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APPENDICE A SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1888 784-A
O sr. Frederico Laranjo: - Sr. presidente, ao tratar da pretensão dos padroadistas de Ceylão, o illustre deputado, a quem estou respondendo, disse que esta questão era uma questão delicada. É verdade que o é; e eu sinto por isso que s. exa. não a tratasse como tal, e substituisse a analyse e a critica imparcial e serena por invectivas e ironias.
Disse o illustre deputado: «Subamos este calvário». Para responder a s. exa., não tenho que subir calvario nenhum, a não ser o das injustiças que o illustre deputado acumulou n'este assumpto, porque tudo quanto s. exa. disse foi fundado, ou na substituição de urnas palavras por outras, que não estavam na carta do cardeal Rampolla, nem nas notas do sr. Barros Gomes, ou no desvio d'essas palavras do seu sentido natural para outro, ou na troca de doutrinas verdadeiras por outras que o não são, ou na inexactidão dos factos. (Apoiados.}
Estabeleçamos a questão, porque estabelecel-a é resolvel-a completamente.
Nós celebrámos com a Santa Sé uma concordata, relativa ao padroado portuguez na India.
No acto de a negociarmos e de a celebrarmos, apresentámo-nos perante o Pontifice com os nossos titulos, que eram, em parte, onde se tratava de territorio portuguez, o nosso direito de soberania; em parte, onde o territorio era estrangeiro, o direito que tinhamos adquirido ao padroado, fundando e dotando igrejas e convertendo os povos, e o reconhecimento d'esse direito pelas bullas emanadas de diversos Pontifices.
Emquanto o contrato não esteve terminado não pedimos, discutimos e discutiram comnosco; nós eramos uma parte contratante, o Pontifico outra; e como taes nos apresentámos elle e nós, elle, como representante dos interesses da Igreja; nós, como representantes dos nossos interesses, da nossa honra, e das nossas glorias. (Apoiados.}
Foz se a concordata, o para que as circumscripções ficassem naturaes, e se facilitasse a administração, para se evitarem lactas entre os padres portugueses e os da propaganda fide, passaram algumas igrejas que pertenciam ao padroado para a propaganda e algumas que pertenciam á propaganda para o padroado.
Se passaram mais igrejas do padroado para a propaganda, ou da propaganda para o padroado, não o discuto agora, porque não é preciso, nem é d'isso que se trata.
Depois de feita a concordata, e antes de estar ractificada, quizemos modifical-a. Então reclamámos, e em virtude d'essas reclamações passaram para o nosso padroado as cinco igrejas de Madrasta, o districto de Saunt-Wary, a igreja de Poonah, mas com uma condição, e essa condição era que não fariamos mais reclamações, que ficavam finalmente terminadas as negociações. É isso o que se vê claramente das notas 33 e 35 dos annexos.
Diz a nota 33:
«Ficando por este modo terminadas as solicitações feitas pelo governo de Sua Magestade Fidelíssima». Nota 35: «governo acceitou negociação terminada.»
Diz se que a concordata não foi apresentada ás côrtes. Mas no decreto que a ratifica, diz-se que o governo dará conta ás côrtes do seu procedimento. Na resposta ao discurso da corôa tratou-se largamente da concordata, e tanto esta como a outra casa do parlamento approvaram o procedimento do governo. (Apoiados.)
Até na camara dos dignos pares, no projecto de resposta ao discurso da corôa, onde se dizia «A camara folgará que se terminem as negociações com Roma» se substituiu a palavra «folgará», por esta o folga que estejam terminadas». Apresentaram-se depois duas moções, uma na camara dos dignos pares e outra n'esta, e ambas foram votadas pelas maiorias, declarando estas, que essas moções eram moções de approvação do procedimento do governo. Dizem os illustres deputados do lado esquerdo da camara, que essas moções foram moções de censura; mas os interpretes das moções que escrevemos e votamos, não são os illustres deputados, somos nós. (Apoiados.)
Vêem depois as christandades padroadistas de Ceylão pedir que não as excluam do padroado portuguez. O governo disse, e disse muito bem: «não posso continuar a negociar, porque tomei o compromisso de não negociar mais».
Mas, diz se, esse compromisso foi um compromisso leviano.
Não foi; o governo estava collocado na alternativa de, ou acceitar esse compromisso, ou de não receber as igrejas a que já me referi.
O governo, portanto, acceitou o compromisso, recebendo aquellas igrejas, que, de outra fórma, lhe podiam ser negadas. (Apoiados)
Mas, attendendo á natureza do poder com quem a questão se tratava, o governo declarou que não duvidava levar, por intervenção do anuncio n'esta côrte, as reclamações dos padroadistas de Ceylão e os votos das duas camaras perante Sua Santidade, para elle resolver era plena liberdade, como pastor supremo e juiz por todos respeitado dos interesses da Igreja.
Aqui começam as invectivas.
Juiz supremo dos interesses da Igreja! Exclamou o sr. Arroyo; o Papa, acrescenta s. exa., não é o juiz supremo dos interesses da Igreja.
Em primeiro logar devo declarar que na carta do cardeal Rampolla, que o illustre deputado esteve a analysar, não estão taes quaes as palavras a que s. exa. se referiu; lê se ahi: «pastor supremo e juiz por todos respeitado», e não juiz supremo.
Em segundo logar, pergunto eu: quem será o juiz supremo dos interesses e das necessidades da Igreja senão o Papa? (Apoiados)
Disse o illustre deputado que o Papa o seria, mas não em materia de concordata.
Na carta, porém, não estão as palavras: em matéria de concordata; e alem d'isso não se tratava de celebrar uma concordata; tratava-se de modificar uma concordata já feita. (Apoiados.)
Quando se celebrou a concordata, não pedimos, apresentámo-nos em nome do nosso direito; depois d'ella celebrada, não podiamos senão pedir.
Se se tratasse do cumprimento da concordata, não apresentariamos pedidos, apresentariamos exigencias, para satisfação do nosso direito, mas desde que se tratava, não de pedir o cumprimento de um contrato, mas a modificação d'elle em nosso favor, não podiamos levantar a cabeça para dizer: queremos; não podiamos fazer mais do que pedir. (Apoiados.)
Isto não é uma doutrina especial em relação ao Papa; isto é uma doutrina geral em materia de contratos. (Apoiados.)
Isto applica-se a todo e qualquer individuo. (Apoiados.)
