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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

44.ª SESSÃO

EM 10 DE AGOSTO DE 1909

SUMMARIO. - É lida e approvada a acta. - Concede a Camara autorização para se ausentarem para o estrangeiro aos Srs. Deputados Sabino Coelho, Mattoso da Camara, Egas Moniz e João Castello Branco. - O Sr. Pinheiro Torres usa da palavra sobre os factos occorridos em Braga, por occasiao de uma excursão politica á mesma cidade, assunto que a Camara considera urgente. Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho (Wenceslau de Lima). - O Sr. Visconde de Ollivã manda para a mesa um requerimento, pedindo documentos pelo Ministerio do Reino. - O Sr. Caeiro da Matta renova a iniciativa de um projecto de lei e manda outro para a mesa. - O Sr. Antonio José de Almeida usa da palavra sobre a materia do assunto urgente. - O Sr. Matheus Sampaio requer pelo Ministério do Ultramar copia dó relatório da syndicancia á administração do governador de Timor, José Celestino da Silva. - O Sr. Alberto Navarro manda para a mesa os pareceres das commissões de administração publica e de fazenda sobre o projecto de lei n.° 77-B. - O Sr. José Cabral envia tambem para a mesa os pareceres sobre o projecto que autoriza a Caixa Geral dos Depositos a emprestar á Camara Municipal de Santarém 90 contos de réis e á da Gollegã 34:922$000 réis. - O Sr. Conde de Azevedo requer varios documentos pelo Ministerio da Marinha.

Na ordem do dia. - (Continuação da discussão do projecto n.° 8, reorganização da Caixa Geral de Depósitos) usam da palavra os Srs. Rodrigues Nogueira, Brito Camacho e Ministro da Fazenda (Paula Azeredo), apresentando este ultimo varias propostas de fazenda. - Procedendo-se á contagem dos Srs. Deputados presentes, a requerimento do Sr. Pereira de Lima, é encerrada a sessão por se ter verificado não haver numero para a Camara poder funccionar.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim da Mendes Leal

Secretarios os Exmos. Srs.:

João José Sinel de Gordes
João Pereira de Magalhães

Primeira chamada: - Ás 2 horas e 30 minutos da tarde.

Presentes: - 7 Senhores Deputados.

Segunda chamada: - Ás 2 e 3 quartos da tarde.

Presentes: - 54 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Abel de Mattos Abreu, Alberto Pinheiro Torres, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves de Oliveira Guimarães, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José de Almeida, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Tavares Festas, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Augusto César Claro da Ricca, Aurélio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Mangualde, Diogo Doiningues Peres, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Joio Carlos de Mello Barreto, João Duarte de Menezes, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães, João Soares Branco, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim Mattoso da Camara, José de Ascensão Guimarães, José Augusto Moreira de Almeida, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Roberto da Cunha Baptista, Rodrigo Affonso Pequito, Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Conde de Castro e Solla, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Miranda da Costa Lobo, João Henrique Ulrich, João Ignacio de Araujo Lima, João Pinto Rodrigues dos Santos, Jorge Vieira, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Sim8es, José Maria Pereira de Lima, José Maria de Queiroz Velloso, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Nunes da Silva, Paulo de Barros Pinto Osorio, Thomas de Almeida Manuel de Vilhena(D.), Vicente de Moura Coutinho de Almeida de Eça, Visconde da Torre, Visconde de Villa Moura.

Não compareceram a sessão os Srs.: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Affonso Augusto da Costa, Alexandre Braga, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Centeno, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio CôrteReal, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Conde da Arrochella, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Eduardo Burnay, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Jardim de Vilhena, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, Henrique de Mello Archer da Silva, João Augusto Pereira, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Correia Botelho Castello Branco, João José da Silva Ferreira Neto, João de Sousa Tavares, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Pedro Martins, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Antonio da Rocha Lousa, José Caetano Rebello, José Estevam de Vasconcellos, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Julio Vieira Ramos, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Mattos, José Osorio da Gama e Castro, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis Filippe de Castro (D.), Luis da Gama, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Francisco de Vargas, Manuel de Sousa Avides, Manuel Telles de Vasconcellos, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Reguengo (Jorge).

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SESSÃO N.° 44 DE 10 DE AGOSTO DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta. - Approvada.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados Sabino Coelho, João Correia Botelho Castello Branco, Mattoso da Camara e Egas Moniz pedem-me para solicitar da Camara a necessaria autorização para irem para o estrangeiro. Consulto a Camara nesse sentido.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Pinheiro Torres: - Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Camara sobre a urgencia pedida pelo Sr. Deputado Pinheiro Torres. S. Exa. deseja interrogar o Sr. Ministro do Reino sobre os acontecimentos de Braga por occasião de uma excursão republicana que foi no domingo passado áquella cidade.

Foi considerado urgente.

O Sr. Pinheiro Torres: - Pediu a palavra para um negocio urgente a fim de tratar, ainda que muito ligeiramente para não offender os direitos dos Srs. Deputados inscritos para antes da ordem do dia, dos acontecimentos occorridos em Braga no domingo ultimo, por occasião da ida ali de uma excursão republicana da cidade do Porto. Tencionava já hontem tratar do assunto, mas como não houve sessão, só hoje pode interrogar o Sr. Presidente do Conselho.

Conhece a Camara o que no domingo se passou em Braga. Houve conflictos graves, uma certa alteração da ordem que poderia ter gravissimas consequencias se a autoridade superior do districto não tivesse procedido nessa altura com prudencia e louvavel vontade de acertar.

A cidade de Braga, que é essencialmente monarchica e catholica, considerou como uma provocação a ida ali d'essa excursão, e se desta não pode referir factos detalhados, da ultima que ali foi pode affirmar que houve muitas provocações, faltas de respeito a sacerdotes e havendo até alguém que, imprudentemente, affrontando as crenças da cidade e a religião do Estado, ousou entrar num templo de chapeu na cabeça e a fumar.

N'esta situação, o espirito publico estava evidentemente preoccupado, e é preciso não conhecer a cidade de Braga, os seus habitantes ordeiros, pacificos, a sua magnifica hospitalidade, para suppor que eram capazes de qualquer excesso, a não ser para responder a uma provocação, e elle, orador, pergunta ao Sr. Presidente do Conselho, como Ministro do Reino, qual é a sua ideia a esse respeito, se quer permittir que se façam impunemente provocações aos sentimentos de uma terra, e não vê o perigo enorme, tanto para monarchicos como para republicanos, desse espectaculo de fraqueza que está dando, de verdadeira capitulação, a ponto dos republicanos já pensarem que o países d'elles e dos monarchicos se verem na necessidade de se defenderem a si proprios porque o Governo os não defende.

Seja qual for o regime, monarchico, republicano ou imperio, esse regime tem obrigação de se defender e de manter os. sagrados principies que defende, e se não pode que liquide, que se entregue de vez.

Liquide-se a situação e ponham-se as cousas em claro. Ou o Sr. Presidente do Conselho quer dar força ás pessoas que procuram levantar as instituições e defende-las ou não quer fazer nada disso, e então diga-o claramente, mas ha de ver as consequencias dessa attitude, que é lançar o país numa conflagração, é quem sabe mesmo se já vem perto uma guerra de irmãos, uma luta civil, que trará como resultado a perda da nossa autonomia, que todos nos, portugueses, devemos querer e fazer respeitar. O que elle, orador, vê, é que o procedimento não é igual em todo o país, pois ao passo que em umas terras tudo sé permitte, noutras ha repressão. Não ha uma linha de conducta estabelecida, procede-se conforme as circunstancias.

Não é com essas transigencias que se cumpre a acalmação; o Governo assim o que está preparando é uma conflagração.

E esta a lição que elle, orador, entende se deve tirar de tudo isto. É preciso que o Governo se explique, para que os monarchicos saibam com que podem contar, se teem Governo para-os defender.

A propaganda republicana que se faça, mas que se faça respeitando os direitos dos outros. Ninguem a quer impedir, e é até conveniente que exista porque com isso só tem a lucrar o país.

O que é indispensavel é que respeitem as crenças dos outros, para que tambem lhe respeitem as suas.

O que elle, orador, pretende é que o Sr. Presidente do Conselho diga com que é que o país pode contar. Se o Governo está empenhado na defesa integral e sagrada das instituições, que é o seu primeiro dever manter, diga-o claramente e mais do que isso traduza as suas palavras em factos, porque o que não pode continuar é esta situação de medo, de verdadeira capitulação perante os inimigos das instituições, vendo se os monarchicos obrigados a defender se a si proprios, porque o Governo com o seu procedimento chega a pôr em cheque a sua dignidade civica e pessoal.

E o que é para lamentar é que nem todos, como elle, orador, tenham a coragem de fazer estas reivindicações. Por sua parte não afrouxará nunca; é esse o seu dever, ha de cumpri-lo.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Wenceslau de Limna): - Sr. Presidente: o illustre Deputado Sr. Pinheiro Torres disse, durante o discurso que acaba de pronunciar, que era necessario que todos os monarchicos se.unissem para a defesa das instituições.

Qual é o exemplo que S. Exa. dá? É o de atacar tão vigorosamente, quanto possivel, um homem que não precisa de lições.

O Sr. Pinheiro Torres (interrompendo): - Eu não dou lições a ninguem. Estou apenas aqui no uso do meu direito e não por favores de ninguem.

O Orador: - Eu tambem aqui estou no meu legitimo direito de chefe do Governo para não consentir que se lhe deem lições. V. Exa. tem o direito de falar como Deputado; eu, no uso tambem do meu direito, falo como chefe do Governo.

O Sr. Pinheiro Torres: - V. Exa. não pode dizer que não consente! (Apoiados).

O Orador: - V. Exa. disse que o Governo não respeitava a sua dignidade civica nem pessoal.

O Sr. Pinheiro Torres: - Eu não disse isso. Eu não falei em dignidade pessoal, propriamente; eu disse que o Governo com fraqueza podia comprometter a sua dignidade civica e pessoal.

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O Orador: - Pareceu-me que V. Exa. não tinha dit assim; mesmo pelos apontamentos que tirei...

Com respeito á fraqueza, eu demonstrarei que o Governo é forte, e mantenho e repito que não preciso dai lições de ninguem.

O Sr. Pinheiro Torres: - Tambem eu mantenho aquillo que disse.

O Orador: - O Governo é fraco? Então um Governo que cumpre integralmente o seu dever é fraco?

Annunciou-se uma excursão republicana á cidade d Braga. O Governo tomou todas as providencias para que a ordem fosse mantida. Á partida do comboio estava na estação uma força militar para manter a ordem. O governador civil mandou avisar os excursionistas de que se houvesse vivas subversivos o comboio pararia.

Que se fez? Pôs-se o comboio em marcha e do comboio partiram vivas subversivos. Immediatamente a autoridade policial, entendida com o chefe da estação, deu ordem para que o comboio parasse e regressasse á estação e se fizessem prisões. Fizeram-se sete, sendo. os preso remettidos para o tribunal.

Pergunto, ao illustre Deputado onde está aqui a fraqueza do Governo?

O Sr. Brito Camacho: - Pelo contrario, está a violencia.

O Orador: - Procedeu dentro da lei, rigorosamente dentro da lei, fazendo-a cumprir com toda a energia.

Pergunto outra vez ao illustre Deputado onde está aqui a fraqueza do Governo?

Será por acaso fraco o Governo que no seu direito usa da força publica para fazer cumprir e respeitar a lei? Não.

Sr. Presidente: aqui tem o illustre Deputado a primeira resposta á sua pergunta, e aqui tem S. Exa. como pela primeira vez assim se procedeu.

