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N.° 44

SESSÃO DE 14 DE MARÇO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Antonio José da Costa Santos

Secretarios - os exmos. srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Eduardo Simões Baião

SUMMARIO

Approvada a acta, teve segunda leitura um projecto de lei do sr. Santos Viegas. - O sr. presidente participa ter recebido uma representação da mesa de um comicio de tecelões, realisado no Porto. - O sr Diogo Cabral apresenta uma representação dos representantes da industria de tarjamento de papeis de luto. -Justificam as suas faltas os srs. conde da Anadia, Bravo Gomes, Fidelio de Freitas Branco e visconde do Ervedal da Beira. - O sr. Fratel pede ao sr. ministro do reino que reforme o ensino superior e mande estabelecer as escolas normaes, já auctorisadas, em Coimbra. Responde-lhe o sr. ministro do reino, dizendo que é sua intenção reformar o ensino superior, e que as escolas normaes de Coimbra não foram ainda estabelecidas, não só porque representam um augmento de despeza, como por que não representam uma necessidade de momento. - Foi declarado que não se fizeram alterações a redacção do projecto n.° 26.

Na ordem do dia entrou em discussão o projecto n.º 28, relativo a passaportes, a respeito do qual apresentou uma proposta de adiamento o sr. Fratel, que foi rejeitada. Na discussão d'este projecto tomaram parte os srs. Fratel, Teixeira do Vasconcellos, Carlos Braga, Mello e Sousa, ministro do reino, Salgado de Araujo e Marianno de Carvalho. A discussão ficou pendente no artigo 6.°, devendo as propostas apresentadas ser enviadas á commissão respectiva. - O sr. Moncada apresenta um parecer da commissão de legislação criminal, sobre o decreto de 22 de maio de 1895.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada, 45 srs. deputados. São os seguintes: - Aarão Ferreira de Lacerda, Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Amandio Eduardo da Mota Veiga, Antonio Adriano da Costa, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Hygino Salgado de Araujo, Antonio José Boavida, Antonio José da Costa Santos, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Antonio Velloso da Cruz, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Dias Dantas da Gama, Carlos de Almeida Braga, Conde de Anadia, Conde de Pinhel, Conde de Villar Secco, Diogo José Cabral, Francisco Rangel de Lima, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José Pereira Charula, João da Mota Gomes, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Antonio Lopes Coelho, José Coelho Serra, José Eduardo Simões Baião, José Joaquim Aguas, José Joaquim Dias Gallas, José Marcellino de Sá Vargas, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Manuel de Bivar Weinholtz, Manuel Bravo Gomes, Manuel Joaquim Ferreira Marques, Manuel Joaquim Fratel, Manuel José de Oliveira Guimarães, Theodoro Ferreira Pinto Basto, Thomás Victor da Costa Sequeira, Visconde do Banho, Visconde do Ervedal da Beira e Visconde da Idanha.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Agostinho Lucio e Silva, Alfredo de Moraes Carvalho, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio d'Azevedo Castello Branco, Antonio José Lopes Navarro, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Francisco Xavier Cabral do Oliveira Moncada, João Alves Bebiano, João Lopes Carneiro de Moura, Joaquim do Espirito Santo Lima, José Dias Ferreira, José Freire Lobo do Amaral, José Mendes Lima, Luiz de Mello Correia Pereira Medello, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Romano Santa Clara Gomes e Visconde de Tinalhas.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho da Cunha Pimentel, Antonio de Almeida Coelho de Campos, Antonio Barbosa de Mendonça, Antonio Candido da Costa, Antonio de Castro Pereira Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Victor dos Santos, Bernardino Camillo Cincinnato da Costa, Conde de Jacome Correia, Conde de Tavarede, Conde de Valle Flor, Diogo de Macedo, Francisco José Patricio, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, Jacinto José Maria do Couto, Jayme Arthur da Costa Pinto, Jayme de Magalhães Lima, Jeronymo Osorio de Castro Cabral e Albuquerque, João Marcellino Arroyo, Joio Maria Correia Ayres de Campos, João Rodrigues Ribeiro, Joaquim José de Figueiredo Leal, José Bento Ferreira de Almeida, José Correia de Barros, José Gil Borja Macedo e Menezes (D.), José Luiz Ferreira Freire, José Maria Gomes da Silva Pinheiro, José Pereira da Cunha da Silveira e Sousa Junior, José dos Santos Pereira Jardim, José Teixeira Gomes, Julio Cesar Cau da Costa, Licinio Pinto Leite, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz Maria Pinto do Soveral, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Luiz de Sampaio Torres Fevereiro, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pedro Guedes, Manuel de Sousa Avides, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Quirino Avelino de Jesus, Visconde de Leite Perry, Visconde de Nandufe, Visconde de Palma de Almeida e Wenceslau de Sousa Pereira de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - No concelho de Villa Nova de Famalicão, freguezia do Louro, existe uma ponte denominada de Barradas, que liga os povos de Brufe e Famalicão com os de Louro e Nine, e ainda com as freguezias de Viatodos, Monte, Carreira e Silveiros, no concelho de Barcellos.

Os habitantes d'estas freguezias queixam-se, e com rasão, de que estando já paga a despeza feita com a construcção da ponte, a passagem n'ella serve na maior parte das vezes para provocar desordens e desgraças. Os proprietarios, que confinam com a ponte soffrem graves damnos nas suas propriedades, porque os passageiros, no interesse de se esquivarem ao pagamento da portagem, invadem as propriedades, causando-lhe incalculaveis pre-

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juizos, e dando logar a desordens, de que têem sido victimas os guardas das propriedades e os passageiros.

N'estes termos, sendo evidente que esta portagem representa incommodo e embaraço na rapidez das communicações, e é causa de desgraças e prejuizos, parecendo tambem que será acto de boa administração dar todas as vantagens de maxima liberdade a circulação publica, isentando do onus de portagem os povos a quem aquella ponte serve, tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Fica abolido o direito de portagem na ponte de Barradas, concelho de Villa Nova de Famalicão.

Art. 2.º É revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 12 de março de 1896. = O deputado polo districto de Braga, Santos Viegas.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissao de obras publicas, ouvida a de fazenda.

O sr. Presidente: - Recebi e esta, sobre a mesa uma representação da mesa do comicio da classe de tecelões, realisado no Porto em 1 do corrente, pedindo protecção para a nua industria. Vae ser remettida á commissão de artes e industrias.

Tambem communico á camara que a commissão de redacção não fez alteração alguma no projecto de lei n.° 26 que trata das promoções no exercito.

A representação vae por extracto no fim da sessão, a pag. 607.

O sr. Conde da Anadia: - Mando para a mesa uma justificação do faltas.

O sr. Manuel Bravo Gomes: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma justificação de faltas.

O sr. Diogo Cabral: - Mando para a mesa uma representação de representantes da industria de tarjamento do papeis de luto pedindo uma modificação na pauta aduaneira.

Vae publicada por extracto no fim d'esta sessão.

O sr. Manuel Fratel: - Sente que o sr. ministro do reino, a cujos talentos e amor ao trabalho presta homenagem, não tratasse de reformar o ensino superior, como reformou a instrucção primaria e secundaria.

Não pareça que, dizendo isto, pretende tratar neste momento, em especial, d'este assumpto. O que apenas deseja é fazer referencia a um ponto que se liga com a noticia de terem sido creadas escolas de habilitação para o magistério primario em Villa Real e Evora.

Porque não se fez o mesmo para Coimbra, estando o governo auctorisado pelo decreto que reformou a instrucção primaria o secundaria a crear ali essas escolas de habilitação para o magisterio primario dos dois sexos? É certo que o ensejo mais proprio para se tratar d'esta creação seria depois de confirmado esse decreto pelo parlamento; mas crê tambem que se ella tivesse já sido realizada, não levantaria difficuldades.

Só em Lisboa e Porto ha escolas normaes, e seria de toda, a vantagem que as houvesse tambem para os dois sexos em Coimbra, que é a sede de uma universidade. Tanto mais que, no tocante a parte financeira deste melhoramento, parece-lhe estar ella, até certo ponto, resolvida, não só porque o governo tom ali um edificio, que foi ha tempos destinado a cholericos, e que hoje esta sem applicação, mas porque tem professores addidos, a quem está pagando, o de que podia dispor para aquelle fim.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, e em appendice, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Breves palavras direi em resposta ao illustre deputado e meu amigo o sr. Fratel.

S. exa. referiu-se, ainda que de passagem, a necessidade de se remodelar o ensino superior. Era uma das sessões passadas, em resposta a umas palavras pronunciadas pelo sr. Aarão de Lacerda, muito digno lente da academia polytechnica do Porto, eu tive occasião de dizer os motivos por que não me tinha abalançado a fazer essa reforma. Não repetirei agora o que disse então, mas resumidamente direi o pensamento que expuz n'essa occasião. Eu disse então que não bastava reconhecer a necessidade de uma reforma e decretal-a, era necessario estudal-a e que a reforma de instrucção secundaria que foi necessaria fazer-se com todo o cuidado para vencer as resistencias que se haviam de levantar e os interesses feridos, não deixará margem para se poder pensar na remodelação do ensino superior.

Acrescentei ainda que não sendo technico no assumpto, e não me julgando competente para resolver uma questão de tão grande torno, desejaria encontrai1 elementos tão competentes e tão dedicados como os que encontrei para o decretamento da reforma de instrucção secundaria, para poder, com a consciencia de prestar um serviço ao paiz, abalançar-me a reforma do ensino superior.

Se eu me demorar n'este logar, alguma cousa penso fazer n'esse sentido, e dada hoje a normalidade das nossas instituições constitucionaes ou poderei porventura apresentar na proxima sessão uma proposto de lei sobre o assumpto.

Relativamente a creação da escola normal de Coimbra, direi que foi, como s. exa. sabe, por um decreto dictatorial, que se determinou a existencia n'aquella cidade de uma escola normal para os dois sexos, e que se ainda não está installada é, em primeiro logar, por causa da despeza, o em segundo logar por se ter visto, pelos concursos ultimamente abertos, que superabunda o pessoal habilitado para o exercicio do magisterio primario.

A instrucção primaria, como v. exa. sabe, é custeada pelo fundo da instrucção primaria, fundo que é arrecadado pela caixa geral de depositos. Quando entrei para a pasta do reino encontrei esse fundo em grande debito para com a caixa, e tenho procurado equilibral-o para, com segurança, poder dar a instrucção primaria o desenvolvimento que tenho em vista, porque entendo que esse desenvolvimento é de primeira necessidade, e n'esta parte posso dizer com vaidade que dos ultimos ministros que têem gerido a pasta do reino nenhum, como eu, tem creado tantas escolas de instrucção primaria, pois contam-se por centenas. (Apoiados.)

Das localidades interessadas na creação dessas escolas já uma, Villa Real, offereceu ao governo casa, mobilia, emfim, todos os utensilios para a installação de uma escola, que immediatamente foi decretada.

Se ámanhã outros municipios vierem offerecer iguaes vantagens, eu não tenho duvida alguma em decretar a creação de escolas, porque pessoal habilitado tenho eu de: mais, pois, como s. exa. sabe, as cadeiras de instrucção complementar foram muito reduzidas.

Esta foi a rasão por que se creou a escola de Villa Real. Em relação a de Evora foi decretada a sua creação porque ali existia o material da antiga escola que fóra supprimida pelo sr. Dias Ferreira.

Com respeito a Coimbra não succede o mesmo, porque muito embora s. exa. diga que ali ha um edificio para a installação da escola, eu não sei se elle está em condições de poder ser destinado ao ensino, e alem d'isso não basta haver o edificio, é necessario adquirir a mobilia e os outros utensilios indispensaveis, o que representa uma despeza que não é insignificante.

Se a camara municipal de Coimbra quizer fazer o mesmo que fez a de Villa Real, eu não tenho duvida nenhuma em decretar a creação dessa escola, de contrario hei de creal-a como estabeleci no decreto, mas ha de ser quando o fundo de instrucção primaria o permitta.

(O sr. ministro não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Manuel Fratel: - Agradece a resposta do sr.

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ministro do reino, e faz votos por que s. exa. continue no sou caminho de reformador.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o projecto n.º 28.

Leu-se na mesa. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 28

Senhores: - Tres são os factos principaes inseridos no decreto do governo de 10 de janeiro de 1895.

O primeiro é o que diz respeito a diminuição das taxas de emolumentos e sollo pela expedição do passaportes; o segundo é o que diz respeito a repressão da emigração clandestina; o terceiro é o que determina que seja destinado aos estabelecimentos de beneficencia o producto liquido da receita dos passaportes.

Sendo de importancia evidente as disposições do decreto, merece, todavia, a vossa commissão um apreço especial aquella com que o governo resolveu atacar a emigração clandestina e illegitima na sua origem, habilitando-se com os meios necessarios para poder vigiar e perseguir os engajadores e alliciadores, que, disseminados por todas as provincias do norte do paiz, exercem sobre a sua população ignorante e ingenua uma acção deshumana e malefica.

Era realmente urgente e instante a conveniencia de extirpar a intervenção maldosa e desmoralisadora de um agente interesseiro e ferozmente egoista, num facto, que, sendo fatal e necessario nas regiões de uma população muito densa e superior aos seus recursos economicos, é todavia pernicioso e nefasto, quando determinado pelas perspectivas traiçoeiras e fallazes com que os seus promotores conturbam a imaginação dos incautos.

Se muitos entendem, o entendem bem, que outras medidas indirectas se podem o devem tomar - e já foram indicadas no decreto de 2 de março de 1895 - para evitar o despovoamento das populosas e trabalhadoras provincias do norte, é certo que, empregadas com rigor e zelo as disposições d'este projecto contra os engajadores e alliciadores da emigração clandestina, e contra os que d'ella se aproveitam para se furtarem aos rigores da lei e ao cumprimento de um dever civico, o mal fica desde logo muito minorado.

A lei de meios, votada em 1891, destinando a fundação da bolsa do trabalho o producto liquido dos emolumentos dos passaportes, inspirou-se, é certo, num pensamento de justa protecção a classe operaria, mas comprometteu na origem o resultado de tão generoso proposito, por o ter ligado a um diploma legislativo temporario e de curta duração, e porque, sendo relativamente pequena a quantia annual accumulavel, o beneficio real e positivo d'esta generosa instituição, só muito tarde começaria a dar resultado.

Por isso bem andou o governo dando-lhe uma applicação beneficente de effeifos immediatos, e com a qual muito têem a lucrar desde já as classes laboriosas torturadas pelas doenças ou inutilisadas para o trabalho pela velhice.

A vossa commissão, inspirada n'um sentimento de equidade e em considerações de manifesto interesse publico resolveu alargar os beneficios deste projecto aos institutos dependentes do ministerio da marinha e ultramar.

N'este momento em que todas as attenções estão voltadas para os nossos dominios ultramarinos pelas glorias as colhidas recentemente, e pelos proveitos que d'elles se podem tirar em beneficio da sua propria prosperidade e da mãe patria, que tanto lhes quer, seria injusto não fazer partilhar das vantagens d'este projecto aquelles que se sacrificam pelo seu progresso e engrandecimento.

Outras alterações introduziu a commissão no decreto do governo com o fim de facilitar a emigração para as colonias de nacionaes e estrangeiros, como tambem para simplificar a estes o reconhecimento de identidade.

Entendeu tambem que era conveniente tirar a fiscalisação d'este serviço aos empregados dos caminhos de ferro, será ser feita por empregados especiaes e especialmente destinados a este serviço.

Mas a modificação mais importante, introduzida no projecto pela vossa commissão, é, sem duvida, a que se refere á fórma do julgamento e a penalidade a applicar aos agentes da emigração clandestina.