Se o illustre deputado a quem estou respondendo fizer um contrato com qualquer pessoa, emquanto fizer esse contrato é o juiz supremo dos seus interesses para contratar, e aquelle com quem fizer a negociação é tambem o juiz supremo dos proprios interesses. Depois de feito o contrato, se quizer o cumprimento rigoroso d'elle, apresenta exigencias em nome do seu direito; mas, se quizer modificações, tem de as pedir, em nome dos seus interesses. (Apoiados.)
O outro contratante concede-as ou não, conforme lhe apraz. (Apoiados )
É esta a doutrina que nos ensinaram a ambos na universidade; é esta a doutrina que ambos ensinâmos nas nossas cadeiras. Porque é que para o Pontifice haveria uma doutrina diversa d'aquella que ha para todo e qualquer individuo?! (Apoiados.)
Disse o illustre deputado que uma concordata era uma transacção! E verdade, é uma transacção emquanto se
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está fazendo, mas depois de feita é um contrato, e esse contrato é necessario respeital-o (Apoiados.)
E citou-nos s. exa. uns poucos de nomes de homens importantes, como Tarquini, como Bonnald, Olivier, Liberatore, Fenclon e outros, collocou até alguns que já falleceram ha muito no numero dos vivos, interpretou lhes a seu talante as doutrinas, e tudo isto, para dizer, como um doesto, ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que elle era mais jesuita do que os jesuitas!
Quem é que BC atreve n'esta casa, quando se falia no padioado, a atirar a palavra jesuita como doesto?! Jesuita em S. Francisco Xavier, o christianisador das Indias, o fundador d'esse padroado! (Apoiados.}
Continua o illustre deputado o sr. Arrojo e diz; «na carta do cardeal Rampolla não ha uma unica phrase verdadeira», e dopais acrescenta: «Segundo se lê n´essa carta, o Padre Santo mandou fazer um inquerito sobre o estado das christandades de Ceylão; eu pergunto ao governo portuguez onde está o sou inquerito?»
Então parece, em primeiro logar, que já houve uma phrase verdadeira na carta do cardeal Rampolla; em segundo logar, o governo portuguez não tinha necessidade de mandar fazer inquerito algum; o inquerito do governo portuguez estava feito; no Livro branco, em diversas partes, encontra-se perfeitamente descripta a situação das christandades de Ceylão, que estavam sujeitas ao padroado portuguez
Em Ceylão, vê-se na segunda parto do Livro branco, na nota n.° 46, o padroado portuguez tem presentemente as seguintes christandades ou igrejas sujeitas a um vigario geral portuguez:
catholicos
l.ª Missão de Colombo com 560
2.ª Missão de Nogombo com 715
3.ª Missão de Mannar com 1:058
4.ª Missão de Mantote com l:173
3.506
Alem d'isto, o governo portuguez tinha terminado as negociações, não podia fazer mais do que pedir, e como não podia fazer mais do que pedir, o inquerito não podia augmentar nem diminuir o valor do seu pedido. (Apoia dos.)
Continua ainda o illustre deputado, o sr. Arroyo, analysando a carta, e diz: «Na carta diz se que ha apenas vinte familias pertencentes ao padroado portuguez !
Peço perdão a s. exa., não está lá isso; a carta do cardeal Rampolla não diz que haja simplesmente vinte familias que queiram estar sujeitas ao padroado portuguez, o que a carta diz é o seguinte:
«O resultado d'este inquerito, levado a effeito por pessoas imparciaes, foi adquirir-se a certeza de que não ha n'aquella ilha mais de oito ou dez individuos que decididamente queiram subtrahir-se á jurisdicção dos bispos ali recentemente estabelecidos; que não haverá mais de umas vinte familias que estejam esperando uma resolução final das diligencias feitas em Lisboa para se decidirem a submetter-se, e que o resto da população anteriormente sujeita ao arcebispo de Goa em Colombo, Negombo, Duwa e nos diversos districtos de Jaffna, vae agora regularmente ouvir missa ás igrejas dos actuaes ordinarios e a elles recorre para a administração dos sacramentos.»
A carta reconhece que ha em Ceylão alguns catholicos decididamente revoltados contra a jurisdicção não portugueza, mas que esses revoltados são apenas dez individuos, e que vinte familias esperam uma resolução final, para se decidirem a submetter-se. Mas isto não quer dizer que não haja mais que não pertençam ao padroado portuguez, ou que não desejem pertencer-lhe.
Não estão pois em contradicção as affirmações que n'esta carta se encontram com as affirmações da petição que foi feita á camara dos dignos pares. (Apoiados.)
Continúa ainda o illustre deputado, o sr. Arroyo: «O movimento é geral, é a ilha inteira de Ceylão que se agita!»
Se porventura não conhecesse a {Ilustração do nobre deputado, eu perguntar-lhe-ía que idéa faz s. exa. de Ceylão?
Ceylão tem 2.500:000 almas; d'essas, 250:000 são catholicos, e desses 250:000 catholicos só 3:506 é que estavam sob o padroado, e estes 3:506 pertencentes a quatro missões, distantes umas das outras, dispersas pela costa occidental. Supponhamos mesmo que representavam todos, que se agitavam todos, onde é que estava Ceylão inteira? (Apoiados.)
E eu preciso notar que n'essas representações apresentadas na camara dos dignos pares, 1:200 individuos são representados por um empregado da igreja; é o empregado da igreja que assigna por esses 1:200 individuos.
Se quizermos ver alguma cousa mais a este respeito, eu tenho aqui um folheto inglez intitulado: Some remaria on the concordat with Portugal addressed to englishmen and british catholies by an english clerggman. - Algumas observações sobre a concordata com Portugal, dirigidas aos catholicas inglezes e britannicos, onde, a pag. 28, só lê o seguinte: «A agitação ficticia que se faz em favor da retenção de alguns vestigios do padroado em Ceylão não tem rasão nenhuma, nem sequer de sentimento, que a justifique».
Conta depois o mesmo folheto a perda do padroado em Ceylão, para a qual contribuiu deixarmos Cochim sem bispo durante muitos annos; e conta tambem, o que tambem consta da nossa historia, que no acto da separação de Ceylão do padroado, o Pontifice poz á frente dos catholicos de toda a ilha um oratoriano goanez, o padre Vicente do Rosario, para ser seu primeiro bispo e vigario apostolico, seguindo-se a este outro portuguez, mas que uma porção de eurasianos em Colombo pediram ao Papa que os tirasse da jurisdicção d'estes bispos, por serem portuguezes, e que lhes désse um bispo inglez ou irlandez, o pouco tempo depois, por occasião d'um scisma, collocaram-se outra vez sob a jurisdicção do arcebispo de Goa.