Agora como é que se procedeu em Braga? Procedeu-se em Braga .tomando a autoridade providencias, que o illustre Deputado foi o primeiro a achar acertadas.

Então S. Exa. acha que a autoridade em Braga procedeu bem, tomando todas as prevenções pela forma como as podia tomar, acertadamente, e vem ainda em seu louvor; e o Governo, que lhe deu essas ordens, é assim atacado pelo illustre Deputado! (Apoiados).

Isto é justo? Então todos os elogios para o delegado do Governo, que soube manter a ordem, cumprindo as ordens do Governo, e todos os vituperios para o Governo, que as deu?!

Não comprehendo, nem a logica de S. Exa., nem tão pouco a sua justiça. (Apoiados).

Sr. Presidente: por isso mesmo que eu represento um Governo furte, por isso mesmo que eu nunca tive complacencias com os meus adversarios, mas que os respeito, por isso mesmo que eu nunca andei nem em transigencias nem em conluios, por isso mesmo tenho o direito de dizer que estranho as accusações do illustre Deputado.

Tenho-me visto muita vez atacado por excessivamente dedicado ás instituições, por excessivamente dedicado ao país, mas nunca me viI atacado por complacente com os inimigos das instituições.

O Sr. Antonio José de Almeida: - É a primeira vez que vejo atacar V. Exa. por complacencias com os inimigos das instituições, como os republicanos; essa gloria estava reservada ao Sr. Pinheiro Torres.

O Orador: - Lamento, lamento profundamente, que um homem que foi toda a sua vida dedicado as instituições, que toda a sua vida as serviu com energia e dedicação, venha aqui ser atacado de fraco e de complacente com os inimigos das instituições.

Sabe V. Exa., Sr. Presidente, qual é o mal das instituições?

O mal das instituições está em que os monarchicos, os mais votados a ellas, se dividem; está em que são os proprios monarchicos que veem semear a divisão entre a familia monarchica.

Este é que é o mal das instituições.

Sou, afoitamente o digo, dedicado ás instituições e ao Rei (Apoiados); nunca as trahi, mas por isso mesmo que sou dedicado ás instituições e ao Rei, entendo que não é com repressões, fazendo do Governo um esbirro, que a monarchia se defende. (Apoiados).

Bem pelo contrario, o Governo o que deve ser é absolutamente respeitador da lei (Apoiados) e deve admittir que dentro da lei se combatam aqueiles que atacam a monarchia. (Apoiados).

É isto o que eii pratico e o que eu entendo ser a suprema força da monarchia.

Sr. Presidente: bem monarchicos e bem lealistas são os ingleses, e veja V. Exa. o que se passa no Parlamento Inglês; veja V. Exa. como n'aquella livre Inglaterra se permittem as mais extraordinarias manifestações, embora sejam contra as proprias instituições do país.

Sou monarchico, sou conservador, mas respeitador da lei. (Apoiados).

O Sr. Manuel Fratel: - E não é nacionalista.

O Orador: - Creia V. Exa. que, se alguma vez me visse na necessidade de manter na ordem aquelles que attentassem contra as instituições, não fraquejaria nem faltaria aos meus deveres, mas o que eu não venho é fazer provocações inuteis, o que desejo é que no campo das leis todas as doutrinas possam ser professadas, e folgo immenso de ver que no meu país, desde que as excursões republicanas se teem feito por toda a parte, se levanta uma forte reacção monarchica, que eu muito estimo, que eu muito louvo e que eu muito applaudo. (Apoiados).

Pergunto: se por acaso o Governo impedisse essas excursões republicanas, tinha-se accendido em todo o país este fogo que nós vemos e que nos saudamos?

De certo que não.

Aqui tem V. Exa. como entendo os meus deveres de monarchico.

Em Braga podia ter-se dado qualquer desacato. E possivel, mas ignoro-o ainda.
Do Sr. governador civil não. recebi ainda relatorio minucioso mencionando os factos a que o illustre Deputado se referiu; bem pelo contrario, o telegramma do Sr. governador civil diz o seguinte:

(Leu).

O Sr. Antonio José de Almeida: - Esse telegramma é dirigido a V. Exa. ou é dirigido ao Rei?

O Orador: - É dirigido a mim. Já V. Exa. ve que na cidade de Braga se manteve a ordem e que não houve necessidade de praticar a fraqueza de prohibir essa excursão, para que a autoridade pudesse manter a ordem de maneira a merecer os louvores do illustre Deputado.

O Sr. Pinheiro Torres (interrompendo): - Elogiando a autoridade, o que quis demonstrar foi que, se a ordem se manteve, foi devido, á autoridade local e não ao procedimento do Governo.

O Orador: - Então o illustre Deputado imagina que ou d'aquelles que permittem que os governadores civis façam o que entendem? Imagina S. Exa. que os governadores civis procedem como entendem? S. Exa. não me conhece.

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Os governadores civis não fazem senão o que Os Governos mandam. Estou aqui para assumir as responsabilidades de tudo quanto praticam os governadores civis, mas estou tambem para quando elles merecem elogios participar desses elogios tambem.

Disse o illustre Deputado que nas outras terras do reino se tem procedido por maneira differente.

E creia V. Exa. uma cousa: sempre que seja necessario, as autoridades hão de estar ao lado dos monarchicos. Tenha V. Exa. a certeza de que não faltará o apoio d'essas autoridades, que teem a obrigação restricta de defender as instituições. (Apoiados).

Acredite V. Exa. uma cousa: que não faltará animo para o fazer; o que é necessario é não exagerar os processos, porque preciso se torna que tudo se faça dentro da lei e da ordem para que se mostre que a monarchia portuguesa é demasiadamente forte para não se arrecear das lutas.

O Sr. Pinto da Motta: - Pergunto a V. Exa. se gosta da reacção monarchica pela forma como ella se está fazendo.

O Orador: - Perfeitamente, mais vale prevenir do que remediar.

O Sr. Egas Moniz: - Nos países civilizados ha essa liberdade que nos queremos é da qual não prescindimos.

Ha outros ápartes.

O Orador: - Eu respondo. Acredite o illustre Deputado que nenhum aparte me incommoda; pelo contrario todos me honram.

Eu não estava a estabelecer essa doutrina, encontrei-a estabelecida; não fui eu que prohibi essa manifestação de caracter republicano; encontrei, repito, essa doutrina estabelecida e entendi que não era occasião de revogar p que já .estava estabelecido; não fui eu que a estabeleci, repito.

Tenha tambem S. Exa. a certeza de uma cousa: se por acaso eu tenho permittido até agora essas manifestações, do que me não arrependo, convença-se de que se ellas fossem más para as instituições, para a ordem e porventura se incendiava o país por virtude d'ellas, não teria a menor duvida em as prohibir.

Folgo muito que ellas se tenham realizado, porque na Lousa, em Aveiro, em Braga e em outros pontos onde se realizaram excursões republicanas, os espiritos monarchicos teem-se levantado com grande impulso, grande boa vontade e uma grande energia. (Apoiados).

O Sr. Pinto da Motta: - A reacção é produzida pela indignação.

O Orador: - Folgo com essa indignação.

O Sr. Pinto da Motta: - São reacções apoiadas nas indignações.

O Orador: - Perfeitamente.

S. Exa. sabe muito bem que não fui eu quem pela primeira vez consentiu essas excursões. (Apoiados).

O Sr. Antonio José de Almeida: - Se fosse V. Exa. ficava-lhe muito bem.

O Orador: - É preciso não confundir uma cousa com outra. Se entendesse que devia prohibi-las, fazia-o, mas agora, nas circunstancias actuaes, e, quando a ordem é absolutamente garantida, não as posso, nem devo prohibir. (Muitos apoiados).

O Orador: - Folgo immenso com a declaração de S. Exa. S. Exa. é conservador e eu tambem o sou. Acredite que eu julgo perfeitamente compativel o espirito conservador, do qual não me aparto, com a tolerancia liberal.

O Sr. Affonso Pequito: - Apoiado!

O Orador: - Em conclusão, o que se vê é que o Governo consentiu uma excursão republicana á cidade de Braga, como muitas outras teem sido consentidas. (Apoiados na esquerda e direita).

O que este Governo fez foi mostrar-se mais severo com essas excursões do que com nenhuma outra tinha sido.

Mandou se parar e regressar o comboio á estação, por que dentro d'elle se soltaram vivas á republica; mandou-se que se fizessem prisões. Essas prisões foram mantidas e os presos enviados para o tribunal.

Aqui está como se manteve a ordem dentro da lei. (Apoiados).

O que mais se viu na cidade de Braga foi que as autoridades, e por ordem deste Governo, mantiveram os preceitos da lei, assegurando a ordem por tal forma que o illustre Deputado elogiou o procedimento das autoridades locaes. (Apoiados).

O Sr. Pinheiro Torres: - O que disse foi que se não fez em Braga o que aconteceu em outras terras, como por exemplo, em Portalegre, onde o governador civil consentiu que elles entrassem de noite aos vivas á republica.

O Sr. Antonio José de Almeida: - Elles, quem?

O Orador: - Se S. Exa. entende que o governador civil de Portalegre não andou bem, apresente os factos que conhece, em virtude dos quaes o procedimento da autoridade fosse menos consentaneo com os preceitos que se devem observar, para manter a ordem, e desde já declaro ao illustre Deputado que castigarei esse governador civil.

Agora, que mais resta?

As affirmações de fraqueza deste Governo não me ferem; neni me tocam, porque tenho a consciencia de que nunca fui na minha vida um fraco. (Apoiados).

Tenho a consciencia de que não é fazendo alardes de força, de que não é fazendo meias ditaduras, em occasiões como esta, que a força dos Governos se affirma. (Muitos apoiados).

Mas o que mais uma vez affirmo ao illustre Deputado e a toda a Camara, para que não haja equivoco, é o seguinte: é que fui sempre monarchico, sempre devotado á Coroa, e assim hei de viver e morrer; e que sempre fui um homem de ordem, e que a hei de manter sempre que seja necessario, com todo e qualquer sacrificio, tenha o illustre Deputado disso a certeza. Disse. (Apoiados da esquerda). (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Visconde de Ollivã: - Mando para á mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino e com brevidade, me sejam enviados os seguintes documentos:

1.° Uma copia de todo o processo da expropriação de terrenos feita pela Camara Municipal de Campo Maior, para a construcção da estrada nova chamada da Saude ou das Queimadas;

2.° Uma copia de qualquer contraio feito entre a Camara Municipal do Campo Maior e qualquer proprietario, ácerca da cedencia de parte do leito da antiga estrada da Saude ou das Queimadas e, no caso de não haver contrato algum a esse respeito, uma informação circunstanciada so-

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bre o conhecimento que a mesma camara municipal tenha de qualquer usurpação que algum proprietario confinante tenha feito d'aquelle terreno e, bem assim, informação dos meios adoptados para manter os direitos municipaes;

3.° Uma nota completa de todas as alienações de terrenos e de todos os aforamentos que a Camara Municipal de Campo Maior tem feito nos ultimos dez annos civis, com designações das datas em que se celebraram, forma porque se effectuaram, nomes dos contratantes e formalidades e autorizações que precederam essas alienações e esses aforamentos;

4.° Urna nota completa das estradas municipaes construidas pela Camara Municipal de Campo Maior e por qualquer das formas legaes desde 1888 até hoje, devendo indicar-se a extensão de cada estrada, seu principio e termo, forma por que foi construida, data da construcção e importancia d'esta. = Visconde de Ollivã.

Mandou-se expedir.

O Sr. Caeiro da Matta: - Mando, para a mesa uma renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 89-A de 1902, que tem por fim isentar da contribuição de registo as courelas em que se acha já dividida a herdade da Toura, sua na freguesia de S. Miguel de Machede, do concelho de Evora.