Convencida da inefficacia das penas existentes, como convencida está da necessidade de acabar com um mal, se se aggrava dia a dia, a commissão entendeu dever adoptar medidas de excepcional rigor, que se justificam plenamente pelas condições excepcionalmente graves do rime e dos delinquentes.

É de certo violento o remédio, mas as doenças arreijadas no organismo social não se curam de outra fórma.

E a da emigração clandestina é certamente das peores que affecta a vida economica da nação.

Feitas estas alterações no decreto do governo, a vossa commissão tem a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° As disposições do regulamento geral de policia, de 7 de abril de 1863, ácerca da saida de nacionaes ou estrangeiros do reino para o exterior, por algum ponto da raia secca, executar-se-hão nos termos dos artigos seguintes.

Art. 2.° As taxas de emolumentos e sêllo pela expedição de passaportes conferidos a nacionaes ou estrangeiros, que pretenderem sair do reino pela fronteira terrestre, são reduzidas ás seguintes:

1.° Emolumento pela expedição de passaporte a nacional, 3$000 réis;

2.° Emolumento pela expedição de passaporte a estrangeiro, 800 réis;

3.° Referenda em passaporte estrangeiro, 400 réis;

4.° Sêllo de passaporte a nacionaes, por cada pessoa 1$500 réis;

5.° Sêllo de passaporte a estrangeiro, 1$000 réis;

6.° Sêllo da referenda em passaporte estrangeiro, 1$000 réis.

Art. 3.° É gratuita a expedição de passaportes conferidos a nacionaes e estrangeiros, que pretendam sair do reino para as possessões portuguezas do ultramar.

Art. 4.° Nenhum passaporte poderá ser expedido para a saida do reino por qualquer via, terrestre, fluvial ou maritima, sem que no respectivo processo tenha sido reconhecida a identidade pessoal do impetrante.

§ 1.° O reconhecimento de identidade dos estrangeiros será feito mediante uma declaração abonatoria da auctoridade consular respectiva.

§ 2.° Os emigrantes que se dirijam para as possessões ultramarinas, ou os que saiam pela via terrestre, deverão tirar os passaportes nos governos civis dos districtos da sua naturalidade ou residencia. Os que sairem pela via maritima, mas não para os portos do ultramar, nos da sua naturalidade.

§ 3.° Pelo cumprimento do disposto neste artigo ficam respectivamente responsaveis os secretarios geraes dos governos civis ou os empregados que os substituirem e sujeitos a pena de demissão, por erro de officio, no caso de o transgredirem.

Art. 5.° Nos governos civis dos districtos de Lisboa e do Porto a expedição de passaportes para saida do reino pela via terrestre será feita a qualquer hora do dia desde as nove da manhã até ás sete da tarde.

Art. 6.° Será encarregado do serviço de fiscalisação dos
passaportes e no de repressão de emigração clandestina e pessoal que o governo julgar necessario crear para exe-

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cução d'esta lei, e dentro da verba da alinea a) do artigo 11.°

§ unico. Os empregados, a quem for commettido este serviço, exigirão de todos os passageiros, com bilhete para alem da fronteira, a exhibição dos respectivos passaportes, o contra os que não o apresentarem procederão nos termos do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril de 1863, salvo o disposto no § unico do mesmo artigo.

Art. 7.° Os habitantes da raia, portuguezes ou hespanhoes, comprehendidos na excepção do § 1.º do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril de 1863, para que possam gosar da isenção de passaportes, devem munir-se de um bilhete de livre transito, pessoal e intransmissivel, que lhes será fornecido gratuitamente pela administração do concelho do respectivo domicilio, ou do mais proximo d'este, sendo hespanhoes, e mediante abonação idonea, cujo processo tambem será gratuito.

§ unico. Será punida com a pena de demissão a auctoridade que conferir bilhete sem a abonação exigida n'este artigo, e com prisão até seis mezes os abonadores, que a fizerem, com falsidade.

Art. 8.° São dispensados da obrigação de passaportes os operarios a que se refere o artigo 25.° do regulamento para o commercio terrestre pelos caminhos ordinarios, approvado pelo convénio de 5 de julho de 1894, apresentando o documento n'elle exigido para o transito entre Portugal e Hespanha, e que no reino será conferido pelas administrações de concelho, nos termos do artigo anterior.

Art. 9.° E mantida no districto de Faro, e ampliada nos restantes districtos em favor da operarios que d'elles se costumam passar, em determinadas epochas do anno, a Hespanha para se empregarem no commercio da pesca, e nos trabalhos da agricultura, a dispensa de passaporte, nos termos a que se referem as portarias de 25 de maio de 1878 e 6 de maio de 1882.

§ unico. Esta disposição é applicavel no regresso a Hespanha dos operarios que d'ali hajam vindo a Portugal para os mesmos fins.

Art. 10.º O producto dos emolumentos pela expedição de passaportes a nacionaes e a estrangeiros será arrecadado como receita eventual nos cofres do estado.

Art. 11.° O referido producto será applicado pela fórma e ordem seguinte:

1.° 20:000$000 réis annuaes para as despezas geraes do estado;

2.° Até a quantia de 30:000$000 réis para os empregados dos diversos governos civis, pelos quaes será repartida, na proporção que for designada pelo governo em execução d'esta lei.

Da receita arrecadada, proveniente de emolumentos de passaportes, será entregue mensalmente a cada governo civil um duodecimo da respectiva quota, o qual será distribuido pelos seus empregados, pela fórma preceituada na lei de 23 de agosto de 1887 e tabella da mesma data, depois de deduzidas as despezas de expediente dos mesmos governou civis, que não sejam actualmente custeadas pelo estado.

3.º As quantias que restarem do sobredito producto serão receita privativa do ministerio do reino, para serem applicadas:

a) Até a somma de 12:000$000 réis no serviço da fiscalisação de passaportes e no da repressão da emigração clandestina;

b) Em subsidios para supprir os deficits e auxiliar o desenvolvimento dos institutos de beneficencia, dependentes do ministerio do reino e da marinha.

§ unico. A disposição do n.° 2.° d'este artigo é restricta aos actuaes empregados dos governos civis, acrescendo por isso a parte que competiria aos que de futuro forem nomeados, a verba a que se refere o n.° 3.º

Art. 12.° Aquelle que promover ou que favorecer por qualquer modo a emigração clandestina, ou que alliciar emigrantes para sairem do reino com infracção das disposições das leis em vigor, incorrerá na pena de prisão cellular de dois a oito annos, ou, em alternativa, na pena correspondente de degredo.

§ unico. Os réus incursos na comminação d'este artigo serão julgados em processo ordinario de querela, sem intervenção de jury, devendo, porém, escrever-se em audiencia os depoimentos das testemunhas.

Art. 13.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução do artigo 6.° e outros d'esta lei.

Art. 14.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 10 do janeiro de 1896. = Abilio Augusto de Madureira Bessa = Mota Veiga = Teixeira de Sousa = Costa Pinto = Figueiredo Leal = Simões Baião = Luiz Osorio = Visconde de Palma e Almeida = Magalhães Lima = Cabral Mancada = Lopes Navarro = Teixeira de Vasconcellos.

A commissão de legislação criminal, examinando o projecto de lei sobre passaportes, baseado no decreto dictatorial de 10 do janeiro de 1895, na parte que tem dependencia d'esta commissão, é de parecer que deve ser votado.

Sala das sessões da commissão, 10 de janeiro de 1896. Cabral Moncada = Teixeira de Sousa = Lopes Navarro = Carlos Braga = Abilio Bessa = Agostinho Lucio = Visconde do Banho.

A vossa commissão de fazenda é de parecer que deve ser approvado o parecer da commissão de administração publica, sob o n.° 28.

Sala das sessões, 12 de março de 1896. = Teixeira de Sousa = Cabral Mancada = Jayme de Magalhães Lima = Luciano Monteiro = Manuel Fratel = Alfredo Moraes Carvalho = Mello e Sousa = Dantas da Gama = Manuel Francisco Vargas = Teixeira de Vasconcellos.

Senhor.- O problema da emigração, tão complexo e de resolução tão difficil, justamente preoccupa o governo. Emquanto, porém, as circumstancias do thesouro não permittem pôr em pratica um plano completo e desenvolvido, em que energicas providencias de repressão se conjuguem com o melhoramento das condições sociaes, ou ainda com o aproveitamento da corrente emigratoria em beneficio exclusivo das possessões ultramarinas, julga o governo de Vossa Magestade conveniente e necessario que rigorosamente se executem n'este assumpto as leis e regulamentos policiaes, cuja falta de cumprimento, animando a emigração, não é menos prejudicial do interesse publico que da fazenda do estado. Não excede as faculdades ordinarias do governo fazer cumprir as disposições legaes e regulamentares, mas julga elle opportuno que se façam tambem algumas alterações de lei, quer no sentido repressivo, quer para tornar exequiveis as disposições legaes relativas aos que saem do paiz para o exterior pela fronteira terrestre, e ainda no que respeita a maneira de applicar receitas provenientes da expedição de passaportes.

Para consecução d'este triplice resultado importa, em primeiro logar, que se tornem exequiveis e se ponham em pleno vigor as disposições relativas aos passaportes pela via terrestre, pois que nesta parte a execução obrigatoria do regulamento de 7 de abril de 1863 veiu a ser illudida pela falta de fiscalisação, ficando assim aberta nina ampla porta aos que não podiam vencer as dificuldades, que lhes embargavam a saida pela via maritima. Reconhece, porém, o governo de Vossa Magestade, que, embora sob o ponto de vista policial nenhuma rasão haja para que a saida pela raia secca não se appliquem as mesmas disposições que se se estabeleceram e se executam para a que se effectua pela via maritima, esta será sempre a do maior numero de emigrantes, como já hoje acontece, apesar de terem livre a fronteira terrestre.

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É, pois, de justiça que taes disposições sejam menos onerosas no primeiro caso, convindo reduzir a taxa do sêllo e os emolumentos dos respectivos passaportes. Assim propomos que os emolumentos para os nacionaes sejam reduzidos de 4$800 a 3$000 réis, e o séllo de 4$000 a 1$500 réis, e para os estrangeiros, aquelles de 1^600 a 800 réis, e este de 3$000 a 1$000 réis. E por motivo que ocioso seria explanar, deve tambem facilitar-se a mais prompta expedição dos passaportes, permittindo-se que sejam conferidos nas administrações de concelho, se assim convier aos impetrantes, e que em Lisboa e Porto possam ser obtidos desde as nove horas da manhã até ás sete da tarde. Por todos estes meios se conciliara o indispensavel cumprimento das disposições em vigor com os interesses e commodidades dos passageiros, sem prejuizo, antes com vantagem, do thesouro publico, apesar da reducção das respectivas taxas, visto que até agora insignificante era a receita que se cobrava da saida pelas vias terrestres.

Não basta, porém, e a experiencia de sobejo o demonstra, suscitar a observancia de preceitos legaes ou regulamentares, embora se torne menos pesado o cumprimento das obrigações respectivas. Ainda que se torne bem expressa a prohibição de se concederem passaportes sem previa verificação da identidade pessoal dos impetrantes, e não menos definida a responsabilidade, assim dos funccionarios, que deixem preterir esta condição, como d'aquelles, que, ou intencionalmente ou por negligencia, das obrigações do seu emprego não se oppozerem a saida de viajantes sem os necessarios documentos, é indispensavel crear um serviço exclusivamente destinado não só á fiscalisação de passaportes, mas tambem a repressão da emigração clandestina nos pontos da fronteira, onde essa fiscalisação se tem mostrado necessaria.

Já hoje e em mui larga escala os emigrantes, evitando a passagem pelas localidades onde seria mais facil apprehendel-os, buscam outros pontos mais favoraveis aos seus intentos, e como, segundo o plano que temos em vista, não póde deixar de se exercer, ácerca dos passageiros nas linhas ferreas, permanente fiscalisação de passaportes, é evidente que, para o effeito de se reprimir a emigração indocumentada, ficariam mallogradas todas as providencias restrictivas, se aos emigrantes se deixasse a facilidade de as frustar nos pontos da fronteira, não servidos por linhas ferreas.

Mas não é este o unico fim a que deve destinar-se o sobredito serviço de fiscalisação especial, embora já seja de grande alcance vigiar o rigoroso cumprimento dos regulamentos policiaes e impedir a saida clandestina de emigrantes. A mesma fiscalisação deve ser incessantemente empregada na descoberta e repressão dos engajadores e de todos os que tomam parte no repugnante trafico de alliciar emigrantes clandestinos, aos quaes sem escrupulo illudem e tantas vezes impellem para a mais desditosa sorte. Esta é a fonte mais abundante e criminosa da emigração clandestina, que importa combater sem treguas, fazendo impor implacavebnente aos seus agentes a responsabilidade criminal correlativa.

Nas circumstancias actuaes inconveniente seria organisar um novo serviço de fiscalisação, a custa do thesouro publico; mas, como das medidas que propomos resultarão novas receitas, nenhum escrupulo poderia justificar a dilação de providencias tão instantemente reclamadas pelo interesse publico, e cuja falta prejudicaria igualmente a arrecadação das proprias receitas que temos em vista crear.

Quanto a applicação do producto dos emolumentos de passaportes, alem da parte attribuida a sua propria fiscalisação, 20:000$000 réis continuarão a ser destinados, em harmonia com a lei de 30 de junho de 1893, a despezas geraes do estado. Segundo a mesma lei, metade do producto dos emolumentos pertenceria aos empregados dos governos civis. Não sendo intenção do governo prejudicar os interesses legalmente creados d'estes funccionarios, mas não permittindo as circumstancias que se desviem do thesouro os augmentos de receitas provenientes das providencias agora decretadas, fixa-se, em vista da importancia do actual rendimento, na quantia maxima de 30:000$000 réis annuaes a parte do producto dos emolumentos que ficara pertencendo aos ditos empregados, para ser distribuida pelos diversos governos civis na proporção do mesmo rendimento. Pelos proprios fundamentos que a justificam, deve esta providencia restringir-se aos actuaas empregados, não podendo os que de futuro forem nomeados arguir de offensiva de direitos adquiridos a privação da respectiva parte de emolumentos, a qual acrescera assim ás sommas, a que o governo entende que se deve dar uma applicação de beneficencia publica. Por esta fórma se ira successivamente realisando uma importante economia contra a qual nenhum interesse legitimo poderá reclamar.

Não se póde duvidar que a virtude predominante em, nossos dias é a caridade, e bem o comprova a diffusão dos diversos institutos hospitalares, asylos e outros estabelecimentos de beneficencia, em que o auxilio do estado e a generosa iniciativa de tantos benemeritos abrigam e soccorrem os enfermos e os desvalidos. Infelizmente, porém, a grande numero d'aquelles beneficos institutos escasseiam os recursos para acudir a todas as miserias e infortunios, e até o estado, em rasão da crise dolorosa das suas finanças, se tem visto forçado a negar ou reduzir subsidios, que anteriormente eram concedidos a alguns d'elles. A propria crise, que tem apoucado as receitas publicas e particulares, fez augmentar o numero dos desventurados, que têem de implorar a caridade e bater ás portas dos asylos e dos hospitaes. Parece-nos, portanto, Senhor, que este pensamento de applicar a restante receita em auxilio de taes estabelecimentos, sem duvida gratissimo ao magnanimo coração de Vossa Magestade, e que será sympathicamente acolhido em todo o paiz, não carece de mais ampla justificação.

