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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O artigo diz o seguinte:
«Fica salvo ao governo o direito de fazer concessões directas d'estas minas a sociedades ou companhias para a exploração em grande de uma certa zona mineira.»
As phrases que mais impressão fizeram no espirito do sr. ministro da marinha foram estas:
«Exploração de uma certa zona mineira.»
Uma zona mineira quer dizer tudo, minas conhecidas e não exploradas, e todas as mais, no parecer de s. ex.ª
E um engano.
A lei não auctorisa o governo a fazer o que fez.
O artigo -15.0 6 bem claro. No § 2.° diz tres cousas distinctas, que é necessario não confundir.
Diz - o que o governo póde conceder, a quem póde conceder, e o fim para que póde conceder.
Quaes são as pessoas a quem as concessões se podem fazer? A sociedades ou companhias. Qual póde ser o objecto d'estas concessões? As minas pertencentes ao estado, visto como d'estas e só d'estas se falla n'este artigo 45.°, e 6 este o objecto unico e exclusivo do capitulo 9.°, onde está collocado este artigo o este §. E para que fim concede? Para explorar n'uma vasta area e não em 25 kilometros quadrados, como acontece nas concessões feitas pelo governador.
Logo por este artigo 45.° o governo não podia fazer concessão senão de minas pertencentes ao estado.
Mas este privilegio exclusivo durante vinte annos para explorar com machinas aperfeiçoadas refere-se ás minas não pertencentes ao estado, e que em virtude do decreto do 4 de dezembro de 1869 só podem pertencer áquelles que as descobrirem.
A lei está bem clara quando diz d'estas minas: D'estas minas são as minas nacionaes.
Logo a segunda concessão a respeito de minas é tão illegal como a primeira.
A terceira concessão 6 para explorar durante vinte annos quaesquer outras minas de carvão de pedra, ferro, cobre e outros metaes.
Esta concessão tem os mesmos vicios da antecedente, excepto os que respeitam ao privilegio das machinas aperfeiçoadas.
E sem me occupar mais de minas vou já fallar das florestas.
Antes de tudo precisamos determinar bem o valor dos termos em que está formulada esta concessão.
O governo deu ao sr. Paiva de Andrada o direito de explorar as florestas nacionaes na Zambezia.
Que quer dizer — explorar as florestas nacionaes?
A esta pergunta respondem as palavras pronunciadas na camara hereditaria pelo sr. Thomás Ribeiro, auctor do decreto e pelo sr. Corvo, membro do governo, com cujo accordo e approvação o decreto foi publicado.
Disse o primeiro na sessão dos dignos pares, de 10 de janeiro:
«A que se reduz pois n'esta parte a concessão? A lenha, carvão e mato, segundo o decreto de 1869 e ao aproveitamento de madeiras necessarias para estabelecimentos de operarios, armazens, depositos, officinas, telheiros, etc.. isto segundo o que a lei prescreve e segundo os regulamentos que venham a fazer-se para a conservação das matas, etc..»
O sr. Thomás Ribeiro pois entendeu, que conceder ao sr. Paiva de Andrada o direito ou a faculdade d'elle explorar as matas nacionaes da Zambezia, é o mesmo que permittir que elle tire d'essas matas as arvores necessarias para estabelecimento dos operarios, para armazens, para depositos, para officinas o para telheiros.
A camara póde bem imaginar qual será o grande numero de arvores que o sr. Paiva do Andrada terá de mandar cortar n aquella região para inaugurar e sustentar a sua empreza, empreza complexa, vasta, ampla e de grandes dimensões.
A empreza que o sr. Paiva de Andrada vae estabelecer na provincia de Moçambique ha de necessariamente ser muito importante, porque as minas que o governo lhe concedeu não são só as minas do estado, são tambem as minas que estiverem em terrenos particulares e ainda não descobertas; não são só as minas conhecidas, são as minas desconhecidas; não são só as minas de oiro, mas as de carvão de pedra, ferro, cobre e de todos os metaes. A empreza, portanto, devo ser collossal e gingantea.
Na exploração e lavra das minas, o concessionario tem necessariamente de empregar muitos e muitos operarios.
O governo pela concessão dá-lhe o direito de cortar as arvores que precisar para os estabelecimentos d'esses operarios. Faz mais, dá o direito de cortar as arvores para armazens, depositos, officinas e tilheiros. Imagina-se quantas arvores escaparão das florestas da Zambezia! (Apoiados.)
O sr. Andrade Corvo, no discurso que pronunciou na sessão de 13 do janeiro, tambem na camara hereditaria, affirma que o concessionario póde tirar madeiras para outros fins. Ouçamos o que elle nos diz:
«Na lei das minas encontra-se uma disposição, pela qual os concessionarios estão auctorisados a servir-se das madeiras das florestas, no que é indispensavel para o uso da exploração das minas. Cita-se na lei designadamente lenhas, carvão, mato, aproveitamento de pastos; mas no indispensavel serviço das minas ha que ter conta tambem com a madeira para galerias, em postes para diversos serviços, e nos paus necessarios para construcçâo de vias de communicaçâo mais ou menos simples, que conduzam os mineiros aos pontos de embarque nos rios ou no mar.»
O sr. Andrade Corvo, portanto, entende que o concessionario póde cortar arvores: primeiro, para as galerias das minas; segundo, para postes; e terceiro, para construcçâo de vias do communicaçâo. Que enorme quantidade de madeira não é necessaria para extensas e numerosas galerias! Que numero do arvores não precisa o concessionario para postes, especialmente se quizer estabelecer telegraphos electricos para serviço das minas! E quantas travessas, quantas centenas e milhares de travessas não se empregarão em caminhos do ferro americanos ou de via reduzida, que o concessionario queira fazer para conduzir os productos lavrados nas suas minas para os portos de embarque!
Haverá arvores na Zambezia para tanta cousa? Terão lá as nossas matas, não digo bem, as matas ex-nacionaes, as matas do sr. Paiva de Andrada, lá, onde são tão raras e tão apreciadas as arvores, terão lá madeira para tantas obras? (Apoiados.)
Se tiverem, tudo póde levar gratuitamente o sr. Paiva de Andrada, e tudo póde empregar no serviço das minas.
E só no serviço das minas? E se o concessionario quizer ser, alem de mineiro, commerciante? Quem lhe prohibe de vender arvores das matas da Zambezia, que já foram nossas? Acaso o decreto de 26 de dezembro lhe limita o direito de explorar as florestas?
Bem sei que no decreto se falla de umas leis e regulamentos, que não existem ainda, o cuja feitura fica para as kalendas gregas. (Apoiados.)
O concessionario vae cortando e aproveitando as arvores que quizer, e, quando já não houver uma só, regula-se então pelos preceitos florestaes, que a esse tempo devem já estar codificados. (Apoiados.)
O concessionario, pois, vae cortando arvores; arvores para as minas e arvores para negociar, se chegarem para tanto. E assim que eu entendo o decreto, e é assim que na camara alta o entendeu tambem o sr. Mártens Ferrão, o qual não hesitou em affirmar que a concessão das florestas não era unicamente para aproveitar das madeiras necessarias para a industria mineira, mas para qualquer operação commercial que quizesse fazer o sr. Paiva de Andrada.
O nobre ministro da marinha, interrogado hontem sobre esta parte do decreto, disse que só reconhecia no conces-
Sessão de 5 de março de 1879