Eu não recordarei que com um procedimento analogo a este dos seus antepassados, os peticionarios, em janeiro passado, fecharam violentamente as igrejas, e obrigaram a abandonar a ilha os excellentes sacerdotes de Goa que n'ella residiam, e, que ali tinham sido deixados, como parochos, mesmo depois de ali abolido o padroado.
Dizia ainda, continuando, o illustre deputado, que, se se satisfizesse o pedido dos padroadistas de Ceylão, o sr. Barros Gomes teria que demittir-se, e que foi para sustentar a miseravel vaidade de um homem, que não se attendeu esse pedido.
Não, sr. presidente, não foi para sustentar a miseravel vaidade de um homem; foi para cumprir um compromisso que se tinha tomado, que nós apenas pedimos.
Se o illustre deputado é partidario das bancarotas financeiras, e tambem quer bancarotas de compromissos em materia de concordatas, eu não sou partidário nem do unias nem de outras. (Apoiados.}
Disse s, ex.ª: «Se o Pontifice deferisse a pretensão dos peticionarios, o sr. Barros Gomes teria de demittir-se».
Não; não teria do demittir-se; porque, se s. exa. julgasse que haveria alguma falta do decoro para si em ser satisfeito o pedido, não acceitaria as moções que em ambas as casas do parlamento se votaram, não as levaria perante o Summo Pontifice. (Apoiados.}
Se approvou que se fizesse o pedido, se se prestou a communical-o, é porque não lhe seria penoso, é porque lhe seria grato que fosse deferido. (Apoiados.}
Digamos, sr. presidente, duas palavras serenas e francas, a respeito da questão do padroado.
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APPENDICE A SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1888 784-C
O nosso padroado no oriente fundou-se, quando nós era mos o unico povo da Europa, que commerciava o missionava na India O padroado teve, desde o principio, dois títulos muito differentes na sua natureza e no seu valor, podendo por isso dividir-se era duas partos, uma parta n'aquelles territorios de que nos tinhamos apoderado, do que eramos soberanos, e ahi o titulo do nosso padroado era principalmente a nossa soberania; outra parte n'aquelles territorios que nos não pertenciam, e era que apenas commerciavamos e missionavamos, e ahi o titulo do nosso padroado era a acção civilisadora que ali exerciamos, a influencia christã, que ali propagavamos.
Veiu depois a Inglaterra e apoderou-se de grande parta da India, que ficou por isso sob a soberania1 de uma nação da Europa; tão conscia dos seus direitos de soberana como qualquer outra. Podia a Inglaterra não consentir o direito de padroado exercido por Portugal em terras de que ella era soberana, da mesma maneira que nós não consentiriamos que qualquer nação estrangeira tivesse e exercesse em Portugal um padroado qualquer; da mesma maneira que logo no começo da monarchia repellimos e quebramos direitos de padroado e de jurisdicção exercidos sobre terras portuguezas pela nossa vizinha Hespanha.
Podia a Inglaterra oppor se, não o tez; se não o fez porém este facto de o padroado estar em grande parte constituido era territorio que não nos pertence, collocou essa parte do padroado em circumstancias muito diversas, muito mais precarias do que aquellas em que está constituido o padroado que temos no continente de Portugal e no das nossas colonias.
Acresceu que os nossos meios eram desproporcionados á enorme extensão do padroado que nos tinha sido concedido, e insufficiente para elle a nossa actividade.
A propaganda começou então a invadir por todos os lados o padroado, e nós começámos a negociar; mas à Inglaterra dizia-nos, e é preciso que isto se saiba: combinem-se com o Papa, porque, no dia em que o Papa não se combinar comvosco, o padroado ficará abolido em terras inglezas.
Fizemos então a concordata de 1857. N'essa concordata ficaram-nos amplos direitos, mas amplos direitos dependentes de uma circumscripção que se havia de fazer; e, emquanto essa circumscripção se não fizesse, ficava-a jurisdicção do arcebispo de Goa sobre terras que não eram portuguezas, uma jurisdicção extraordinaria, dependente de concessões temporarias do Papa, que o Papa, portanto, podia retirar quando quizesse.
A circumscripção nunca se fez, e a propaganda foi invadindo cada vez mais o nosso padroado, de maneira que elle estava sendo, não um direito real, mas uma condecoração quasi vil.
Foi n'estas circumstancias que os nossos homens publicos, tanto regeneradores como progressistas, começaram a negociar; e foram os srs. Bocage, Barros Gomes e Mártens Ferrão que tiveram a boa fortuna, uns de preparar, outros de negociar e assignar a concordata que hoje existe.
Em vez de lhes agradecermos, clamamos ou clamam os illustres deputados da opposição: Ficaram de fóra alguns christãos padroadistas! Foi-se o padroado; estamos lesados nos nossos interesses, feridos nos nossos brios, magoados nas nossas glorias!
Desejariamos de certo todos que esses christaos ficassem sob o padroado portuguez; frias o Pontifico tambem tem os seus deveres; e se na ilha de Ceylão foram1 creados ha pouco tres bispados, um em Colombo, outro em Candi, e outro em Jaffna, não ora rasoavel que 8:500 almas, dispersas por essas dioceses, ficassem dependentes não d´ellas, mas do bispado de Cochim, que fica a mais de 200 leguas de distancia. (Apoiados.)
Convem tambem ponderar que, se é certo que aquelles christãos queriam ficar sob o padroado portuguez, é certo tambem que, os da propaganda que passaram para o padroado queriam voltar para, a propaganda; porque é que se haviam de deferir as pretensões do uns o indeferir as dos outros? E se se deferissem todas, se se pozesse de novo tudo em duvidasse a concordata, como diz a carta do cardeal Rampolla, deixasse de ser considerada como pacto serio e obrigatorio, qual seria a posição em que fiariamos? Seria melhor do que aquella em que ficâmos? Seria peior. O governo procedeu pois bem fazendo o que fez. (Apoiados.)
Estamos a apreciar a concordata ao calor das paixões; pois esta concordata tão mal avaliada, ha de ser mais tardo, um titulo de gloria para o sr. Barros Gomes; está sendo apreciada assim em muitas partes; e está já sendo origem de um movimento civilisador, que faz honra ao nome portuguez. Permitta-me a camara que eu leia parte de um documento que sobre este assumpto tenho á vista:
«Em todas as tres dioceses, de Damão e titular de Cranganor, de Meliapor e de Cochim, estão já abertos os seminarios diocesanos, convenientemente dotados e organisados com um curso completo de sciencias theologicas; os alumnos de todos esses estabelecimentos são já numerosos. Todos os tres bispos estão agora em visita nas suas dioceses, tendo sido recebidos entre as christandades com enthusiasmo indescriptivel. Elles começaram já a reorganisar as escolas e a prover á organisação a mais conveniente das igrejas.