Do que levamos dito, naturalmente se conclue que das indicadas providencias restrictivas devem ficar excluidos não só os portuguezes e hespanhoes, habitantes da raia, que pelas exigencias do seu trafego, já hoje gosam isenção legal de passaporte, cujos termos convém regular, e os operarias e jornaleiros, que nos diversos districtos se costumam passar, em determinadas epochas do anno, a Hespanha ou d'ali vir, para se empregarem em trabalhos de pesca ou agricolas, mas tambem os operarios, a que respeita o artigo 25.° do regulamento de transito approvado pelo convenio de 5 de julho ultimo.

Por todas estas considerações em que, sem offensa de relações internacionaes e sem prejuizo de direitos adquiridos, sem vantagem para o estado e proveito para a beneficencia publica, se concordam com o indeclinavel cumprimento das leis e regulamentos de policia todos os interesses legitimos e attendiveis, temos a honra de submetter a approvação de Vossa Magestade o seguinte projecto de decreto.

Paço, em 10 de janeiro de 1895. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissae das Neves Ferreira = Carlos Lobo d'Avila = Arthur Alberto de Campos Henriques.

Attendendo ao que me, representaram os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições: hei por bem decretar o seguinte:

Artigo 1:° As disposições do regulamento geral de policia, de 7 de abril de 1863 ácerca da saida de nacionaes ou estrangeiros do reino para o exterior, por algum ponto da raia secca, executar-se-hão nos termos dos artigos seguintes.

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Art. 2.° As taxas do emolumentos e sêllo pela expedição de passaportes conferidos a nacionaes ou estrangeiros, que pretenderem sair do reino pela fronteira terrestre, são reduzidas ás seguintes:

1.° Emolumento pela expedição de passaporte a nacional, 3$000 réis;

2.º Emolumento pela expedição de passaporte a estrangeiro, 800 réis;

3.° Referenda em passaporte estrangeiro, 400 réis;.

4.° Sêllo de passaporte a nacionaes, por cada pessoa, 1$500 réis;

5.° Sêllo de passaporte a estrangeiro, 1$000 réis;

6.° Sêllo da referenda em passaporte estrangeiro, 1$000 réis.

Art. 3.° A reducção nas taxas de emolumentos e sêllo estabelecida no artigo anterior é applicavel aos nacionaes ou estrangeiros, que pretendam sair do reino para as possessões portuguezas do ultramar.

Art. 4.° Nenhum passaporte poderá ser expedido para a saida do reino por qualquer via, terrestre, fluvial ou maritima, sem que no respectivo processo tenha sido reconhecida a identidade pessoal do impetrante.

§ 1.° Os passaportes poderão ser expedidos tanto pelos governos civis, como pelas administrações dos concelhos, que não sejam sede do districto.

§ 2.° Pelo cumprimento do disposto n'este artigo ficam respectivamente responsaveis os secretarios geraes dos governos civis e os secretarios das administrações de concelho, ou os empregados que os substituirem, e sujeitos a pena de demissão, por erro de officio, no caso de o transgredirem.

Art. 5.° Nos governos civis dos districtos de Lisboa e do Porto a expedição de passaportes para saida do reino pela via terrestre será feita a qualquer hora do dia desde as nove da manhã até ás sete da tarde.

Art. 6.º Os fiscaes do governo nos caminhos de ferro das companhias particulares, e os revisores e outros empregados, aos quaes for commettido este serviço, nos do estado, exigirão de todos os passageiros com bilhete para alem da fronteira a exhibição dos respectivos passaportes, e contra os que não o apresentarem procederão nos termos do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril do 1863, salvo o disposto no § 1.° do mesmo artigo.

§ unico. Os fiscaes, revisores e empregados, que deixarem de cumprir o disposto n'este artigo, serão demittidos.

Art. 7.º Os habitantes da raia, portuguezes ou hespanhoes, comprehendidos na excepção do § 1.° do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril de 1863, para que possam gosar da isenção de passaporte, devem munir-se de um bilhete de livre transito, pessoal e intransmissivel, que lhes será fornecido gratuitamente pela administração do concelho do respectivo domicilio, ou do mais proximo d'este, sendo hespanhoes, e mediante abonação idonea, cujo processo tambem será gratuito.

§ unico. Será punida com a pena de demissão a auctoridade que conferir bilhete sem a abonação exigida n'este artigo, e com prisão até seis mezes os abonadores, que a fizerem com falsidade.

Art. 8.° São dispensados da obrigação de passaportes os operarios a que se refere o artigo 25.° do regulamento para o commercio terrestre pelos caminhos ordinarios, approvado pelo convenio de 5 de julho de 1894, apresentando o documento n'elle exigido para o transito entre Portugal e Hespanha, e que no reino será conferido pelas administrações do concelho, nos termos do artigo anterior.

Art. 9.° É mantida no districto de Faro, e ampliada nos restantes districtos em favor dos operarios que d'elles se costumam passar, em determinadas epochas do anno, a Hespanha para se empregarem no commercio da pesca, e nos trabalhos da agricultura, a dispensa de passaporte, nos termos a que se referem as portarias de 25 de maio de 1878 e 6 de maio de 1882.

§ unico. Esta disposição é applicavel no regresso a Hespanha dos operarios que de ali hajam vindo a Portugal para os mesmos fins.

Art. 10.° O producto dos emolumentos pela expedição de passaportes a nacionaes o a estrangeiros será arrecadado como receita eventual nos cofres do estado.

Art. 11.° O referido producto será applicado pela fórma e ordem seguinte:

1.° 20:000$000 réis annuaes para as despezas geraes do estado;

2.° Até a quantia de 30:000$000 réis para os empregados dos diversos governos civis, pelos quaes será repartida, na proporção que for designada pelo governo em execução d'este decreto.

Da receita arrecadada, proveniente de emolumentos de passaportes será entregue mensalmente a cada governo civil um duodécimo da respectiva quota, o qual será distribuido pelos seus empregados, pela fórma preceituada na lei de 23 do agosto de 1837 e tabella da mesma data, depois de deduzidas as despezas de expediente dos mesmos governos civis, que não sejam actualmente custeadas pelo estado.

3.° As quantias que restarem do sobredito producto serão receita privativa do ministerio dos negocios do reino, para serem applicadas:

a) Até a somma de 10:000$000 réis no serviço da fiscalisação de passaportes e no da repressão da emigração clandestina;

b) Em subsidios para supprir os deficits e auxiliar o desenvolvimento dos institutos de beneficencia.

§ unico. A disposição do n.° 2.° d'este artigo é restricta aos actuaes empregados dos governos civis, acrescendo por isso a parte que competiria aos que de futuro forem nomeados, a verba a que se refere o n.° 3.°

Art. 12.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução d'este decreto.

Art. 13.° Fica revogada a legislação em contrario.

O presidente do conselho de ministros, e os ministros e secretarios d'estado do todas as repartições, assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em 10 de janeiro de 1895. = REI. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco = Antonio d'Azevedo Castello Branco = Luiz Augusto Pimentel Pinto = João Antonio de Brissae das Neves Ferreira = Carlos Lobo d'Avila = Arthur Alberto de Campos Henriques.

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.° do projecto que acaba de ser lido.

O sr. Teixeira de Vasooncellos (relator): - Pedi a palavra sobre o artigo 1.° para mandar para a mesa algumas modificações ao projecto. Estas modificações teriam melhor cabimento n'outros artigos; mas, apresso-me a apresental-as já, para dar tempo á camara de poder formar opinião sobre ellas.

Acho que d'esta antecipação resulta proveito para a discussão; mas, como isto importa uma alteração do regimento, roqueiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que elle seja dispensado n'esta parte.

Assim se resolveu.

O sr. Presidente: - Visto a camara ter dispensado o regimento, póde o sr. deputado mandar para a mesa as suas propostas.

O sr. Teixeira de Vasooncellos (relator): - São as seguintes

Propostas

Modificação ao § unico do artigo 6.°:

§ unico. Os empregados a que for commettido este serviço poderão exigir de todos os passageiros com bilhete para alem da fronteira... = Teixeira de Vasconcellos.

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§ 2.º do artigo 6.° Todo o individuo que, estando sujeito ao recrutamento militar, intentar sair do continente do reino, ou das ilhas adjacentes, sem passaporte, ou fazendo não de passaporte falso, será entregue a competente auctoridade militar, depois de julgado nos termos do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril de 1863, ou cumprida a pena que lhe for imposta, nos termos do artigo 226.º do codigo penal, a fim de se lhe assentar praça, quando tenha os necessarios requisitos para o serviço militar. = Teixeira de Vasconcellos.

Foram admittidas.

O sr. Manuel Fratel: - Fundando-se nos artigos 127.° e 131.°. do regimento, manda para a mesa a seguinte proposta de adiamento:

"Proponho que a camara se abstenha temporariamente de deliberar sobre o projecto de lei n.° 28. = M. Fratel."

O orador, continuando, diz que não tem intuitos aggressivos para com a commissão, mas não póde deixar de notar que n'este projecto se trate da emigração, e apenas da emigração clandestina, como se infere do segundo periodo do relatorio, quando, no seu entender, esta questão não póde ter solução conveniente sem se resolver o problema da emigração em geral.

É por esta rasão que propõe o adiamento da discussão do projecto para occasião mais opportuna, parecendo-lhe que esta opportunidade será quando o sr. ministro da marinha apresente a sua proposta de lei para a creação de colonias agricolas e militares no ultramar. O projecto como esta, é improficuo e illusorio; seria, por isso, de toda a conveniencia reservar o assumpto para quando esteja melhor estudado.

Comparando o artigo 3.° do decreto com o artigo 3.º do projecto da commissão, vê que está, sem estudo previo, resolveu de um momento para o outro que é mais conveniente encaminhar a emigração para as colonias do que para O estrangeiro, e é com este pensamento que concede os passaportes gratuitos aos que vão para as nossas possessões.

A commissão, porém, deve saber que essa preferencia é contestada por pessoas de reconhecida competencia. Assim, Oliveira Martins considerava um erro o querer derivar-se a emigração para as colonias, entendendo que ella se devia encaminhar primeiro para alguns pontos do paiz, e depois para o Brazil.

Isto mostra a necessidade de- se meditar seriamente neste importante assumpto, antes de ser tomada qualquer resolução.

Tambem parece deduzir-se do projecto da commissão, que não é crime alliciar emigrantes para as colonias, e sim allicial-os para paizes estrangeiros. Pela sua parte tem opinião diversa. Entende que o crime é igual nos dois casos, e que, portanto, em ambos devem ser applicadas as mesmas penas.

O orador analysa em seguida as disposições repressivas do projecto, concluindo que ellas lhe parecem improficuas, porque os emigrantes, em vista das causas que os demovem a abandonar o paiz, hão de saltar, sempre que assim o queiram, por cima de todas as leis e de todos os regulamentos.

O problema da emigração não se resolve por esta fórma ; resolve-se, modificando-se as condições em que os povos vivem, e espalhando a educação e instrucção.

Declara, por ultimo, que não acceita o artigo 1.°, porque entende que os passaportes não têem actualmente rasão de ser, como se tem reconhecido nos paizes estrangeiros, onde têem sido abolidos.

(O discurso será publicado na integra em appendice a esta sessão, quando o orador devolver as notas tachygraphicas.)

Lida na mesa a proposta de adiamento, foi admittida.

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator}: - O illustre orador que acaba de fallar com a correcção e proficiencia com que estamos acostumados a ouvir, d'esta vez não foi nem muito feliz, nem muito cuidadoso em profundar a these que veia aqui apresentar-nos, e com a qual s. exa. combate os fundamentos do projecto sujeito a apreciação da camara. S. exa. foi tão rigoroso com o trabalho da commissão, que chegou até a dizer que ella o elaborou sem estudo, sem ter colhido os dados que a habilitassem a apresentar um trabalho completo, perfeito e logico nas suas conclusões, de fórma a resolver o problema, e que s. exa. julga urgentissimo, o problema da emigração. Mas quem disse a s. exa. que este projecto têem por fim evitar a emigração, regularisal-a, discriminai- de entre os que emigram aquelles que o fazem por miseria ou por ambição...

(Interrupção do sr. Fratel.)

Perdão, o projecto tem um objectivo restricto, um objectivo de um alcance moralisador e necessario a economia nacional.

O sr. Fratel: - Qual é?

O Orador: - O objectivo do projecto é supprimir ou, pelo menos, reprimir a emigração clandestina, castigando com rigor os engajadores e alliciadores d'essa emigração, e os que d'ella se aproveitam, para se furtarem ao dever sagrado de prestarem o serviço militar, como é dever de todo o cidadão portuguez. (Apoiados.)

Emquanto o illustre deputado não demonstrar que o exercito é desnecessario, que é apenas um objecto de gala, de ostentação e de luxo do estado, eu não posso deixar de considerar este projecto como essencialissimo para o robustecimento das nossas instituições militares, sobre as quaes repousam não só a conservação dos nossos dominios de alem mar, mas tambem a tranquillidade interna e respeito dos estrangeiros pela inviolabilidade do nosso territorio. (Apoiados.)

Se s. exa. acha que a missão do exercito é pequena, quando a elle incumbem funcções tão importantes, então tem s. exa. direito de se queixar de que a commissão de administração publica apresente a camara dos deputados um projecto que tem por fim evitar que aquelles que têem dever de prestar o serviço militar, fujam cobardemente, escondidamente, pelas fronteiras terrestres, para irem jogar a vida numa aventura sem probabilidades de exito, acarretando-lhes muitas vezes uma vida de dependencia vergonhosa, de miserias e desastres. (Apoiados.)

Por outro lado, como queria o illustre deputado que a commissão, n'um tão curto espaço de tempo, compulsasse todos os documentos, pesasse, com demorado exame, as estatisticas, alias deficientissimas, indagasse, investigasse e criticasse todos os elementos relativos a um assumpto tão complexo e melindroso.

O sr. Fratel: - É por isso que eu queria que não fizesse nada.

O Orador: - Peço perdão, mas eu não interrompi o illustre deputado quando fallou.

Como queria que em poucos dias a commissão apresentasse trabalho completo sobre problema tão grave e complicado, quando a commissão parlamentar, eleita em 1884, nada conseguiu em resultados praticos, depois de alguns annos de estudo e de trabalho aturado?

O que não se conseguiu depois de um largo espaço de tempo, queria o illustre deputado que a commissão conseguisse sem tempo, e sem elementos proprios de apreciação e de criticar.

É ser exigente de mais, ha de concordar, se quer ser justo. (Apoiados.)

Depois, que dependencia existe entre o projecto da commissão, tão restricto no seu objectivo, e o vasto problema de emigração geral?

Esta ninguem pretende impedil-a, seria um erro economico, alem de um perigo social. A emigração clandestina, porém, deve ser combatida por todas as formas e com a

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maior energia, por perigosa para a segurança do paiz e deprimente para o seu desenvolvimento economico. (Apoiados.)

Já vê o illustre deputado que a base da sua critica não tem rasão de ser, o que a commissão tem direito a ufana-se do trabalho que apresentou a camara, pelo que elle vale nos seus intuitos e pelos patrioticos resultados a que visa.

Supprimir a emigração legitima, seria destruir a expansibilidade natural da nossa raça com manifesto prejuizo da sua influencia na civilisação do mundo. (Apoiados.) Aniquilar a emigração clandestina é acabar com um tranco odioso e repugnante, e garantir a estabilidade dos elementos mais poderosos da defeza do paiz, e do seu desenvolvimento agricola e industrial.

