com que em toda a parte se procura organisar meetings que a maior parte das vezes são apenas verdadeiros tours de force partidarios (Apoiados.) vem pela grande quantidade de representações que a opposição provinciana exporta, collaborando quotidianamente no Diario das sessões d'esta casa!
Na sua qualidade do maioria não tem este lado da camara, é certo, o direito de regular as condições do combate, mas, se não tem esse direito, assiste-lhe todavia um dever que elle não declina, que não declinará jamais, o de acceitar o encontro em qualquer campo, em quaesquer circumstancias que elle for posto, lançando se no combate com toda a torra do seu valor, com todo o valor da sua fé partidaria. (Muitos apoiados.)
Nem sequer nos é dado olhar para o campo contrario, a ver se as ballas que do lá nos mandam são fabricadas com o mais tino bronze..
Eu não desejava, sr. presidente, ultrapassar as funcções do posto que a inscripção naturalmente mo indicou; desejava apenas responder ao illustre deputado que me prece deu, mas permitta s. exa. que muito á boa paz lhe diga que s. exa. não disse nada novo, repetiu apenas os argumentos e accusações mil vezes feitas por esse lado da camara, e que outras tantas tem encontrado prompta, energica o cabal resposta da parte da maioria! (Apoiados.)
Que tenho eu pois a fazer, visto que o illustre deputado se limitou a reproduzir a accusação? Resta-me reproduzir a defeza. Simplesmente, se já o foi comtanto, nunca a accusação foi posta com mais brilho, com mais talento; a defeza, bem ao contrario, nunca foi nem será mais desprimorosamente adduzida do que o vae ser por mim. (Não apoiados.)
O primeiro ponto do discurso do illustre deputado referiu-se á agitação publica. Eu já o esperava. Tem sido esta a, base da discussão de todos os oradores opposicionistas.
O paiz está sobre um vulcão, - dizem; a provincia ruge ameaçadora, - proclamam; legiões do indignados marcharão um dia d'estes sobre Lisboa, pedindo a cabeça do ministerio, - noticiam! Já houve até, no decorrer d'este debate, quem, por um esforço rethorico que eu admiro, comparasse este periodo bonançoso e sereno que vamos atravessando, com a epocha mais ou menos agitada que precedeu a grande revolução franceza! (Riso.)
Conheço sufficientemente a provincia, resido até justamente no ponto onde se diz que a agitação é maior e o descontentamento contra o governo mais intenso, ainda ha pouco lá estivo e francamente não só não vi essa agitação nem dei por esse descontentamento, mas até trouxe de lá a convicção que onde menos noticia havia a respeito dos graves acontecimentos do Minho era no proprio Minho... (Apoiados.)
Mas tambem a opposição noticia que no Porto reina grande animadversão contra o governo.
Para mim, sr. presidente, não foi preciso que os dois meetings que antehontem se realisaram n'aquella laboriosa cidade me viessem provar exactamente o contrario (Apoiadas.); para eu ter a convicção de que o Porto estava ao lado do governo, como ha muitos annos está ao lado do partido progressista, bastava-me a eleição de delegados ao collegio eleitoral que por sua vez tem de eleger o par do reino por aquella cidade. (Muitos apoiados.)
Essa eleição, ha oito dias realisada, e era que tomam parte os quarenta maiores contribuintes prediaes e industriaes, cavalheiros que pela sua posição e independencia, se não podem suspeitar debaixo da influencia do governo, essa eleição, dizia eu, recahindo em honrados membros do partido progressista, é altamente significativa (Apoiados.) o dá bom a medida do tal descontentamento do Porto.
Tumultos e meetings eis, segundo a opposição, as duas manifestações da agitação do paiz, deante da qual o governo deve abandonar o poder.
Ora eu não nego a existencia dos tumultos, como a não negou o sr. Carlos Lobo d'Avila, como a não negou o sr. dr. Laranjo; a este respeito creio que não ha entre os differentes oradores da maioria aquella contradicção que o sr. Jacinto Candido viu.
Nenhum de nós nega que tenha havido tumultos, todos estamos de accordo em que os houve, mas o que tambem aquelles meus illustres collegas asseveraram, e eu confirmo, é que a causa d'elles é tão alheia á acção governativa que custa a comprehender como se possa imputar ao governo quaesquer responsabilidades por esses tumultos (Apoiados)
E, demais em que tempo e sob que governo não tem havido tumultos? (Apoiados.)
Em que paiz os não ha?
Recorde-se o illustre deputado da Belgica e dos enormes tumultos que ali houve por occasião das greves. (Apoiados)
O governo belga teve de empregar a força publica para manter o imperio da ordem e todavia não houve quem se lembrasse de lhe pedir que, por tal motivo e em tal momento, se retirasse dos bancos do poder. (Apoiados.)
Em todos os paizes ha tumultos, sr. presidente; o que me parece que é exclusivamente d'este paiz, o que me parece que em mais parte alguma ha, é uma opposição que pede a um governo que se retire porque ha tumultos! (Apoiados.)
Os meentigs são a outra fórma da agitação. Eu sr. presidente, tenho amor muito moderado por essa arma de combate, mas não lhe posso negar a importancia em certos e determinados casos.
Acho, sobretudo, que elles são importantes quando repellem de si qualquer idéa partidaria e significam apenas o protesto collectivo de uma classe que soffre.
Comprehendo, por exemplo, a importancia dos meetings em Inglaterra, quando milhares de miseraveis, sem convocação, som programma, se reunem para, n'um rugido temeroso, pedirem á sociedade que os esmaga o pão que lhes falta. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Entre nós comprehendo ainda a importancia dos meetinns das duas cidades de Braga e Guimarães, quando um erro deploravel do governo regenerador, poz em jogo os interesses d'aquellas duas cidades. (Apoiados.)
Ahi não havia a idéa partidaria, havia a reunião de homens de todos os partidos, do todas as classes sociaes que se reuniam para defender energicamente os interesses e os brios das suas terras.
Mas que parallelo póde haver entre os meetings de que