«Por toda a parte foram recebidos pelas auctoridades inglezas com provas de grande respeito.
«Em cada diocese ha já um jornal catholico sob a direcção do prelado. «O serviço de registo parochial foi organisado do modo mais conveniente.
«Começaram-se já as reparações em muitas igrejas.
«O patriarcha de Goa anda ainda em visita na sufi diocese, não sómente no territorio portuguez, mas nas outras, regiões, e especialmente em Poonah e em Saunt Wary.
«Da mesma maneira procedeu o sr. bispo de Macau com relação ás igrejas portuguezas de Malaca e Singapura que elle já visitou e organisou.
«Era todas as igrejas do padroado portuguez nas Indias e em Macau o glorioso jubileu de Sua Santidade foi celebrado com uma pompa e um enthusiasmo inesperado e indescriptivel.
«O abaixo assignado deve fazer notar particularmente a confraternidade que se revelou n'esta esplendida manifestação entre as christandades do padroado o as da propaganda, especialmente na cidade de Bandorá, em Madrasta, em Poonah, e em toda a parte onde existem proximas as igrejas das duas jurisdicções.
«Estas narrações trazem-nas, os differentes jornaes, e sobretudo o Anglo-lusitano de 5, 12, 19 e 26 de janeiro e 2 de fevereiro, e os jornaes catholicos das dioceses acima mencionadas. É a pacificação que começa a produzir fructos!
«Permitta me tambem a camara que eu leia alguns trechos de uma carta pastoral do sr. D. Antonio Sebastião Valente, arcebispo metropolitano de Goa; eu leio, porque uma das poucas recompensas que podem ter estes bispos, que andam n'aquellas paragens, senão inhospitas, onde pelo menos se não encontram as commodidades que encontrariam aqui, é saberem que a camara dos representantes do seu paiz os não esquece, que vê os seus trabalhos, que ouve a sua palavra, e d'áqui os saúda e os applaude como pacificos continuadores das glorias portuguezas. (Muitos apoiados.)
«Não fomos defraudados em nossas esperanças, Depois, de longos mezes de laboriosas negociações Leão XIII, tendo ouvido e serenamente pesado tudo o que foi submettido ao seu alto juizo na materia, decretou, com pleno assentimento de Portugal, que a santa igreja metropolitana de Goa obedeceriam, como suffraganeas, alem da diocesse
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constituida de Macau (as relações entre Goa e a prelazia de Moçambique não soffreram tambem alteração pela ultima concordata) as dioceses restauradas de Meliapor e Cochim com a novamente creada de Damão, á qual ligou o titulo archiepiscopal ad honorem de Cranganor, perpetuando assim a memoria dos feitos apostolicos realisados no seio dos povos syromalabaricos, em ordem a arrancal-os dos horrores da heresia e do scisma pelo nosso predecessor, de santa e feliz memoria, D. Frei Aleixo de Menezes. Não ha duvida que esta é uma das primeiras entre as puras glorias que ennobrecem a archidiocese goana.
«Leão XIII foi mais alem. Entendendo (é elle o juiz competente e supremo d'esta causa) que convinha aos interesses da igreja indiana o estabelecimento da hierarchia, fórma normal e ordinaria do governo ecclesiastico, e querendo manter a antiga preeminencia da igreja de Goa sobre as vinte e quatro dioceses recentemente erectas, não só lhe conserva de modo explicito o honrosissimo e antigo titulo primacial, mas tambem a eleva á dignidade maior de patriarchal de todas as Indias Orientaes. Sobre isto constitue Goa, onde existe o glorioso sepulchro de S. Francisco Xavier, o ponto ordinario das reuniões conciliares dos bispos da mesma região, cuja presidencia compete ao prelado goano, por intermedio do qual Portugal deve apresentar á Santa Sé, escolhendo-os na lista triplice, os prelados de quatro dioceses não comprehendidas na provincia goana.
«Leão XIII tem explicado suficientemente as suas vistas. Quer elle que Goa seja a primeira igreja das Indias em dignidade, e que o seja tambem emquanto á influencia do seu titular, chefe moral da hierarchia creada, sobre as outras igrejas, das quaes em corto modo deve chamar-se mãe e origem, e fica constituída centro. Podem a nossa imprevidencia ou incuria, a falta de recursos e de protecção ou quaesquer outras circumstancias que, porventura, advenham, impedir ou difficultar a realisação d'estas vistas, não o negâmos; mas o que não é licito é pôr era duvida um momento sequer a rectidão das intenções do vigario de Jesus Christo, desconfiar da sinceridade de suas palavras e promessas.
«Emquanto a nós, queremos, em nossa humildade, exarar aqui um testemunho publico e solemne de agradecimento a Leão XIII, por causa das concessões feitas a Portugal e á nossa amada archidiocese, transformando o precario estado anterior n'uma situação estável e cheia de esperanças, dentro da qual, exige-o a justiça que se diga, deixa-se ao zêlo dos missionarios portuguezes vastissimo campo para exercer a sua actividade na conversão dos infieis.»
Permitta-me tambem a camara que eu leia um trecho do jornal Vinte e tres de novembro, trecho que é grato, porque manifesta como ainda somos amados no Oriente, e tambem que os governos portuguezes mais recentes têem tratado, mais do que os anteriores, de reatar o fio glorioso, ás vezes interrompido, das nossas tradições.
«Por muitos seculos o bispo portuguez era o facho que illuminava o bispado de Cochim; e por onde elle passava, onde quer que estivesse era amado por todos por ser quasi a unica reliquia que conservavam de Portugal; depois, no principio d'este seculo, apagou-se a luz d'esse facho, e o desanimo, e a tristeza desceram ao coração do povo que outr'ora trasbordava de felicidade. Não é para aqui, ex.mo sr., o apresentar as luctas agigantadas que se travaram n'este povo, devidas não ao afrouxamento das suas crenças verdadeiramente religiosas, em toda a sua pureza, mas ao amor e dedicação que dedicava á nação portugueza; era um tributo leal e justo pelos beneficios que sobre elle derramava Portugal. Melhor do que nós, o sabe v. exa. ao ler a epopeia sublime exarada nas paginas de oiro da historia de Portugal.