Mando tambem para a mesa um projecto de lei autorizando a Camara Municipal de Redondo a levantar, dos fundos do celleiro commum que administra, até a quantia de tres contos de réis, para ser applicada á captação de aguas e canalização; e ao saneamento da sede do concelho.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Antonio José de Almeida: - Tenho apenas vinte minutos deante de mim, mas estes bem aproveitados hão de chegar. Vinha resolvido a atacar o Ministro do Reino pelo seu espirito autoritario, reaccionario, intolerante e palaciano e isso farei. Mas, confesso, as minhas indignações teem que mudar, em parte pelo menos, algum tanto de rumo, porque a reacção, pela voz ultramontana do Sr. Pinheiro Torres, mais do que nunca e mais atrevidamente do que jamais, aqui soltou palavras de odio e de rancor theologico.

Eu, entretanto, não sei que mais admirar, se a audacia do Sr. Torres, se o amor e carinho com que o partido progressista o applaudiu em todas as passagens do seu discurso e especialmente n'aquellas em que pediu repressões ferozes e dirigiu á liberdade invectivas embebidas de fel jesuitico. Dir-se-hia até que o partido progressista, que tem o seu chefe corporeo, para as occorrencias usuaes de regedoria, no Sr. José Luciano de Castro e os seus leaders igualmente corporeos e terrestres em dois dos seus membros na Camara, que, a cada momento, estão tomando a palavra para a mecanica vulgar dos acontecimentos parlamentares, teom o seu chefe ideal, o seu leader espiritual, o seu provincial jesuitico, no Sr. Pinheiro Torres.

Que enorme e profunda tristeza! Ver nesta torva e dessorada decadencia o partido progressista, que teve nas suas fileiras homens que defenderam a liberdade religiosa com audacia e denodo e que, ha vinte annos, pela boca de um dos seus membros, no momento em que se discutia a concordata, exclamou estas palavras altivas: "Ponha-se o Nuncio na rua, cortem-se as relações com Roma; faça-se politica pombalina". Hoje os Navegantes são uma succursal de Roma e o Sr. José Luciano, mais Infimo que um sacristão, maneja ás ordens da Nunciatura como um velho raposo na domesticidade.

O Sr. Antonio Cabral: - V. Exa. não pode provar que nos, progressistas, applaudissemos o Sr. Pinheiro Torres fora daquellas passagens do seu discurso em que S. Exa. pediu a manutenção da ordem.

O Orador: - Mas isso para V. Exa. é tudo, é a repressão feroz, é a pancadaria, são ás perseguições de toda a ordem. Ainda mais. V. Exas. applaudiram o Sr. Pinheiro Torres contra o Sr. Wenceslau, a quem prometteram espectativa benevola. Hoje puseram a situação a claro. V. Exas. fizeram se com o nacionalismo contra o. Governo. E não tiveram para isso nem difficuldades nem rebuço.

Já é coherencia!... Já é amor dos principios...

O Sr. Pinheiro Torres disse ha pouco que isto ainda era nosso. Nosso de quem? Dos frades, das congregações religiosas, da santa inquisição?

O Sr. Matheus Sampaio, segundos depois, gritou tambem: "Isto ainda é nosso". Nosso, de quem? Da força armada, da municipal ou da policia?

Eu julguei, Sr. Presidente, que Portugal era dos portugueses, que esta terra infeliz e desgraçada era d'aquelles que n'ella nasceram, e n'ella teem trabalhado e soffrido. Mas, pelo visto, ha engano. Engano do Sr. Torres e do Sr. Matheus Sampaio. Isto é d'elles. Elles são donos da pátria. Nos labios do Sr. Matheus Sampaio,o orador faz-lhe essa justiça, aquellas palavras foram apenas uma frase. Nos labios do Sr. Pinheiro Torres ellas foram uma ameaça e um requerimento. S. Exa. com ellas pediu repressão sanguinolenta e amaldiçoou-nos com a maldição de Deus implacavel.

Mas quem fala assim tem de ser claro. O Sr. Pinheiro Torres tem o dever de declarar aqui quem foi o republicano que na excursão de Braga entrou numa igreja de chapeu na cabeça, fumando charuto.

O Sr. Pinheiro Torres: - Eu não disse que isso tivesse acontecido na excursão de agora. Foi de outra vez.

O Orador: - Foi de outra vez. Por occasião das calendas gregas... Todavia, pela maneira por que S. Exa. falou toda a gente comprehendeu que se tratava da excursão de domingo passado... Foi reserva mental do Sr. Pinheiro Torres!

O Sr. Pinheiro Torres: - Mas ha outro jacto igualmente grave. A autoridade prohibiu que alguns excursionistas montados em burros se photographassem em frente ao templo do Bom Jesus.

O Orador: - E onde está o sacrilégio desse acto? Se formos a isso, cousas mais originaes se teem passado sem o partido nacionalista haver feito reclamação alguma. Por exemplo, o Sr. Pinheiro Torres devia ter protestado contra as touradas que no Ribatejo se teem feito, por vezes, nos adros das igrejas.

Ora se é crime estarem em frente de um templo, montado em jericos, maior crime deve ser fazer touradas ao pé dos templos, porque, alem de jumentos, entram na funcção touros manhosos.

Continuando. O Sr. Pinheiro Torres, pois, não faz esforços por levantar o seu argumento do homem a fumar dentro do templo e da burricada a flanar no adro da igreja.

Quer dizer: elle proprio, nacionalista e clerical, reconhece a inanidade da sua objurgatoria.

A doutrina que S. Exa. formulou a respeito das excursões e outras manifestações politicas é deveras extravagante.

No entender de S. Exa. era offender os brios de Braga catholica e moriarchica o irem lá cidadãos livres em recreio pacifico.

Se nos acceitassemos esta doutrina, reaccionaria e truculenta, a cidade de Lisboa teria o direito de correrá pedrada todos os representantes da monarchia, porque, sendo

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Lisboa uma cidade essencialmente republicana, ella se consideraria, affrontada e enxovalhada com a presença dos homens da monarchia.

Imagine S. Exa. que o seu modo de ver era acceite pela gente de Aldeia Gallega por exemplo, que é, talvez, a terra mais massiçamente republicana de Portugal.

Um dia o Sr. Pinheiro Torres ia lá de passeio, flanando com a sua quinzena alvadia e o seu coco conservador e era um ar que lhe dava.

Os meus queridos correligionarios de Aldeia Gallega, vendo n'elle o Deputado clerical, o agente dos jesuitas, sentir-se-hiam affrontados, e, em harmonia com a theoria de S. Exa., pregavam com elle no meio do rio.

Essa doutrina é funesta e criminosa. A patria portuguesa nas suas das e logradouros publicos é dos portugueses, seja qual for a sua categoria e a sua politica.

A tolerancia deve ser geral, sem detrimento de ninguem, e a liberdade só pode ser restringida em nome da legitima liberdade dos outros.

Demais, o Sr. Pinheiro Torres está illudido ao suppor que Braga é feudo seu, dos clericaes e dos monarchicos. Engana-se. Em Braga ha muitos republicanos, muitos livres pensadores e sobretudo muita gente que, sendo autenticamente religiosa, não respeita os abusos que á sombra da religião teem sido praticados pela classe privilegiada dos sacerdotes, que, falseando a sua missão, enxovalham os preceitos e a moral de Christo.

Eu já fui falar a um comicio em Braga, deante de 4:000 ou 0:000 pessoas. Affirmando sempre como costumo, o meu respeito mais completo pelas legitimas crenças dos outros, formulei nessa reunião publica as ideias mais avançadas em materia de religião.

Disse que a questão religiosa só tinha, em Portugal, duas soluções possiveis: a fundação da Igreja nacional, acabando-se o celibato dos padres, ou, e era essa a minha opinião, a separação da Igreja e do Estado.

Muitos dos assistentes applaudiram-me. Os outros, quietos e calados, mostraram pelo seu correcto mutismo que estavam em desacordo com as minhas doutrinas de livre pensador. Offereci no começo do meu discurso a contradita. Ninguem a acceitou.

Mas quando eu atravessava a cidade, por entre os applausos de uns e a indifferença de outros, ninguem me maltratou. O povo de Braga deixou me até d'essa vez uma bella impressão.

Agora sei que esse povo não desmereceu da consideração que lhe devemos. Elle não recebeu mal os excursionistas. Pejo contrario, foi cortes e lhano para com elles. O que houve foi bandos de arruaceiros, como na Lousa, que perturbaram a ordem insultando os forasteiros, apredrejando-os e berrando como possessos até porem ás suas evoluções o ponto final de uma manifestação ao governador civil, que a transformou logo num triunfo para as instituições.

O Sr. Pinheiro Torres: - Foram cidadãos de Braga que fizeram essa manifestação monarchica, cidadãos serios. (Ápartes).

O Orador: - Deixe-o falar, Sr. Presidente. O Sr. Pinheiro Torres está hoje com uma infelicidade inacreditavel. Quanto mais fala, mais se enterra! Deixe-o fallar, por quem é.

Ha ruido, bagulho. O Sr. Presidente toca a campainha chamando á ordem.

Sr. Presidente: desejo que esta minha declaração fique bem expressa. Não estou atacando o povo de Braga. Estou atacando os arruaceiros, que a soldo da reação receberam á pedrada cidadãos pacificos, que professam um ideal de reivindicação patriotica e redempção nacional, que poderá ser combatido mas que ninguem, tem o direito de aggredir ou enxovalhar.

O Sr. Pinheiro Torres teve hoje um péssimo dia parlamentar. A sua jornada foi um desastre inqualificavel. É para S. Exa. se convencer de que só a verdade triunfa e só a justiça nos merece respeito. S. Exa. veio para, aqui provocar os republicanos para violencias que não estão nos seus hábitos, mas perante as quaes elles não trepidarão, se preciso for. Da sua boca hoje só saiu odio. Dai sua alma de nacionalista e de clerical só vingança resumou. S. Exa. não se lembrou ao menos das attenções lealissimas que a minoria republicana tem tido inalteravelmente para comsigo n'esta casa do Parlamento.

Pois enganou-se. Peça o que quiser. Por sua vontade, a forca estaria já levantada em Braga e nella a espernea-rem os liberaes, republicanos ou monarchicos, que n'aquella terra teem a coragem de romper com o despotismo ecclesiastico.

Nós não queremos offender a religião de ninguem, não magoamos as honradas crenças de quem quer que for, mas não toleramos especulações criminosas ou repugnantes á sombra de um credo que, conservado na sua pureza; merece os respeitos de todos os homens de bem, mas falsificado representa por si mesmo uma affronta indecorosa ao espirito liberal da nossa epoca.

O Sr. Pinheiro Torres tomou o Sr. Governador Civil sob a sua protecção, fazendo-lhe elogios sem conto. A sua sciencia, e seu tacto, a sua prudencia, a sua energia foram, diz S. Exa., admiraveis para. manter a ordem. Então que mais quer o Sr. Deputado nacionalista? A força para já? É cedo, Sr. Pinheiro Torres. Nunca mesmo terá, esse prazer, Sr. Pinheiro Torres; á sua alma de inquisidor não será dado usufruir esse supremo gozo, ad majorem Dei gloria.

As declarações do Sr. Ministro do Reino foram categoricas num ponto. Disse S. Exa. que não prohibia aã excursões republicanas. Disse bem e fazendo isso não nos fez favar nenhum. Cumpriu a lei e nada mais.