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acabo de fallar e esses que ahi se estilo realisando, no meio da indifferença do paiz, e que se dizem contra a marcha do governo?!
Meros agrupamentos de partidarios, (Apoiados.) simples theatros de uma indignação postiça, (Apoiados.) que ás vezes leva muito tempo e dá muito trabalho para arranjar, taes meetings são apenas reuniões de partido, e tcem o valor de simples reuniões de centros opposicionistas. (Apoiados.)
E é em nome d'isto que só convida o governo a saír do poder, a entregar as pastas á opposição!!! É em nome da chamada agitação que todos os oradores intimam o gabinete a que se demita!
É esta a peroração obrigada de todos os oradores opposicionistas: «o governo deve saír porque ha agitação no paiz».
Até o sr. Consiglieri Pedroso fez esta intimativa ao ministerio, acrescentando, como para dar maior força ás suas palavras, a declaração de que era insuspeito, por isso que não militava em nenhum dos partidos monarchicos, sendo-lhe, portanto, indifferento que estes ou aquelles estivessem á frente dos negocios publicos.
Ora permitta s. exa. que eu lho negue essa qualidade do insuspeito.
O illustre deputado não é insuspeito.
S. exa. é partidario de uma propaganda que eu respeito, mas que tondo tudo a lucrar com os erros dos partidos monarchicos, estimará de certo muito que esta governo seja substituido por um governo regenerador.
De resto é uma questão de gratidão.
Os republicanos são filhos dos regeneradores.
(Rumores )
Mas certamente!
Os illustres deputados admiram-se?!
Pois não sabem que foram os erros do partido regenerador que deram o ser ao partido republicano em Portugal?!
Uma voz: - E em França?
O Orador: - Em França foram os erros da velha monarchia.
Mas em Portugal foram os erros do partido regenerador quem deu alentos á causa republicana.
Já havia a idéa republicana, mas não havia o partido organisado e prompto a entrar em combate como agora entra.
Os partidarios d'essa idéa eram só republicanos no seu gabinete de estudo.
Foram, repito, os erros accumulados dos differentes ministerios regeneradores que fizerarn nascer o actual partido republicano.
É sabido que os partidos avançados engrossam com os desatinos dos monarchicos.
Que admira, pois, que o sr. Consiglieri Pedroso queira ver á frente da administração publica um ministerio que em vez de ser uma garantia de ordem e liberdade, como inquestionavelmente é o actual, seja antes um incentivo para a propaganda democratica?!
Tambem o meu nobre amigo o sr. Jacinto Candido se referiu á questão agricola e ao congresso de proprietarios e agricultores que ha pouco se reuniu n'esta capital.
Sr. presidente, eu reputo a questão agricola tão importante, desejo tanto afastar d'ella qualquer idéa partidaria, que é sempre com profunda mágua que eu vejo fazer politica com tal assumpto. (Apoiados.) Queria sinceramente que afastassemos para longe d'estes debates partidarios tão importante questão, (Apoiados.) da qual depende talvez o futuro do paiz. (Apoiados.) Quizerá que todos os verdadeiros patriotas, todos aquelles que reputam a agricultura o nosso unico recurso, se congregassem o unissem, como um só homem, para dar força ao governo, a qualquer governo, que queira remediar o mal de que todos nos queixâmos. (Apoiados.)
Se eu ámanhã me sentar nos bancos da opposição, creia o illustre deputado que será sem hesitação que eu hei do offerecer o meu humilde concurso a um governo meu adversario que queira resolver da melhor fórma a questão agricola. Não me faltarão assumptos para o combater; esse nunca o escolherei.
As poucas vezes que no anno passado fiz uso da palavra n'esta camara foi unicamente para expor as minhas idéas ácerca da questão agricola, que sempre reputei muito importante.
Fiz o que pude, desempenhei como soube a minha missão; mas a camara toda póde testemunhar que das ligeiras considerações que a tal respeito fiz, afastei sempre a idéa partidaria. (Apoiados.)
Na discussão d'este projecto de resposta ao discurso da corôa, por isso mesmo que elle naturalmente tem um caracter politico, eu não desejava, eu não tencionava fallar na questão agricola, tal é o desejo que tenho de que nem se suspeitu das minhas intenções.
Levaria por diante o meu proposito se uma phrase do sr. Jacinto Candido me não obrigasse a protestar.
Eu fiz parte do congresso agricola e assisti a quasi todos as suas sessões. Discordo de algumas conclusões dos relatorios das secções d'esse congresso, mas felicito me por assistir á sua realisação, porque para mim esse congresso teve um altissimo valor - foi uma imponente manifestação de força da parte de uma importante classe, que parecia dormir o somno da indifferença. (Apoiados.) Por isso eu não posso deixar passar sem o meu energico protesto a affirmação feita pelo sr. Jacinto Candido de que n'aquelle congresso havia espirito aggressivo contra o governo e contra todos os poderes estabelecidos.
Foi muito outra a attitudcdo congresso. (Apoiados.)Elle não tinha espirito agressivo nem contra o governo nem contra os poderes estabelecidos (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Jacinto Candido.}
Está v. exa. enganado. No proprio facto da reunião do congresso está a prova de não haver tal desanimo. Se houvesse desanimo da parte dos agricultores, não se reuniam tão numerosamente para solicitar dos poderes publicos a protecção de que carecem. (Apoiados)
S. exa. tambem se referiu á questão do limite da percentagem, que as camaras e juntas de parochia podem lançar sobre as contribuições do estado, lamentando a este respeito, que os oradores d'este lado viessem invocar precedentes.
Eu tambem condemno o precedente como arma de combate; reputo liberrimo o uso d'ella, mas acho-a pouco generosa.
Mas quando o precedente é invocado, não como desculpa, não como retaliação, mas como causa determinativa dos nossos actos, acho então, não só legitima mas necessaria, a sua intervenção na discussão. (Apoiados.) É este o nosso caso.
Pela minha parte, emquanto s. exa. me não demonstrar que cincoenta ou vinte e cinco são iguaes ao infinito, reputarei mais vantajoso para a propriedade e para o contribuinte o autual codigo, (o qual fixa ás camaras municipaes o ás juntas de parochia o limite das percentagens) que o codigo de 1878 que permittia que aquelias corporações tributassem illimitadamente o contribuinte. (Muitos apoiados.)
A verdade é que as camaras municipaes têem certas despezas obrigatorias que as forçam ao lançamento de uns certos impostos, de que não podem prescindir. Mas essas despezas não foram creadas pelas actuaes vereações; (Apoiados) são legados que lhes ficaram das transactas, que na sua grande maioria eram regeneradoras. (Muitos apoiados.)
Foram ellas que, seguindo os louvaveis exemplos que lhes vinham de cima, atulharam as secretarias de emprega-