«Todos os dias se esperavam novas sobre o definitivo estado da diocese de Cochim. Quantas lagrimas de afflicção de mistura com a prece fervente não foram enviadas até aos degraus do throno de Deus!
«E a Providencia, parecia, ainda não julgava ter vindo o tempo de cessar o nosso pranto! Cada dia era um anno que passava pelo sorvedouro do tempo, sem que a esta tempestade viesse um prenuncio sequer de bonança. Nunca, porém, nos havia abandonado a esperança de mais uma vez termos a dita de ver um filho de Portugal empunhar o leme da igreja cochinense. No momento em que essa esperança fosse uma realidade, poderíamos nada mais desejar, porque se tinha operado a nossa maior e unica aspiração. E brilhou, na verdade, esse dia que foi uma epocha de felicidade a esta terra de Cochim.
«Como o desterrado que injustamente foi privado da sua liberdade, sente resuscitar-se á vida quando recupera o perdido, assim nós, quando vimos pisar magestosamente o terreno que os antepassados de v. exa. trilharam, o nosso prelado, um bispo portuguez.
«Por isso, querendo assignalar facto tão glorioso, vimos humildemente supplicar a annuencia o permissão de v. exa. para a publicação de uma folha em que se continue a linguagem de Camões e Vieira, para o que v. exa. indicará um encarregado e director da mesma folha, com as condições ou clausulas que v. exa. houver por bem impor.
«Confessando-nos de v. exa. humildes filhos e subditos, esperámos obter solução favoravel a este nosso pedido. = Santos da Cruz. - (Seguem-se as mais assignaturas.)»
Poderia tambem ler alguns trechos das pastoraes do sr. D. Antonio Joaquim de Medeiros, bispo de Macau, ao clero e fieis de Malaca e Singapura, trechos que revelam os beneficos effeitos da concordata; não quero cansar a camara, mas permittir me-ha ella que, como documento, publique esses trechos no discurso.
«A concordata de 1886 celebrada entre Sua Santidade e Sua Magestade Fidelissima, poz termo ás anciedades em que vivieis, porque n'ella foi estabelecido fizessem parte de ora avante da diocese de Macau as vossas igrejas de Malaca e Singapura.
«E pesando já de direito sobre nós tão grave dever, qual é o de dirigir as vossas almas, imposto pela mencionada concordata, acabâmos de o assumir de facto pelo decreto da sagrada congregação da propaganda fide, lavrado em Roma, por determinação de Sua Santidade, aos 20 de agosto do presente anno.
«Este decreto deu-nos jurisdicção effectiva e ordinaria sobre vós e vossas igrejas, como já sabeis pela devida publicação que d'elle se fez, ficando d'este modo realisado o ultimo acto que o direito exigia para nos consideramos com jurisdicção plena sobre o que nos tinha concedido já a concordata.
«Agitados foram os tempos passados e dolorosos os effeitos de uma lucta unicamente fundada em affeições de tradição.
«Bem sabemos que possuieis principios de fé nos dogmas da nossa santa religião, e de adhesão á sagrada pessoa do vigario de Jesus Christo e aos seus ensinamentos, versando a desintelligencia tão sómente sobre a origem nacional do prelado que vos devia ser dado.
«Desejaveis vós que elle fosse portuguez, porque sois descendentes de portuguezes, e conservaes em vosso coração a chamma viva do amor que consagraes a vossos maiores.
«Este era o ponto em que se baseavam vossas supplicas e todos os vossos queixumes, que chegaram a attingir um desespero febril, tão prejudicial ás vossas almas.
«Não devemos omittir que um profundo sentimento se nos apoderou do espirito ao observarmos de perto tão funesta lucta religiosa, que só escandalos podia produzir, e produzia, dividindo o clero e os christãos das mesmas cidades em dois bandos, que mutuamente se degladiavam e brandiam a arma do apodo e do insulto, já por palavras, já em escriptos que muito offendiam os principios da moral e da caridade evangelica, e destruiam ainda a simplicidade da
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vida enristã, traçando aos catholicos uma norma de procedimento completamente estranho, o contrario ás doutrinas que o divino Redemptor nos legou.
«Mas essas luctas sangrentas, que se feriram no vasto campo das Indias orientaes, em meio de populações enristas, e íam até levar o sacrilegio aos templos e a desharmonia ao remanso do lar domestico, tiveram fim.».
Tem visto a camara como os nossos prelados do Oriente avaliam a concordata; quer «gora ver como a avaliam os estrangeiros? De modo muito diverso d'aquelle por que é avaliada aqui pela opposição. Eu leio alguns trechos do escripto Some Remarles, de que já li um.
Lê-se a pag. 9: a Na India as disposições da concordata não têem sido publicadas em pormenores, excepto pela imprensa, goaneza, e muitos catholicos britatinicos sem duvida têem permanecido ato agora na ignorancia da nova posição que lhes foi creada, e desconhecem ainda completamente a «enorme influencia que o governo portuguez ha de exercer de futuro nos seus negocios ecclesiasticos.»
A pag. 12: «É allegado pelo embaixador portuguez que negociou a concordata que estas igrejas do Bengala são ricas, quedas suas dotações montam a 1.416:589 rupias, sem duvida uma somma respeitavel para ser reconhecida entre os bens proprios de um governo estrangeiro. São estes bens, que foram a unica rasão para se deixarem estas igrejas isoladas dependentes do real padroeiro»
A pag. 15: «É para lamentar que n'esta occasião nenhum membro catholico do parlamento se tenha levantado para defender os interesses da Igreja, os direitos e a liberdade da Santa Sé n'este negocio, e que os nossos estadistas tenham sido tãa indifferentes á honra do imperio britannico. Tivessemos nós sequer um Windthorst na camara dos communs e um Bismarck no nosso ministerio, e os ultimos vestigios d'esse miseravel padroado teriam sido varridos depressa.»
A pag. 10: «Eu confesso que estou um pouco cansado de ouvir esta concordata glorificada na Europa, até nos jornaes catholicos inglezes, como um triumpho catholico, ao passo que nós, as pessoas que ella affecta, temos rasão para a considerarmos com receio, o estamos habilitados a medir-lhe os seus effeitos provaveis. É bem sabido que as concessões extorquidas ao Papa foram feitas menos no interesse indiano do que no interesse da paz religiosa em Portugal. Com effeito ellas foram feitas ob duritiam cordis.»