Depois afigurou-se-me que o illustre deputado foi um pouco contradictorio comsigo mesmo. S. exa. chegou a condemnar a suppressão da taxa dos emolumentos dos passaportes, concedidos aos emigrantes nacionaes e estrangeiros que se dirijam para as nossas possessões ultramarinas, com receio de ver logo, no dia seguinte ao da publicação desta lei no Diario, as correntes tumultuosas o pressurosas lançarem-se de roldão sobre o convez dos vapores para irem em massa para as provincias ultramarinas.

Como admitte s. exa. que a suppressao d'esta insignificante taxa de 3$000 réis póde produzir este grande catanlysmo, que s. exa. imagina de consequencias gravissimas?

Mas então quer, ou não quer a emigração?

S. exa., que tem muito talento, sabe melhor do que eu que a emigração é a consequencia de um facto economico. A emigração é sempre a consequencia da exploração individual ou associativa de uma determinada empreza agricola ou industrial.

Onde faltar capital não ha emigrantes.

Onde não existe a offerta não ha a procura.

Quando a offerta é superior a procura dá-se a crise do trabalho, e a emigração é um facto logico e necessario.

Man quando a offerta não existe, a procura é uma hypothese irrealisavel.

Esta é a lei geral da emigração.

Logo, a suppreesão da taxa nada influe na corrente emigratoria.

A nossa acção economica, nas provincias ultramarinas é ainda muitissimo restricta. A agricultura esta ainda em cometo do desenvolvimento, e quanto a industrias, a não ser a da producção da aguardente, que tem por mercado a propria Africa, não existem outras. Ali ha principalmente a permutação de géneros de importação e de exportação, a funcção commercial. Desde o momento em que a vida economica das nossas colonias é por emquanto circumscripta a permuta dos generos importados e exportados, os que se dirigem para lá fazem-n'o, está claro, voluntaria e convictamente, e com a segurança de encontrar um emprego seguro para a sua actividade com a remuneração correspondente ao sacrificio de irem estabelecer a sua residencia n'um clima inhospito.

Imagina 3. exa. que pelo facto de se estabelecer a gratuitidade dos passaportes, vê ámanhã afastar-se a população rural da corrente estabelecida ha seculos para o Brazil, para se dirigir para a Africa, só porque o passaporte é gratuito? Suppõe s. exa. que essa corrente é cega, inconsciente e se produz por effeito de um desvairamento ou de uma suggestão? Não. A emigração faz-se sempre para os paizes ricos, de onde conste pelas estatisticas, pela propaganda da livros o pelas noticias dos jornaes o seu grande desenvolvimento economico. E então que surgem em poucos annos cidades como a de Johannesburg no Transvaal, onde ha bem pouco tempo se deram acontecimentos politicos de grande importancia. É então que n'um periodo de meia duzia de annos surgem cidades maravilhosas, onde antes disso não havia senão humilissimas povoações de pastores, que se entregavam, como unica industria, a apascentação dos seus gados.

N'estas condições, qualquer que seja o aggravamento da taxa dos passaportes, a emigração ha de estabelecer-se para lá com uma paixão decidida, sem que nada possa obstar a ella, nem mesmo a tal muralha da China, a que se referiu o illustre deputado.

Não está na mente do governo nem de nenhum cidadão portuguez, de espirito esclarecido, evitar, restringir, dissuadir sequer a emigração para o Brazil, quanto mais combatel-a por meios coercivos, ou quaesquer outros.

(Pausa.)

Vejo que o sr. Fratel esta tomando apontamentos, naturalmente por julgar que o que estou dizendo esta em contradicção com o projecto que estou encarregado de defender...

O sr. Fratel: - Isso está.

O Orador: - Peço perdão, não estou, porque não sei, nem posso confundir a emigração declarada com a clandestina. Aquella é respeitada, esta é condemnada no projecto que se discute.

Da confusão destes dois grandes elementos da emigração, é que nasce o que s. exa. chama contradicção minha.

Defendo a emigração legal e legitima, a que se faz ao abrigo do artigo 145.°, § 5.° da carta constitucional, mas combato a clandestina, porque se faz com offensa dos regulamentos policiaes, o por que causa prejuizo a terceiros.

Onde está portanto a contradicção?

Todas as nações regulam este direito no sentido de se precaver contra uma defecção que poria em grave risco a sua autonomia e o prestigio do seu nome e da sua influencia.

Medidas restrictivas para a saida do reino são impostas a todos os cidadãos que não tenham prestado o serviço militar.

Esta restricção existe em todos os paizes onde ha exércitos, e se não houvesse acontecer-lhes-ha o que acontece a Portugal: terem um exercito de officiaes, sem soldados para instruir e commandar.

Acabar com um facto tão grave como anormal, é o objectivo do projecto, e não me parece justo que elle deva ser combatido sob qualquer pretexto que seja.

É uma lei de salvação publica, é necessario votal-a com enthusiasmo.

Pois s. exa. confunde a emigração que é legitima, a que resulta da necessidade de procurar os meios de subsistencia, ou de satisfazer ambições, com a que resulta do proposito de fugir ao recrutamento?

Não sei que haja governo algum, que tenha interesse em conservar acorrentados a sua miseria, os descontentes e os famintos, que saem para melhorar de fortuna, ou para obter por um trabalho certo e remunerador os meios do subsistencia!

Pois s. exa. comprehende que haja governo que tenha algum prazer em conservar este fermento de desgosto e irritação dentro do paiz?!

Ao contrario disso; ha governos que até favorecem essa emigração, como acontece em Inglaterra.

V. exa. sabe que a questão agraria na Irlanda attingiu um caracter extremamente grave, como sabe que um dos meios de que a Inglaterra tem lançado mão para resolver o problema da pacificação da Manda, tem sido dar saida rapida a todos os descontentes, para os Estados Unidos e para as suas possessões da Australia.

E depois, é natural que considere um mal a emigração para a Africa!

Então para quem é a Africa? E para os allemães, que tendo condições ethnicas inteiramente oppostas ás nossas, lá vivem, lá commerciam, conseguindo alargar o seu do-

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minio colonial com grande vantagem para as suas industrias e para o seu commercio!

Então a Africa portugueza ha de ser para Iodos menos para os portuguezes?!

Como explica o illustre deputado as despezas extraordinarias que se têem feito para mantermos o nosso dominio colonial, senão para crear mercados para os géneros agricolas e para as nossas industrias, como tambem para a collocação do nosso excedente de população?!

Pois não são as colonias o prolongamento da energia, o prolongamento das virtudes, o prolongamento dos meios de producção e de trabalho da mãe patria o regiões outr'ora desconhecidas e hoje constituindo outros tantos patrimonios da nossa actividade fecunda e civilisadora?!

Pois não são outras tantas reproducções do nosso Portugal as terras que possuimos e civilisamos na Africa, na America, na Oceania?

Repare o illustre deputado, que a grande gloria de Inglaterra é ter creado imperios em todos os continentes do mundo.

Não somos nos seus rivaes n'este papel tão glorioso como civilisador?

Não creamos nos tambem o imperio americano? Não creamos ou não podemos crear imperio na Africa. Pois não foi nosso já o imperio da India e não deixamos vestigios da nossa passagem gloriosa em differentes pontos da Oceania?!

Pois s. exa. quer que tudo isto sirva para figurar nos nossos annaes historicos, mas nunca para estabelecermos nestas regiões a influencia da nossa raça e a collocação dos nossos productos.

Se os nossos antepassados arrostaram sem trepidar as tempestades do mar e os perigos da terra, como havemos nos de condemnar a emigração para as colonias?

O homem nasceu para viver em todo o globo; e até na opinião de muitos a unificação das raças ha de fazer-se pelo triumpho da mais forte sobre as mais fracas.

N'esta hegemonia dos povos, a nos cabe-nos um logar preponderante perante a historia.

Se é proveitoso, legitimo e bom que continue a enfraquecerem-se as forças economicas do paiz e a expor a irrisão de todos a pobreza do nosso effectivo militar, tal como esta e como noutro dia foi aqui apontado pelo sr. Marianno de Carvalho; se acham que isto deve continuar, então merece censura o projecto da commissão. Se realmente considerarmos por algum tempo, se ponderarmos na nossa rasão o espectaculo que offerece a observação de estrangeiros e nacionaes um exercito composto somente de officiaes, havemos de concordar que- este estado é vergonhoso e que deve terminar quanto antes.

S. exa. achou tambem inopportuna a discussão deste projecto porque, tendo o sr. ministro da marinha em mente apresentar uma proposta com todas as bases, elementos e disposições que são necessarias para crear colonias agricolas no ultramar, era muito melhor guardar para a discussão dessa proposta a discussão e a resolução do problema da emigração. Ora, uma cousa não tem nada com a outra, e esse argumento tem simplesmente a vantagem de mostrar que a opinião do sr. ministro da marinha não é a de s. exa.

Por essa proposta o que se vê é que o sr. ministro da marulha esta pressuroso em aproveitar o enthusiasmo, a dedicação e a boa vontade dos que acabam do prestar tão assignalados serviços em Africa, para estabelecer ali nucleos de população européa, onde o povoamento se possa realisar e perpetuar.

V. exa. que tanto se compadece da situação dos emigrantes, entende que era melhor applicar quina aos doentes que penas severissimas ao microbio que produz a doença. V. exa. sabe que o microbio é o alliciador e que a sua funcção destruidora é profundamente immoral e revoltante. (Apoiados.)

O sr. Fratel: - N'esse ponto estou de accordo.

O Orador: - Todos os povos da Europa fizeram uma cruzada contra a escravatura negra, e nós não devemos unir com penas severissimas aquelles que promovem à scravatura branca?

O sr. Fratel: - Eu não combato isso. O Orador:-Mas combateu as disposições d'este projecto e ellas não têem outro objectivo do principio ao fim. V. exa. em outro discurso póde demonstrar que eu estou em erro, tão grande é a sua intelligencia; mas o que é certo é que por emquanto a rasão esta do meu lado, porque tudo quanto ha de essencial n'este projecto não tem outro fim senão supprimir este agente voraz e egoista.

S. exa. notou tambem, ou não gostou que a commissão substituisse a fiscalisação dos empregados dos caminhos de ferro por um corpo de policia especial. Em primeiro logar esse corpo de policia especial existe em toda a parte; em segundo logar, havendo no paiz emprezas exploradas pelo estado, como as ha exploradas por particulares, e fazendo a obrigação da fiscalisação mais fortemente sobre os empregados dependentes do estado do que sobre os das companhias, as consequencias desastrosas para as linhas do estado são faceis do prever.

Foi para acautelar interesses tão importantes que a commissão tirou a fiscalisação do pessoal dos caminhos de ferro.

Fazer censuras a commissão por ter feito uma alteração ao decreto do governo com o intuito de salvaguardar os interesses das linhas do estado, é levar muito longe a má vontade contra o projecto da commissão.

O illustre deputado disse tambem que a commissão alterou de 10 para 12 contos de réis a verba destinada ao serviço de fiscalisação de passsaportes, não sabendo as rasões que ella tivera para isso - tambem s. exa. não disse a rasão porque achava bastante 10 contos de réis e achava de mais 12 contos de réis.

(Interrupção do sr. Fratel.)

Vejo que é uma questão de palpite (Riso.) A commissão levou a verba por esta simples rasão que vou expor. Tendo desapparecido um dos elementos de fiscalisação, esta claro, que tendo de crear-se um pessoal mais numeroso, a despeza tinha necessariamente de augmentar.

Alem d'isto como póde o illustre deputado achar excessiva a verba de 12 contos de réis para um serviço que demanda pessoal relativamente numeroso, e sobretudo bem remunerado para que possa ser inflexivel no cumprimento das suas obrigações?

A rasão da mudança foi esta, e a commissão não se arrependeu de a ter feito. E de resto s. exa. é o primeiro a fazer justiça ao sr. ministro do reino, julgando-o incapaz de se aproveitar deste" projecto, não para dotar o paiz com uma lei de sanidade moral, social e economica de primeira ordem, mas para gastar mais 10 ou 12 contos de réis com quem quer que seja, que venha a ser incumbido da fiscalisação d'este serviço.

Muitas considerações podia eu fazer sobre a emigração declarada e clandestina, mas não as farei para não cansar a camara, repetindo-lhe o que ella de certo melhor sabe do que eu.

E entretanto vou ler um documento bastante elucidativo sobre a fórma por que funcciona entre nos a infame industria da emigração clandestina.

Este documento foi remettido por uma auctoridade administrativa a commissão parlamentar de emigração em 1884 e aproveitado pelo eminente publicista Oliveira Martins para o seu estudo sobre o fomento agricola.

Lel-o é reconhecer a evidentissima urgencia d'este projecto; lel-o é reconhecer a inadiavel necessidade de extirpar do corpo social este cancro roedor que vae reduzindo a miseria o pequeno proprietario e lançando para fóra do paiz os seus elementos mais validos.

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A informação do administrador de Minde da Beira diz o seguinte:

Existe n'este concelho a emigração clandestina, como em quasi todos os do paiz.

Manifesta-se especialmente com os individuos incursos no recenseamento militar, para os quaes ha companhias do engajadores perfeitamente organisadas. Têem estas companhias primeiros, segundos e terceiros agentes. Em geral o primeiro agente reside em Lisboa ou Porto, tem uma escripturação perfeitamente regular para este genero de mercadoria, o encarrega-se de dirigir os engajados até ao momento do embarque. Faculta os passaportes e de todos estes serviços tem um lucro exorbitante. O segundo engajador resido na provincia, é geralmente proprietario de uma casa commercial; da sua mão recebem os engajados o dinheiro para pagarem a passagem, para o comboio e para despezas.

Em geral, como o engajado é pobre, os pães hypothecam as terras do futuro legitimo do filho e mais bens do casal, pagando os juros de taxa exorbitante, nunca menos de 10 por cento. Faz-se uma escriptura de mutuo, em que figuram como primeiros credores os terceiros agentes, escriptura cancionante de uma letra de cambio do valor do simulado empréstimo, letra que mais tarde é descontada ou antes endossada ao capitalista, segundo agente, e assim liça tudo sanado em face da lei. Se os pães do mancebo embarcado recusam pagar as 35 ou 40 libras, preço da passagem e trabalho, a letra é posta no vencimento em execução e os tribunaes judiciaes condemnam na divida e custas os devedores!

Não se julgue que ha exagero: o tribunal judicial da comarca de Armamar foi cumplice n'esta burla, no anno de 1883, na questão da viuva Anna Paes, do logar do Couto, freguesia do S. João de Tarouca, concelho do Mondim.

O terceiro engajador é o agente activo de todo o contrato; com elle tratam pessoalmente os engajados o familias.

E elle que dê ao engajador uma espécie de cheque sobre o segundo engajador e carta de recommendação para Lisboa ou Porto.

Estes agentes têem commissão de todas as companhias maritimas de transporte e uma correspondencia em regra com o agente de Lisboa.

São por toda a parte altamente protegidos pelas influencias locaes, e zombam descaradamente das auctoridades. E um negocio rendoso, que da 100 por cento de lucros semestraes.

Da fórma por que se acha organisada esta torpissima exploração, esta escravatura de carne branca, não é facil a qualquer auctoridade cohibil-a ou castigal-a.

Como a camara vê, o quadro é edificante.

Pergunto agora se o projecto de lei que se discute tem ou não tem opportunidade.

Pergunto agora se é tempo ou não de acabar com um facto social tão repugnante nos bons costumes, como do pernicioso é a economia da nação.

O illustre ministro do reino tom uma tarefa utilissima a cumprir; cumpril-a-ha, todos estamos certos disto, com a resolução, coragem e dedicação que sempre tem revelado em todos os seus actos governativos.

É esta uma missão em tudo digna do seu encendrado patriotismo e do seu elevadissimo espirito. (Apoiados.)

