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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
lhos de pesquiza ou de exploração, nunca poderá exceder 25 kilometros quadrados, ou 2:000 hectares...»
Isto quer dizer o seguinte: até agora, pelo artigo 18.° do decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1869, todo o qualquer individuo que descobrisse uma mina de oiro, ou uma mina de outro qualquer metal, pelo facto da descoberta linha direito inquestionavel a concessão (Apoiados.); hoje qualquer cidadão que fizer a descoberta de uma mina, na provincia do Moçambique, e dentro da area da concessão, não pede obter esse direito que a lei lhe dava (Apoiados.), porque o sr. Paiva de Andrada (e as companhias que elle ainda não organisou, mas que ha de organisar), sem ler feito descoberta de mina nenhuma, já têem direito a todas. (Apoiados.)
Logo esta concessão não sé destruiu o direito que tinha qualquer cidadão á mina que descobrisse, mas foi dar um direito a quem o não podia dar, porque esse direito sé podia ser dado ao descobridor. (Apoiados.)
Mas ha mais. A mina concedida ao descobridor, só póde ser concedida quando não tenha mais do que 5 leguas quadradas; e as concessões feitas ao sr. Paiva de Andrada são tres vezes o continente do Portugal.
Onde é que o governo descobriu um artigo de lei que o auctorisasse a isto? (Apoiados.)
Sr. presidente, o decreto de 26 de dezembro de 1878 é illegal, é diametralmente opposto ao que está estatuido no decreto com força de lei de 4 de dezembro do 1869.
E se a camara se quer acabar de convencer d’esta verdade, dou-lhe uma auctoridade insuspeita: é a auctoridade do sr. Thomás Ribeiro.
Dizia o nobre ministro da marinha, na sessão da camara dos dignos pares, de 10 de janeiro, o seguinte:
«O decreto de 1869, moldado evidentemente pela moderna legislação da Europa e especialmente da metropole, sobre minas...
«Os seus preceitos são liberaes; facilita o mais possivel o direito á pesquiza a quem quer que seja e por todos os modos, supprindo mesmo pelo preceito da auctoridade administrativa o consentimento do dono do predio onde tem de fazer-se a pesquiza e depois a exploração, o concedendo até pesquizas em arcas já demarcadas e concedidas para exploração.»
Que diz aqui o sr. ministro da marinha?
Louva a legislação de 1869, diz que é a mais liberal possivel, e dá logo a rasão. E liberal, porque concede a todos o direito de fazer pesquizas e o direito de fazer explorações; e faz mais ainda, permitte até que se façam explorações em terrenos já concedidos para outras lavras. Esta legislação é a mais liberal do mundo, não ha em paiz algum da Europa uma legislação inspirada por principios mais liberaes do que esta.
Mas, á vista d'isto, como se póde justificar o decreto de 26 de dezembro de 1878?
Ouçamos as palavras do nobre ministro, pronunciadas na mesma sessão:;
«Como, porém, a procura de braços na Austrália era muita e sempre crescente, acontecia que os diversos exploradores se disputavam os mineiros que chegavam da metropole; estes, ou fugiam de umas para outras minas, ou iam explorar por sua conta. '
«Fizeram-se debalde as mais activas diligencias para; acabar com este contrabando do trabalho, mas era impossivel reconhecer as identidades dos fugitivos; haviam mudado de nomes, de tragos, e até quanto possivel de physionomias, e o interesse dos seus novos patrões era proteger-lhes o disfarce e a fraude.
«É facil de ver quantas ruinas e quantas perturbações traria este estado de cousas..
«D'este modo o exclusivo para a (exploração de minas i na zona concedida não sómente é legal, mas é uma providencia em favor da ordem publica.».
Confrontemos estas palavras com aquellas que ou ha pouco li.
Qual é em resumo o pensamento do nobre ministro da marinha n'este trecho, cuja leitura acabo de fazer á camara?
O pensamento é este: o governo entendeu que devia dar o privilegio ao sr. Paiva do Andrada, para não se repetirem os exemplos da Austrália. (Apoiados e riso.)
Na Austrália havia concorrencia entre differentes companhias, mas havia tambem conflictos e desordens.
Em Moçambique o governo quer evitar conflictos e desordens, e por isso supprime a concorrencia, concedendo tudo ao sr. Paiva de Andrada. A legislação de 1809 estabelece a liberdade, mas o sr. ministro reputa essa liberdade perigosa, para a ordem publica, que é preciso manter em Moçambique, onde seria inconveniente a repetição dos deploraveis, acontecimentos da Austrália, e por isso no seu decreto estabelece o exclusivo, o privilegio e o monopolio.
Logo, o sr. ministro da marinha é o proprio que reconhece que a sua obra foi alterar a legislação actual, e contrariar o que n'ella se acha estabelecido. (Apoiados.)
Se esta auctoridade foi declarada insufficiente, tenho outra, que é a. do proprio concessionario.
Diz o sr. Paiva de Andrada, no seu requerimento:
«A base necessaria para constituir uma sociedade agricola existe, logo que haja uma concessão ordinaria de uma determinada area de terreno; quanto á exploração mineralógica, a nossa lei de minas permitte a todo o individuo que descobre uma mina registal-a e exploral-a, mas será quasi impossivel ao requerente obter hoje na Europa capital para uma exploração mineira na Zambezia, se se não apresentar com um documento que prove possuir mais alguma cousa que um direito geral...»
O sr. Paiva do Andrada reconhece confessa que a legislação actual só permitte explorar minas desconhecidas a quem as descobre, mas isso só é pouco para elle, elle quer mais, quer alem do direito geral que todos têem, e que a todos a lei dá, outro direito especial, que a lei não dava, nem dá a ninguem. (Apoiados.) O requerente acha pouco o que a lei lho dá, o pede uma concessão, que elle proprio começa por declarar que está alem da lei.
O governo devia, ou indeferir o requerimento, ou fazer a concessão, invocando as faculdades que lhe dá o artigo 15.° do acto addicional, ou esperar a abertura do parlamento para submetter ao seu exame e approvação uma proposta em harmonia com o requerimento, se entendia que esse requerimento era justo e conveniente.
Mas não fez nada d'isto. Diz o proprio requerente ao governo que a lei não permitte, e o governo, apesar d'isso o talvez por isso mesmo, concede tudo o mais ainda. (Apoiados.)
O requerimento do sr. Paiva de Andrada é datado de 10 de novembro de 1878, o despacho de 26 de dezembro. Bastava, pois, que o governo tivesse a paciencia de esperar alguns dias mais, para poder fazer a concessão regularmente, se, porventura, entendesse que esta era util aos interesses da. nação.
O sr. Mariano de Carvalho, antes de começar a sua argumentação, fez varias perguntas ao sr. ministro da marinha, e uma dellas referia-se ao sentido da palavra exploração.
Perguntou o sr. Mariano de Carvalho ao sr. ministro da marinha, se a palavra «exploração» se devia tomar como synonima de lavra, e o sr. Thomás Ribeiro estranhou muito a pergunta, e disse: «Pois ha alguma companhia séria que queira fazer explorações, tomada a palavra exploração no sentido restricto? Pois ha, companhias serias que queiram fazer explorações, não para lucrar com a lavra, mas por simples amor da arte?»
Ora, eu digo, que talvez houvesse alguma companhia que, por amor da arte, quizesse fazer explorações, isto é, trabalhos preparatorios para a lavra, (Apoiados.) e esta é,
Sessão de 5 de março de 1879