A pag. 2: «Este é o effeito extraordinario da concordata. A posição que nos foi creada a nós, subditos britannicos catholicos, é sem parallelo em todo o mundo, e que eu saiba, em toda a historia ecclesiastica. Nós somos subditos de uma grande potencia europêa, que protege todas as religiões, e não precisâmos de nenhuma potencia estrangeira que pretenda dirigir os nossos interesses espirituaes».
Como se vê, a concordata foi feita no meio de um partido de catholicos britannicos que reclamavam que no territorio britannico só houvesse padroado britannico. Foi o Papa que nos opprimiu, como disse o sr. Arroyo, ou fomos nós, que opprimimos o Papa, como diz este escripto? Não, nem fomos nós que opprimimos o Papa, nem o Papa que nos opprimiu. Porque seria que o Papa, que é conciliador, como o sr. Arroyo reconheceu, e é uma grande verdade, só o não havia de ser para nós, só nos havia de opprimir a nós? (Apoiados?)
Eu penso a respeito da concordata exactamente o que d'ella dizia o sr. Mártens Ferrão:
«É uma organisação definitiva, substituida a um estado provisorio, que cada dia se tornava mais precario; é a constituição do padroado com preeminencia de auctoridade que nunca tivera; é a reconstituição, em largas bases, das antigas dioceses historicas portuguezas, e a influencia do real padroeiro assegurada, alem d'esse limito, na vasta área, que o direito de apresentação estabelecido ha nova concordata lhe reconheceu.»
Contente-se com esta gloria o sr. Barros Gomes, e permitta-me o illustre deputado a quem estou respondendo que eu diga ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que não se importe e não se magôe com as ironias que lhe vêem d'esse lado da camara. Entre Aretino e Pascal, eu pretiro Pascal. (Apoiados.) O sr. Barres Gomes tem a hombridade sufficiente para não pedir de joelhos, e para defender energicamente os nossos direitos, (Apoiados.) quando é do direitos que se trata; mas não póde fazer reclamações, quando pretende em nosso favor a modificação d´um contrato; então elle ou qualquer outro simplesmente póde fazer pedidos. (Apoiados.) E no caso de que se trata, é tanto mais proprio s. exa. para fazer reclamações com energia, e para obter bom resultado quanto mais sympatico é o seu animo ao poder com que tinha de tratar. Um ministro, pouco ou nada religioso, não seria o mais feliz negociador perante a Santa Sé, como não é nunca um bom embaixador perante qualquer nação aquelle do que ella sabe que lhe não é affeiçoado. (Apoiados.)
Está tratada, me parece, a questão da concordata. Mas porque vem a proposito, e porque se liga com ella, seja-me permittido tambem dizer alguma causa a respeito da questão religiosa.
Queixam-se os illustres deputados d´aquelle lado da camara de que campeia infrene a reacção religiosa, e que o governo não a combate, encobrindo a fraqueza que assim manifesta sob o titulo de uma falsa prudencia.
Nunca, depois do estabelecimento do regimen liberal em Portugal, a reacção religiosa foi tão pouco real e tão pouco sensível no paiz, como actualmente, e nem isso admira.
Na Hespanha desappareceram as sublevações o as guerras politico-religiosas que ali havia, que perturbavam de quando em quando a ordem, que intentavam de quando em quando assaltar as instituições. Na França, as luctas religiosas modificaram-se, suavisaram-se; o mesmo aconteceu na Belgica; (Apoiados.) e na propria Allemanha essas leis do kultur-kampf de que aqui nos fatiavam ha pouco, e que foram mais um meio de fazer com que um partido um pouco indocil se submettesse a exigencias dos governantes, do que um meio de lucta religiosa, têem sido revogadas pouco a pouco; a paz religiosa tem se ali indo estabelecendo, e escuso de recordar á camara que não ha ainda muito tempo que, em audiencia solemne e cordealissima, foi recebido pelo Summo Pontifice o actual Imperador da Allemanha. (Apoiados.) A reacção politico-religiosa decresce evidentemente em toda a Europa. O altar, que era o alliado do throno despotico, deixou de o ser, e pactua em todos os partidos honestos e com todas as fórmas de governo, para ser respeitado por todos. E esta a politica conciliadora do actual. Pontifice e a ella obedeço o clero. (Apoiados.)
N'estas circumstancias geraes, um bispo portuguez expediu uma circular com doutrina pouco correcta; o governo pediu explicações, e não julgando satisfactorias as que foram dadas, publica uma portaria de advertencia. O bispo explica-se de novo n'uma provisão; e o governo, não julgando, talvez sufficientes as explicações da provisão, ou não querendo julgar por si se o eram, interpõe o recurso á coroa, que é, segundo a lei, o que devia fazer. (Apoiados.)
Que queriam mais? (Apoiados.) Parece, porém, que ha quem tenha saudades do marquez de Pombal, luctando com os bispos - portuguezes, mettendo-os nas enxovias, e não lhes dando nem a consolação de um livro, nem uma penna e um tinteiro, como companheiros da solidão! Eu não tenho saudades d'esse tempo. (Apoiados.)
Porque é que o estado havia de ter para com os bispos uma severidade que não tem para ninguem, e que não está nas leis? (Apoiados.)
Eu elogio este governo, e elogiarei todos os governos do meu paiz que, sem faltarem ao que devem ás leis do reino e á liberdade, fizerem tudo aquillo que for possivel para que se não suscite entre nós a questão religiosa. (Apoiados.) Embora ardente e temerosa, eu prefiro ver le-
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vantada no paiz a questão economica o social, a ver levantada a questão religiosa. (Apoiados.) E prefiro-o, porque no seio da questão religiosa ha hoje simplesmente uma lucta esteril, irritante, não benefica para ninguem, nociva para todos; (Apoiados.) ao passo que na questão economica e social, embora se apresente ás vezes no meio de relampagos e trovões, pré vêem-se, ha e hão de ir surgindo com o tempo soluções necessarias, reclamadas pela justiça. (Apoiados.)
Vae longe o tempo em que se uniam n'um odio commum os reis e os padres; e á formula de ferocidade em que esse odio se traduzia, substituiu-se hoje, felizmente, a doutrina de que se devo aproveitar a força dos reis e do clero para a resolução de todas as questões que impendem sobre o mundo. (Apoiados.)
Vae longe tambem a doutrina da completa separação da igreja e do estado. Esta doutrina, que foi por muito tempo um artigo do programma dos liberaes, é condemnada por uma philosophia que se chamou o positivismo, philosophia de que quasi todos faliam, que poucos estudam, e de que muitos menos ainda estão penetrados. A essa separação completa dos dois poderes substitue-se hoje a doutrina da sua harmonia no interesse da humanidade. (Apoiados.)