De grande, alcance tem sido todas as reformas saidas da iniciativa do illustre ministro; esta sobreleva a todas em importancia moral, social e economica.

Não descanse s. exa. emquanto não destruir pela raiz o maior mal de que enferma a sociedade portuguesa.

Execute o seu pensamento tão civilisador como humanitario e terá bem merecido da patria.

(O orador foi cumprimentado pelo sr. ministro do reino e por varios deputados.)

O sr. Manuel Fratel: - Parece-lhe que o sr. Teixeira do Vasconcellos, não tendo argumentos para lhe responder, procurou indispol-o com o sr. ministro do reino, com a commissão, com o exercito e com o paiz todo.

Depois de fazer ainda algumas considerações, no intuito de mostrar que ficou da pé a argumentação com que fundamentou a sua proposta de adiamento, insiste ainda em que, tendo o sr. ministro da marinha de apresentar uma proposta para a creação de colonias agricolas o militares, podia-se n'este caso tratar este assumpto com maior conhecimento de causa nessa occasião; do mesmo modo insiste em que a questão da emigração clandestina se não póde resolver sem se resolver ao mesmo tempo a questão da emigração em geral.

A camara não se illustra nada votando este projecto; e pela sua parte declara que vota contra elle.

(O discurso será publicado na integra e em appendice, logo que s. exa. restitua as notas tachygraphicas.)

O sr. Carlos Braga: - Sr. presidente, eu principio por felicitar o meu distincto amigo o sr. Fratel pelos seus brilhantes discursos e, francamente, se não estivesse convencido da rasão que assiste ao illustre deputado, e tambem meu amigo, o sr. Teixeira de Vasconcellos na defeza d'este projecto, bastar-me-ia ouvir a palavra eloquente do s. exa. para ficar, senão convencido, pelo menos disposto a inclinar-me para a sua opinião.

O sr. Fratel, por cujo talento professo a maior consideração, n'um dos seus discursos referiu-se ao meu illustre amigo o sr. abbado de Maximinos e ao meu insignificante nome, na occasião era que disse que, pela sua parte, estava disposto a votar uma proposta, se o gr. ministro da marinha a apresentasse, no intuito de restabelecer as missões religiosas no ultramar. Deixe v. exa. que eu antes de tudo me de, a mim proprio os parabéns o a todos os que julgam que é conveniente o estabelecimento d'essas missões, por ver s. exa. disposto a adoptar este principio que eutemio necessario, indispensavel mesmo para uma boa administração colonial.

E posto isto, permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu apresente brevissimas considerações sobre este projecto, tão breves quanto é certo que por isso que com elle concordo na generalidade, estava longe de pensar que entraria na sua discussão, se não fosse para ella directamente chamado, por uma amavel referencia do illustre orador que me precedeu. O sr. Fratel nos dois discursos que proferiu, ou antes, no segundo, distanciou-se da opinião que tinha emittido no primeiro. No primeiro disse s. exa. que entendia que a disposição do artigo 12.º se referia não aquelles que favorecessem por qualquer modo a emigração, mas aquelles que pretendessem elles proprios emigrar clandestinamente; no segundo s. exa. modificou a sua maneira de pensar a tal respeito e declarou...

(Interrupção do sr. Fratel, que não se percebeu).

Estou agora, como v. exa. estava ha pouco, quando, respondendo ao aparte do sr. Teixeira de Vasconcellos, disse, que tinha tomado as suas notas e que folgava muito que s. exa. lhe fizesse aquella interrupção, visto isso ser signal do que já estava arrependido d'aquillo que tinha dito primeiro. É precisamente o que respondo agora a v. exa.

Mas, continuando, sr. presidente, dizia eu que, no segundo, s. exa. modificara a sua maneira de ver a tal respeito e apenas se insurgira contra a gravidade da pena que n'esse artigo é imposta, aos engajadores. Ora, sr. presidente, se. eu divirjo do s. exa. e do projecto é apenas, fóra outros pequenos incidentes, por achar pequena essa penalidade, porque, se quem realmente não conhecer a tristissima situação em que se encontram as povoações do Minho, só quem não conhecer a fórma como os agentes da emigração clandestina desempenham o seu nefasto papel n'essas povoações, é que póde talvez achar mau, que n'este projecto se lhes applique uma pena severa que tenda a supprimir a escravatura da carne branca. (Apoiados.)

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O sr. Fratel censurou ainda o projecto por n'elle se encontrar esta disposição, que alias, do mal o menos, teria melhor cabimento no codigo penal.

V. exa. comprehende que era realmente preferivel que essas penas fossem impostas no nosso codigo penal, mas desde que o codigo está promulgado e em execução, desde que as suas disposições, excepto nesta parte, correspondem ás necessidades do momento, não vejo um motivo imperioso que obrigue a derogar essa lei, onde alias similhante crime já se achava prevenido.

Reconhece-se agora a urgente necessidade de se impor uma pena mais grave a estes promotores d'essa emigração, entendo, e commigo supponho, toda a camara, que é no projecto que neste momento discutimos e que respeita a emigração, a occasião propria para se lhes impor uma penalidade, que reprima severamente aquelles que abusam da desgraçada situação dos rapazes, que muitas vezes estão perturbados pelo receio do serviço militar e que, aproveitando-se d'esse estado de perturbação, os vão arrancar ao seio de suas familias, para os mandar a quasi todos para o Brazil, onde infelizmente, a maior parte d'elles morre, ainda antes de ter conseguido alcançar os meios de subsistencia com que contava e antes de ter conseguido auferir uma fortuna que os ponha ao abrigo das suas necessidades.

Estou habituadissimo a ver em Braga, na minha terra, e folgo n'este momento em dizer que sou de Braga, a cidade catholica, por excellencia, deste paiz, para justificar a opinião do sr. Fratel, quando disse ha pouco que concordava commigo e com o sr. abbade de Maximinos na questão das missões do ultramar.

O sr. Fratel: - Eu não disse que estava de accordo com o sr. abbado de Maximinos nem com v. exa. na questão das missões! Não me comprometti.

O Orador: - Sinto profundamente que s. exa. não queira comprometter-se, mas julguei que s. exa. nos tinha dito, ibto ha pouco, e pelo menos fiz identica asseveração ao começar esta, resposta, sem que então s. exa. me interrompesse como agora.

(Pausa.)

Vejo porém que foi engano, e é uma grande magua que levo desta sessão, porque a palavra do sr. Fratel e o seu enorme talento, comprovado por varias vezes nas discussões em que tem entrado n'esta camara, seriam para nos uma grande esperança de ver estabelecidas as missões religiosas no ultramar, e de ver resolvido assim por esta fórma o nosso problema colonial.

(Pausa.)

Dizia eu, porém, sr. presidente, que estou habituadissimo a presenciar em Braga, na minha terra, por altas horas da noite, seguirem carruagens pejadas de rapazes, que illudidos com falsas promessas, se resolvem a emigrar, levando ainda nas faces, bem gravados, os beijos da despedida, e o coração em luto, vertendo lagrimas de sangue ao pensar na terra que deixaram, e quem sabe se só tarde ou nunca tornarão a ver! Quem, como eu, repito, tem presenciado este horroroso quadro, duvida alguma póde ter em votar este projecto; o já que por incidente me referi a disposições d'elle com que não estou intimamente conforme, deixe-me v. exa. ao menos apontar uma d'aquellas com que por fórma alguma posso concordar.

É, sr. presidente, na parte em que se dispõe que a mesma pena que se applica aos promotores da emigração, incida tambem sobre aquelles que por qualquer modo favoreçam a mesma emigração. Pois que? Tanto ha de applicar-se a prisão cellular ao individuo que allicia rapazes para emigrar, como, por exemplo, ao cocheiro a quem mandam guiar o carro que os transporta até a raia, ou ao barqueiro em cujo bote deixará o paiz?!

V. exa. comprehende que tal não podia ser o pensar da illustre commissão, mas, quer o fosse, quer não, o certo é que tal podia ser a interpretação que se desse nos tribunaes a fórma como o artigo se acha redigido, o que faria chorar lagrimas de sangue a figura, sempre austera, da justiça! Em todo o caso, deixo a este respeito, como a respeito de mais alguns pontos, de fazer, por agora, as considerações que a hypothese me suggeria, e deixo essas considerações para quando na especialidade se discutir este projecto, com o qual estou, na generalidade, inteiramente conforme.

Agradeço a v. exa. e a camara a estremada benevolencia com que se dignou escutar-me, e termino imputando ao illustre deputado e meu amigo o sr. Fratel a responsabilidade de me haver feito intervir n'um debate, para o qual me não preparara, e para o qual me não chamavam conhecimentos especiaes sobre o assumpto.

Vozes: - Não senhor, não apoiado.

O Orador: - No entretanto, creio ter deixado ligeiramente explicada a rasão por que dou o meu voto a generalidade do projecto, e resta-me apenas felicitar o nobre ministro do remo por s. exa. ter dado ensejo, com o seu decreto dictatorial sobro passaportes, a que a camara se occupasse de um problema tão grave e tão importante como este, que interessa a toda a nação, e mormente ás provincias do norte do paiz.

Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Mello e Sousa: - Serei breve nas minhas palavras, não só porque o assumpto está largamente discutido pelos illustres oradores que me precederam, mas especialmente porque o projecto foi brilhantemente atacado pelo sr. relator.

S. exa. disse nos que a Inglaterra devia a sua grande preponderancia, o seu grande valor, o seu poderio, a emigração. Se isso é assim, se esse paiz é aquelle de onde mais se emigra, e se a esse factor essencialissimo e importante é que elle deve em grande parte a sua força, este é o argumento mais forte, mais vehemente, mais positivo, que se póde apresentar contra o projecto.

Disse o sr. relator que o projecto tende apenas a coagir, a contrariar, a emigração clandestina. Esta emigração clandestina, porém, só póde existir onde a emigração é prohibida, e portanto se é a emigração que a Inglaterra deve o seu poderio é porque a não prohibiu.

A emigração é, por consequencia, um bem, e se não póde existir clandestinamente senão onde realmente é prohibida ou difficultada, o projecto não tem rasão de ser e por isso eu disse que elle tinha sido brilhantemente atacado pelo sr. relator.

S. exa. ri-se, mas é evidente que a emigração clandestina só apparece onde a emigração é prohibida, e se s. exa. reconhece que a emigração é tambem, não deve querer difficultal-a, tanto mais que quanto mais dificultar a emigração em geral, mais desenvolvera a clandestina.

Evidentemente, portanto, não ha rasão pata que o projecto não seja apreciado com mais vagar e para que não deva ser adiada a discussão deste assumpto, como propoz o illustre deputado, o sr. Fratel.

O sr. Teixeira do Vasconcelloa, com os seus conhecimentos variados e vastissimos, adduziu varios argumentos no intuito de defender o parecer, mas a verdade é que todos elles não serviram senão para o combater, e o proprio officio do administrador que nos diz qual é o systema dos engajadores e o processo complicado em fianças, letras, e não sei que mais, tendes contrariar o projecto. Se tudo isto existe é porque é difficultada a emigração, é porque o estado vae crear o engajador, pois se não houvesse difficuldades para a emigração, evidentemente não havia o engajador.

Se não se exigisse uma cifra grande pela remissão do serviço militar, de que muitos querem fugir, e ao que já o sr. relator se referiu; se se praticasse como nos paizes mais adiantados do que o nosso, evidentemente não poderia existir o mister de engajador, porque não valeria a

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pena pagar a este 10 ou 15 libras, se o estado não exigisse quantias superiores. O engajador é, portanto, creado pelas dificuldades dadas a emigração.

É, pois, evidente que o pretexto de reprimir a emigração clandestina não tem rasão de ser, porque este assumpto prende-se com o problema geral da emigração, como muito bem disse o illustre deputado, o sr. dr. Fratel, e não se póde resolver senão conjunctamente. (Apoiados.)

Nos paizes em que este assumpto tem sido tratado e onde têem sido postas em vigor medidas de repressão as mais violentas, como a Allemanha o a Italia, em que ha o maior empenho em que não saiam de lá os mancebos que podem servir no exercito, na Allemanha e na Italia tem-se abandonado positivamente essas medidas, porque não havia moio de obstar a que a emigração se realisasse. E v. exa. sabe se a Allemanha e a Italia não estarão em melhores condições de poder difficultar e impedir essa emigração do que Portugal com esta verba de 12 contos de réis.

O cordão sanitario custou milhares de contos de réis e apesar d'isso passaram cargas de contrabando; agora, com 12 contos de réis, pretende-se impedir que passem a fronteira de Portugal os individuos que querem emigrar. Não ha meio de poder sustentar, que com 12 contos de réis se póde impedir de sair da fronteira, e note v. exa. que ninguém vae tomar um comboio para sair de Portugal clandestinamente.

Por occasião do cordão sanitario só não passou quem não quiz, e até houve casos muito fallados!

O sr. Marlanno de Carvalho: - Não era em comboio e não era muito caro.

O Orador: - Não era, não.

É evidente que a tal emigração clandestina não se póde evitar com este projecto, que ninguém póde sustentar nem defender, e se se podesse evitar, não era com o estabelecimento de passaportes. (Apoiados.)

A Russia é o unico paiz onde existe este systema, e na Alsacia e Lorena, onde foram estabelecidos os passaportes para difficultar aã transacções com a França, a Allemanha teve de os abolir porque era impossivel fazer uma fiscalisação regular.

Na Russia fiscalisa-se, e é a unica fórma de fiscalisar efficazmente, por meio do estabelecimento de um cordão na fronteira, o que custa muitissimo mais de 12 contos de réis. Chega um comboio, colloca-se um soldado a cada porta, tres ou quatro officiaes examinam o comboio, passando os passageiros os passaportes para a mão de um d'elles. Quem não tem passaporte vae para a cadeia, sem mais processo. Não basta, porém, mostrar o passaporte, é preciso verifical-o, porque assim como apparecem bilhetes do americano falsificados, podem tambem apparecer passaportes. Essa fiscalisação leva tempo. A partida do comboio esta marcada, por exemplo, para as nove horas e meia, e se não houve tempo de verificar todos os bilhetes, partiu com tres ou quatro passageiros cujos passaportes estavam verificados, e os outros ficaram.

Eis o que é a fiscalisação dos passaportes terrestres, e não póde ser de outra fórma.

N'este projecto o que eu acho peior do que tudo é o poder-se exigir o passaporte. Se eu soubesse que me exigiam, muito bem, mas dar a faculdade de se poder exigir ou não, isso é que eu não acho conveniente, porque sabendo que é facultativo, vou sem elle, mas chego a estacão, tenho a infelicidade de um empregado embirrar com a minha cara, pede-me o passaporte, não o tenho, e o resultado é que em vez de seguir viagem vou para a cadeia, sem mais processo.

Note-se ainda que no projecto não se estabelece uma condição essencialissima, o é que os passaportes terrestres, devendo ser exigidos na saida, devem sel-o respectivamente na entrada, alias seria uma ratoeira, um guet-apens para o estrangeiro, que não tem obrigação de conhecer as nossas leis e que vae sem passaporte para toda a parte do mundo, excepto para a Russia, mas ahi explica-se, é por medo dos nihilistas e não para obstar á emigração.

Nos ao estrangeiro não exigimos passaporte a entrada, mas a saida diz-se-lhe que ha de reconhecer a sua identidade, indo ao consul para a certificar. Eu, que tenho viajado, sei o que querem dizer estas palavras reconhecer a identidade. O viajante vae ao consul e pede-lhe para reconhecer a sua identidade perante as auctoridades portuguezas. Quem é o senhor? Pergunta o consul.

Eu sou seu compatriota.

Que documentos tem?