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dos (Apoiados) e encheram de fiscaes estradas que ás vezes ainda nem existiam. (Apoiados.)
É claro que as vereações actuaes chamadas a gerir os negocios dos municipios, ou haviam de praticar a barbaridade de demittir esses empregados, e então trovejariam contra ellas, os illustres deputados da minoria, ou haviam de honrar os compromissos dos seus antecessores, e n'esse caso era urgente facultar-lhes os meios de fazerem face a despezas que não crenram. (Apoiados.)
Referir-me-hei agora muito de passagem a outro ponto do discurso do illustre deputado. S. exa. lamentou o attentado de que foi victima o grande escriptor, o brilhante jornalista, o notavel parlamentar e meu querido amigo o sr. Pinheiro Chagas. Tambem eu lamento profundissimamente esse facto, que tão funestas consequencias podia ter trazido (Apoiados ) e que sobresaltou o paiz inteiro (Apoiados.) Tenho-me associado a todas as manifestações que esta camara tem feito em honra d'aquelle notabilissimo talento que honra o nome portuguez (Apoiados.), a quem eu devo uma das maiores distincções da minha vida.
O illustre deputado disse que a este respeito, a respeito das causas d'esse attentado, levantava uma interrogação. O provado cavalherismo de s. exa. obrigou-o porém, a rodear essa interrogação com considerações taes, que lhe tiram o caracter infamante que, posta em outias condições, ella teria. (Apoiados)
O sr. Jacinto Candido: - Eu não puz interrogação; justifiquei aquelles que a tinham posto.
O Orador: - Embora s. exa. diga que justificou, eu não acredito que justificasse. O illuatre deputado o que disse foi que o facto da aggressão se deu. Infelizmente isto é mais que verdade. (Apoiados.) Acrescentou que não acreditava que o auctor d'esse víllissimo feito fosse um emissario, mas que podia ser um progressista ou um regenerador. Ora, francamente, que importancia tem isso para o caso? (Apoiados.) Que seja um progressista, que seja um regenerador, que seja um legitimista ou que seja só, como me parece, um anarchista, procedendo pelos proprios impulsos, é sempre um criminoso. (Apoiados.) Só isso. (Apoiados.)
A justiça de certo não lhe augmenta ou diminue a penalidade pelo facto das suas opiniões politicas. (Apoiados.)
Sr. presidente, aquelle governo que ali se senta é réu de todos os crimes. De tudo tem sido accusado. Para nada faltar, até o illustre orador e distincto jurisconsulto que abriu este debate, o sr. Dias Ferreira, por quem eu tenho toda a consideração, não se esqueceu de fallar em violencias eleitoraes. Se a camara m'o permitte, eu vou ler um trecho do discurso de s. ex.ª:
«Nas ultimas eleições a monteria eleitoral excedeu tudo quanto até ahi se tinha feito. Não se contentou o governo em pôr ao serviço das eleições o administrador do concelho e todos os delegados do poder executivo.
«Em nome das eleições até os escrivães de direito ficaram sem garantias. Então o dinheiro para estradas, para as igrejas e para todos oa actos de corrupção não faltava, etc., etc.»
Ora, sr. presidente, eu creio profundamente na verdade d'estes horrores! Mas consinta v. exa. que eu me prostre, admirado, perante a coragem e abnegação do eleitor portuguez que soube reagir contra todas essas prepotencias, conseguindo trazer ao parlamento tantos deputados opposicionistas. (Riso. - Apoiados)
Anda por ahi a disser-se que o eleitor em Portugal não tem a consciencia dos seus direitos. Erro, perfeito erro! (Riso)
Veja v. exa. como elle luctou contra os despotismos do governo e como elle soube mandar cá todos estes illustres deputados da minoria e até seis de accumulação. (Riso. - Apoiados.) Pois note v. exa., que em Hespanha nunca vingou mais que uma ou duas candidaturas de accumulação! (Apoiados.)
Sobretudo, sr. presidente, eu admiro a nobre coragem dos eleitores de Aveiro, onde essas violencias deviam ter sido terriveis, e que, não obstante, elegeram o sr. Dias Ferreira, dando lhe assim ocoasião a vir com a sua palavra auctorisada combater os despotismos do governo. (Apoiados. - Riso.}
Vou terminar porque a hora vae adiantada e não desejo abusar da benevolencia da camara. Antes, porém, consinta-me v. exa. que eu me refira ainda a outra parte do discurso do sr. Dias Ferreira, onde s. exa. diz que a maioria vota, mas não está contente. Pela minha parte devo declarar que voto, porque estou contente. (Apoiados.) Não duvido mesmo constituir me procurador de toda, a maioria para declarar que dia vota o está contente. (Muitos apoiados.)
A maioria está contente porque, filha do partido progressista, como o governo, vê continuadas nos bancos do poder as tradições de moralidade e justiça, que são o apanagio e o timbre do nosso partido. (Muitos apoiados.)
A maioria está contente porque vê o nosso credito restaurado. (Apoiados.)
A maioria está contente porque vê no governo e na pessoa do nobre presidente de conselho uma garantia do ordem, (Apoiados.) como já foi confessado por um dos chefes do partido regenerador. (Apoiados.)
Eis a rasão do voto da maioria (Muitos apoiados.)
Sc não estivessemos contentes, em vez de dizer ao gabinete que fique e que governe, como agora lhe dizemos, teriamos a coragem de o aconselhar a que abandonasse o poder, e iriamos todos - elle e nós - para as cadeiras da opposição luctar pelo nosso partido, luctar pela nossa fé. (Apoiados.) Mesmo n'esse momento restar-nos-ía a consolação de que honrámos o poder emquanto o possuimos. Entregar-lhes-íamos os fundos a 59, como em 1881, depois da honradissima gerencia do sr. Barros Gomes, lh'os entregámos a 52 para serem em seguida arrastados até 44! (Muitos apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)
Leu se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, considerando que o governo tem empregado a maxima solicitude e zêlo na administração do paiz, affirma a sua confiança politica no gabinete e continua na ordem do dia. = Visconde da Torre.
Foi admittida.