S. Exa. deve estar satisfeito. Eu considerava-o um autoritario, um ultra-conservador e um monarchico palaciano. Faço-lhe a guerra que posso e n'ella não descansarei um momento que seja. Todavia, como é original a sequencia dos phenomenos politicos trinta vezes peor do que o Sr. Ministro do Reino é o Sr. Pinheiro Torres. Porque é mais reaccionario, mais truculento, mais perseguidor.

E emquanto o Sr. Wenceslau de Lima tem uma monarchia, aliás condemnada por si propria, a defender, o Sr. Pinheiro Torres, com a alma vincada por uns poucos de séculos de sacristia, tem que defender todos os interesses de uma seita nefasta, que se obedece a Roma e para quem a Pátria é cisco, é zero, é nada. E porque o Sr. Pinheiro Torres é mais perigoso que o Sr. Wenceslau de Lima. Emquanto o segundo tem por si os: sabres e as bayonetas que poderão, no lance de uma conflagração, voltar-se contra elle, o Sr. Pinheiro Torres tem na sua cauda essa milicia funebre que sae dos antros e dos tumulos, implacavel e sinistra, que, ainda que o esmagasse ou engulisse, continuaria seguindo, de pupila ensanguentada, a sua obra de tragica tyrannia das almas.

Eis a razão por que neste debate,, sem duvida um dos mais apaixonados que tem havido nesta Camara, eu sobretudo me votei a um ataque contra a intolerancia religiosa, deixando um pouco ao abandono a intolerancia monarchica.

Mas o Sr. Wenceslau de Lima não vá pensar commo-damente para as suas vaidades de Ministro que o seu triunfo de hoje sobre a reacção clerical lhe dá tambem foros de um triunfador perante a consciencia dos republicanos. Não. Os republicanos estão sob este ponto de vista no campo neutro, que é por excellencia o campo onde se defendem os verdadeiros interesses da patria.

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Se num momento, como hoje, vemos que é a reacção religiosa que conspira, contra ella vão os nossos golpes. Se noutra occasião é a tyrannia monarchica que levanta a cabeça, logo nos erguemos para lha abater. Não contando a guerra permanente, sem hiatos nem interrupções, que a uns e outros devemos e sem fraqueza lhes movemos a todo o instante.

Mas, repito, o Sr. Wenceslau de Lima hoje teve um dia afortunado e venturoso.

Os ataques insolitos do Sr. Pinheiro Torres levaram-no a collocar-se um pouco melhor na questão geral, eu o creio, do que se collocaria se me respondesse a mim.

Mas alem da questão geral, pelo que diz respeito ao direito que será mantido aos republicanos de fazerem as suas excursões, ha a questão especial da excursão a Braga, que precisa de ser tratada com toda a profundeza, para serem convenientemente castigados os. criminosos.

S. Exa. disse ha pouco que não tinha ainda o relatorio official do governador civil de Braga sobre os acontecimentos que se deram n'aquella cidade, e, portanto, não podia dizer como as cousas se passaram nem se merecia a sua approvação o procedimento das autoridades.

A minoria republicana espera, pois, da lealdade de S. Exa. que, mal receba esse relatorio o traga ao Parlamento, para eu ou qualquer dos meus collegas, e todos melhor do que eu, o discutirmos e apreciarmos largamente. E esse um direito de que não prescindimos, nem do caso levantaremos mão emquanto não forem tomadas providencias para os criminosos serem castigados.

E, no entanto vou dar a S. Exa. alguns topicos principaes sobre os acontecimentos, para S. Exa. melhor poder interpretar, corrigir ou rectificar os informes officiaes que lhe derem.

Em primeiro logar, a paragem do comboio, imposta á saida da gare do Porto pela autoridade, foi abusiva. Dizem que se levantaram alguns vivas á republica quando o comboio ia a partir. Não digo que não, más isso não e crime. Ha um acordão da Relação do Porto onde, por unanimidade, se confirma uma sentença do juiz Sr. Leotte que considerava como legaes os vivas á republica sempre que elles não tivessem em mim offender, desrespeitar autoridades e provocar conflictos com quem quer que fosse. É claro. Ideia de offensa não podia ali haver, visto que os excursionistas em marcha não tinham ao pé de si quem offender. De mais, em Portugal, mesmo nos periodos ominosos da ditadura franquista, foi sempre permittido que cada um, em recinto fechado, em sua casa, em banquetes, em sessões solemnes de centros e associações, desse vivas á republica. Os excursionistas iam num comboio alugado que lhes pertencia até Braga, estavam numa espécie de domicilio transitorio, onde eram inviolaveis.

Em Braga foi prohibida a conferencia que estava, an-nunciada, o que foi um verdadeiro attentado á liberdade de pensamento e pelo qual o Sr. Ministro do Reino tem que pedir contas severas ao governador civil d'aquella cidade.

Quando o Sr. Alfredo de Magalhães estava falando numa praça da cidade, com o fim louvavel e util para a ordem publica de recommendar aos seus correligionarios a máxima prudencia perante os insultos dos arruaceiros de Braga, o administrador do concelho, mandou abusivamente calar. E quando o Sr. Alfredo de Magalhães, com nobre e altiva energia, lhe lançou em rosto o seu passado de revolucionario e conspirador contra as instituições, elle fez avançar a cavallaria, que teria commettido mortes e ferimentos se não fosse a louvavel prudencia e honroso espirito de justiça do official que commandava a infantaria, que. precipitando-se para a frente dos cavalios, impediu uma scena horrivelmente sangrenta. É bem de ver que, se a chacina ordenada pelo administrador não fosse uma cousa violenta, o official de infantaria se não intrometteria no caso pelo acato que devia á autoridade administrativa.

Essa intervenção é, pois, a prova irrefutavel da desvairada ordem do administrador do concelho, que, sentindo-se vexado pela ostentação do seu passado, que aliás o ennobrecia se elle tivesse a hombridade de o manter em coherencia, perdeu a cabeça a ponto de ordenar aquella matança, que felizmente se não realizou.

As pedradas e os tiros com que foi atacado e comboio dos. excursionistas á saida de Braga, e nalguns pontos do trajecto, constitue um facto que todos os jornaes citam, e é um crime gravissimo em todos os países, que por decoro nosso não pode ficar impune. Não se trata somente de alguns vidros partidos nos vagons que marchavam, nem de algumas cabeças de excursionistas rachadas. Trata-se da possibilidade de uma pedra prostrar o machinista e o comboio, sem governo, numa abalada furiosa, fazer victimas sem conto.

Este acontecimento, de uma excepcional gravidade, precisa ser castigado com energia, porque mostra todas as aggravantes de premeditação e sangue frio, muito especialmente nos pontos do trajecto onde ninguem estava sob a influencia directa dos acontecimentos de Braga.

Finalmente ha o descarrilamento na gare do Porto. Diz se e parece que com fundamento que elle foi propositado e criminoso. Se o foi, que castigo merece isso? Mas eu trepido em emittir. opinião sobre o monstruoso caso. Por honra da humanidade, custa-me a crer nesta infamia. Espero os esclarecimentos que o partido republicano está colhendo no Porto. Depois falaremos.

Vou terminar porque a hora está esgotada.

O Sr. Pinheiro Torres perguntou para onde iamos. Exclamou, iracundo, que a sociedade não podia avançar, porque a cada passo tropeçava com ciladas dos inimigos das instituições. É. preciso ser audacioso para dizer tal cousa. Somos nos os cidadãos tranquillos que vamos fazendo a nossa propaganda pacifica e leal quem se vê assaltado no seu caminho por criaturas do peor jaez e é o Sr. Pinheiro Torres quem, protegendo essa gente, vem pedir ordem, garantias de tranquillidade publica, repressões, em summa. É espantoso. E se não se tratasse do Sr. Pinheiro Torres, que é calculado e astuto, sabendo bem o que diz, BU chegaria á conclusão de que havia uma grande dose de inconsciencia nas aifirmações de S. Exa. Assim, sabe-se que não ha. O que ha é rancor, é odio, é má vontade, é desejo de espingardear a liberdade, visto ser impossivel pendurá-la de uma força.

Veja o Sr. Presidente do Conselho com que gente está mettido. Os progressistas que lhe prometteram espectativa benévola e leal, hoje, descobrindo as suas trincheiras, puseram-se ao lado do nacionalista, ferindo-o V. Exa. É um aviso eloquente. E o nacionalista, que se diz monarchico, procurou ferir por todos os lados o Presidente do Conselho, que é um monarchico e um palaciano, para lustre e gloria da monarchia.

Veja V. Exa. com quem está mettido. De ouvidos aos conselheiros que o cercam e verá a paga que tem. Nos, republicanos, somos seus inimigos irreductiveis. Eu digo e sustento com argumentos de toda a ordem que S. Exa. tem tido uma conducta desconnexa, arbitraria, inintelligente e completamente desnorteada. Mas nem eu nem os meus collegas ainda disseram a S. Exa. que a conducta de S. Exa. não fosse seria. Essa accusação quem a fez foi o Deputado nacionalista, ha pouco. E fê-la com todas as letras.

O Sr. Pinheiro Torres: - Eu disse isso sob o ponto de vista politico.

O Orador: - E com reserva mental, certamente...

E todavia o Sr. Pinheiro Torres diz-se amigo das instituições e amigo politico do Sr. Wenceslau de Lima, visto que os dois são monarchicos encartados.

Se o Sr. Wenceslau de Lima não ficar inteirado desta

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vez, é porque a sua vista não é de grande alcance. Faça-se com a reacção clerical e verá os desastres que de ahi lhe veem.

De resto, S. Exa., arrastado na asa da loucura, que tudo agita o mundo conservador de Portugal, é capaz de todos os despotismos, de todas as reacções. No fundo da sua consciencia, porem, e neste momento ao menos, creio bem que o Sr. Wenceslau de Lima julgará de si para si: "Antes inimigos como o Antonio José de Almeida do que amigos como o Pinheiro Torres".

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia, os Srs. Deputados que tiverem papeis para mandar para a mesa podem faze-lo.

O Sr. Matheus Sampaio: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento.

Requeiro que pela Direcção Geral do Ultramar me seja remettida copia do relatorio do general de engenharia José Emilio de Sant'Anna Castello Branco, quando foi a Timor syndicar a administração do governador José Celestino da Silva. = Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio.

Mandou-se expedir.

O Sr. Alberto Navarro: - Mando para a mesa os pareceres das commissões de administração publica e de fazenda sobre o projecto de lei n.° 77-B, concedendo á Camara Municipal de Santarém as ruinas do extincto convento de Santa Clara, com as suas dependencias, as cercas e edificios annexos, para ahi fundar um bairro de casas baratas.

Foi a imprimir.

O Sr. José Cabral: - Mando para a mesa os pareceres da commissão de administração publica, ouvida a de fazenda, sobre o projecto que autoriza a administração da Caixa Geral de Depositos a emprestar á Camara Municipal de Santarém 90:000$000 réis e á do concelho da Gollegã 34:922$000 réis ao juro de 5 por cento ao anno, para embolsar a Companhia Geral de Credito Predial e a Caixa Geral de Depositos das sommas de que forem credoras.

Foi a imprimir.

O Sr. Conde de Azevedo: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha, me sejam enviadas:

1.° Copias dos relatorios da capitania de Caminha, de junho de 1904, 17 de julho de 1905 e 15 de fevereiro de 1908 é de outro qualquer posterior, se algum foi enviado.

2.° Copia dos seguintes pareceres da commissão central de. pescarias: n.° 42, de 16 de junho de 1904; n.° 16, de 27 de fevereiro de 1905; n.° 284, de 12 de fevereiro de 1900, e n.° 10, de 24 de fevereiro de 1908.