Elle que não previra a possibilidade de uma tal exigencia não se muniu com os documentos para apresentar ao cônsul, e se tem de sair no dia seguinte do paiz para tratar do um negocio urgente, ou se veiu só por dois dias para fazer uma transacção importante e realisada essa transacção se quer ir embora, não ha meio de o conseguir com rapidez, porque tem de pedir por telegramma, ou quaesquer outros meios, os documentos que provem a sua identidade ás auctoridades portuguezas. E se for um cidadão francez não sei como, estando cá, poderá obter a carta de identidade, porque essas cartas em Franca têem a photographia e a assignatura do individuo. Nesse caso não póde sair, ou então tem de se sujeitar a que os empregados embirrem ou não com elle. Se não embirram sae, se embirram vae para a cadeia. Não ha outro meio de se sair d'aqui.

A respeito das penas impostas aos engajadores que são sustentados pelo estado, porque se difficulta a tal emigração, que o sr. relator acha que é um bem, que deu força e poder a Inglaterra, eu perguntarei se s. exa. julga que haverá no nosso paiz, se esta lei vigorar, quem seja condemnado na pena do prisão cellular de dois a oito annos por ter alliciado ou engajado individuos para irem para fóra do reino?

Com franqueza, diga-me s. exa. conscienciosamente se julga que haja um juiz que condemne um engajador n'esta pena.

Em primeiro logar onde esta a prova provada de que foi elle quem seduziu o homem? Esta seducção do engajador é uma cousa original.

O engajador não seduz nada; exerce o seu mister, que o estado lhe conserva creando uma taxa superior de remissão do serviço militar, que elevou do 40$000 a 50$000 e a 80$000 réis. Se o estado não levasse nada, se elle regulasse a emigração, se fizesse o que o sr. relator disse, atacando o projecto, que era, em logar de difficultar os passaportes, exigindo sêllos, vistos e não sei que mais, ter uma fiscalisação estabelecida de fórma a saber onde esta o individuo que saiu do reino, como se faz n'outros paizes, e quando elle se encontra poder chamal-o, sob pena de elle perder os seus direitos de cidadão portuguez quando pão venha, obter-se-ia melhor resultado.

Este é que era o verdadeiro principio. Não direi que de sempre resultado, mas o que está no projecto não dá nunca.

A mim não me parece que só possa sustentar que por este projecto se póde cohibir a emigração clandestina, e tambem não me parece que com 12 contos de réis se possa fazer a fiscalisação na fronteira.

Para bem do paiz eu pedia que os passaportes por via terrestre fossem eliminados, sobretudo para os estrangeiros, porque, notem v. exas., que ás nossas praias concorrem centenares de familias hespanholas, e se se lhes exigir passaportes isso causa um grande prejuizo ao paiz, e commette-se um grave erro.

Se se quer arranjar receita para a beneficencia publica, como parecia ser uma das idéas principaes do illustre ministro do reino no relatorio que acompanhava o decreto, eu direi que ha muitos moios de se arranjar essa receita.

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O sr. Presidente: - Peço licença ao sr. deputado para lhe observar que essas observações terão mais cabimento quando se discutir o artigo respectivo.

O Orador: - Eu não fallo agora em nenhum artigo especial, estou fallando sobre o projecto em geral; mas se a camara entende que não devo fallar, calo-me.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Pelo regimento não ha generalidade, ha a especialidade, mas em vista da manifestação da camara póde v. exa. continuar.

O Orador: - Dizia eu que havia muitos meios de crear receita. E um principio ausente em questões de finanças que o imposto deve, tanto quanto possivel, sor lançado por fórma que não ponha o contribuinte em face do fisco. Se v. exa. tem tirado passaportes sabe o que isso o, principalmente se os tem tirado por mais de uma vez e teve a infelicidade de declarar que já os tirou, porque n'este caso vão-se procurar todas as datas. E um processo que póde levar dias e o individuo não sae quando desejava. Eu, que já tenho tirado muitos passaportes, tenho dito sempre que nunca tirei nenhum, mas agora não é facil, porque já sou conhecido. Mentia, para não estar tres ou quatro dias a espera que se formulasse o processo.

Tinha eu dito que se querem crear receita o meio é facilimo. Arranjem uma taxa de residencia, como ha em alguns paizes, taxa insignificante, minima sobre o movimento dos hospedes nos hotéis. 200 ou 500 réis, por exemplo, que nada custa, que é paga sem o individuo saber e rende dezenas de contos de réis. Esta fórma não tem a desvantagem de collocar o contribuinte em face do fisco, porque é o dono de hotel que cobra o imposto incluindo-o na nota da despeza.

Ha ainda outro meio: exija-se uma sobretaxa insignificante no bilhete para alem da fronteira, 1$000 réis por exemplo, porque quem compra bilhete para Madrid, Cadiz ou Sevilhaeo gasta 14$000, 16$000 ou 18$000 réis, que é emquanto póde importar o bilhete de passagem, gasta mais 1$000 ou 2$000 réis.

Aqui têem um imposto que da uma receita para a beneficencia publica, sem que o contribuinte perceba que fez esse pagamento, e quando o perceba, conhecendo o fim a que é applicado, deve ser-lhe agradavel. A assistencia publica em França recorre a este meio, obtendo assim uma receita de milhões de francos.

Parecia-me isto mais vantajoso do que reproduzir-se a lei de 1863, que não tem sido cumprida, e é exactamente o que ha de acontecer a esta, mas que tem o gravissimo inconveniente de se dizer lá fóra que em Portugal foram estabelecidos os passaportes terrestres.

Eu tenho a certeza absoluta de que esta lei não é cumprida; mas votada ella ha de dizer-se lá fóra que Portugal se equiparou a Russia.

Tenho dito.

(O orador neto reviu as notas tachygraphicas)

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Não quero deixar da dizer algumas palavras nesta discussão, sobretudo porque tenho visto accusar a commissão de responsabilidades que, integralmente, a quem pertencem é ao governo, e dentro do governo a mim proprio. Eu não gosto nunca de declinar responsabilidades, e principalmente quando ellas nascem da consciencia de ter praticado o bem em favor do meu paiz.

Preciso, porém, fazer desde já uma declaração, é que este projecto não introduziu nenhuma innovação nas nossas leis. É preciso saber-se o que tinhamos e ver o que o governo fez e propoz, para depois se julgar com perfeito conhecimento de causa.

O que tinhamos era uma lei antiga, mas não tão antiga que fosse do seculo passado, como parecia querer fazer suppor o sr. Fratel; era uma lei de 1863, em virtude da qual existia a necessidade de passaporte para a saida do reino, quer pela via maritima, quer pela fronteira terrestre.

As taxas desses passaportes foram estabelecidas, tanto a do sêllo como a de emolumentos, em 1863, e de então para cá successivas camaras, a proposito da lei do sêllo, foram augmentando d'essas taxas.

De ha muito, portanto, que ha passaportes sem que ninguem tivesse nunca levantado quaesquer idéas, no sentido de se acabar por completo com os passaportes e deixar sem regulamentação de espécie alguma a nossa emigração.

O que existia com relação a distribuição dos emolumentos de passaportes era, uma parte, uns 20 ou 30 contos de réis, pertenciam a fazenda, como receita do estado, isto nos ultimos tres annos, e o resto era distribuido pelos empregados dos governos civis.

Esta era a legislação que existia.

Ao mesmo tempo, e coincidindo com esta lei, existia uma outra cousa que é indispensavel tambem considerar, para se poder julgar com perfeito conhecimento de causa o assumpto que se discute, e era que o numero do recrutas que tem sido possivel obter nos ultimos annos, tem decrescido constantemente de anno para anno, de uma maneira importante, até ao ponto de que, continuando este decrescimento, se poderá dizer que não ha maneira nenhuma de ter exercito, nem de o renovar. (Apoiados.)

Eu, se por acaso imaginasse que sobre esta parte do projecto haveria uma tão longa discussão, podia ter trazido numericamente demonstrado o que acabo de referir, quer dizer, que de anno para anno o numero de recrutas tem diminuido constantemente.

Isto, que já era um mal, aggravou-se ainda pela seguinte circunstancia. Nos districtos do sul onde, por motivos de ordem economica, não ha emigração, o recrutamento faz-se sempre por completo ou quasi por completo (Apoiados.), e nas provincias do norte, onde a emigração se faz, quasi se não apuram recrutas.

Isto da em resultado acontecer como agora aconteceu com a expedição que foi a Africa, que, quasi por completo, foi composta de transmontanos, beirões e algarvios. Foi esta gente quem fez a guerra.

V. exa. comprehende que um tal estado de cousas não póde continuar e que, estando reconhecido que é da emigração feita pelos individuos que estão proximos a entrar no serviço militar, que resulta esta falta de elemento para a composição do exercito, é necessario dar-lhe remedio que não é o que foi apresentado aqui pelo sr. Mello e Sousa, marcar-se uma remissão minima, porque isso daria em resultado todos a pagarem e não haver depois quem viesse para as fileiras.

O remedio, portanto, não e lançar mão de medidas que não dêem resultado, é procurar evitar quanto possivel á emigração, e isso só se póde conseguir por meio dos passaportes exigidos, sem nenhuma excepção.

O que esta neste projecto, é o que já existia na lei dos passaportes. Não se exige passaporte a pessoa alguma que pela lei em vigor não esteja obrigado a apresental-o, por consequencia, não se fez senão manter o que já estava estabelecido.

Em relação a taxa dos passaportes o que fez o governo? Diminuiu importantemente o seu custo na proporção que se vê no relatorio que precede o decreto, e que vou ler a camara:

"Assim, propomos que os emolumentos para os nacionaes sejam reduzidos de 4$800 a 3$000 réis, e o sêllo de 4$000 a 1$500 réis, e para os estrangeiros, aquelles de 1$600 a 800 réis, e este de 3$000 a 1$000 réis."

Parece-me, portanto, que nesta parte nem o governo, nem a commissão, estabeleceu disposição alguma que possa afugentar a entrada de estrangeiros, nem embaraçar o movimento natural que o commercio, a industria e mesmo o prazer possa produzir na população do paiz.

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Que fez mais o governo? Em logar de deixar que a receita importante que provinha dos passaportes, da qual 20 ou 30 contos de réis eram para o estado e o resto era distribuido pelos empregados dos governos civis, fosse assim distribuida, estabeleceu que o estado continuasse a receber o mesmo que já recebia; que aos empregados dos governos civis se distribuissem 30 contos de réis em duodecimos e que, do restante, uma parto fosse empregada na organisação do corpo de fiscalisação da emigração clandestina, e a outra constituisse um fundo de beneficencia para o ministerio do reino distribuir poios estabelecimentos respectivos.

Os resultados praticos que se têem tirado d'este decreto, na parte que teve execução, foram que o governo nada perdeu, que os empregados dos governos civis receberam 30 contos de réis, e apesar de n'este paiz haverem grandes reclamações quando se toca nos vencimentos de quem quer que seja, pois os consideram como uma propriedade intangivel e inatacavel, não houve grandes reluctancias, e o estado tem neste momento arrecadados não só 10 contos de réis para as despezas de fiscalisação, mas mais 74 contos de réis, que vão ser distribuidos pelos estabelecimentos de beneficencia.

Esta foi a unica parte do decreto que se executou, porque tendo-se levantado reluctancias, e tendo esse decreto o ser sujeito a apreciação do parlamento, eu entendi que devia aguardar esssa revisão, para lhe dar execução conforme a camara o entendesse.

Não só fizeram novas exigencias, não se modificou a pratica estabelecida com respeito aos passaportes, e só depois da resolução da camara é que o governo procedera. Entretanto, o que resultou da pratica deste decreto foi, como já disse, existirem arrecadados 10 contos de réis para a fiscalisação e 74 contos de réis para serem distribuidos pelos estabelecimentos de beneficencia.

Dito isto, vejamos as impugnações que se têem feito, os fundamentos que ellas podem ter, e as vantagens ou desvantagens que resultariam de acceitar as idéas do projecto.

É muito bom dizer que a emigração fortificou a Inglaterra; é muito bom dizer que a nossa melhor colonia foi o Brazil, por causa da emigração, mas o que eu acho é que não é a proposito de assumptos desta natureza que se podem apreciar questões do tal importancia. Querer sobre estas bases propor o adiamento do projecto para quando se resolva a questão da emigração em geral, é o mesmo que deixar isso para as kalendas gregas.

Umas poucas de commissões parlamentares têem sido nomeadas para estudar este assumpto, têem manuseado, julgo eu, com mão diurna e nocturna, o que no paiz e no estrangeiro ha de melhor sobre o assumpto, e a respeito do medidas saidas da iniciativa d'essas commissões para combater ou regular a emigração, não conheço nada.

O adiamento, portanto, a sor acceito, seria absolutamente indefinido, indeterminado, sem limitação de tempo.

O facto é, como já tive a honra de dizer a camara, que de anno para anno os recrutas que deviam servir no exercito escoam-se em grandissima parte por meio da emigração clandestina.

Dizem os illustres deputados que não ha maneira nenhuma de atacar a emigração, nem ha repressão possivel, e que se no tempo em que se estabeleceu o cordão sanitario não deixava de entrar e sair quem queria, como é que com 12 contos de réis se póde organisar uma fiscalisação em ordem a tomar effectiva a repressão da emigração. O que prova de mais, nada prova. Porque quando houve o cordão sanitario entrava e saia quem queria, saindo isso até muitissimo barato, como disse o sr. Marianno de Carvalho, haviamos do chegar a conclusão de que a fiscalisação era impossivel? Então para que serve, por exemplo, a fiscalisação das alfandegas? Para não haver contrabando nenhum, nem descaminho de direitos?

Não, porque não se acaba com isso por completo, mas para que o numero de casos seja o mais reduzido possivel. (Apoiados.)

Póde alguem contestar que a melhor maneira do acabar com os crimes é dar educação moral e intellectual a todos, do modo que, polo raciocinio, cada um se convença de que não ha cousa peior do que commetter um crime, mas obtido esse resultado não seria necessario policia, nem juizes, nem codigo penal, para prender, condemnar e impor penas aos criminosos? (Apoiados.)

Em uma das sessões passadas, quando aqui se discutiu uma medida excepcional, para casos tambem excepcionaes, houve quem sustentasse que esse meio de repressão não dava resultado algum. Ora, eu pergunto a camara, se não se empregarem meios de repressão, que meios se hão de empregar? Eu não conheço outros meios senão a preparação, a força de tempo, de medidas muito complexas, em ordem a, tratando-se de factos moraes, determinar as consciencias em sentido diverso, e tratando-se de factos economicos, modificar as condições economicas do paiz.

Se não houvesse a exigencia do passaporte, e se não se estabelecessem disposições repressivas, todos aquelles que hoje emigram clandestinamente para fugir ao recrutamento militar continuariam a emigrar livremente, assim como todos os que ainda hoje são contidos por medo das leis ou por falta de meios para poderem ser auxiliados pelos engajadores; e então se já hoje temos pouco recrutas, amanhã não teremos absolutamente nenhuns. (Apoiados.)

Quando uma argumentação leva a tal resultado, embora adduzida com muito boa fé e muito boas intenções, não polé evidentemente ser admittida como principio do resolução por um corpo legislativo. (Apoiados.)

Falta demonstrar agora se com a verba descripta no projecto se póde com efteito conseguir alguma cousa no sentido de reprimir a emigração clandestina.

Se o governo tivesse em vista organisar luxuosamente um corpo de fiscalisação e aproveitar-se do ensejo para contemplar quaesquer amigos ou clientes na distribuição de logares pingues, nada melhor do que annuir a algumas impugnações que se têem feito ao projecto e dizer a camara que se é pouco proponham mais. Eu, porém, não quero mais, ainda mesmo que a camara entendesse que mo devia dar, porque não tenho em vista organisar como que um cordão sanitario. Não é na fronteira que se ataca a emigração clandestina.