O sr. Ruivo Qodinho: - Sr. presidente, não esperava ter a palavra n'esta altura do debate, e sinto tel-a pelo motivo por que a tenho.
Antes de mim estava inscripto o illustre parlamentar o sr. Serpa Pinto, que não toma o seu logar na inscripção porque está gravemente doente, como hoje mesmo foi communicado á camara.
Portanto começo por manifestar o meu sentimento pela doença do meu sympathico collega e faço votos pelo seu restabelecimento (Apoiados} e creio interpretar bem os sentimentos da camara, suppondo que toda ella me acompanha no meu modo de sentir sobre a sua ausencia do cavalheiro a quem me retiro. (Muitos apoiados.)
Dito isto vou, em cumprimento das praxes regimentaes, ler a minha moção de ordem, que é a seguinte:
«A camara, reconhecendo que o governo não satisfaz ás condições necessarias para estar á frente da administração publica, continua na ordem do dia.»
Sr. presidente, eu não sou orador, corno v. exa. sabe, e tenho agora pena de o não ser, porque seguindo-me a falar depois de dois oradores, que fizeram discursos brilhantes, gostava tambem de poder fazer um discurso.

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Mas, se não sou orador, sabe v. ex. tenho dito, que sou sincero. (Apoiados.}
Tenho já apresentado varias propostas e moções e ainda não apresentei nenhuma de que não estivesse convencido. (Apoiados.)
Agora estou nas mesmas circumstancias Quando pedi a palavra sobre o assumpto em discussão, foi no proposito de apresentar apenas algumas emendas, e sem tenção de apresentar moção alguma; mas a maneira por que tem corrido o debate, convenceu-me de que se verifica a hypothese, que eu estabeleço na minha moção, e por isso a apresento; e em breves palavras vou mostrar a v. exa. e á camara, que ella procede e é verdadeira: basta para isso recordar as palavras com que o sr. Carlos Lobo d'Avila, relator da commissão de resposta ao discurso da corôa, encerrou o seu discurso no começo do debate.
Eu refiro-me ao discurso do sr. Lobo d'Avila, porque, sendo s. exa. o relator da commissão, e sendo esta a representante da maioria, entendo que o mesmo é que referir me á opinião de toda a maioria; e refiro-me ao final do discurso, porque o final é a synthese ou o resumo do que s. exa. disse, e das suas idéas sobre o assumpto em discussão.
Aqui disse o sr. relator, que o governo devia ficar sempre, quando tivesse a seu favor o apoio do parlamento, a confiança da corôa, e a opinião publica; e tendo tudo isto devia resistir emquanto podesse aos seus adversarios. - E acrescentou que o governo devia ficar, e que, em vista da propaganda de descredito, que em roda d'elle se está fazendo, seria indignidade ceder em taes circumstancias.
Na primeira parte, que acabo de lêr, estabelece o sr. Lobo d'Avila as condições a que o governo deve satisfazer para ficar, e na segunda parte conclue que o governo deve ficar, não porque roda as condições necessarias para ficar, mas porque em roda d'elle se está fazendo uma propaganda de descredito; isto é o reconhecimento completo e perfeito de que o governo não satisfaz ás condições necessarias para ficar, porque, se as reunisse, era logico que fosse em nome d'ellas, que se pedisse a conservação do governo.
Aqui tem v. exa. e a camara como das proprias palavras do relator do parecer, que se discute, se conclue que o governo não satisfaz ás condições necessarias para ficar.
Mas não é só do que disse o sr. Lobo d'Avila que se chega a esta conclusão: a necessidade em que o sr. Laranjo se viu de inventar o equilibrio politico por meio da intervenção do governo em todas as companhias poderosas o em todas as corporações que tenham dependencias, mostra a carencia das condições constitucionaes, porque, se tivesse estas condições naturaes de vida, escusava de recorrer ás artificiaes, que procurou com a sua intervenção nas corporações e companhias, que têem muitas dependencias e podem exercer influencia politica.
E com effeito, sr. presidente, as illações que se tiram das palavras e proceder dos illustres deputados, a que me refiro, são de todo o ponto logicas e verdadeiras: ao governo faltam as condições necessarias de vida e depois do procedimento que tem tido não podia deixar de ser assim.
Uma das condjções que se deve verificar é o apoio parlamentar: parece que o governo tem o apoio parlamentar, mas este apoio é mais o apoio apparente dos votos, a que a disciplina obriga, do que o apoio real das convicções, a que a consciência leva.
Sabe Deus com que difficuldade o sacrificio a maioria sanccionou com o seu voto aquella celebre definição de flagrante delicto, que aqui nos deu o anno passado o sr. ministro da justiça.
Uma voz: - Já passou.
O Orador: - Já passou! O illustre deputado não tem agora outra justificação para o procedimento da maioria senão o esquecimento do passado; mas isso é a maior prova da verdade do que eu acabo de dizer.
Já passou o facto, mas a lembrança d'elle ainda dura e de ha de durar por muito tempo, porque ficou registado nos annaes paramentares como cousa notavel.
E se este é antigo, ha outro moderno que quasi ainda não passou: é a celeberrima interpretação dada pelo sr. presidente do conselho ao artigo 281.° do codigo administrativo, em virtude da qual se põem nas mãos e ao arbitrio do governador civil os mais sagrados direitos dos cidadãos.
Segundo essa interpretação, pôde o governador civil de Braga, a contento do sr. presidente do conselho, apprehender jornaes e prohibir meetings com o simples pretexto de que se poderia perturbar a ordem publica: ámanhã póde o mesmo governador civil, ou outro, com invocação similhante, prender os cidadãos mais pacificos que haja.
Este principio, ou antes esta transgressão de principio; foi sanccionada com uma votação da maioria, e eu pergunto ao illustre deputado que me fez o áparte, e que naturalmente tambem votou, se elle approva em sua consciencia e se é capaz de sustentar a doutrina do sr. presidente do conselho.
Aqui está, sr. presidente, o que póde significar um apoio dado com esta convicção.
E depois, sr. presidente, muitos dos principaes e mais eminentes membros da maioria têem abandonado o governo.
E não é isto uma inanifestação significativa? Ou quer o governo esperar que toda a sua maioria o abandone? Para bom entendedor meia palavra basta. E se em politica é necessario saber esperar, não é menos necessario saber retirar a tempo.
Outra condição de vida do governo é que tenha em seu favor a opinião publica.
Para mostrar que não tem esta condição basta recordar que o sr. presidente do conselho disse, e confirmou o sr. Lobo d´Avila, que ha em toda a parte um certo descontentamento geral.
Querem s. ex.ªs attenuar o effeito e alcance d'esta confissão, dizendo que as causas d´esse descontentamento não provém só do governo e já vem de longe; em todo o caso reconhecera que tambem veem do governo parte das causas do descontentamento geral; já isso era sufficiente para o paiz estar descontente com o governo; mas tem tambem rasão para o estar por não ter acabado com as causas do descontentamento, que já podessem existir quando o governo foi ao poder, porque de certo não foi lá só para nomear empregados publicos e deixar continuar em abandono as causas que produziam o descontentamento do paiz.
Este é o facto reconhecido pelo proprio sr. presidente do conselho, que mostra que a opinião publica não está com o governo, e não podia deixar de ser assim por varias causas, de que eu apontarei apenas algumas para não cansar a attenção da camara.
Primeirauiente o paiz esperava muito das promessas de economia e moralidade que o governo lhe tinha feito, e, em vez do cumprimento d'estas promessas, augmenta extraordinariamente o numero de empregados, não por exigencia do serviço publico, mas para estabelecer o equilibrio politico, como disse o sr. Laranjo.
Outra causa, que muito deve tor contribuido para o descontentamento geral, que o proprio governo confessa, é a flagrantissima contradicção, em que está o procedimento dos srs. ministros no poder com o que diziam na opposição.
Quando eram qpposição, diziam que não seriam directores de companhias emquanto fossem deputados ou pares, e não são só deptutadoa ou pares mas tambem ministros e continuam a ser ou se fazem directores de companhias e bancos dependentes do estado!
Sr. presidente, são pelas incompatibilidades, quando são opposição, e accumulam todos os motivos de incompatibilidade, quando são governo! E é preciso para os defender