3.° Copia do parecer da mesma commissão n.° 38 de 1906 e do relatorio a que nesse parecer se faz referencia e que foi apresentado á mesma e com que a dita commissão concorda, relativo a assuntos de pesca no Rio Minho. = O Deputado, Conde de Azevedo.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 8, reorganização da Caixa Geral de Depositos

O Sr. Rodrigues Nogueira (relator): - Dirá duas palavras apenas em resposta ao Sr. Deputado Antonio Centeno, que não está presente, mas que tem a amabilidade de por carta, lhe pedir desculpa de não poder assistir a esta sessão.

Isso dá-lhe inteira liberdade para responder ao discurso de S. Exa., tanto mais que no que tem a dizer não ha nada que nem sequer ao de leve o possa magoar.

S. Exa. disse que tanto o conselho fiscal da Caixa que elaborou o projecto como o Ministro que o adoptou e a commissão que depois sobre elle deu parecer, tinham sido menos cautelosos no seu estudo, porquanto a divida do Estado á Caixa não era de 1:900 contos de réis. Elle, orador, prova a S. Exa. com a citação das leis e verbas orçamentaes que o erro está da parte de S. Exa., porquanto o debito é effectivamente esse.

Não concordou S. Exa. tambem na forma como na Caixa se faz a escrituração e sobretudo o balanço. Elle, orador, concorda em grande parte com as considerações de S. Ex.a, mas é preciso attender a que até aqui o balanço não se podia effectuar como S. Exa. deseja, por isso que não havia fundo de reserva; agora por esta lei é que, criado esse fundo, já o balanço assim se pode fazer e muito será para desejar que o Sr. Ministro da Fazenda faça essa recommendação á Caixa.

Outro reparo de S. Exa. foi para a condição 5.ª do artigo 2.° da base 1.ª Sem entrar em largas considerações chama a attenção da Camara para a importancia que pode ter para a vida do país a inserção d'esta condição que julga necessaria.

Isto, disse o Sr. Centeno, é uma autorização para que a Caixa entre no campo da especulação. Ora é necessario conjugar Q que se diz neste artigo com o que se diz no paragrapho e ainda com o que se lê mais adeante na outra base para se ver que a Caixa não pode entrar em especulações, pois só lhe é permittido comprar titulos de divida publica.

Outro reparo de S. Exa. foi a autorização da Caixa abrir conta corrente, o que considera perigoso, e não existe em nenhum banco, a não ser, parece, no Credit Lyonnais.

Ora, perguntando-se a elle, orador, se este projecto é perfeito, tem a responder que não pode, por modo nenhum, attingir uma extrema perfectibilidade, porque nada neste mundo é perfeito. Perfeito só Deus, mas Deus não é deste mundo. E sem querer entrar em questões biologicas ou religiosas, já ouviu contestar essa doutrina de perfectibilidade de Deus, pois que. Deus, tendo criado Adão e Eva e plantando a arvore do mal, melhor seria não a ter plantado.

Duas cousas essencialmente boas tem este projecto, que constituem o fundo e a base delle: a liquidação de contas entre Caixa e o Thesouro Publico, que tem sido uma immoralidade não se fazer, e, ainda, regularizar os serviços . da Caixa Geral dos Depositos, que tem sido outra immoralidade.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Brito Camacho: - Não sabe qual o destino que terá o projecto que se discute. Já ouviu dizer que ia juntar-se ao projecto de casas baratas, ficando os dois a dormir o somno eterno das cousas inopportunas. Se o projecto das casas baratas não era inopportuno, no momento em que a vida é diificil e cara, entende que regularizar a situação do Thesouro perante a Caixa Geral de Depositos e reorganizar os serviços da administração desta casa tambem não é, nem pode ser, uma cousa inopportuna. Impõe-se mesmo como necessario e urgente.

A situação entre a Caixa e o Thesouro e reciprocamente, não pode continuar, e fácil seria, com um pouco mais de trabalho e boa vontade, ter-se trazido á Camara um projecto que regularizasse essa situação, e que todos os membros desta Camara independentemente do seu criterio politico aprovassem.

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O Sr. Ministro da Fazenda na segunda vez que falou nesta casa do Parlamento, declarou que não tinha interesse absolutamente nenhum neste projecto. Esta declaração feita pelo Sr. Ministro da Fazenda, desde os defeitos que já foram tornados, patentes por todos os oradores que sobre o projecto teern falado, era- por assim dizer um convite á Camara para elle não ser approvado.

Tinha elle, orador, estranhado que, quando se discutiu o projecto das casas baratas, ninguem da parte do Governo tivesse usado da palavra, tanto mais não fosse o Sr. Ministro da Fazenda sobre o seu modo de pensar ácerca da legislação social. Aproveitou o Sr. Ministro da Fazenda a primeira opportunidade para de certo modo repudiar o projecto que tem sob a sua responsabilidade.

O presente projecto era indispensavel que fosse votado nesta sessão legislativa. Era, mesmo, absolutamente indispensavel; porque continuar a Caixa Geral de Depósitos na situação que tem perante o Thesouro, era continuar a anarchia em uma das principaes e mais importantes repartições do Estado, que podia dar margem a actos verdadeiramente criminosos.

De resto, este projecto tal como: é, com os seus defeitos que já foram apresentados, afora outros, tem por fim mostrar bem clara a péssima administração da parte dos poderes publicos. Depois dos adeantamentos não conhece elle, orador, outro documento mais compromettedor do zelo, da intelligencia em autoridade administrativa, como o projecto em discussão.

Este projecto, como se affirma no relatorio, destina-se a reorganizar os serviços da Caixa Geral de Depositos e regularizar a situação da Caixa perante o Thesouro. A historia desta situação é tudo quanto ha de mais estravagante. Ha argumentos sufficientes para demonstrar que nas relações mutuas entre o Estado e á Caixa tem-se procedido de maneira que justificava qualquer intervenção a que não fosse alheio o Codigo Penal. 60:000 obrigações, de 4 1/2 por cento estavam na posse da Caixa Geral de Depósitos. Foi autorizada a Direcção, Geral da Thesouraria a desviar essas obrigações, não ficando, nesse momento, a garantir esse desvio mais do que o officio em que tal desvio era ordenado. Essas obrigações, saindo da Caixa Geral de Depositos, foram para a Thesouraria constituindo um deposito. Esse deposito foi alienado. Essas obrigações foram vendidas. E se da parte do Governo não houve a honestidade bastante para não fazer um abuso criminoso d'essas obrigações, da parte da administração da Caixa Gerai de Depositos não houve o zelo necessario, não houve a consciencia bastante do mau acto que se praticava, para impedir que fossem enviadas essas obrigações sem nenhuma espécie de garantia seria e efficaz.

Se é assim por esta forma que procedem os Governos, e se é assim que procedem as administrações de repartições como a Caixa Geral de Depositos, elle, orador, ousa perguntar se porventura isto não será apenas um dos innumeros casos de má e deshonesta administração. Este abuso, este crime, não é mais do que um da longa serie que constitue a trama dos abusos e ciumes praticados em Portugal pelos homens publicos.

Ha a necessidade que se impõe não, de approvar este projecto, como está mas, pelo menos, de tomar as providencias para que se não permitta que esta situação deprimente para os homens publicos portugueses e compromettedor para os interesses de muitos individuos e corporações continua por mais tempo.

Quando ha pouco dizia que este documento- provava a falta de zelo e honestidade administrativa, disse-o, o orador, muito propositadamente, em face das proprias, palavras do relatorio da Caixa Geral de Depositos.

Durante, dezaseis annos não se publicou um unico relatorio. A administração da Caixa Geral de Depósitos não se permittiu a liberdade de publicar os relatórios e de prestar contas, e os Governos não exigiram o cumprimento do que era uma disposição legal e regulamentar. Os relatorios haviam de transitar para a Direcção Geral da Thesouraria, mas esta jamais se importou com isso. No Parlamento tambem não se fez uma reclamação exigindo a apresentação desses relatorios e dessas contas.

E com a falsificação dos relatórios, depara se nos a falsificação dos Parlamentos portugueses. Tudo se conjuga, tudo se harmoniza e tudo se explica.

Confessa-se que houve um desvio de 60:000 obrigações de 4,5 por cento, e o Estado não só não restituiu essas obrigações, mas nem sequer pagou os respectivos juros que contam o melhor de tres mil e tantos contos de réis. Essas obrigações retiradas da Caixa Geral de Depositos e transferidas para a Thesouraria como deposito encontraram um infiel depositario que as distrahiu, sendo, portanto, a sua restituição absolutamente impossivel.

Propôs o Sr. Espregueira que se regularizasse esta situação. Assim se justifica o projecto. O seu relatorio diz que se pagão capital das obrigações em titulos da divida interna e os juros por meio de determinada annuidade, tornando-se assim mais facil este jogo de contas.

Ora, á verdade é que se tornava muito mais facil se se consolidasse toda a divida.

Pergunta, elle, orador, a seguir, que destino levaram os 11:000 contos de réis que, devendo ser para regularizar a situação do Thesouro Publico com a Caixa Geral de Depositos, foram não se sabe para onde.

Não foram para a caixa, e não se sabe onde param.

Diz o relatorio que a solução que se propõe não só facilita o pagamento da divida com os titulos existentes na posse da Fazenda, como tornando amortizavel parte da divida, obedece aos bons principios, sem graves encargos orçãrnentaes, nem prejuizo para a caixa.

Portanto, se existem os titulos na posse da Fazenda, não se precisa do artigo 2.° do projecto de lei.

A razão de fazer-se a liquidação de uma parte da divida e amortizar a outra parte é absolutamente graciosa, porquanto o Thesouro precisa sómente de facilidade nos seus pagamentos.

Não tem dinheiro e precisa de recomposição dos seus creditos.

Mais facil, e mais acceitavel era a proposta do Sr. Espregueira, visto como consolidava toda a divida.

Parece que a situação do Thesouro é realmente risonha e prospera, é os Ministros da Fazenda por via de regra julgam-se obrigados a dizer sempre que a situação não é má, que apenas ha algumas difficuldades, venciveis com as propostas que S. Exas. conceberem - e que a Camara sempre approva - tornando-se assim a situação desafogada.

O Sr. Espregueira foi de um optimismo espantoso, dizendo que deviamos confiar nos nossos próprios recursos, sem ser necessario empregar meios ou processos extraordinarios.

A contrapor se a este optimismo do Sr. Espregueira temos o pessimismo do Sr. Paula Azeredo, que-numa, das poucas vezes que falou, na Camara - foi Dizendo que era necessario impor sacrificios ao país e que mais impostos eram necessarios lançar.

O Sr. Espregueira fez ainda a nitida affirmação de que o orçamento este anno appareceria equilibrado e assegurava-o pela forma que indicara.

Segundo affirmou largamente o Sr. Pereira de Lima, a annexação da Caixa Economica não devia existir.

Elle, orador, tem a dizer que essa affirmação nada tem de dogmatica.

A opinião do Sr. Pereira de Lima tem adeptos.

O que é certo, porem, é que não tem resultados beneficios senão para a ganancia insaciavel do Estado.

Muitas vezes se tem falado na necessidade de criar o credito agricola.

E, assim, o Sr. Ministro das Obras Publicas D. Luis

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de Castro tencionava trazer á Camara qualquer projecto nesse sentido.

Já o anno passado se votou á pressa uma especie de criação de credito agricola. Mas nada ficou resolvido por emquanto.

A Caixa Economica com a Caixa Geral fazem uma tão apertada concentração, de capitaes que, a seu ver, o estabelecimento do credito agricola mais difficuldades encontraria.