Ha duas especies de emigração clandestina, a que leva o individuo, por sua propria iniciativa, a sair do paiz por qualquer motivo, para fugir a penalidade que sobre elle está imminente, por ter commettido um crime, ou para se furtar ao recrutamento militar, e essa realmente não ha maneira de a evitar, porque não é possivel estabelecer na fronteira uma fiscalisação tão rigorosa que possa impedir os individuos de fugirem e prendel-os, e outra que é a promovida pelos agentes encarregados, por um lado, de alliciar emigrantes para o estrangeiro, e por outro de facilitar a emigração aos individuos que por qualquer facto anormal se querem afastar do paiz. Esta emigração é que é a mais importante.

Como disse o sr. Teixeira de Vasconcellos e o sr. Carlos Braga, o engajador explora a repugnancia que ha no norte do paiz pelo serviço militar, illudindo, sem escrupulos, os emigrantes e impellindo-os tantas vezes, como se diz no relatorio, para a mais desditosa sorte.

São esses agentes de emigração clandestina que é possivel atacar, desde que se estabeleça uma fiscalisação especial, perfeitamente reservada e secreta, destinada, não a estar na fronteira, o que seria impossivel, mas para com o auxilio das auctoridades dependentes do ministerio do reino, impedir que esses agentes exerçam o seu mister, e prendel-os quando descubram que aliciam emigrantes.

Disse o sr. Mello e Sousa que esses engajadores não seriam castigados.

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Ora, eu posso dizer a s. exa. que ainda recentemente foram castigados dois, e castigados pelo jury. Mas, diz s. exa., como as penalidades que se estabelecem são excepcionaes, os juizes hão de ter duvidas em as applicar. Esta penalidade é assim grave o severá, para impor ao engajador o receio de se collocar na situação de lhe ser applicada tão grave pena.

Eu conheço bem o meu paiz e tenho observado que, em certos casos, os exageros de penalidade dão mais resultado do que a applicação de pequenas penalidades.

Sendo organisada a fiscalisação, segundo as bases geraes que acabo de apontar a camara, não digo que se consiga acabar completamente com a emigração clandestina, o que é impossivel, mas ha de ser reduzida de um modo importante. (Apoiados.)

A ordem de idéas a que obedeceu o governo decretando esta medida, e a commissão convertendo-a em projecto, foi, por um lado, atacar a emigração clandestina pelo mal que esta fazendo a organisação do exercito, sem prejuizo dos legitimos interesses dos empregados, e por outro, angariar meios importantes para os estabelecimentos de beneficencia dependentes do ministerio do reino.

Quanto aos estrangeiros, como medida de excepção, salvo motivos excepcionaes de ordem publica, concordo em que sejam dispensados de apresentar passaporte, tanto a entrada como a saida do paiz.

Desde que faço esta declaração, escusa de haver o receio de que ámanhã se propale no estrangeiro que Portugal estabeleceu o regimen dos passaportes como existe na Russia.

Não tenho duvida em acceitar uma proposta nesse sentido, por isso que não vem contrariar ou affectar a ecomomia do projecto, tanto no ponto em que elle cohibe a emigração como n'aquelle em que cria receitas, resalvando todavia o caso em que motivos do ordem publica, bastante graves, determinem o governo a querer toda a vigilancia sobre as entradas e saidas no paiz. Deve, portanto, ficar auctorisado o governo, como medida de excepção, a decretar essa vigilancia quando a julgue necessaria.

As rasões por que n'este projecto se exigem os passaportes pela via terrestre, não é para executar as disposições da lei de 1863 com mais rigor do que se executava até aqui, e que nenhuns embaraços tem trazido ao commercio nem a industria; a rasão por que é preciso inserir esta disposição na lei, é para poder ser elemento de repressão da emigração clandestina, porque é preciso que os agentes que vão ser encarregados de reprimir essa emigração, com as auctoridades que hoje são suas subsidiarias, querendo saber se effectivamente os individuos de quem têem suspeitas tratam de emigrar clandestinamente lhes possam exigir passaporte, para demonstração da sua identidade.

Não posso, por isso, n'esta parte, concordar com o illustre deputado.

Se alguma modificação for apresentada que, sem atacar a economia do projecto, concorrer para o aperfeiçoar e para mesmo modificar as suas disposições por uma fórma mais doce e mais consentanea com as conveniencias dos particulares, não tenho duvida em concordar com a commissão em que as admitta, porque a minha idéa não é crear difficuldades, pelo contrario, quantos menos inconvenientes trouxer a execução d'esta lei, tanto melhor para quem tiver de a executar.

(O orador não reviu, as notas tachygraphicas.)

O sr. Salgado de Araujo: - Sr. presidente, depois do brilhante discurso do sr. ministro do reino, é certamente uma pretensão levantar a minha fraca voz; entretanto tenho um dever a cumprir e não posso deixar de dizer algumas palavras sobre o projecto, que está em discussão.

Já uma concessão esta feita, que me põe muito melhor com a minha consciencia. Eu; que em tantas cidades, que visitei, fui sempre recebido sem exigencias de passaportes transitando livremente por toda a parte, tinha verdadeira magua, como portuguez, de não corresponder a hospitalidade recebida, exigindo passaporte e pondo difficuldades ao livre transito de qualquer estrangeiro, que viesse visitar o nosso paiz. Era isso que eu não desejava que acontecesse. Felizmente o sr. ministro do reino já nos declarou que os estrangeiros ficam isentos da apresentação de passaporte.

Parece-me, porem, que apesar da concessão feita, ainda póde haver circumstancias em que possa bem crear embaraços esta exigencia dos passaportes, mesmo só aos portuguezes, isto é: nas relações com os nossos vizinhos hespanhoes.

Como v. exa. e a camara sabem, ha na raia um movimento continuo de um para outro lado, falla-se hespanhol e portuguez, um patois, que tanto se parece com o idioma de uma nação como com o da outra, e aquelles que têem de fiscalisar a passagem, hão de ter occasião de não acreditar que os hespanhoes, que pretenderem passar para fóra do reino, o sejam na realidade, o que póde trazer alguns conflictos com as auctoridades collocadas na nossa fronteira. O hespanhol, na sua qualidade de estrangeiro, não tem que apresentar passaporte, e na occasião de passar diz a sua nacionalidade aos guardas, a quem não se póde exigir um tal grau de instrucção que comprehenda se o individuo é hespanhol ou portuguez, e lembra-se do fazer a exigencia. Toda a nossa raia, que é extensistima, não se póde guarnecer de empregados nas circumstancias do poderem apreciar bem as consequencias d'isto.

Por uma rixa velha, como tem acontecido na fronteira da Alsacia-Lorena, onde têem havido questões, chegando a tomar um caracter muito grave, póde tambem haver questões entre nós e os nossos vizinhos. Posto que não deva haver receio de que ellas attinjam a gravidade daquellas, desejava todavia que a lei, que ora só discute, não viesse dar logar ao mais pequeno conflicto.

Desde o momento em que o sr. ministro do reino nos diz que, com a quantia estabelecida no projecto, póde exercer uma fiscalisação que impeça os alliciadores de continuarem a exercer o seu mister tão reprehensivel; logo que ha fórma de obviar ao inconveniente, parecia-me não ser necessario continuar a exigir os passaportes.

Alem d'isso se nos queremos aproveitar o producto dos passaportes para obras de caridade, sabemos já que temos um saldo de setenta e tantos contos de réis para podermos realisar essas obras de beneficencia a que são destinados, não precisando, por consequencia ir buscal-os a outra parte. Tendo nos outra fórma de evitar a emigração, escusado é dar logar a probabilidade de levantar quaesquer difficuldades com os nossos vizinhos.

Visto fallar-se de emigração, direi que ella não tem BO os seus alliciadores n'esses homens, que aconselham aos individuos, que não teem meios, a irem para o Brazil; tem-nos tambem noutros, que exercem maior influencia, são os que estão no Brazil, que chamam para lá os seus parentes e pessoas das suas relações e os que têem essas bonitas casas, respirando conforto e bem estar, que nos vemos pelo Minho fóra, tendo-as mandado construir com o dinheiro que de lá trouxeram. São esses os principaes agentes e promotores da emigração. (Apoiados.) Isso é que não se tem podido combater, e as outras nações, a falta de meios de o poder fazer, tiveram de resignar-se a admittir a emigração e a tirar d'ahi todos os resultados possiveis. Por isso me parece, que poderemos vir a tirar resultados muito grandes quando, protegendo a nossa marinha, fizermos que os nossos emigrantes em logar de serem transportados em navios estrangeiros o sejam em navios portuguezes; porque se cada um deixasse 30$000 ou 40$000 réis de lucro a marinha mercante portugueza, seria uma somma bastante grande para servir de factor do seu rendimento, e desde que a tenhamos organisado muito

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mais facilidade teremos de aproveitar a emigração como fonte de riqueza, evitando-se abusos e fazendo incidir sobre ella uma fiscalisação, que poderá ser exercida pelos cônsules ou por qualquer outra fórma.

Quanto á taxa sobre boteis, eu acho que não conviria, porque encareceria extraordinariamente a vida do viajante em Lisboa, seria o proprio hoteleiro, que diria: "tenho de augmentar o preço por que eu sou obrigado a pagar mais um novo imposto!..."

Tratando-se de uma nação muito visitada por estrangeiros eu estaria talvez do accordo, mas para um paiz que tem um movimento principalmente interno o onde a affluencia do visitantes estrangeiros não 6 grande, não me parece que tal medida desce um grande resultado.

O que eu não posso é ser da opinião do sr. Fratel, no sentido de protelar a discussão d'este projecto; penso pelo contrario, que devemos discutil-o quanto antes e sairmos hoje desta casa satisfeitos de termos resolvido não se exigir passaportes na saida ou entrada de passageiros pela via terrestre, tanto a estrangeiros como a nacionaes.

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Para dar satisfação ás reclamações dos illustres deputados que têem tomado parte no debate e cumprindo as declarações feitas pelo nobre ministro do reino, com relação a entrada e saida livre dos estrangeiros, mando para a mesa uma proposta de additamento, que ficara sendo § unico do artigo 1.°

É a seguinte

Proposta

Artigo 1.°...

§ unico. Não são exigidos passaportes aos estrangeiros que saiam do paiz, podendo, em todo o caso, o governo tornal-o obrigatorio quando circumstancias de ordem publica o justifique. = Teixeira de Vasconcellos.

E nada acrescentarei em resposta aos illustres deputados que têem usado da palavra, pois seria ocioso insistir na discussão depois de brilhantissimo discurso do nobre ministro do reino, devendo, entretanto, dizer ao sr. Salgado de Araujo que não tenha s. exa. receio que se dêem entre nós os conflictos que se dão na Alsacia-Lorena, visto ser livre a entrada no paiz aos habitantes da raia hespanbola.

A proposta foi admittida.

O sr. Marianno de Carvalho: - Parece-me que a proposta do sr. relator não satisfaz ao pensamento do sr. ministro do reino e por isso apresentarei uma outra. Não foi só a questão da fiscalisação dos passaportes que s. exa. se referiu, mas ainda a outra, porque póde haver casos tão graves que o governo tenha necessidade de estabelecer na fronteira meios de fiscalisação mais apertados, visto que, por melhor que seja o systema dos passaportes difficilmente se poderá por elle provar a identidade de um individuo.

Só quem nunca viu um passaporte é que póde suppor o contrario. Os dizeres dos passaportes são, como todos sabem, os seguintes: estatura regular, nariz regular, olhos castanhos e mais nada. Ora, qualquer individuo que não seja tão alto como o nosso amigo Jayme Pinto, nem tão baixo como qualquer outro, porque não me recordo agora qual dos nossos collegas é mais baixo, ou que não tenha um nariz descommunal, passa perfeitamente pela fronteira com um qualquer d'esses passaportes.

Não havendo, portanto, meio de provar a identidade de um individuo por meio do passaporte, é evidente que, em casos graves de ordem publica, póde ser necessario tomarem-se mais precauções na raia do que a simples exigencia d'esse documento.

O sr. relator dispensou os passaportes para os estrangeiros, e ficou-se muito contente com a sua obra; mas, e o artigo 7.°?

Por este artigo, aos habitantes da raia, sejam portuguezas ou hespanhoes, substitue-se-lhe a exigencia do passaporte pela do bilhete de identidade. Para os hespanhoes esta muito bem, mas para o habitante de Barrancos, que a saida diz que não é portuguez e a entrada passa sem formalidade alguma, porque os passaportes são abolidos e os bilhetes de identidade são supprimidos?

É preciso, pois, para os habitantes da raia estabelecer um regimen excepcional de fórma que fiquem os bilhetes de identidade, porque supprimidos os passaportes, aquelles desapparecem tambem.

A proposta que mando para a mesa, e cuja redacção póde ser esta ou outra qualquer, é a seguinte:

"Artigo 8.° É dispensada a exigencia do passaporte aos estrangeiros que entrarem ou sairem pela raia terrestre, Soando, porém, o governo auctorisado a estabelecer especial fiscalisação n'aquella raia quando motivos de ordem publica assim o exigirem.

"§ unico. A disposição d'este artigo não prejudica o disposto no artigo 7.° da presente lei. = Marianno de Carvalho.

Direi agora, em poucas palavras, o que penso a respeito deste projecto. Não estou de accordo com quasi nada do que aqui esta, nem com o que se tem dito, mas o que faço é agarrar pelos cabellos a declaração do sr. ministro do reino de que esta prompto a acabar com a exigencia dos passaportes aos estrangeiros que entrarem pela raia secca.

Não entro agora na apreciação das causas geraes da emigração, que é uma questão muito complicada, e acerca da qual eu já disse outro dia a opinião de José Estevão, que descobriu que um amigo seu tinha emigrado para Moura.

Eu não acredito nem no que disse o sr. ministro, nem no que disseram os adversarios do projecto. O sr. ministro entende, por exemplo, que a criminalidade diminue com a instrucção. Pois o instituto de sciencias moraes e politicas de França prova, com documentos, que a instrucção por modo nenhum diminue a criminalidade, antes a conserva e augmenta e unicamente a aperfeiçoa.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - O que eu disse foi a illustração moral e intellectual.

O Orador: - Nem uma nem outra.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - V. exa. tem a sua opinião e eu tenho a minha.

O Orador: - Eu respeito as suas opiniões, como v. exa. respeita as minhas; mas nem a illustração moral nem a intellectual, segundo o prova o instituto de sciencias moraes e politicas de França diminue a criminalidade, antes aperfeiçoa a arte de praticar crimes.

Eu não creio tambem nada na repressão dos engajadores de emigrados, sobretudo quando o governo é que está a promover a emigração, conservando nas fileiras os soldados que deviam passar a reserva, e augmentando-lhe por consequencia a reluctancia pelo serviço militar.

O recrutado podia resignar-se a servir no exercito quando tinha a certeza de que, decorridos os tres annos de serviço, regressava a sua casa, tendo apenas que sujeitar-se a reserva; mas agora que lhe dizem que não são tres annos mas os que Deus quizer, a repugnancia pelo serviço militar ha de accentuar-se.

Assim é o governo que, sem querer, se torna o instigador e promotor da emigração clandestina.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - A repugnancia pelo serviço militar já havia nos annos anteriores.

O Orador: - Mas ora por outras causas.