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que os seus correligionarios venham aqui renegar no parlamento as doutrinas que ensinam nas suas cadeiras.
O sr. Laranjo vem aqui dizer-nos, que em um livro que está publicando para os seus discipulos sustenta o principio da incompatibilidade do logar de ministro d'estado com o de director de companhias, e congratula-se com o seu partido porque os srs. ministros não fizeram o que s. exa. sustenta nos livros e ensina na universidade.
S. exa. tem uma opinião como professor e outra como politico! Mas a do professor é de certo menos suspeita do que a do politico!
E já que fallei na differença do opinião do sr. Laranjo como professor e como progressista, permitta me a camara que eu note tambem a differença de proceder de s. exa. em relação a cada um dos srs. ministros.
Todos ou quasi todos os srs. ministros são directores de companhias ou bancos e o sr. Laranjo tratou de defender uns e não defendeu os outros.
Assim defendeu o sr. José Luciano de Castro por ser ao mesmo tempo ministro do reino e governador do banco hypothecario; defendeu o sr. Marianno de Carvalho por ser ao mesmo tempo ministro da fazenda e director de varias companhias; defendeu o sr. Barros Gomes, porque continuou a ser director do banco de Portugal depois de ser ministro, contra o que fizera da outra vez quando foi ministro; até elogiou o sr. Barros Gomes por ter modificado a opinião que tinha sobre a incompatibilidade entre o logar de director do banco de Portugal e a de ministro d'estado, e tendo-se aqui dito que tambem o sr. visconde de S. Januario accumulou o logar de ministro com o de director do caminho de ferro de Caceres, não teve o sr. Laranjo uma palavra de desculpa a favor do sr. ministro da guerra. Qual será a rasão d'esta differença?
O sr. Ministro da Guerra (Visconde do S. Januario): - Naturalmente é porque não tenho desculpa.
O Orador: - É essa a suspeita que póde deixar o silencio do sr. Laranjo.
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Responderei opportunamente.
O Orador: - Não é preciso que v. exa. me responda. Faço de v. exa. tão bom conceito como dos outros srs. ministros; e tenho obrigação do acreditar que são honestos, emquanto não tiver provas em contrario, e por eu estar a dizer isto, não quero lançar suspeitas sobre ninguem; v. exa. sabe muito bem que uma cousa é a incompatibilidade e outra a suspeição; a incompatibilidade estabelece-se exactamente para que não haja suspeição. Não basta aos funccionarios publicos o serem honestos, é necessario que o pareçam, e que ninguem possa ter pretexto para suspeitar de que o não são. Por isso é que eu sou pelas incompatibilidades, porque põem o funccionario a coberto de qualquer suspeita, e não são offensa para ninguem, desde que estão na lei.