O mundo tem hoje tantas questões, tantos problemas a resolver, para que suscitar mais um, prejudicando a resolução de todos? (Apoiados.)
Sr. presidente, tenho percorrido e creio que refutado as principaes accusações feitas ao governo pelos oradores d'aquelle lado da camara. (Apoiados.)
Os tumultos foram o resultado da ignorancia explorada. (Apoiados.) As difficuldades dos addicionaes foram as dificuldades necessariamente inherentes á transição de um para outro regimen, e á diversidade de periodos entre o orçamento do estado e os orçamentos dos corpos administrativos. (Apoiados.)
A diffamação apresentam-nol-a como injusta, e, apesar de injusta, querem que tenha effeitos como legitima e valida! Quando uma tal doutrina partia d'aquelle lado da camara, eu desejava que nas galerias podesse estar todo o paiz para ouvil a, e para avaliar por ella a justiça da opposição. (Apoiados.) E se eu tivesse entrado n'esta camara, indifferente á politica, e esperando decidir-me apenas pelo que ouvisse de um e do outro lado da camara, bastar-me-ia ouvir partir d'alem esta theoria dissolvente, para me collocar a favor do governo; assim, a estranha theoria afervora-me na minha dedicação ao meu partido e aos homens que o representam no poder; (apontando para as cadeiras os ministros. -Apoiados.)
A proposito de incompatibilidades dizem que a nossa politica está sendo politica de negocios, e não politica de principios. Pois demonstrem que os negocios são illicitos, que são nocivos ao paiz, e então terão dito alguma cousa mais do que uma generalidade sem valor. (Apoiados.) N'este assumpto de incompatibilidades, a opposição dilacera-se a si propria, quebra os seus idolos em estilhaços para ver se com algum d'elles faz alguma arranhadura, sequer na epiderme dos adversarios, acoimando de pouco decorosa a posição de um homem em circumstancias exactamente iguaes ás de um outro, a quem, penetrados de respeito e cheios de saudades, vão levantar uma estatua. Ou a vossa accusação é injusta, ou a estatua que ides levantar é immerecida. Escolhei. (Muitos apoiados.)
Na questão agricola reclamam que se resolva rapidamente, como se isto fosse possivel; (Apoiados.) e quando se lhes pergunta pelas suas idéas, revelam-se incoherentes e contradictorios, (Apoiados.) e sem terem sequer um tenue fio de luz que os dirija (Apoiados.)
Na questão de fazenda esquecem-se dos seus erros, de ha pouco; pedem nos milagres, como se não tivessemos os effeitos d'esses erros a pesar sobre nós, e faltam á justiça que se deve aos esforços que se têem feito para, por meio de um plano simples, a melhoria da cobrança, a reforma dos serviços, e processos mais proficuos de credito, se tornar menos grave e mais prospera a situação financeiro. (Apoiados.) Na questão do padroado revelam que preferiam um titulo, que quasi estava sendo uma condecoração esteril, a um padroado effectivo e de benefica influencia. (Apoiados.)
Na questão religiosa, parece que julgam que o paiz tem poucos e pequenos problemas, e querem que se provoque e se suscite mais um que, se hoje noa podia embaraçar a nós, ámanhã os havia de embaraçar a elles e ao paiz todo. (Apoiados.)
Póde o governo ter levantado attritos, ferindo muitos interesses, por isso que tem reformado muitos serviços. Póde. Se o governo fosse menos patriota e mais egoista, teria do certo reformado menos e teria assegurado uma existencia mais tranquilla e mais duradoura. (Apoiados.) Como partidario, eu poderia querer-lhe um pouco mal pelo afan com que tem trabalhado; mas, porque os interesses do meu paiz estão acima dos interesses do meu partido, eu não posso dizer ao governo senão: - Honra áquelles que têem uma iniciativa fecunda; honra áquelles que têem um zêlo incansavel.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados e pelos sr. ministros presentes.)
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APPENDICE Á SESSÃO DE 13 DE MARÇO DE 1888 784-G
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Por mais de uma vez tenho pedido a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro das obras publicas para chamar a attenção de s. exa. sobre um assumpto que me parece de grande importancia, e exigir ao mesmo tempo da parto de s. exa. que ponha cobro ao abuso permittido e tolerado de se apresentarem á venda adubos e remedios que poderio ser muito bons, mas que é necessario que se saiba previamente e experimentalmente se o são ou não.
Embora s. exa. não esteja presente, eu confio em que o sr. ministro da justiça fará o obsequio de transmitir a s. exa. as considerações, que vou expor para que o sr. ministro tome sobre este assumpto a deliberação que julgar mais conveniente.
Como v. exa. sabe, têem sido remettidos a esta camara differentes documentos de individuos que se dizem senhores de segredos de um alto valor para a extincção da phylloxera.
Esses individuos não só preconisam o seu producto, o seu segredo ou descoberta como um meio seguro e immediato para a extincção da phylloxera, mas exigem como premio nacional uma certa indemnisação ou retribuição do estado.
Uns satisfazem-se facultahdo-se-lhes o transporte gratuito do seu producto nas linhas ferreas do estado. Outros pedem para que o governo lance uma percentagem de l por cento sobre os generos sujeitos ao imposto de, consumo, dividindo se o producto d'este addicional metade pelo auctor do elixir e a outra metade ficando constituindo receita do estado.
Não é pedir pouco!
Mas ao mesmo tempo que se faz este pedido, ao mesmo tempo que se exige uma retribuição ou premio, furtam-se ao dever de fornecer amostras do sen producto para serem officialmente examinadas attentamente, e empregadas no tratamento da vinha para chegar a um resultado pratico e seguro das vantagens ou desvantagens que haja no em prego d'este producto. (Apoiado.)
Um outro cidadão inventou tambem um producto chimico que, applicado ao amanho das vinhas, na como consequencia immediata a extincção da phylloxera; é o sr. Augusto das Neves. Este é do Porto; o outro é de Bragança. Este pediu ao parlamento para que aqui se levantasse uma voz a favor da concessão que elle pede, que é o transporte gratuito do seu producto nos caminhos de ferro do estado. Este producto, examinado por um illustre lente do instituto agricola, deu em resultado não se encontrar n'elle nenhum elemento de valor como adubo e nenhum principio nsecticida para combater a existencia da phylloxera.
É bom, é mau, ou é inefficaz o remedio recommendado pelo seu auctor?