Neste projecto de lei, distingue-se ainda o Monte de Piedade, que é meramente uma criação de lei, porquanto nunca funccionou, porque nunca se organizaram esses serviços, porque nutica ninguem concorreu a esse montepio, e porque o Estado apenas o dotou com uns 200 contos de réis em fracções.

Nos termos do regulamento esse Montede Piedade era positivamente uma repartição de policia. Basta ler o artigo 209.° E acceitando a intelligencia e zelo de toda a gente, o orador diz que todos os artigos regulamentares não passaram de um desconchavo de disparates.

Quer o orador que nos cantratos da caixa com o Governo para a collocação de titulos de qualquer emprestimo legalmente emittido ou de outros valores fiduciarios na posse do Estado fique bem garantido. E, portanto, em sua opinião, achava necessario supprimir-se a palavra fiduciarios.

O Sr. Rodrigues Nogueira (relator): - Mande S. Exa. uma emenda para a mesa nesse sentido, que a commissão não terá duvida em a acceitar.

O Orador: - Declara que apresentará^essa emenda.

Analvsando a alinea 8.ª do artigo 1.°, admira-se que

ainda se não tivesse discutido o bill de indemnidade.

O Sr. João de Menezes:-É uma cumplicidade escandalosa! .

O Orador: - Não sabe-se é cobardia negar o bill á ditadura. Ha actos ditatoriaes absolutamente irremediaveis, e teem de acceitar se, mas ha muitas providenciam di-iatoriaes, para as quaes a Camara não pode dar sancção.

Todos esses que gritavam contra a ditadura, que encareceram a sua inutilidade, a sua violencia, os seus propositos e os seus actos criminosos, tinham a obrigação de liquidar tudo na primeira sessão legislativa.

Referindo-se, ainda, á caixa economica, observa que esta tinha poucas succursaes, e pelo país fora tem-se feito uma propaganda quasi negativa. Alem disso - acrescentou - essas delegações da caixa economica não eram nenhuma innovação do projecto, porquanto já estava na lei de 1895.

Sobre o § 2.° do artigo 4.° pergunta, o orador, ao Sr. relator do projecto se porventura a administração da Caixa se permitte a liberdade de não respeitar a individualização dos titulos, dando ao depositante aquelles que elle não depositou, mas os que a Caixa lhe aprouver dar.

O Sr. Rodrigues Nogueira (relator): - Pela lei não é permittido.

O Orador: - Continuando, diz que o Governo alcança da Caixa dinheiro por um preço mais baixo do que se fosse buscá-lo a outra entidade. Em seu entender, achava que o preço devia ser o mesmo.

O Sr. Rodrigues Nogueira (relator): - Observa que essa disposição no projecto não é nova, pois que é a reproducção fiel da lei de 1876.

O Orador: - Declara, seguidamente, que uma das -funcções da Caixa é fazer adeantamentos de vencimentos aos empregados publicos. Dá-se o caso curioso, porem, de ter a Caixa recusado adeantamentos a funccionarios publicos, allegando que tinham adeantamentos que datavam de 10 a 16 annos e que ainda não estavam liquidados. Aconteceu até que a um certo funccionario que ha 12 annos tinha feito um adeantamento, que nunca foi liquidado, não lhe foi perrnittido fazer novo adeantamento, obrigando o á liquidação d'aquelle com os respectivos juros.

Recorda-se a Camara, certamente, da larga e apaixonada discussão a proposito do emprestimo do Sr. Espregueira - e que foi o pretexto para se eliminar um Ministro, que desappareceu sem deixar saudades a ninguem. O Sr. Ministro da Fazenda de então, querendo contratar um empréstimo de quatro mil e tantos contos de réis, não se dirigiu á Caixa, a quem o Thesouro devia dinheiro, e foi dar beneficios a entidades particulares. Depois de tudo isto não era de esperar que o Sr. Espregueira acautelasse os interesses da Caixa numa proposta de lei, mas era pelo menos de esperar que a commissão, com este ensinamento, não deixasse no projecto uma porta aberta para que outros Ministros não procedessem da mesma forma.

Pergunta portanto o orador ao Sr. relator se a commissão teria repugnancia em aceitar uma emenda em que se. consignasse que em todos os emprestimos que o Governo fizer á Caixa Geral seja convidada a participar n'elles, caso a emissão não seja por concurso?

O Sr. Rodrigues Nogueira (relator): - Declara que essa pergunta é de gravidade.
Não pode portanto responder em nome da commissão. Apresente S. Exa. uma emenda e a commissão a tomará na devida consideração.

O Orador: - Acha lamentavel que alem da falta de zelo que tem havido por parte da administração da Caixa haja uma extraordinaria falta de pessoal, apesar da grande complexidade de serviços. É todavia bom de notar - accrescenta - que nalgumas repartições os empregados que trabalham, pelo menos, duzentos e sessenta dias uteis teem de fazer tarefas, aproximadamente trezentas por anno!

Bom seria pois, que se regularizasse a situação dos empregados da Caixa Geral de Depositos, não só dos que estão, mas dos que para o futuro tenham de entrar.
Para que não naufrague a respeitabilidade que podem ter os homens publicos e para que não fique pairando no espirito publico a suspeita de que os mesmos processos se continuam a usar na Caixa Geral de Depositos, tem elle orador, a honra de mandar para a mesa uma proposta a fim de se fazer esse inquerito parlamentar á Caixa desde 1890.

Terminando, mando para a mesa as seguintes

Propostas

Entre as publicações dos dois ultimos relatorios e contas da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia decorreu um periodo largo de dezaseis annos. O facto obedeceu ao proposito confessado de occultar do publico o estado chaotico e ruinoso d'aquelle estabelecimento, cuja administração, dada a proveniencia da maior parte dos fundos que lhe são entregues, devia ser feita copa os maiores escrupulos de honestidade administrativa, tão clara tão patente ao exame de todos, que nem a mais leve suspeita pudesse recair sobre ella. Agora, mais pela força das circunstancias que pela virtude dos homens, tornou se
conhecido o systema de falsidades que tem enredado a administração d'aquelle estabelecimento publico, que recebe e põe em giro muitos milhares de contos de réis.

Considerando que é indispensavel averiguar ácerca da verdadeira situação da Caixa, não só quanto ás suas relações com o Thesouro Publico, mas tambem quanto ás im-

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prescindiveis garantias que ella pode effectivamente offerecer aos individuos e collectividades que voluntariamente ou por indisposição da lei vão ali depositar valores;

Considerando que mais prejudica o credito de uma tal instituição a suspeita que sobre ella paire quanto ao zelo, probidade e competencia com que se administra do que o conhecimento dos erros ou faltas que hajam commettido na sua administração.

Proponho que seja autorizada a presidencia a nomear uma commissão de inquerito parlamentar á Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia abrangendo o periodo que decorre desde 1890, entrando nessa commissão elementos de todos os grupos da Camara. = Brito Camacho.

Proponho que na alinea 5.ª do artigo 5.° da base 1.ª se suprima a palavra a fiduciarios".

Proponho que se accrescente ao artigo 1.° da base 2.ª este paragrapho unico:

"§ unico. A Caixa Geral de Depositos será convidada a participar em todos os empréstimos que o Estado emittir, não sendo a emissão por concurso, tomando-as pela cotação minima. = Brito Camacho".

Consultada a Camara foram admittidas, ficando em discussão juntamente com o projecto.

(O discurso será publicado na integra, quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

(Leram-se na mesa as propostas, sendo admittidas).

O Sr. Presidente: - Ha uma outra proposta que não diz respeito á materia do projecto, por consequencia fica para segunda leitura.

O Sr. Ministro da Fazenda (Paula Azeredo): - Eu pedi a palavra para ler á Camara as propostas de fazenda a que me referi ha já alguns dias, e que não tenho tido occasião de apresentar; antes disso porem, desejo fazer umas ligeiras referencias ao discurso que acabo de ouvir ao Sr. Deputado Brito Camacho.

Referiu-se. S. Exa. á questão dos adeantamentos, á liquidação de adeantamentos que se está fazendo na Caixa Geral de Depositos. S. Exa. tem razão n'aquillo que disse. Eu fui o primeiro a reconhece-lo, mas encontrei-me, quando esse caso me foi sujeito, numa das difficuldades que são frequentes em todas as administrações; a questão é que o chefe da repartição vê-se muitas vezes em difficuldades perante reclamações que são feitas, mas que a lei não permitte. E o caso em que a Caixa se encontrou perante os adeantamentos a que S. Exa. se referiu. A Caixa, pela legislação existente, não pode deixar de exigir os juros de mora. Se S. Exa. quiser tomar a iniciativa de um projecto de lei relevando os empregados do pagamento dos juros de mora, não tenho duvida em o apoiar como membro do Governo; agora, emquanto subsistir a legislação actual, não terei remédio senão apoiar a Caixa nas suas exigencias, para que S. Exa. não tenha o direito de vir aqui dizer que estou violando a lei. A verdade é que o Ministro podia corrigir deficiencias da lei, mas é caminho perigoso, e pelo qual não desejo enveredar senão quando os motivos que me impillam a isso sejam de natureza tal que eu possa dizer ao país, "saltei por cima da lei porque interesses de alta monta me obrigaram a isso".

Emquanto, porem, se não derem circunstancias desta ordem para que eu assim possa falar de cara levantada deante de todos e em toda a parte, prefiro antes cingir-me á lei, praticando mesmo um acto que em minha consciencia me custa praticar, a expor me a ser accusado por a haver violado.

Ha outro ponto do discurso de S. Exa. a que desejo referir-me ligeiramente: é á proposta com que S. Exa. terminou o seu discurso. Eu talvez hesitasse em fazer a proposta que S. Exa. fez, porque já tive occasião de dizer que no momento em que por parte da administração da Caixa se mantém um certo esforço e boa vontade por tudo quanto lhe diz respeito, parece não ser occasião muito justa para lançar sobre ella a sombra de uma suspeição. Mas desde que S. Exa. apresentou uma proposta de inquerito, eu entendo que a devo acceitar e não só sobre a Caixa, como ácerca de todas as propostas de inquerito cuja iniciativa seja tomada por qualquer membro do Parlamento.

Antes de ler as propostas que vou apresentar, seja-me licito dizer algumas palavras sobre as razões que me levaram a formulá-las.

Já no outro dia quando me coube a honra de responder ao Sr. Anselmo Vieira tive occasião de dizer algumas palavras em justificação d'essas propostas, que julgo necessarias.

Ao tomar conta da pasta da Fazenda vi a difficuldade do meu cargo.

Sob o ponto de vista technico, o Ministerio da Fazenda, como bem disse o Sr. Pereira de Lima numa das sessões passadas, tem dois serviços differentes, o da Thesouraria propriamente dito e o dos impostos.

Cada um destes serviços seria sufficiente para occupar a attenção de um Ministro, e muito mais de um Ministro que se apresenta sem tirocinio nem preparação para uma missão tão grave.

Os problemas que dizem respeito á Thesouraria são problemas que podem ter difficuldades, mas são daquelles e da mesma ordem que se encontram nos mesmos ramos dos outros Ministerios.

As difficuldades que possam apresentar-se são difficuldades que não revestem um caracter de grandes discussões ás operações financeiras são obrigadas a regras mais ou menos fixas, é conhecidas de todos os homens que se dedicam a esses assuntos, emquanto que os problemas relativos a impostos são sujeitos a discussões demoradas e a divergencias e apreciações muito variadas.

A minha entrada para o Ministerio foi chamada a minha attenção para a primeira d'estas questões, para o problema da Thesouraria.

Este assunto impõe-se sempre ao Ministro que pela primeira vez entra no Ministerio.