se fiz o reparo, foi unicamente por estranhar que os collegas de v. exa. merecessem mais ao sr. Laranjo do que v. exa., que no meu conceito tem direitos iguaes.
E, sr. presidente, aqui não se trata só de estranhar que os ministros da coroa accumulem funcções que parecem incompativeis; estranha-se principalmente que as accumulem aquelles mesmos que as julgaram incompativeis e que disseram que nunca as haviam de accumular; e o que se estranha ainda mais é que as accumulem com fins unicamente politicos, ou, como disse o sr. Laranjo, para estabelecer o equilibrio politico!
Esta contradicção dos srs. ministros, esta confusão das funcções de ministro com as de director de companhias não póde deixar de contribuir poderosamente para o descontentamento geral, que o governo reconhece, e para lhe retirar o apoio da opinião publica, se alguma vez o teve.
Outras causas, porém, têem ainda contribuido para dispor a opinião publica contra o governo; e uma d'essas causas é, na minha opinião, a falta de consideração com que principalmente o sr. presidente do conselho trata o parlamento e os pedidos e reclamações dos deputados. (Apoiados.)
Estamos aqui todos os dias a reclamar a presença do sr. presidente do conselho, e s. exa. não apparece, e se apparece alguma vez é depois de se entrar na ordem do dia, quando já lhe não podemos fazer pergunta alguma.
Acontece mais um facto notavel: quando falla algum deputado a accusar o ministro, não está nenhum dos srs ministros ou está precisamente aquelle em cujos actos se não falla, e quando não é accusado, quando falta algum deputado da maioria apresenta-se o ministerio todo, como ainda hontem succedeu.
Isto significa, que o governo tem tanta consciencia da procedencia das accusações que se lhe fazem, que nem tem coragem para as ouvir.
Isto ainda é bom signal, mas era melhor que em logar de não ter coragem para ouvir as accusações que lhe fazem, tivesse o cuidado de não dar logar a ellas.
Tambem deve ter contribuido muito para a alienação do apoio da opinião publica o desdem e linguagem por vezes impropria com que especialmente o sr. ministro do reino responde muitas vezes ás arguições que lhe dirigem.
O sr. José Luciano de Castro, esquecido da importancia e consideração que deve ao elevado cargo que exerce, limita se muitas vezes a responder com um sorriso sarcastico que lhe vae muito mal, e quando responde por outra fórma usa de linguagem tão propria como é o sorriso.
Ainda o outro dia chamou tambor-mór ao illustre jurisconsulto o sr. Dias Ferreira, phrase pouco parlamentar, que eu nunca suppuz podesse vir da bôca do sr. presidente do conselho.
Mas, sr. presidente, se o sr. Dias Ferreira não passa de tambor mór, o que será o sr. presidente do conselho?
Mais causas tem de certo contribuido para o descontentamento do paiz o para a disposição da opinião contra o governo, mas eu penso que as que tenho enunciado tão suficientes e de sobra para explicar o facto, de que eu estou completamente convencido que o governo não tem por si a opinião publica, nem a póde ter.
A outra condição da conservação do ministerio é a confiança da corôa.
Eu não discuto aqui se o ministerio tem ou não a confiança da corôa: creio que tem, porque se a não tivesse já ah não caiaria; e emquanto a não perder não sáe, porque por mais indicações que o paiz faça ao governo para saír, elle não sáe em quanto o augusto chefe do estado não lhe disser claramente que sáia.
Uma voz: - Está claro.
O Orador: - Não está claro, porque não é só da confiança da corôa, que os governos vivem: é preciso que reunam todos os tres elementos de vida para se conservar; logo que lhe falte um não póde viver ao menos constitucionalmente. E se ainda tem a confiança da corôa, talvez a doença de Sua Magestade tenha sido a causa d'isso.
Se a doença não impedisse o augusto chefe do estado de tratar os negocios publicos com a sua costumada solicitude talvez o governo já não estivesse no poder.
Eu não discuto a pessoa do Rei, que está acima de toda a discussão, e por quem tenho o maior respeito e consideração: aprecio qual possa ter sido a causa de um facto que o governo invoca em seu favor e com a causa suprema da sua conservação.
Mas se o governo tem tido a confiança da corôa não a continuará a ter por muito tempo, porque o chefe do estado, que está, sempre em harmonia com o povo, não póde estar contente quando o paiz está descontente.
Aqui estão, sr. presidente, em resumo, as rasões por que eu apresento a minha moção de ordem; não é por motivos unicamente politicos, é porque ao ouvir principalmente o sr. Lobo d'Avila e o sr. dr. Laranjo, fiquei convencido de que o governo não tem as condições necessarias para

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ficar, e entendo que não póde ficar era nome da propaganda de descredito, que se faz em volta d'elle.
A propaganda de descredito, que se faz em volta do governo, não póde ser motivo para a sua conservação, maximo quando lhe faltam todos ou alguns dos modos constitucionaes do vida.
Se isto bastasse para a conservação de um governo, bastaria que os governos em vez de administrarem bem, para merecerem a confiança do paiz e da corôa, dessem pretexto para se desenvolver qualquer propaganda de desconfiança a seu respeito.
A propaganda de descredito contra o governo não póde ser um motivo para a sua conservação, o ao contrario póde ser mais um justivo para a sua saída, se der fundamento ou base a essa propaganda, e o empenho em ficar póde já ser um elemento de desconfiança da necessidade em que elle porventura se possa ver de suffocar a propaganda com os recursos do poder.
Sr. presidente não quero abusar da attenção da camara o quero terminar as minhas considerações, mas não o posso fazer, sem me referir, posto que em breves palavras, ao que disse o illustre orador, que me precedeu.
Disse s. exa., que lhe não constava que houvesse agitação no paiz, que já não havia tumultos, e que não era em presença d'elles que o governo devia cair, e como resposta á accusação que o sr. Dias Ferreira fizera ao governo de ter exercido pressões por occasião das eleições, disse que nunca a opposição tinha sido tão numerosa.
Á primeira parte respondo, que ao contrario do que s. exa. affirma, a agitação do paiz é tão manifesta, que até o proprio sr. presidente do conselho a reconhece, quando confessa, que ha um certo descontentamento geral.
Á segunda respondo, que é innegavel a existencia dos tumultos, que cintaram a vida a varios cidadãos, e que se já não existem, o que não admira, porque o povo não póde resistir por muito tempo á força armada, existem as causas que os produziram e não tardarão a apparecer.
Eu tambem entendo, que o governo não deve cair com os tumultos, mas deve cair por os não ter sabido evitar e ao contrario ter dado motivo para elles.
O facto de vir uma opposição numerosa á camara póde não ser signal de tolerancia do governo, póde significar, que é tão pouco o prestigio do governo, que apezar das perseguições, a que se referiu o sr. Dias Ferreira, não póde impedir que á camara viesse uma opposição numerosa.
E por ultimo, sr. presidente, referir-me-hei a uma phrase com que o sr. Laranjo pretendeu justificar a accumulação de empregos do sr. presidente do conselho; s. exa., confundindo as circumstancias, apesar de se lhe ter já demonstrado que são differentes, disse que, ou o sr. presidente do conselho procede bem, ou é immerecida a estatua que nós levantâmos a Fontes Pereira de Mello.
Sempre o precedente! E agora alterado!
Mas o precedente não justifica ninguem; e se julgam que o facto os honra, levantem uma estatua ao sr. presidente do conselho com esta inscripção: «A José Luciano de Castro, por se fazer eleger governador do banco hypothecario sendo ministro do reino».
Disse.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que o governo não satisfaz ás indicações necessarias para estar á frente da administração publica, continua na ordem do dia. = Ruivo Godinho.
Foi admittida ficando em discussão.