A resposta official é necessario que appareça para conveniencia d'este industrial e para garantia dos lavradores. (Apoiados.}
A inercia ou desleixo do governo em materia tão grave é que se não tolera. (Apoiados.)
Este industrial, confiado na sua descoberta, houve por bem pedir uma entrevista a Sua Magestade, por occasião da sua estada na cidade do Porto.
Sua Magestade, com a sua reeonhecida amabilidade, recebeu-o e ficou com uma amostra que esse industrial lhe offereceu para ser analysada por iniciativa do ministerio das obras publicas.
Se o illustre ministro mandou proceder a essa analyse, não sei, mas se effectivamente mandou, o publico deve conhecer quaes os resultados d'essa analyse, qual o valor d'esse producto e qual o credito que os interessados devem dar a um producto que se recommenda como muito auspicioso para se empregar na extincção da phylloxera. (Apoiados.)
Porque, o que é uma, verdade incontestavel, é que no nosso paiz a crise agricola tem mais de uma feição; não é só a crise cerealifera que deve merecer a attenção dos poderes publicas, é tambem a crise viticola que se apresenta sob muitos e diversos aspecto?; (Apoiados.) não é só a estagnação do commercio que faz com que o desenvolvimento da vinha tenda a diminuir, é tambem o receio de que n'um determinado futuro a vinha desappareça succumbindo aos estragos da phylloxera, porque é certo que os remedios preconisados até hoje, como melhores, não são, ainda assim tão bons, que os estragos se não alastrem e não alastrem a sua acção destruidora de anno para anno. (Apoiados.)
E isto dá-se não só entre nós como em França, onde os boletins phylloxericos e outros documentos estatisticos demonstram que infelizmente, longe, da sua acção se restringir, ao contrario, alarga-se constantemente, e de um modo inteiramente funesto para os interesses dos agricultores.
Ora, n'estas circumstancias, claro é, que se nós tivessemos a fortuna, de, descobrir um remedio para a extincção d'este mal, eramos com certeza um paiz felicissimo porque tinhamos encontrado os meios de salvação para a nossa industria mais prospera e lucrativa.
Depois, não só, todo o nosso territorio se presta maravilhosamente á cultura da vinha, mas é ella hoje, e sel-o-ha sempre, a parte mais importante da nossa producção agricola, (Apoiados.) e se podessemos conservar a vinha, emquanto as outras nações vão perdendo os productos com que fazem, concorrencia á nossa principal riqueza agricola, com, certeza que o cidadão que para isso tivesse concorrido com o seu segredo, seria um benemerito e teria direito a pedir,aos poderes publicos, ao parlamento e ao governo, uma indemnisação á altura de uma recompensa condigna de serviço de tão grande monta e de uma tão alta importancia. (Apoiados.)
Mas isto é que é necessario averiguar-se.
V. exa. sabe que um individuo quando se sente doente, em primeiro logar chama o seu medico e geralmente escolhe aquelle em quem deposita maior confiança; se os medicamentos applicados não dão o resultado que o doente ambiciona e deseja, lança-se depois nas mãos de todas as indicações que lhe suggerem os ignorantes e charlatães.
Acontece o mesmo com o lavrador, que tem as suas vinhas affectadas e quer acudir-lhes; recorre aos medicamentos officiaes, lança mito d'elles, applica-os com todo o escrupulo, e se os resultados são negativos, abandona esses remedios e soccorre-se de outros: fornece-se depois de todos os remedios que a industria particular, ás vezes nem sempre seria, lhe offerece, promettendo-lhes resultados positivos e seguros; e v. exa. sabe, que para espirites rudes e pouco cultos, o successo é tudo. (Apoiadas )
Se as primeiras tentativas não dão resultados, fica por esse facto o lavrador inhibido de lançar mão, e de acceitar como bom qualquer outro producto que lhe apresentem, porque cerra os ouvidos a qualquer indicarão que lhe façam, embora seja segura.
Por consequencia, como tudo depende dos primeiros resultados, entendo que sobre este assumpto deve haver o maior cuidado e maximo rigor por parte do governo, de modo a evitar que o lavrador seja victima dos industriosos e dos falsos conselheiros. (Apoiados.)
Em França não se vende, sem uma investigação directa por parte do governo, o sem ser aconselhado como bom, qualquer producto chunico destinado ao augmento da producção cerealifera ou para debellar o mal que ataca as plantas culturaes.
E«e arbitrio não existe era França, e é conveniente que não exista tambem entre nós. (Apoiados.)
É necessario que haja um regulamento por meio do qual o industrial só possa vender o producto cuja analyse o aconselhe como digno de applicação por parte doa lavradores.
Os productos que não estiverem n'estas circumstancias
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não devem ser vendidos, e deverá ser punido o vendedor com o maximo rigor.
V. exa. sabe que a agricultura não tem tanta sobra de capitães que possa estar a despender anno a anno, dia a dia, em tentativas infructiferas, quantias que não lhe sobejam, e se esta perda de capital é importante, mais importante se me afigura ainda o aggravar este estado de scepticismo com que o agricultor recebe as indicações que a sciencia lhe apresenta como uteis para minorar e destruir em grande parte a crise agricola que esmaga os lavradores. (Apoiados.)
É bem sabido de todos que a causa principal da desigualdade da lucta dos nossos productores com relação aos productores americanos ou indianos está na deficiencia dos nossos processos culturaes, (Apoiados.) deficiencia bem demonstrada não só pela sciencia agronomica moderna, mas ainda pela pratica que essa sciencia tem feito no campo da experiencia. (Apoiados.)
A França, que tem uma producção por hectar muito superior á nossa, ainda assim reconhece que não attingiu o maximo da producção, e quando esse maximo seja attingido, a França deixará de se assustar com a concorrencia dos trigos da America ou da India.
Entre nós não se tem feito a este respeito tentativa alguma, e isto sem querer offender a classe a que tenho a honra de pertencer, e que de braços cruzados assiste a esta lucta entre os dois continentes, lucta em que succumbirão aquelles que não se armarem dos novos instrumentos de guerra, unicos capazes de fazer desapparecer esta desigualdade, para nós actualmente esmagadora. (Apoiados.)
Termino aqui as minhas considerações, pedindo ao sr. ministro da justiça que chame a attenção do seu collega das obras publicas para este assumpto, que me parece muito grave, porque realmente não se póde estar a expor á venda e a aconselhar como bom aquillo que officialmente ainda não se demonstrou que fosse efficaz. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.