É por isso que as propostas que tenho a honra de apresentar á Camara teem de ser consideradas verdadeiramente propostas de thesouraria.

Consistem essas propostas na criação de titulos que considero absolutamente indispensaveis.

Tem por fim salvar o Thesouro das difficuldades que resultam dos vencimentos a prazo.

Com isto, não quero

Cheguei mesmo a preparar um projecto de reforma da contribuição predial.

Esta contribuição, como a Camara sabe, obedece ainda hoje a processos que já eram obsoletos ha cincoenta annos. Em todo o caso, nenhum Governo tem arcado de frente com esta difficuldade.

E, conseguido este trabalho, devo declarar que hesitei tambem em o apresentar, porque as difficuldades que se me antolham e deveriam surgir, quando posto em pratica, foram taes que me pareceu descabido um projecto de tal ordem em um final de sessão como aquelle a que eu tinha de assistir.

Considerando a questão por outro lado, vi que, sob o ponto de vista politico, não convinha tambem ao actual Governo apresentar propostas que entrassem por este campo de acção. O Sr. Presidente do Conselho, na declaração que fez perante esta Camara, disse qual era o seu

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SESSÃO N.° 44 DE 10 DE AGOSTO DE 1909 13

objectivo: S. Exa. não queria aggravar nem as personallidades nem os partidos, mas preparar um periodo de aclamação, durante o qual fosse possivel estabelecer a transição para que os grandes partidos em que se divide a sociedade portuguesa pudessem retomar a sua marcha natural da governação publica.

N'estas condições, era evidente que uma proposta de impostos não devia ser formulada, por isso que não ha questão mais propria a dividir as opiniões, e a Camara do que as questões d'esta ordem.

Foi, pois, fundado a estas razões de ordem technica e de ordem politica que eu limitei a minha iniciativa ás propostas de lei que vou ter a honra de ler á Camara:

1.ª

Autorizando o Governo a criar titulos de divida, necessarios para substituir os que foram alienados em virtude do artigo 23.° da lei de 29 de setembro de 1908 e substituir as cauções que o Governo tem constituido com valores differentes dos titulos de divida publica.

2.ª

Autorizando o Governo a alianar os titulos de divida publica portuguesa que actualmente pertencem ao Estado e estão confiados ao Ministerio da Fazenda, na quantidade que for precisa para pagar a divida fluctuante, tanto interna como externa, ou outras dividas cujos encargos annuaes possam ser por esta forma reduzidos.

3.ª

Reorganizando os serviços da Agencia Financial do Rio de Janeiro.

4.ª

Autorizando o Governo a converter, unificando-as, a divida consolidada interna de 3 por cento, a divida amortizavel de 4 por cento de 1890 e as dividas internas amortizaveis de 4 1/2 por cento dos empréstimos de 1888 e 1889.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - As propostas serão publicadas no Diario do Governo e enviadas ás commissões respectivas.

Estando esgotada a inscrição sobre o artigo 2.° do projecto, vae votar-se.

O Sr. Abel de Andrade (sobre o modo de votar): - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que os restantes artigos do projecto sejam votados, sem prejuizo das emendas que a Camara considerará. = Abel de Andrade.

É lido na mesa. Consultada a Camara, foi approvado.

Lê-se na mesa o artigo 2.° do projecto. Consultada a Camara, foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o artigo 3.° e se na mesa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

(Pausa).

Como ninguem pede a palavra, vae votar-se.

Vozes: - Não ha numero.

O Sr. Pereira de Lima: - Envio para a mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro se proceda á contagem dos Srs. Deputados presentes. = O Deputado, Pereira de Lima. É lido na mesa.

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á contagem.

(Pausa).

Estão presentes 34 Srs. Deputados, numero insufficiente para a sessão continuar.

A proxima sessão é amanhã, 11, á hora regimental, com a mesma ordem do dia que estava dada para hoje. Está levantada a sessão.

Eram 6 horas da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Propostas de lei apresentadas pelo Sr. Ministro da Fazenda

Proposta de lei n.° 21-A

Senhores. - Uma das diificuldades com que o Governo se tem defrontado para o regular andamento das operações de thesouraria provém da escassez de titulos de divida publica, disponiveis na posse da Fazenda.

Os acontecimentos politicos do nosso país e a agitação que tem reinado, tornando os capitalistas menos confiantes, obrigaram a caucionar com estes titulos muitos contratos de supprimentos que anteriormente se conseguiam sem garantia especial.

A baixa de cotações ao mesmo tempo tornava necessario o reforço de algumas das cauções existentes.

Por outro lado não foram substituidos os titulos cuja venda foi autorizada pela lei de 9 de setembro de 1908, artigo 23.°, nem a Junta do Credito Publico pode criar os ordenados pelo artigo 12.° do decreto de 29 de junho de 1907 pelo facto de não ser este uma lei votada em Cortes.

A falta de cauções disponiveis, resultante destas causas, explica pelo menos em parte, como os Governos anteriores se viram obrigados a lançar mão das obrigações do Caminho de Ferro do Norte e Leste e de outros expedientes que lhes permittissem levantar as sommas exigidas pelas urgencias do Thesouro.

Os titulos. actualmente pertencentes á Fazenda estão na sua quasi totalidade presos de contratos e urgente se torna um aumento do stock respectivo para fazer face ás exigencias quotidianas.

A criação d'estes titulos não influe no deficit orçamental nem representa novo encargo para o país porque, se aumenta a divida publica, aumenta da mesma forma os valores mobiliarios na posse do Thesouro.

Por estes, motivos submetto á vossa approvação a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.° E o Governo, sem prejuizo do disposto no artigo 16.° da lei de 20 de março de 1907, autorizado a criar os titulos de divida interna necessarios:

1.° Para substituir os que foram alienados em virtude do artigo 23.° da lei de 9 de setembro de 1908;

2.° Para substituir as cauções que o Governo tem constituido com valores differentes dos titulos de divida publica.

§ unico. É o governo dispensado de amortizar os titulos de divida publica criados para caução dos escritos e letras do Thesouro emittidos como representação de receita no anno economico de 1908-1909.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos Negocios da Fazenda, 9 de agosto de 1909. = Francisco de Paula de Azeredo.

Proposta de lei n.° 21-B

Senhores. - Não estando fixado no regulamento dos serviços da Agencia Financial no Rio de Janeiro, approvado

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por decreto de 27 de julho de 1901, o numero de empregados contratados a que se refere o artigo 50.° do mesmo regulamento, e sendo indispensavel que, para correrem com regularidade aquelles serviços, se fixe, pelo menos, o numero de doze designado no artigo 160.° do orçamento do Ministerio da Fazenda em viger, tenho a honra de submetter á vossa apreciação a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.° O pessoal permanente, contratado para os serviços da Agencia Financial no Rio de Janeiro, com fundamento no artigo 50.° do respectivo regulamento, não excederá o numero de doze designado no artigo 160.° da tabella da despesa do Ministerio da Fazenda para 1909-1910 e sempre dentro da verba respectiva.

§ 1.° O pessoal poderá ser substituido temporaria ou definitivamente sem aumento da referida verba, sendo a substituição proposta pelo agente financeiro com os motivos que a justificarem e voto conforme do conselho de administração da Agencia Financial.

§ 2.° O thesoureiro da Agencia Financial fica obrigado a depositar no cofre geral do Ministerio da Fazenda a caução que for designada pela Direcção Geral da Thesouraria, quando approvada pelo Ministro da Fazenda, e a prestar contas ao Tribunal de Contas, independentemente da conta da gerencia do agente financeiro, á qual será annexa.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos Negocios da Fazenda, 9 de agosto de 1909. = Francisco de Paula de Azevedo.

Proposta de lei n.° 21-C

Os perniciosos effeitos financeiros e economicos das dividas fluctuantes desde que attinjam proporções como as que infelizmente se dão na divida portuguesa são tão conhecidos que quasi inutil se torna insistir n'elles.

Por um lado, podem criar e teein criado por vezes inesperadamente, dificuldades que obrigam os Governos a levantar sommas importantes em condições extremamente onerosas, por outro lado absorvendo uma grande parte dos capitães circulantes existentes no país e demorando a fixação de outros que hesitantes esperam o ensejo de uma applicação definitiva, prejudicam simultaneamente a economia nacional e a collocação de titulos definitivos de divida publica.

Em 30 de junho de 1904 a divida fluctuante estava em 65.402:000$000 réis que successivarnente tem aumentado como segue:

[Ver tabela na imagem]

Este aumento, devido na máxima parte a despesas do ultramar realizadas na metropole, justificaria sem duvida a emissão de um empréstimo colonial que fornecesse os meios necessarios para regularizar a situação. Penso que seria possivel realizar este empréstimo, mas no momento actual não seria de bom aviso enveredar por tal caminho trazendo á tela da discussão um problema tão palpitante de interesse como é o da criação das dividas coloniaes.

De resto não é indispensavel recorrer a este meio, desde que a collocação dos titulos usuaes da divida, publica se possa continuar a obter em condições acceitaveis.

Por outro lado, não sendo facil transformar os actuaes prestamistas em tomadores immediatos dos titulos do empréstimo que se realizasse, seria liberada uma tão forte proporção de capitães que o mercado interno não preparado para tal abundancia soffreria d'ella, como hoje soffre da escassez.

Por isso e porque julgo indispensaveis e urgentes quaesquer providencias sobre o actual estado de cousaSj a proposta que tenho a honra de apresentar-vos prevê a possibilidade de um periodo de transição durante o qual a divida fluetuante sem perder completamente o seu caracter essencial de exigivel a curtos prazos vae comtudo, pelo alargamento destes, caminhando para uma transformação mais completa, desafogando desde já os Governos das preocupações que são inherentes aos vencimentos de tres e seis meses que actualmente tanto abundam.

Em operações desta natureza, nas quaes o papel a representar pelo Estado se aproxima muito do de uma casa bancaria, é precisa uma certa liberdade de acção que se não compadece com a descrição minuciosa e exacta dos processos a empregar para alcançar o objectivo que se tem em vista. A definição deste objectivo e a fixação dos limites dentro dos quaes a operação pode ser considerada vantajosa são os unicos topicos que se podem fixar nitidamente se realmente ha em vista qualquer cousa de pratico.

N'estes termos vos apresentamos a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° E o Governo autorizado a alienar os titulos de divida publica portuguesa que actualmente pertencem ao Estado e estão confiados ao Ministerio da Fazenda na quantidade que for precisa para pagar a divida fluctuante tanto interna como externa ou outras dividas cujos encargos annuaes possam ser por esta forma reduzidos.

Art. 2.° Se os actuaes titulos de divida não forem considerados adaptados a esta operação poderão ser substituidos por outros de novo typo, cuja criação fica igualmente autorizada.

Art. 3.° A alienação será feita por forma que o encargo de juro não vá alem de 5,6 por cento e a amortização não exceda sessenta annos.

Art. 4.° Fica o Governo autorizado, emquanto se não levarem, a effeito as operações precedentes e como introducção para ellas, a substituir os actuaes escritos, letras de Thesouro e mais titulos representativos de divida fluctuante por outros de especie analoga mas de prazo mais largo, que poderá ir até cinco annos, caucionados por titulos de divida publica consolidada. ou directamente pelos rendimentos do Estado que de garantia a esta especie de divida, comtanto que da substituição resulte diminuição dos encargos actuaes tanto internos como externos.

Art. 5.° O Governo dará conta ás Cortes na proxima sessão legislativa do uso que fizer d'estas autorizações.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio da Fazenda, 9 de agosto de 1909. = Francisco de Paula de Azeredo.