O sr. Nobrega: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida. Resolveu-se affirmativamente.
O sr. Pedro Monteiro: - Peço a v. exa. a fineza de ler á camara os nomes dos oradores que ainda estavam, inscriptos.
O sr. Presidente: - Estavam inscriptos contra, os srs. Serpa Pinto, que não compareceu hoje por motivo de doença, Dantas Baracho e Ferreira de Almeida; e a favor, os Silva Cordeiro e Visconde de Silves.
Passa-se a votação, começando-se pelas propostas dos srs. Lopo Vaz e Marcai Pacheco, que o sr. relator declarou acceitar, salva a redacção.
Leu-se a seguinte:

Proposta

Proponho que o primeiro paragrapho seja substituido pelo seguinte:
A camara dos deputados da nação portugueza felecita-se com o paiz pelas melhoras de saude de Vossa Magestade, e associa-se aos votos formulados em nome de Vossa Magestade pela prosperidade do paiz e pela utilidade dos trabalhos parlamentares da presente sessão legislativa. = Lopo Vaz.
Approvada, salva a redacção.

Leu-se mau o seguinte:

Additamento

Proponho que se acrescente ao projecto em discussão, e onde mais cabimento tenha, o seguinte periodo:
Senhor: A camara lamenta profundamente que toda a real familia de Vossa, Magestade ficasse enlutada com o fallecimento da Serenissima Infanta D. Maria, filha de Suas Altezas Reaes, os Senhores Duques de Bragança. = Marçal Pacheco.
Foi approvado, salva a redacção.

O sr. Abreu Castello Branco: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha moção de ordem.
Permittiu se que retirasse.
O sr. Laranjo: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a moção que eu tive a honra de mandar para a mesa.
Foi-lhe permittido retirar.
O sr. Visconde da Torre: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu tambem retire a minha moção de ordem.
Resolveu se afirmativamente.
O sr. Presidente: - Vão ler se as moções que durante a discussão foram mandadas para a mesa pelos srs. Consiglieri Pedroso, João Pinto, Arroyo, Jacinto Candido e Ruivo Godinho.
Leu-se a seguinte:

Moção de ordem

A camara sente que na mensagem da corôa se tenha esquecido o preceito constitucional de dar conta ao parlamento da reconstituição que soffreu o gabinete no interregno parlamentar. = Consiglieri Pedroso.
Foi rejeitada.
Leu-se a seguinte.

Moção de ordem

A camara, considerando que o governo perdeu o apoio da opinião publica, convida-o a saír do poder, o continúa da ordem do dia. = deputado, João Pinto.
Foi rejeitada

Leu-se mais a seguinte:

Moção de ordem

A camara, convicta de que os grandes interesses nacio-

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7S2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

naes assim o exigem, retira a sua confiança politica ao gabinete, e continua na ordem do dia. = João Arroyo.
Foi rejeitada.

Leu-se a seguinte:

Moção

A camara, reconhecendo pela discussão d'este projecto, e em especial pelas declarações dos deputados ministeriaes, que tomaram parte no debate, que ao governo fallecem os elementos de vida necessarios para a sua conservação no poder: e constituindo-se interprete da opinião do paiz, retira a sua confiança ao gabinete, e continua na ordem do dia. - O deputado, Jacinto Candido.
Rejeitada.

Foi lida por ultimo a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que o governo não satisfaz ás indicações necessarias para estar á frente da administração publica, continua na ordem do dia. = Ruivo Godinho.
Rejeitada.

O sr. Presidente: - Vá e ler-se o primeiro paragrapho do projecto para ser votado.
O sr. Vicente Monteiro: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se concorda em que haja uma só votação para todo o projecto de resposta ao discurso da corôa.
A camara resolveu afirmativamente.
Leu-se o seguinte:

Senhor. - A camara dos deputados da nação portugueza, cumprindo um dos seus mais gratos deveres, associa-se aos votos formulados em nome de Vossa Magestade pela prosperidade do paiz e pela utilidade dos trabalhos parlamentares na presente sessão legislativa.
Folga a camara que se tenham mantido cordiaes as nossas relações com as potencias estrangeiras, e que, em conformidade com a auctorisação concedida, haja sido ultima mente firmado em Pekim o tratado destinado a regular nos termos do direito publico internacional, a nossa situação politica e commercial com o imperio da China.
Com a devida attenção considerará a camara o tratado de commercio celebrado com a Dinamarca, e o que vier a celebrar-se com a Hespanha, em virtude das negociações entaboladas para esse fim.
A camara espera que do exame a que estão procedendo em Lisboa, e de accordo com o governo de Vossa Magestade, os representantes de Suas Magestades o Imperador da Allemanha e a Rainha da Gran Bretanha, resultará uma solução satisfactoria para a questão relativa á demarcação da fronteira norte da provincia de Moçambique ultunando-se assim as negociações que a tal respeito tem havido.
A camara congratula se com Vossa Magestade por se ter mantido inalteravel em todo o reino, durante o interregno parlamentar, a tranquillidade publica, e com relação aos tumultos da Madeira, que deveras lamenta, a camara confia em que serão removidas as causas de tá o deploravel agitação A camara regosija-se por se ter podido realisar a viagem de Vossa Magestade e da real familia ás provincias do norte, em condições tão gratas para o alevantado animo de Vossa Magestade como signicativas da viva dedicação do povo portugues pelo seu augusto soberano e por toda a real familia. O paiz acolherá certamente as palavras de reconhecimento do Vossa Magestade como uma nova prova da alliança indissoluvel que liga entre nós o povo e a dynastia
Reconhecendo que da limitação e regularisação das faculdades tributarias dos corpos administrativos resultará incontestavel melhoramento, assim para a gerencia financeira do estado, como para a administração local o para os
contribuintes, a camara regista com agrado que o governo, em conformidade com uma das mais importantes disposições do codigo administrativo e no uso da auctorisação que lhe fôra concedida, fixasse as percentagens ás contribuições directas o indirectas do estado para o lançamento dos impostos districtaes, municipaes e parochiaes, e decretasse a pauta dos generos não sujeitas ao real de agua, que podem ser tributados pelas camaras municipaes.
A camara estudará com a devida solicitude, não só as propostas pendentes da ultima sessão, sobre a eleição da parte electiva da camara dos dignos pares, ensino especial e instrucção do sexo feminino, mas tambem as que o governo lhe apresentar sobre a reforma da legislação eleitoral da camara dos deputados, policia civil e beneficencia publica, e sobre a melhor maneira de tornar effectivo o pagamento dos professores do instrucção primaria.
A camara consagrará especial attenção ao exame da reforma da legislação commercial e da nova organisação judiciaria, e não descurará tão pouco os outros assumptos sobre que intenta exercer-se a iniciativa do governo, taes como a reforma do processo criminal, e valias providencias tendentes, umas á execução completa do regimen penitenciario e do registo predial, e outras á correcção de menores, repressão de vadiagem e diminuição de reincidencias.
Compenetrada da fundamental importancia de todas as medidas destinadas a regular as relações entre o capital e o trabalho, a camara tomará na devida consideração as duas propostas de lei que se acham pendentes, e que attendem a alguns dos mais arduos problemas da vida social moderna.
Concordando em que facilitar, aperfeiçoar e baratear a producção é um dos modos mais efficazes de resolver esses problemas, a camara verá com satisfação todos os esforços que o governo empenhe n'esse sentido, e acolherá como providencia destinada aos mesmos fins a proposta de lei realiva ao adiantamento da rede geral da nossa viação accelerada.
Reconhecendo e lastimando os males de que enferma a agricultura portugueza, a camara folgará de que o inquerito agrícola forneça ao governo os elementos indispensaveis para resolver tão difficil problema.
A camara recebeu com satisfação a noticia de que os exercitos de terra e mar receberão dentro em breve novo é aperfeiçoado armamento, e de que o governo consagra especial attenção á organisação das reservas e á diffusão do ensino no exercito.
A camara examinará com todo o interesse as propostas que o governo submetter ás suas deliberações, relativamente ao artilhamento das fortificações de Lisboa e seu porto, á construcção e melhoramentos dos quarteis o outros edificios militares, á reforma do codigo de justiça militar e da escola do exercito, e bom assim as que digam respeito ao melhoramento do serviço de saude e administração militar, ao augmento das comedorias aos officiaes de marinha, e ao estabelecimento das bases para a indispensável organisação das nossas forças navaes.
A camara viu com jubilo os largos progressos que assignalaram, no que se refere á administração e dominios coloniaes, o anno decorrido, durante o qual se deram factos auspiciosos, taes como a conclusão do caminho de ferro de Mormugão, o adiantamento dos trabalhos do caminho de ferro de Ambaca, a installação do novo districto do Congo, a abertura do caminho do ferro de Lourenço Marques, o finalmente, o exito feliz da ultima expedirão, que, honrando os brios das nossas forças militares, e radicando o dominio portuguez na Zambezia, destruiu os embaraços ali oppostos ao commercio e á civilisação.
A camara reconhece que a crescente importancia e rapido desenvolvimento de Lourenço Marques, d'essa bahia importantissima, cuja posse nos está solemnemente garantida pela sentença arbitral da França, exigiam as provi-

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SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1888

dencias extraordinarias que o governo decretou no uso das faculdades que lhe confere o primeiro acto addicional.
A camara regista a deliberação do governo de pôr termo ao protectorado exercido no Dahomey, o a communicação que d'este facto foi dirigida ás potencias signatarias do acto geral da conferencia de Berlim.
A camara regosija se profundamente com a elevação do credito publico e o progressivo crescimento das receitas, que testemunham a prosperidade do reino o constituem garantia segura de uma definitiva reorganisação da fazenda nacional. A camara estima igualmente que, apesar dos importantes acrescimos de despezas, os orçamentos de receita e despeza podessem ser organizados em condições relativamente muito satisfactorias.
Acceitando plenamente a doutrina de que convem evitar os emprestimos extensos, e occorrer por outro meio ás despezas do thesouro, a camara obedecerá a esta ordem de idéas no estudo e exame das providencias que o governo lhe apresentar referente á modificação do contrato relativo ao porto de Leixões, e á melhor exploração dos caminhos de ferro do Alemtejo e do Algarve, por fórma a resolver tambem parcialmente o importante problema da colonisação d'aquellas provincias.
A camara, registando o uso que o governo fez das auctorisações legislativas com relação ao banco de Portugal, e á reforma dos serviços da divida publica, das alfandegas e da cobrança das contribuições na capital, e á creação da agencia financial do Rio de Janeiro, confia muito em que esta ultima instituição contribuirá para a consolidação do credito publico, para a melhor administração dos fundos confiados á gerencia dos consulados portuguezes no Brazil, e para o desenvolvimento das relações commerciaes entre Portugal e o grande imperio americano.
Desejando sinceramente favorecer as classes menos abastadas, a camara apreciará, com todo o cuidado e com a maior urgencia, a proposta relativa á contribuição industrial; e, convicta de que o problema financeiro tem uma importancia capital no nosso paiz, consagrará a mais escrupulosa attenção a todas as propostas que tendam a resolvel-o, como são as que se referem ás alterações na legislação ácerca dos direitos de tonelagem e ancoradouro, e na que tributa a aguardente, o mormente a que diz respeito á resolução da questão dos tabacos, que pôde influir de maneira tão poderosa nas receitas do thesouro.
Senhor.- São na verdade muito graves e ponderosos os assumptos que vão ser submettidos á nossa apreciação. Mas a camara, confia em que ha de encontrar na sua dedicação pelo paiz as forças necessarias para corresponder á honrosa confiança que Vossa Magestade n'ella deposita.
Sala da commissão, 14 de janeiro de 1888. = José Maria Rodrigues de Carvalho = Antonio Ennes = J. Alves Matheus = Antonio Candido = Oliveira Martins = Carlos Lobo d'Avila, relator. = Tem voto do sr. Alves da Fonseca.
Foi approvado.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.

Eram seis horas e meia da tarde.

Redactor = S. Rego.

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