Disse s. exa. que a repugnancia pelo recrutamento é maior nas provincias do norte do que nas provincias do sul, onde não ha a repugnancia pelo serviço militar que existe no norte. Isto não é assim, no norte o que ha é um sentimento que não póde desarreigar-se do animo do povo, mas que nada tem com a emigração.

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No Algarve, onde todos os dias se sae para Hespanha, onde ha uma extrema facilidade em sair do paiz, ha porventura a repugnancia, a resistencia ao recrutamento que ha no Minho?

Na Beira ha a mesma repugnancia?

Toda a gente sabe que o governo se vê obrigado a reforçar a guarnição do Minho com soldados beirões, e entretanto da Beira já hoje se emigra muito, havendo concelhos que quasi se despovoam.

Em oito ou nove concelhos do Ribatejo em que eu tenho relações ha muitos annos, só ha uma freguezia que me moe com pedidos para livrar recrutas. E porque é isso? É porque haja ali emigração?

Tambem não posso concordar com o que se diz no artigo 12.°, e n'este ponto sou da opinião do illustre deputado o sr. Carlos Braga.

Diz o artigo:

"Art. 12.° Aquelle que promover ou que favorecer por qualquer modo a emigração, clandestina, ou que alliciar emigrantes para sairem do reino com infracção das disposições das leis em vigor, incorrera na pena de prisão cellular de dois a oito annos, ou, em alternativa, na pena correspondente de degredo.

"§ unico. Os réus incursos na comminação d'este artigo serão julgados em processo ordinario de querela, sem intervenção do jury, devendo, porém, escrever-se em audiencia os depoimentos das testemunhas."

Isto póde lá ser? O peior é que ha um processo muito simples de promover a emigração sem incorrer nas penalidades da lei. Um sujeito traz uma gaiola com um papagaio, um relogio de oiro com uma cadeia de oiro muito grossa, e em publico mexe n'umas poucas de libras. Aqui esta o agente da emigração.

Elle não dá uma palavra, e está prompto: toda a gente emigra!

Um pobre cocheiro de diligencia ou um mulateiro da carreta alemtejana, a quem um pobre pede para o metter no carro, esta a promover assim a emigração e incorre n'uma pena enorme. É claro que não ha nenhum juiz que condemne similhante homem, porque uma cousa é instigar e promover a emigração, outra cousa é concorrer para ella sem o saber.

Eu disse que não tomava tempo á camara e assim farei. Felicito o sr. ministro do reino e felicito-o sinceramente pela resolução que tomou de fazer esta concessão de acabar com os passaportes para estrangeiros, salvo o caso em que questões de ordem publica imponham essa e outras precauções.

Felicito s. exa. por isso, e se o mundo ainda durar, se o systema representativo continuar a existir, se ainda houver deputados, governos que os elejam ou deixem eleger, e pessoas que acceitem ou não a eleição, espero que para o anno 3000, se a camara se reunir, e Deus queira que assim seja, ainda se ha de discutir sobre as causas da emigração e os meios de a impedir.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Cabral Moncada: - Por parte da commissão de legislação criminal mando para a mesa o parecer sobre o decreto de 22 de maio do anno transacto, relativamente a processos criminaes.

A imprimir.

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Peço a v. exa. que mande á commissão a proposta apresentada por mim, bem como a do sr. Marianno de Carvalho.

O sr. Presidente: - Vae votar-se. Em primeiro logar vota-se o adiamento proposto pelo sr. Fratel.

Foi rejeitado o adiamento e em seguida approvado o artigo, independentemente das propostas que foram a commissão para as apreciar.

Leu-se o

Artigo 2.º As taxas de emolumentos e sêllo pela expedição de passaportes conferidos a nacionaes ou estrangeiros, que pretenderera sair do reino pela fronteira terrestre, são reduzidas ás seguintes:

1.° Emolumento pela expedição de passaporte a nacional, 3$000 réis;

2.° Emolumento pela expedição de passaporte a estrangeiro, 800 réis;

3.° Referenda em passaporte estrangeiro, 400 réis;

4.° Sêllo de passaporte a nacionaes, por cada pessoa, 1$000 réis;

5.° Sêllo de passaporte a estrangeiro, 1$000 réis;

6.° Sêllo da referenda em passaporte estrangeiro, réis 1$000.

O sr. Teixeira de Vasconoellos (relator): - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho a suppressão das palavras "ou estrangeiros" nos artigos 1.° e 2.° = Teixeira de Vasconcellos.

Foi approvado o artigo com a proposta.

Leu-se o

Artigo 3.° É gratuita a expedição de passaportes conferidos a nacionaes e estrangeiros, que pretendam sair do reino para as possessões portuguezas do ultramar.

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Supprimir a palavra "estrangeiros" no artigo 3.° = Teixeira de Vasconcellos.

Foi admittida e em seguida approvado o artigo com a proposta.

Leu-se o

Artigo 4.° Nenhum passaporte poderá ser expedido para a salda do reino por qualquer via, terrestre, fluvial ou maritima, sem que no respectivo processo tenha sido reconhecida a identidade pessoal do impetrante.

§ 1.° O reconhecimento de identidade dos estrangeiros será feito mediante uma declaração abonatoria da auctoridade consular respectiva.

§ 2.° Os emigrantes que se dirijam para as possessões ultramarinas, ou os que saiam pela via terrestre, deverão tirar os passaportes nos governos civis dos districtos da sua naturalidade ou residencia. Os que sairem pela via maritima, mas não para os portos do ultramar, nos da sua naturalidade.

§ 3.° Pelo cumprimento do disposto neste artigo ficam respectivamente responsaveis os secretarios geraes dos governos civis, ou os empregados que os substituirem, e sujeitos a pena de demissão, por erro de officio, no caso de o transgredirem.

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Additamento ao § 2.° do artigo 4.°

Excepto os que hajam nascido em qualquer dos districtos das ilhas adjacentes ou em alguma das possessões ultramarinas, ou ainda os que nascidos no continente do reino tenham mais de trinta annos de idade, os quaes poderão tirar os passaportes tambem nos governos civis dos districtos da residencia. = Teixeira de Vasconcellos.

O sr. Mello e Sousa: - Parece-me difficil comprehender o que se lê no final do § 2.° do artigo 4.°:

"Os que sairem pela via maritima, mas não para os portos do ultramar, nos da sua naturalidade." Nos, que?

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O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Nos districtos da sua naturalidade.

O Orador: - Não acho bem claro e desejava ouvir a este respeito alguma explicação por parte do sr. relator.

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Nos primeiros é a naturalidade ou a residencia, nos segundos só a naturalidade. Isto é para se reconhecer melhor a identidade.

O sr. Salgado de Araujo: - É exactamente por isso que eu não posso admittir a ultima parte do § 2.º

(Leu.)

Quantas vezes succede sair um homem da sua terra puni Lisboa ou Porto, onde, como centros de grande movimento, se persuade poder encontrar trabalho, e não o podendo arranjar se dirige para o Brazil ou para a Africa?

Pois agora com esta lei, estando nestas condições, e querendo tirar o seu passaporte, tem por força de ir a terra da sua naturalidade para depois voltar e então embarcar.

Isso não se póde fazer, por que obriga a muitas despezas, sem resultado pratico.

Muitas vezes tenho sido testemunha abonatoria de amigos meus, do fóra de Lisboa, que tendo aqui a sua residencia, mandam vir os seus documentos e tiram aqui o seu passaporte; para mim seria, portanto, uma vantagem esta disposição de lei, evitando-me aquelle trabalho, mas entendo que esta vantagem não deve prevalecer a boa rasão que determina que só siga o processo antigo de poderem ser tirados os passaportes nos districtos da residencia.

N'este sentido eu mando para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que do § 2.° se elimine o ultimo periodo, acrescentando ao primeiro as palavras "ou maritima", depois das palavras "via terrestre". - Salgado de Araujo.

Foi admittida.

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Eu tenho muita pena de não poder acceitar a proposta do sr. Salgado do Araujo, porque a sua approvação difficultaria o reconhecimento do identidade e, nesse caso, em vez de impossibilitar a emigração, facilital-a-ia.

O sr. Salgado de Araujo: - Eu não comprehendo como neste ca"o se possa dizer que a auctoridade competente não sabe reconhecer a identidade das pessoas que desejam tirar passaporte; isto é tirar a repartição dos passaportes, em Lisboa, toda a auctoridade moral.

Podemos nos admittir que a auctoridade não seja competente para reconhecer a identidade? Isto é um absurdo e ao mesmo tempo a exautoração da repartição dos passaportes.

O sr. Marianno de Carvalho: - Vamos a ver se se podo conciliar o que o sr. Salgado de Araujo deseja com o que o sr. relator quer.

Supponho que a questão se limita a exigencia de, n'uns casos o passaporte poder ser tirado na terra da naturalidade ou residencia, e n'outros casos só da naturalidade.

Parece-me que é esta a duvida. O sr. Salgado de Araujo quando diz que no governo civil de Lisboa ha mais elementos para reconhecer a identidade do individuo que reside ha dezoito annos em Lisboa, do que no de Bragança, de onde saiu quando tinha dois annos de idade, tem toda a rasão.

Se o individuo foi trazido para Lisboa por seus pães tendo apenas um ou dois annos e se aqui viveu dezeseis annos ou mais, é claro que melhor póde reconhecer a sua identidade o governo civil de Lisboa do que o de Bragança, que não o vê desde os dois annos. Diz-se, porém, que isso facilita a emigração e que para o evitar se estabeleceu no projecto esta disposição.

Não acredito nada no remédio, mas se tudo isto é por causa do recrutamento, ao menos façam uma restricção; quando o individuo que deseja passaporte já não está em idade de estar sujeito ao recrutamento, passe-se-lhe o passaporte no governo civil da residencia, uma vez que prove pela certidão de baptismo, ou pela sua propria cara, que tem mais de vinte ou vinte o um annos. Agora obrigar um homem que quer ir para o Brazil ou para Inglaterra, e que reside em Lisboa a ir a Bragança, porque lá nasceu, tirar passaporte, parece-me inconveniente e sem vantagem alguma.

Parecia-me, portanto, acceitavel a opinião do sr. Salgado de Araujo, não só pelas qualidades pessoaes do s. exa., que não esquecerei nunca, embora me tivesse chamado caixeiro, o que não julgo affronta nenhuma, mas mesmo porque s. exa. pede uma cousa rasoavel.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Pedi a palavra, simplesmente para fazer umas breves considerações em resposta aquelles, é claro, que estão discutindo o projecto de boa fé e que acreditam que elle póde servir para alguma cousa.

Esta distincção que se faz no projecto entre passaportes, tirados no districto da residencia e no districto da naturalidade, não é uma idéa que acudisse a imaginação de cada um dos membros da commissão nem do governo, é o resultado das informações repetidas dos governadores civis dos differentes districtos. Dizem essas auctoridades que uma das maneiras por que se consegue obter passaportes, que depois são utilisados por pessoas differentes daquellas para quem foram tirados, é exactamente a facilidade d'elles serem passados quer no districto da naturalidade, quer no districto da residencia.

Esta é a rasão por que no projecto se introduziu esta disposição.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Marianno de Carvalho: - Creio que estou discutindo na mais completa boa fé, e não imagino que s. exa. se referisse a mim, quando disse, que alguem está aqui discutindo de má fé.

Não percebo o argumento com que se pretende demonstrar a vantagem do passaporte ser passado no governo civil do districto da naturalidade. Não percebo, repito, e apresento novamente o meu exemplo.

Nasce uma creança em Bragança, os pães trazem-na para Lisboa quando tem mezes de idade; aqui fica, e mais tarde emprega-se em caixeiro de commercio, por exemplo, vive quinze, dezeseis, dezesete annos em Lisboa, precisa de um passaporte, manda buscar a sua certidão de idade e outros quaesquer documentos a Bragança, depois chega ao governo civil de Lisboa e pede um passaporte. Dizem-lhe: Não senhor, nos não lho podemos passar. O senhor tem vivido em Lisboa dezeseis ou dezesete annos, ha aqui centenas de pessoas que o conhecem, mas vá pedir o passaporte onde nasceu, a Bragança, onde já ninguem o conhece, porque o senhor saiu de lá quando apenas tinha alguns mezes de idade.

Não percebo que vantagem haja nisto. Podem as auctoridades administrativas dizer ao sr. ministro do reino o que lhes aprouver, mas que isto tenha senso commum é que me não parece.

Ora, quem nos diz... emfim, eu não me atrevo a dirigir perguntas a s. exa.; mas, antes do regimen estabelecido por este projecto, os emolumentos dos passaportes não eram distribuidos pelos empregados dos governos civis?

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - E ainda hoje o são.

O Orador: - Então já percebo por que é que os governadores civis dizem que e mais facil reconhecer a identidade nas terras da naturalidade.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Como não esta mais nenhum sr. deputado inscripto vae votar-se.

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SESSÃO N.º 44 DE 14 DE MARÇO DE 1896 607

Foi approvada a proposta de eliminação e em seguida o artigo 4.º e seus paragraphos na parte não eliminada.

A proposta do sr. Salgado de Araujo foi rejeitada.

Leu-se o artigo 5.°, que foi approvado sem discussão.

Leu-se o

Artigo 6.° Será encarregado do serviço de fiscalisação dos passaportes e de de repressão de emigração clandestina o pessoal que o governo julgar necessario crear para execução desta lei, e dentro da verba da alinea a) do artigo 11.°

§ unico. Os empregados, a quem for commettido este serviço, exigirão de todos os passageiros com bilhete para alem da fronteira, a exhibição dos respectivos passaportes, e contra os que não o apresentarem procederão nos termos do artigo 26.° do regulamento de 7 de abril de 1863, salvo o disposto no § unico do mesmo artigo.

O sr. Presidente: - A este artigo 6.° foi apresentada uma proposta pelo sr. relator, que vae ser lida.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Modificação ao § unico do artigo 6.°

§ unico. Os empregados a que for commettido este serviço poderão exigir de todos os passageiros com bilhete para alem da fronteira... = Teixeira de Vasconcellos.

O sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Mando para a mesa a seguinte:

Proposta

Modificação do § unico do artigo 6.°: Proponho a suppressão de "salvo o disposto no § unico do mesmo artigo". = O deputado, Teixeira de Vasconcellos.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Como deu a hora para se encerrar a sessão, marco para ordem do dia de segunda feira a continuação da que estava dada para hoje e mais os projectos n.°s 25, 27 e 29.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Representações

De representantes da industria de tarjamento de papeis de luto, pedindo que na reforma das pautas se determine que os papeis tarjados de lato, incluidos no artigo 512 da pauta actual, sejam equiparados aos papeis impressos, passando para o artigo 504 da mesma pauta.

Apresentada pelo sr. deputado Diogo Cabral e enviada ás commissões de artes e industrias, e de fazenda.

Da mesa do comicio da classe de tecelões, realisado no Porto em 1 do corrente, pedindo protecção para a sua industria.

Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de artes e industrias.

Justificação de faltas

Declaro a v. exa. e á camara que faltei ás ultimas sessões por motivo de doença. = O deputado, Conde de Anadia.

Declaro que por falta de saude fui obrigado a faltar ás ultimas sessões. = O deputado, Manuel Bravo Gomes.

Tenho a declarar a camara que por motivo de doença não tenho podido comparecer ás sessões antecedentes. = O deputado pelo districto da Guarda, Visconde do Ervedal da Beira.

Participo a v. exa. e a camara que o sr. deputado José Pinheiro me encarregou de declarar que tem faltado, e continuara a faltar, a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Simões Baião.

Participo a v. exa. e a camara que não tenho comparecido ás ultimas sessões por motivo de doença. = Fidelio de Freitas Branco.

Para a secretaria.

O redactor = Sá Nogueira.

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