Proposta de lei n.° 21-D

Senhores. - A enorme desproporção existente entre o valor nominal da nossa divida publica e o seu valor real é sem duvida uma das causas que influem mais desfavoravelmente nas apreciações financeiras sobre o credito de Portugal e um dos assuntos que com mais insistencia teem preoccupado os Ministros meus antecessores, principalmente depois que a lei de 26 de fevereiro de 1892 veio baixar praticamente o typo já de si quasi sempre baixo adoptado nas diversas emissões.

A lei de 14 de maio de 1902 regulou o assunto pelo que diz respeito á divida externa, mas ficou sempre em aberto a questão da divida interna que logica e equitativamente devia ter soffrido nessa occasião uma transformação parallela.

As propostas de lei de 17 de fevereiro de 1903, 16 de agosto de 1905 e 3 de julho de 1908 foram successivamente apresentadas á vossa apreciação sem que nenhuma d'ellas lograsse alcançar a sancção parlamentar.

O objectivo que todas tiveram em vista foi reduzir o

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capital nominal sem alterar sensivelmente os reditos dos prestamistas e apenas differem no modo de execução, differença aliás importantissima porque em materia que envolve tão grande numero de interessados as mais insignificantes minucias alcançam um alto valor pratico.

É mais uma solução n'este genero que tenho a honra de propor-vos sem me afastar muito das linhas geraes adoptadas pelos meus predecessores, excepto no que diz respeito aos titulos na posse do Thesouro, cujo numero julguei conveniente aumentar sensivelmente, visto limitar de uma maneira precisa a importancia total da emissão.

O presente plano abrange apenas a divida consolidada de 3 por cento e os emprestimos de 1890 de 4 por cento, de 1888 e 1889 de 4% por cento.

A inclusão nesta operação de outros emprestimos emittidos em condições especiaes seria de molde a suscitar reclamações, quer pelas difficuldades de comparação dos valores actuaes com os futuros, quer pela diversa natureza das garantias.

A suppressão completa do consolidado pode suscitar algum reparo a quem julgar conveniente, se não indispensavel, a existencia desta espécie de divida.

Pense-se porem o que se pensar a este respeito, não pode haver duvida de que no momento presente o nosso consolidado excede em muito as necessidades publicas que reclamam uma collocação d'esta especie.

Convém evidentemente reduzir a cifra que attinge, e uma vez levada a amortização bastante longe, será fácil qualquer conversão voluntaria, fundada quer na prorogação do prazo para a liquidação do reliquat do emprestimo então existente, quer na transformação em rendas perpetuas.

Procurei ir mais longe do que a proposta que vos foi apresentada em 3 de julho de 1908 no sentido da reducção do capital nominal da divida e da limitação no aumento de encargos. É certo que comparando a despesa a fazer com a futura divida e a das dividas actuaes que lhe correspondem se nota um aumento de encargos importante, mas se repararmos que a maior parte d'elles provém de numero tambem maior de titulos que ficam na posse do Thesouro veremos que o aumento de despesa é apenas de 205:000$000 réis durante os primeiros vinte annos, sendo este aumento. devido exclusivamente ao acrescimo que soffre a amortização. O encargo orçamental aumenta mas a divida diminue parallelamente.

E ainda este aumento orçamental de despesa mesmo deve desapparecer pela applicação do novo fundo ao pagamento da divida fluctuante ou de outros encargos existentes. Cujo onus seja superior ao seu, applicação esta que fará objecto de uma outra proposta de lei.

Uma simples melhoria de 1/2 por cento que seja possivel conseguir no preço destas operações alliviaria o Thesouro immediatamente de quantia muito superior ao acrescimo referido.

No segundo periodo de amortização o aumento do serviço da divida é muito, sensivel, mas nessa data deve o Governo ter, pela simples extincção de emprestimos existentes e independentemente de qualquer desenvolvimento nas fontes de receita, amplos recursos para a dotação prevista.

N'estas condições e mantendo a conversão facultativa, é preciso attrahir o actual portador por meio de facilidades e garantias de que se revestem os novos fundos.

Poderá parecer, á primeira vista, estranha a adopção do typo de 4,2 por cento para a divida unificada, mas quando mesmo elle não representasse uma transigencia entre os partidarios de 4 por cento e 4 1/2 por cento, que uns. e outros sustentam com boas razões ás respectivas preferencias, bastaria a enorme vantagem pratica de corresponder este typo precisamente ao dobro do juro real, actualmente cobrado pelo consolidado para pôr de parte qualquer relutancia em sair dos moldes rotineiros adoptados para os titulos do Estado.

A troca das inscrições tornar-se-ha desta forma tão singela, que será mesmo possivel deixar em circulação o papel existente com uma simples sobrecarga.

A substituição dos titulos de 4 e 4 1/2 por cento é menos simples, mas nem por isso dever,á offerecer difficuldade de maior. Ao 4 por cento correspondem 600000 réis do novo fundo, e ao 4 1/2 por cento 67$500 réis. As condições de amortização de que estes titulos gozam trazem, para ser compensados, complicações um, pouco mais difficeis. Por duas formas pensei resolve-las.

A primeira foi criando titulos de divida, sem juro, como se fez para a 3.ª serie da divida externa. D'esta maneira o prestamista, abstrahindo de uma insignificante differença no prazo da amortização, recebe um titulo correspondente ao valor exacto da amortização a que tinha direito: somente, para não criar dois valores differentes para estes ultimos titulos, aos portadores de4 por cento cujo prémio de amortização deveria ser maior, será dada uma indemnização supplementar em dinheiro de 1$000 réis por obrigação que absorverá-30:767$000 réis.

A segunda forma mais simples mas de momento um pouco mais onerosa consiste em resgatar desde já os titulos sem juro, pagando-os com a nova divida unificada.

Em uma operação que é facultativa convém ao Governo poder offerecer mais que uma solução aos interessados e isso mais me anima a fazer a proposta sob a forma pela qual é apresentada.

O nominal actual das dividas que se pretende unificar ascende a 532.689:000$000 réis, segundo o orçamento para 1909-1910.

Passa a ser substituido por 270.000:000$000 réis da divida unificada e 6.106:000$000 réis de titulos sem juro.

Para a comparação ser completa é preciso attender a que por um lado na nova divida não figuram os titulos de renda perpetua, computados segundo o orçamento de 1909-1910 em 1.110:000$000 réis annuaes, e na antiga não entra o acrescimo de titulos que ficam na posse do Thesouro, titulos que corresponderiam a 33.000:000$000 réis.

O acrescimo annual dos encargos é como disse de réis 205:0000000, podendo elevar-se a 261:000$000 réis se se dispensarem os titulos sem juro.

Proposta de lei

E o Governo autorizado a converter, unificando-as, a divida consolidada interna de 3 por cento, a divida amortizavel de 4 por cento de 1890 e as dividas internas amortizaveis de 4 1/2 por cento dos emprestimos de 1888 e 1889, em conformidade com as bases seguintes:

1.ª

Serão criados 270.000:000$000 réis de divida unificada, vencendo o juro de 4,20 por cento ao anno, pagavel de quatro em quatroo meses e amortizaveis ao par no prazo maximo de sessenta annos.

2.ª

As annuidades obrigatorias a consignar á amortização e juros da divida durante os primeiros vinte annos não serão inferiores a 11.650:000$000 réis, e 13:550$000 réis durante os immediatos.

A amortização será por compra no mercado ou por sorteio, á escolha do Governo, que igualmente se reserva a faculdade de accelerar os serviços da extincção da divida, consoante os seus recursos lho aconselharem.

3.ª

O Governo fica autorizado a passar certificados de divida consolidada perpetua ás instituições e corporações de beneficencia e parochiaes que estiverem, nas condições

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expressas do artigo 7.° da lei de 26 de fevereiro de 1892, por forma que os seus rendimentos não soffram quebra.

4.ª

A unificação será sobre a base de garantia de juro que os actuaes titulos recebem liquido do imposto de rendimento.

Os titulos de 4 e 4 1/2 por cento, que hoje gozam de uma amortização mais vantajosa do que a proposta, serão indemnizados por meio de titulos de divida sem juro mas amortizaveis ao par dentro de sessenta annos, cuja criação fica igualmente autorizada:

O numero minimo d'estes titulos a amortizar em cada anno será regulado por uma tabella organizada de modo a aproximar se, tanto quanto possivel, das que regulam a amortização dos titulos actuaes.

A cada obrigação de 4 1/2 por cento corresponderá um destes titulos no valor de 22$500 réis.

A cada obrigação de 4 por cento corresponderá, alem de um titulo de igual valor, mais o bonus de 1$000 réis em dinheiro.

Poderá o Governo, se lhe parecer mais viavel o acordo sobre essa base, substituir os titulos sem juro a distribuir por titulos do novo fundo unificado, comtanto que o encargo do juro annual que resulte desta substituição, não exceda 56:000$000 réis para a totalidade da emissão prevista.

5.ª

A presente conversão é facultativa. Tornar-se-ha porem obrigatoria para todos os portadores de cada typo de divida desde que a maioria do capital d'esse typo a acceite.

Para este effeito, e pela forma que parecer mais conveniente ao Governo, serão os possuidores actuaes consultados, concedendo-se-lhes o prazo minimo de dois meses para decidirem.

6.ª

A emissão dos novos titulos correspondente aos das dividas actuaes que se acham em circulação só será feita á medida que a conversão for sendo acceite.

As annuidades destinadas á amortização das actuaes obrigações de 4 por cento e 4 1/2 por cento serão reduzidas de modo a ficarem em proporção com o numero de obrigações que não acceitarem as condições da conversão.

Igualmente serão reduzidas no orçamento do Estado as annuidades indicadas na base 2.ª, das quantias que corresponderem ás partes ainda não convertidas das dividas actuaes.

7.ª

O novo fundo de 4,2 por cento, será garantido por parte do rendimento das alfandegas da metropole pela mesma forma, como actualmente, e de futuro não será excedida com igual grau de garantia, sob qualquer pretexto, a cifra fixada na base 1.ª para a totalidade da nova divida unificada.

8.ª

O novo fundo será isento dos impostos de rendimento, de sello nos titulos e cobrança de juro e de bolsa, bem como de qualquer outro imposto especial.

O Governo poderá:

1.° Offerecer todas as facilidades para o pagamento rápido do juro dos novos titulos;

2.° Reformar a disposição dá carta de lei de 20 de junho de 1887, no referente a pensões vitalicias de harmonia com as condições dos novos titulos.

3.° Autorizar o pagamento dos juros e de amortização dos novos titulos no estrangeiro, quando obtiver para elles a cotação nas praças onde se effectue o pagamento.

10.ª

A isenção de penhora concedida aos titulos da divida publica será applicada unicamente aos novos titulos, uma vez terminado o prazo que for fixado para a conversão.

Só os novos titulos poderão de futuro ser averbados em condições de immobilidade, e servir para cauções e depositos de garantia em todos os casos em que por disposição legal sejam admissiveis os titulos de divida publica.

11.ª

O Governo decretará, ouvida a Junta de Credito Publico, as providencias necessarias para a execução d'esta lei.

A Junta poderá applicar nos trabalhos extraordinarios exigidos pela conversão, e emquanto elles durarem, a totalidade dos emolumentos cobrados na sua secretaria, nos termos do artigo 61.° do seu regulamento.

12.ª

Fica autorizada a alienação de titulos na posse da Fazenda, em numero sufficiente para fazer face ás despesas de conversão, comtanto que o encargo do juro não exceda 5,5 por cento.

13.ª

Será revogada a legislação em contrario.

Ministerio da Fazenda, 9 de agosto de 1909. = Francisco de Paula de Azevedo.

O REDACTOR = Arthur Brandão.

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